quarta-feira, 17 de julho de 2019

Salário, Preço e Lucro (Parte I) – Karl Marx

Editora: Abril Cultural
Tradução: Leandro Konder
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 53

“Todos vós conheceis a Lei das Dez Horas,3 ou, mais precisamente, das Dez Horas e Meia, promulgada em 1848. Foi uma das maiores modificações econômicas que já presenciamos. Representou um aumento súbito e obrigatório de salários não em umas quantas indústrias locais, porém nos ramos industriais mais eminentes, por meio dos quais a Inglaterra domina os mercados do mundo. Foi uma alta de salários em circunstâncias singularmente desfavoráveis. O Dr. Ure, o Prof. Senior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia no campo da economia demonstraram, e, devo dizer, com razões muito mais sólidas do que as do nosso amigo Weston, que aquilo era o dobre de finados da indústria inglesa. Demonstraram que não se tratava de um simples aumento de salários, mas de um aumento de salários provocado pela redução da quantidade de trabalho empregado e nela fundamentado. Afirmaram que a duodécima hora que se queria arrebatar ao capitalista era justamente aquela em que este obtinha o seu lucro. Ameaçaram com o decréscimo da acumulação, a alta dos preços, a perda dos mercados, a redução da produção, a consequente reação sobre os salários e, enfim, a ruína. Sustentavam que a lei de Maximiliano Robespierre sobre os limites máximos era uma ninharia comparada com essa outra; e, até certo ponto, tinham razão. Mas qual foi, na realidade, o resultado? Os salários em dinheiro dos operários fabris aumentaram, apesar de se haver reduzido a jornada de trabalho, cresceu consideravelmente o número de operários em atividade nas fábricas; baixaram constantemente os preços dos seus produtos, desenvolveram-se às mil maravilhas as forças produtivas do seu trabalho e se expandiram progressivamente, em proporções nunca vistas, os mercados para os seus artigos. Em Manchester, na assembleia da Sociedade pelo Progresso da Ciência, em 1860, eu próprio ouvi o Sr. Newman confessar que ele, o Dr. Ure, o Prof. Senior e todos os demais representantes oficiais da ciência econômica se haviam equivocado, ao passo que o instinto do povo não falhara.”
3: A Lei das Dez Horas, que reduziu e regulamentou a duração da jornada de trabalho, representou, na época, uma vitória da classe operária. [N. do E.]


“Para esclarecer esse ponto, recorrerei a um exemplo geométrico muito simples. Quando comparamos a área de vários triângulos das mais diversas formas e grandezas, ou quando comparamos triângulos com retângulos, ou com outra quer figura retilínea, qual é o processo que empregamos? Reduzimos a área de triângulo qualquer a uma expressão completamente distinta de sua forma visível como, pela natureza do triângulo, sabemos que a área dessa figura geométrica é sempre igual à metade do produto de sua base pela sua altura, isso nos permite comparar entre si os diversos valores de toda classe de triângulos e de todas as figuras retilíneas, já que todas elas podem reduzir-se a um certo número de triângulos.
Temos que seguir o mesmo processo para os valores das mercadorias. Teme que poder reduzi-los todos a uma expressão comum, distinguindo-os unicamente pela proporção em que contém essa mesma e idêntica medida. Como os valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais delas, e nada têm a ver com suas propriedades naturais, devemos antes de mais nada perguntar: Qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria tem-se que inverter nela, ou a ela incorporar, uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para seu uso pessoal e direto para consumi-lo, cria um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem com a sociedade. Mas, para produzir uma mercadoria, não só se tem de criar um artigo que satisfaça a uma necessidade social qualquer, como também o trabalho nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho invertido pela sociedade. Tem que estar subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não é nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, é chamado a integrá-los. Quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se assim quiserdes, cristalizado. Consideradas desse modo, só podem distinguir-se umas das outras enquanto representem quantidades maiores ou menores de trabalho, assim, por exemplo, num lenço de seda pode encerrar-se uma quantidade maior de trabalho do que em um tijolo. Mas como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que dura o trabalho, medindo este em horas, em dias etc. Naturalmente, para aplicar essa medida, todas as espécies de trabalho se reduzem a trabalho médio, ou simples, como a sua unidade.
Chegamos, portanto, a esta conclusão. Uma mercadoria tem um valor por ser uma cristalização de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que ela encerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho necessário à sua produção. Portanto, os valores relativos das mercadorias se determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho plasmada na outra.
Suspeito que muitos de vós perguntareis: existe então uma diferença tão grande, supondo que exista alguma, entre a determinação dos valores das mercadorias na base dos salários e sua determinação pelas quantidades relativas de trabalho necessárias à sua produção? Não deveis perder de vista que a retribuição do trabalho e a quantidade de trabalho são coisas perfeitamente distintas. Suponhamos, por exemplo, que num quarter* de trigo numa onça de ouro se plasmam quantidades iguais de iguais de trabalho. Valho-me desse exemplo porque já foi empregado por Benjamin Franklin17 no seu primeiro ensaio, publicado em 1729, sob o título de Uma Modesta Investigação Sobre a Natureza e a Necessidade do Papel-Moeda, que é um dos primeiros livros em que se reconhece a verdadeira natureza do valor. Pois bem, suponhamos, como ficou dito, que um quarter de trigo e uma onça de ouro são valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizações de quantidades iguais de trabalho médio de tantos dias, ou tantas semanas de trabalho plasmado em cada uma delas. