Editora: Brasiliense
ISBN:
978-85-2950-042-3
Opinião:
★★★★☆
Páginas:
120
“A
divisão social do trabalho, ao separar os homens em proprietários e não
proprietários, dá aos primeiros poder sobre os segundos. Estes são explorados
economicamente e dominados politicamente. Estamos diante de classes sociais e
da dominação de uma classe por outra. Ora, a classe que explora economicamente
só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, portanto, se dispuser
de instrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a
ideologia.
Através
do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão
social que lhe permite exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a
submeter-se às regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito,
isto é, o estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito
dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como “Estado
de direito”. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação
não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não
violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o
dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade
real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência,
evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A
função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo,
isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado
pela ideia do Estado — ou seja, a
dominação de uma classe é substituída pela ideia de interesse geral encarnado
pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela ideia do Direito — ou seja, a dominação de uma classe por meio das
leis é substituída pela representação ou ideias dessas leis como legítimas,
justas, boas e válidas para todos.
Não
se trata de supor que os dominantes se reúnam e decidam fazer uma ideologia,
pois esta seria, então, uma pura maquinação diabólica dos poderosos. E, se
assim fosse, seria muito fácil acabar com uma ideologia.
A
ideologia resulta da prática social, nasce da atividade social dos homens no
momento em que estes representam para si mesmos essa atividade, e vimos que
essa representação é sempre necessariamente invertida. O que ocorre, porém, é o
seguinte processo: as diferentes classes sociais representam para si mesmas o
seu modo de existência tal como é vivido diretamente por elas, de sorte que as
representações ou ideias (todas elas invertidas) diferem segundo as classes e
segundo as experiências que cada uma delas tem de sua existência nas relações
de produção. No entanto, as ideias dominantes em uma sociedade numa época
determinada não são todas as ideias existentes nessa sociedade, mas serão
apenas as ideias da classe dominante dessa sociedade nessa época. Ou seja, a
maneira pela qual a classe dominante representa a si mesma (sua ideia a
respeito de si mesma), representa sua relação com a Natureza, com os demais
homens, com a sobre-natureza (deuses), com o Estado, etc., tornar-se-á a
maneira pela qual todos os membros dessa sociedade irão pensar.
A
ideologia é o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam ideias
de todas as classes sociais, se tornam ideias dominantes. É esse processo que
nos interessa agora.
Na
Ideologia Alemã, lemos: “As ideias da
classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que
é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual.
A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao
mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam
submetidas, ao mesmo tempo e em média, as ideias daqueles aos quais faltam os
meios de produção espiritual. As ideias dominantes nada mais são do que a
expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais
dominantes concebidas como ideias; portanto, a expressão das relações que
tornam uma classe a classe dominante; portanto, as ideias de sua dominação. Os
indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas,
também consciência e, por isso, pensam. Na medida em que dominam como classe e
determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda
a sua extensão e, consequentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de ideias; que regulem a produção e distribuição das
ideias de seu tempo e que suas ideias sejam, por isso mesmo, as ideias
dominantes da época”.
A
ideologia consiste precisamente na transformação das ideias da classe dominante
em ideias dominantes para a sociedade como um todo, de modo que a classe que
domina no plano material (econômico, social e político) também domina no plano
espiritual (das ideias). Isto significa que:
1)
embora a sociedade esteja dividida em classes e cada qual devesse ter suas
próprias ideias, a dominação de uma classe sobre as outras faz com que só sejam
consideradas válidas, verdadeiras e racionais as ideias da classe dominante;
2)
para que isto ocorra, é preciso que os membros da sociedade não se percebam
como estando divididos em classes, mas se vejam como tendo certas
características humanas comuns a todos e que tornam as diferenças sociais algo
derivado ou de menor importância;
3)
para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas
características supostamente comuns a todos, é preciso que elas sejam
convertidas em ideias comuns a todos.
Para que isto ocorra é preciso que a classe dominante, além de produzir suas
próprias ideias, também possa distribuí-las, o que é feito, por exemplo,
através da educação, da religião, dos costumes, dos meios de comunicação
disponíveis;
4)
como tais ideias não exprimem a realidade real, mas representam a aparência
social, a imagem das coisas e dos homens, é possível passar a considerá-las
como independentes da realidade e, mais do que isto, inverter a relação fazendo
com que a. realidade concreta seja tida como a realização dessas ideias.
Todos
esses procedimentos consistem naquilo que é a operação intelectual por
excelência da ideologia: a criação de universais
abstratos, isto é, a transformação das ideias particulares da classe
dominante em ideias universais de todos e para todos os membros da sociedade.
Essa universalidade das ideias é abstrata porque não corresponde a nada real e
concreto, visto que no real existem concretamente classes particulares e não a
universalidade humana. As ideias da ideologia são, pois, universais abstratos.
Os
ideólogos são aqueles membros da classe dominante ou da classe média (aliada
natural da classe dominante) que, em decorrência da divisão social do trabalho
em trabalho material e espiritual, constituem a camada dos pensadores ou dos
intelectuais. Estão encarregados, por meio da sistematização das ideias, de
transformar as ilusões da classe dominante (isto é, a visão que a classe
dominante tem de si mesma e da sociedade) em representações coletivas ou
universais. Assim, a classe dominante (e sua aliada, a classe média) se divide
em pensadores e não pensadores, ou em produtores ativos de ideias e
consumidores passivos de ideias.
Muitas
vezes, no interior da classe dominante e de sua aliada, a divisão entre
pensadores e não pensadores pode assumir a forma de conflitos, por exemplo,
entre nobres e sacerdotes, entre burguesia conservadora e intelectuais
progressistas —, mas tal conflito não é uma contradição, não exprime a
existência de duas classes sociais contraditórias, mas apenas oposições no
interior da mesma classe. A prova disso, escrevem Marx e Engels, é que basta
haver uma ameaça real para a dominação da classe dominante para que os
conflitos sejam esquecidos e todos fiquem do mesmo lado da barricada. Nessas
ocasiões, “desaparece a ilusão de que as ideias dominantes não são as ideias da
classe dominante e que teriam um poder diferente do poder dessa classe”.
Assim,
por exemplo, é possível que, em determinadas circunstâncias históricas, os
intelectuais se coloquem contra a burguesia e se façam aliados dos
trabalhadores. Se os trabalhadores, compreendendo a origem da exploração
econômica e da dominação política, decidirem destruir o poder dessa burguesia é
possível que os intelectuais progressistas, sem o saber, passem para o lado da
burguesia. É o que ocorre, por exemplo, quando, diante do aguçamento da luta de
classes num país, os intelectuais demonstram aos trabalhadores que, naquela
fase histórica, o verdadeiro inimigo não é a burguesia nacional, mas a
burguesia internacional imperialista, e que se deve lutar primeiro contra ela.
A ideologia da unidade nacional, que os intelectuais progressistas, de boa-fé, imaginam
servir aos trabalhadores, na verdade serve
à classe dominante.
Por
que isto ocorre? Do lado dos intelectuais, isto decorre do fato de que
interiorizaram de tal modo as ideias dominantes que não percebem o que estão
pensando. Do lado dos trabalhadores, se aceitam tal ideologia nacionalista,
isto decorre da divisão social do trabalho que foi interiorizada por eles,
fazendo-os crer que não sabem pensar e que devem confiar em quem pensa. Com
isto, também eles são vítimas do poder das ideias dominantes.
Esse
fenômeno de manutenção das ideias dominantes mesmo quando se está lutando
contra a classe dominante é o aspecto fundamental daquilo que Gramsci denomina
de hegemonia, ou o poder espiritual
da classe dominante. Por isso ele dizia que, se num determinado momento, os
trabalhadores de um país precisam lutar usando a bandeira do nacionalismo, a
primeira coisa a fazer é redefinir toda a ideia de nação, desfazer-se da ideia
burguesa de nacionalidade e elaborar uma ideia do nacional que seja idêntica à
de popular. Precisam, portanto, contrapor, à ideia dominante de nação, uma
outra, popular, que negue a primeira.
Uma
história concreta não perde de vista a origem de classe das ideias de uma
época, nem perde de vista que a ideologia nasce para servir aos interesses de
uma classe e que só pode fazê-lo transformando as ideias dessa classe
particular em ideias universais.
Não
perde de vista, também, que a produção e distribuição dessas ideias ficam sob
controle da classe dominante, que usa as instituições sociais para sua
implantação — família, escola, igrejas, partidos políticos, magistraturas,
meios de comunicação da cultura, permanecem atrelados à conservação do poder
dos dominantes.
“Se,
ao concebermos o decurso da história, separarmos as ideias da classe dominante
e a própria classe dominante e se as concebermos como independentes, se nos
limitarmos a dizer que numa época estas ou aquelas ideias dominaram, sem nos
preocuparmos com as condições de produção e com os produtores destas ideias;
se, portanto, ignorarmos os indivíduos e as circunstâncias mundiais que são à
base destas ideias, então podemos afirmar, por exemplo, que, na época em que a
aristocracia dominava, os conceitos de honra, de fidelidade dominaram, ao passo
que na época da dominação burguesa dominam os conceitos de igualdade, de
liberdade, etc. É, em média, o que a classe dominante, em geral, imagina”.
Se
fizermos esse tipo de interpretação, não compreenderemos, por exemplo, que a
forma da dominação feudal impõe uma divisão social por estamentos fechados que
se subordinam uns aos outros segundo uma hierarquia imóvel que culmina na
figura do papa e deste alcança a de Deus, entendido como fonte de poder e que,
por uma graça ou por um favor, concede poder a alguns homens determinados e
que, portanto, as relações de honra e de fidelidade simplesmente exprimem o
modo pelo qual os laços de poder são conservados no interior da nobreza contra
os servos. Ao contrário, no mundo capitalista, as relações entre os indivíduos
são determinadas pela compra e venda da força-de-trabalho no mercado, estabelecendo-se
entre as partes (proprietários e assalariados) um contrato de trabalho. Ora, o
pressuposto jurídico da ideia de contrato é que as partes sejam iguais e
livres, de sorte que não apareça o fato de que uma das partes não é igual à
outra, nem é livre. A realização de relações econômicas, sociais e políticas
baseadas na ideia de contrato leva à universalização abstrata das ideias de
igualdade e de liberdade.
O
processo histórico real, escrevem Marx e Engels, não é o do predomínio de
certas ideias em certas épocas, mas um outro e que é o seguinte: cada nova
classe em ascensão que começa a se desenvolver dentro de um modo de produção
que será destruído quando essa nova classe dominar, cada classe emergente,
dizíamos, precisa formular seus interesses de modo sistemático e, para ganhar o
apoio do restante da sociedade contra a classe dominante existente, precisa
fazer com que tais interesses apareçam como interesses de toda a sociedade.
Assim, por exemplo, a burguesia, ao elaborar as ideias de igualdade e de
liberdade como essência do homem faz com que se coloquem de seu lado como
aliados todos os membros da sociedade feudal submetido ao poder da nobreza, que
encarnava o princípio da desigualdade e da servidão.
Para
poder ser o representante de toda a sociedade contra uma classe particular que
está no poder, a nova classe emergente precisa dar às suas ideias a maior
universalidade possível, fazendo com que apareçam como verdadeiras e justas
para o maior número possível de membros da sociedade. Precisa apresentar tais
ideias como as únicas racionais e as únicas válidas para todos. Ou seja, a
classe ascendente não pode aparecer como uma classe particular contra outra
classe particular, mas precisa aparecer como representante de toda a sociedade,
dos interesses de todos contra os interesses da classe particular dominante. E
consegue aparecer assim universalizada graças às ideias que defende como
universais.
No
início do processo de ascensão é verdade que a nova classe representa um
interesse coletivo: o interesse de todas as classes não dominantes. Porém, uma
vez alcançada a vitória e a classe ascendente tomando-se classe dominante, seus
interesses passam a ser particulares, isto é, são apenas seus interesses de
classe. No entanto, agora, tais interesses precisam ser mantidos com a
aparência de universais, porque precisam legitimar o domínio que exerce sobre o
restante da sociedade. Em uma palavra: as ideias universais da ideologia não
são uma invenção arbitrária ou diabólica, não são uma invenção arbitrária ou
diabólica, mas são a conservação de uma universalidade que já foi real num
certo momento (quando a classe ascendente realmente representava os interesses
de todos os não dominantes), mas agora é uma universalidade ilusória (pois a
classe dominante tornou-se representante apenas de seus interesses
particulares).
“Cada
nova classe estabelece sua dominação sempre sobre uma base mais extensa do que
a classe que até então dominava, ao passo que, mais tarde, a oposição entre a nova
classe dominante e a não dominante se agrava e se aprofunda ainda mais”. Isto
significa que cada nova classe dominante, enquanto estava em ascensão, apontava
para a possibilidade de um maior número de indivíduos exercerem a dominação e,
por isso, quando toma o poder, usa de procedimentos mais radicais do que os já
existentes para afastar as possibilidades de exercício do poder por parte dos
dominados. Por isso à distância entre dominantes e dominados aumenta ainda mais
e os dominados, afinal, terão que lutar pelo término de toda e qualquer forma
de dominação.
Estamos
agora em condições de compreender as determinações gerais da ideologia
(recordando que determinação significa: características intrínsecas a uma
realidade e que foram sendo produzidas pelo processo que deu origem a essa
realidade). Podemos agora compreender o que é a ideologia porque acompanhamos o
processo que a produz concretamente.
As
principais determinações que constituem o fenômeno da ideologia são:
1)
a ideologia é resultado da divisão social do trabalho e, em particular, da
separação entre trabalho material/manual e trabalho espiritual/intelectual;
2)
essa separação dos trabalhos estabelece a aparente autonomia do trabalho
intelectual face ao trabalho material;
3)
essa autonomia aparente do trabalho intelectual aparece como autonomia dos
produtores desse trabalho, isto é, dos pensadores;
4)
essa autonomia dos produtores do trabalho intelectual aparece como autonomia
dos produtos desse trabalho, isto é, das ideias;
5)
essas ideias autonomizadas são as ideias da classe dominante de uma época e tal
autonomia é produzida no momento em que se faz uma separação entre os
indivíduos que dominam e as ideias que dominam, de tal modo que a dominação de
homens sobre homens não seja percebida porque aparece como dominação das ideias
sobre todos os homens;
6)
a ideologia é, pois, um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua
origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em
luta;
7)
a divisão da sociedade em classes se realiza como separação entre proprietários
e não proprietários das condições e dos produtos do trabalho, como divisão
entre exploradores e explorados, dominantes e dominados e, portanto, se realiza
como luta de classes. Esta não deve ser entendida apenas como os momentos de
confronto armado entre as classes, mas como o conjunto de procedimentos
institucionais, jurídicos, políticos, policiais, pedagógicos, morais,
psicológicos, culturais, religiosos, artísticos, usados pela classe dominante
para manter a dominação. E como todos os procedimentos dos dominados para
diminuir ou destruir essa dominação. A ideologia é um instrumento de dominação
de classe;
8)
se a dominação e a exploração de uma classe for perceptível como violência,
isto é, como poder injusto e ilegítimo, os explorados e dominados se sentem no
justo e legítimo direito de recusá-la, revoltando-se. Por este motivo, o papel
específico da ideologia como instrumento da luta de classes é impedir que a
dominação e a exploração sejam percebidas em sua realidade concretas. Para
tanto, é função da ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões
sociais como divisões de classes, escondendo, assim, sua própria origem. Ou
seja, a ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a uma
classe na dominação;
9)
por ser o instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais, a ideologia
deve transformar as ideias particulares da classe dominante em ideias
universais, válidas igualmente para toda a sociedade;
10)
a universalidade dessas ideias é abstrata, pois no concreto existem ideias
particulares de cada classe. Por ser uma abstração, a ideologia constrói uma
rede imaginária de ideias e de valores que possuem base real (a divisão
social), mas de tal modo que essa base seja reconstruída de modo invertido e
imaginário;
11)
a ideologia é uma ilusão, necessária à dominação de classe. Por ilusão não
devemos entender “ficção”, “fantasia”, “invenção gratuita e arbitrária”, “erro”,
“falsidade”, pois com isto suporíamos que há ideologias falsas ou erradas e
outras que seriam verdadeiras e corretas. Por ilusão devemos entender:
abstração e inversão. Abstração é o conhecimento de
uma realidade tal como se oferece à nossa experiência imediata, como algo dado,
feito e acabado que apenas classificamos, ordenamos e sistematizamos, sem nunca
indagar como tal realidade foi concretamente produzida. Uma realidade é
concreta porque mediata, isto é, porque produzida por um sistema determinado de
condições que se articulam internamente de maneira necessária. Inversão é tomar o resultado de um processo como se fosse
seu começo, tomar os efeitos pelas causas, as consequências pelas premissas, o
determinado pelo determinante. Assim, por exemplo, quando os homens admitem que
são desiguais porque Deus ou a Natureza os fez desiguais, estão tomando a
desigualdade como causa de sua situação social e não como tendo sido produzida
pelas relações sociais e, portanto, por eles próprios, sem que o desejassem e sem
que o soubessem;
12)
porque a ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela
permanece sempre no plano imediato do aparecer
social. Ora, como vimos, ao falarmos do fetichismo da mercadoria, o
aparecer social é o modo de ser do social de ponta-cabeça. A aparência social
não é algo falso e errado, mas é o modo como o processo social aparece para a
consciência direta dos homens. Isto significa que uma ideologia sempre possui
uma base real, só que essa base está
de ponta-cabeça: é a aparência
social. Assim, por exemplo, a sociedade burguesa aparece em nossa experiência
imediata como estando formada por três tipos diferentes de proprietários: o
capitalista, proprietário do capital; o dono da terra, proprietário da renda da
terra; e o trabalhador, proprietário do salário. Se todos são proprietários,
embora de coisas diferentes, então todos os homens dessa sociedade são iguais e
possuem iguais direitos. Enquanto não ultrapassarmos essa aparência e
procurarmos o modo como realmente e concretamente são produzidos esses
proprietários pelo sistema capitalista, não poderemos compreender que o salário
não é a propriedade do trabalhador, mas é o trabalho não pago pelo capitalista,
que a renda não vem da terra, mas de sua transformação em capital pelo trabalho
não pago do camponês ou dos mineiros, e que, finalmente, só o capital é
efetivamente propriedade. Enquanto não tivermos essa compreensão histórica do
processo real, a ideia de igualdade
não só parecerá verdadeira, mas ainda possuirá base real, ou seja, a maneira
pela qual os homens aparecem no modo de produção capitalista. É neste sentido
que se deve entender a ideologia como ilusão, abstração e inversão;
13)
a ideologia não é um “reflexo” do real na cabeça dos homens, mas o modo
ilusório (isto é, abstrato e invertido) pelo qual representam o aparecer social
como se tal aparecer fosse a realidade social. Se a ideologia fosse um simples “reflexo
invertido” da realidade na consciência dos homens, a relação entre o mundo e a
consciência não seria dialética (isto é, contraditória ou de negação interna),
mas seria mecânica ou de causa e efeito. Se a ideologia fosse o espelho “ruim”
da realidade, ela seria o efeito mecânico da ação dos objetos exteriores sobre
nossa consciência, como a ação da luz sobre nossa retina. Neste caso, não
poderíamos compreender a célebre afirmação de Marx (nas chamadas Onze Teses Sobre Feuerbach) de que o
engano dos materialistas tinha sido o de considerar a relação da consciência
com os objetos como uma experiência sensível e não como uma práxis social, isto é, como uma
atividade social que produz os objetos e o sentido dos objetos. A ideologia é
uma das formas da práxis social:
aquela que, partindo da experiência imediata dos dados da vida social, constrói
abstratamente um sistema de ideias ou representações sobre a realidade.
Para
percebermos que a ideologia não é o mero “reflexo” invertido da realidade na
consciência dos homens, basta nos lembrarmos do modo como Marx define a
religião.
Em
geral, todos conhecem a famosa fórmula segundo a qual “a religião é o ópio do
povo”, isto é, um mecanismo para fazer com que o povo aceite a miséria e o sofrimento
sem se revoltar porque acredita que será recompensado na vida futura
(cristianismo) ou porque acredita que tais dores são uma punição por erros
cometidos numa vida anterior (religiões baseadas na ideia de reencarnação).
Aceitando a injustiça social com a esperança da recompensa ou com a resignação
do pecador, o homem religioso fica anestesiado como o fumador de ópio, alheio à
realidade. No entanto, costuma-se esquecer que, antes de fazer tal afirmação,
Marx define a religião como “a criação de um espírito num mundo sem espírito”, como “enciclopédia e
lógica popular” e “consolação num mundo sem
consolo”. Se a religião, que é uma forma de ideologia, fosse um “reflexo”, ela
teria que espelhar de maneira
invertida o mundo real. Ora, segundo Marx, a inversão religiosa não “reflete”
coisa alguma — sendo criação do
espírito em um mundo sem espírito, a
religião é produção imaginária de algo que não existe. A inversão consiste em
atribuir a essa criação do espírito a origem da realidade, em lugar de
compreender que é a miséria real que está produzindo a crença no espírito numa
divindade poderosa que pune e recompensa as ações humanas. A religião, como
toda ideologia, é uma atividade da
consciência social. A religiosidade consiste em substituir o mundo real (o mundo
sem espírito) por um mundo imaginário (o mundo com espírito). Essa substituição do real pelo imaginário é a grande
tarefa da ideologia e por isso ela anestesia como o ópio;
14)
a ideologia é produzida em três momentos fundamentais:
a)
ela se inicia como um conjunto sistemático de ideias que os pensadores de uma
classe em ascensão produzem para que essa nova classe apareça como
representante dos interesses de toda a sociedade, representando os interesses
de todos os não dominantes. Nesse primeiro momento, a ideologia se encarrega de
produzir uma universalidade com base real para legitimar a luta da nova classe
pelo poder;
b)
ela prossegue tornando-se aquilo que Gramsci denomina de senso comum, isto é,
ela se populariza, torna-se um conjunto de ideias e de valores concatenados e
coerentes, aceitos por todos os que são contrários à dominação existente e que
imaginam uma nova sociedade que realize essas ideias e esses valores (por
exemplo, quando os servos, aprendizes, pequenos artesãos e pequenos
comerciantes no final da Idade Média e no início do mercantilismo aceitam e
incorporam as ideias de liberdade e de igualdade, defendidas pela burguesia em
ascensão). Ou seja, o momento essencial de consolidação social da ideologia
ocorre quando as ideias e valores da classe emergente são interiorizados pela
consciência de todos os membros não dominantes da sociedade;
c)
uma vez sedimentada e interiorizada como senso comum, a ideologia se mantém,
mesmo após a vitória da classe emergente, que se torna, então, classe
dominante. Isto significa que, mesmo quando os interesses anteriores, que eram
interesses de todos os não dominantes, são negados
pela realidade da nova dominação — isto é, a nova dominação converte os
interesses da classe emergente em interesses particulares da classe dominante
e, portanto, nega a possibilidade de que se realizem como interesses de toda a
sociedade —, tal negação não impede que as ideias e valores anteriores à
dominação permaneçam como algo verdadeiro para os dominados. Ou seja, mesmo que
a classe dominante seja percebida como tal pelos dominados, mesmo que estes
percebam que tal classe defende interesses que são exclusivamente dela, essa
percepção não afeta a aceitação das ideias e valores dos dominantes, pois a
tarefa da ideologia consiste justamente em separar os indivíduos dominantes e
as ideias dominantes, fazendo com que apareçam como independentes uns dos
outros. (...)
Este
fenômeno da conservação da validade das ideias e valores dos dominantes, mesmo
quando se percebe a dominação e mesmo quando se luta contra a classe dominante
mantendo sua ideologia, é que Gramsci denomina de hegemonia. Uma classe é hegemônica não só porque detém a
propriedade dos meios de produção e o poder do Estado (isto é, o controle
jurídico, político e policial da sociedade), mas ela é hegemônica, sobretudo
porque suas ideias e valores são dominantes, e mantidos pelos dominados até
mesmo quando lutam contra essa dominação.
Em
geral, fala-se muito em “crise de hegemonia” (conceito gramsciano) para
caracterizar momentos de crise econômica e política nos quais a classe
dirigente (aquela fração da classe dominante que dirige a sociedade) é forçada
a repensar sua ação econômica e política se quiser conservar o poder dirigente.
Ora, crise de hegemonia não é isto. A crise de hegemonia só ocorre quando, além
da crise econômica e política que afeta os dirigentes, há uma crise das ideias
e dos valores dominantes, fazendo com que toda a sociedade, na qualidade de não
dirigente, recuse a totalidade da forma de dominação existente. Assim é que
Gramsci pode caracterizar o surgimento do fascismo na Itália a partir de uma
crise de hegemonia. Mas quando hoje, no Brasil, se consideram as dificuldades
dos atuais dirigentes em manter o controle econômico e político como uma “crise
de hegemonia”, emprega-se erroneamente o conceito gramsciano.
Vejamos
um exemplo de conservação da hegemonia burguesa.
Muitos
movimentos feministas lutam contra o poder burguês porque ele é
fundamentalmente um poder masculino que discrimina social, econômica, política
e culturalmente as mulheres. É considerado um poder patriarcal, isto é, fundado
na autoridade do Pai (chefe de família, chefe de seção, chefe de escola, chefe
de hospital, chefe de Estado, etc.). É um poder que legitima a submissão das
mulheres aos homens tanto pela afirmação da inferioridade feminina (fraqueza
física e intelectual) quanto pela divisão de papéis sociais a partir de
atividades sexuais (feminilidade como sinônimo de maternidade e domesticidade).
Partindo
dessa colocação, muitos movimentos feministas vão defender duas ideias
principais:
1)
a de que as mulheres não devem se sujeitar à ideologia da inferioridade nem à
ideologia dos papéis sociais, mas devem lutar por igual direito ao trabalho;
2)
a de que as mulheres não devem continuar se submetendo ao poderio masculino e
devem defender a liberdade do uso de seu corpo, porque este é propriedade delas
e não dos homens (maridos, filhos, chefes, etc.).
Aparentemente,
tais movimentos parecem estar lutando contra o poder burguês, pelo menos no seu
aspecto discriminatório. Porém, se analisarmos as duas ideias defendidas, o que
veremos? Defender a igualdade no mercado de trabalho não é criticar a
exploração capitalista do trabalho, mas é mantê-la, fazendo com que as mulheres
tenham igual direito de serem exploradas e de realizarem trabalhos alienados.
Seria preciso que as mulheres, como movimento social, pudessem levar a cabo a
crítica do próprio trabalho no modo de produção capitalista, em vez de
desejarem virar força-de-trabalho. Por outro lado, defender a liberdade de usar
o corpo porque este é propriedade privada da própria mulher e afirmar que tal
direito define a mulher como pessoa autônoma, é esquecer de que um dos pilares
da ideologia burguesa, na sua forma liberal, é justamente a definição dos seres
humanos por algo chamado de “direito natural” e que seria o direito à posse e
ao uso do próprio corpo, posse que nos torna livres, liberdade que é necessária
para formular a ideia burguesa de contrato. Ora, vimos como Marx descreve o
surgimento do trabalhador “livre” necessário ao capital: o homem que tendo
apenas a posse de seu corpo, que estando despojado (“liberado”) dos meios e
instrumentos do trabalho, tem o “livre” direito ao uso de seu corpo, vendendo-o
no mercado da compra e venda da força-de-trabalho. E vimos, com Hegel, como a
definição burguesa de pessoa é sinônima ou a versão jurídica do proprietário
privado. Assim, a luta feminista pode realizar-se sem pôr em questão a
hegemonia burguesa.
Isto
não significa que os movimentos feministas são falsos ou inúteis, nem que todos
eles defendam dessa maneira tais ideias. Significa apenas que é possível, de
fato, movimentos de libertação das mulheres que reafirmam a ideologia
dominante.”
“A
ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações
(ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem
aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem
valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que
devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo
(representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo,
normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida
em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e
culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em
classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função
da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos
membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos
referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a
Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado. Isto significa que:
a)
na qualidade de explicação teórica do real (através das ciências, sobretudo
hoje em dia, ou das filosofias ou das religiões), a ideologia nunca pode
explicitar sua própria origem, pois, se o fizesse, faria vir à tona a divisão
social em classes e perderia, assim, sua razão de ser que é a de dar
explicações racionais e universais que devem esconder as diferenças e
particularidades reais. Ou seja, nascida por causa da luta de classes e nascida
da luta de classes, a ideologia é um corpo teórico (religioso, filosófico ou
científico) que não pode pensar realmente a luta de classes que lhe deu origem;
b)
na qualidade de corpo teórico e de conjunto de regras práticas, a ideologia
possui uma coerência racional pela qual precisa pagar um preço. Esse preço é a
existência de “brancos”, de “lacunas” ou de “silêncios” que nunca poderão ser
preenchidos sob pena de destruir a coerência ideológica. O discurso ideológico
é coerente e racional porque entre suas “partes” ou entre suas “frases” há “brancos”
ou “vazios” responsáveis pela coerência. Assim, ela é coerente não apesar das lacunas, mas por causa ou graças às lacunas. Ela é
coerente como ciência, como moral, como tecnologia, como filosofia, como
religião, como pedagogia, como explicação e como ação apenas porque não diz tudo e não pode dizer tudo. Se dissesse tudo, se quebraria por dentro.
Por
este motivo cometemos um engano quando imaginamos ser possível substituir uma
ideologia “falsa” (que não diz tudo) por uma ideologia “verdadeira” (que diz
tudo). Ou quando imaginamos que a ideologia “falsa” é a dos dominantes,
enquanto a ideologia “verdadeira” é a dos dominados. Por que nos enganamos
nessas duas afirmações? Em primeiro lugar, porque uma ideologia que fosse plena
ou que não tivesse “vazios” e “brancos”, isto é, que dissesse tudo, já não
seria ideologia. Em segundo lugar, porque falar em ideologia dos dominados é um
contrassenso, visto que a ideologia é um instrumento da dominação. Esses
enganos nos fazem sair da concepção marxista de ideologia para cairmos na
concepção positivista de ideologia. Podemos, isto sim, contrapor ideologia e
crítica da ideologia, e podemos contrapor a ideologia ao saber real que muitos
dominados têm acerca da realidade da exploração, da dominação, da divisão
social em classes e da repressão a que este saber está submetido pelas forças
repressivas dos dominantes (forças repressivas que não precisam ser apenas as
da polícia ou as do exército, mas que podem ser, sutilmente, a própria
ideologia difundida e conservada pela escola e pelas ciências ou filosofias dos
dominantes).”
“Dizer
que a ideologia não tem história significa que:
a)
a transformação das ideias não depende delas mesmas, de alguma força interna
que teriam (como na história do Espírito hegeliano, ou como nas etapas do
Espírito humano de Augusto Comte), mas depende da transformação das relações
sociais e, portanto, das relações econômicas e políticas. Com isto, podemos perceber
que há entre a ideologia e a estrutura de uma sociedade aquilo que Louis
Althusser chama de “contemporaneidade” ou de correspondência temporal entre a
estrutura social e, as ideias ideológicas. Compreendemos também como as ideias
não ideológicas (aquelas que estão empenhadas em compreender a gênese ou
história real) são capazes de ultrapassar o tempo em que são pensadas. E isso
em duas direções: com relação ao passado, de modo a não “explicá-lo” com as
ideias do presente, mas reencontrando as próprias determinações diferenciadoras
que fazem do passado, passado; com relação ao futuro, na medida em que não
projeta para o que ainda está por vir àquilo que já existe, mas procura, nas
linhas de força do presente, aquilo que anuncia a possibilidade futura,
Enquanto a ideologia explica o presente como efeito do passado, o passado pelo
presente e o futuro pelo já existente, fazendo com que este último deixe de ser
o possível (aquilo que os homens poderão realizar) Para se tornar o previsível
(aquilo que os homens deverão realizar),
o saber histórico mantém as diferenças temporais como diferenças intrínsecas;
b)
a ideologia fabrica uma história imaginária (aquela que reduz o passado e o
futuro às coordenadas do presente), na medida em que atribui o movimento da
história a agentes ou sujeitos que não podem realizá-lo. Assim, por exemplo, a
ideologia nacionalista faz da Nação o sujeito da história, ocultando que a
Nação é uma unidade imaginária, pois é constituída efetivamente por classes
sociais em luta. A ideologia estadista faz do Estado ou da ação dos governantes
ou das mudanças de regimes políticos o sujeito da história, ocultando que o
Estado não é um sujeito autônomo, mas instrumento de dominação de uma classe
social e que, portanto, o sujeito dessa história estadista imaginária é,
afinal, apenas a classe dominante. A ideologia racionalista (e, atualmente, a
ideologia cientificista) faz da Razão (e, hoje em dia, da Ciência) o sujeito da
história, esquecendo-se de que a ideia da Razão (e de Ciência) é determinada
por aquilo que numa sociedade é entendido como racional e como irracional, e
que a ideia de racional idade é determinada pela forma das relações sociais.”
“Porque
a ideologia não tem história, mas fabrica histórias imaginárias que nada mais
são do que uma forma de legitimar a dominação da classe dominante, compreende-se
por que a história ideológica (aquela que aprendemos na escola e nos livros)
seja sempre uma história narrada do ponto de vista do vencedor ou dos
poderosos. Não possuímos a história dos escravos, nem a dos servos, nem a dos
trabalhadores vencidos — não só suas ações não são registradas pelo
historiador, mas os dominantes também não permitem que restem vestígios
(documentos, monumentos) dessa história. Por isso os dominados aparecem nos
textos dos historiadores sempre a partir do modo como eram vistos e
compreendidos pelos próprios vencedores.
O
vencedor ou poderoso é transformado em único sujeito da história não só porque
impediu que houvesse a história dos vencidos (ao serem derrotados, os vencidos
perderam o “direito” à história), mas simplesmente porque sua ação histórica
consiste em eliminar fisicamente os vencidos ou, então, se precisa do trabalho
deles, elimina sua memória, fazendo com que se lembrem apenas dos feitos dos
vencedores. Não é, assim, por exemplo, que os estudantes negros ficam sabendo
que a Abolição foi um feito da Princesa Isabel? As lutas dos escravos estão sem
registro e tudo que delas sabemos está registrado pelos senhores brancos. Não
há direito à memória para o negro. Nem para o índio. Nem para os camponeses.
Nem para os operários.
História
dos “grandes homens”, dos “grandes feitos”, das “grandes descobertas”, dos “grandes
progressos”, a ideologia nunca nos diz o que são esses “grandes”. Grandes em
quê? Grandes por quê? Grandes em relação a quê? No entanto, o saber histórico nos dirá que esses “grandes”,
agentes da história e do progresso, são os “grandes e poderosos”, isto é, os
dominantes, cuja “grandeza” depende sempre da exploração e dominação dos “pequenos”.
Aliás, a própria ideia de que os outros são os “pequenos” já é um pacto que
fazemos com a ideologia dominante.
Graças
a esse tipo de história, a ideologia pode manter sua hegemonia mesmo sobre os
vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos da
história, mas apenas seus pacientes.
Quem
e o que pode desmantelar a ideologia? Somente uma prática política nascida dos
explorados e dominados e dirigida por eles próprios. Para essa prática é de
grande importância o que chamamos de crítica da ideologia, que consiste em
preencher as lacunas e os silêncios do pensamento e discurso ideológicos,
obrigando-os a dizer tudo que não está dito, pois desta maneira a lógica da
ideologia se desfaz e se desmancha, deixando ver o que estava escondido e assegurava
a exploração econômica, a desigualdade social, a dominação política e a
exclusão cultural.”
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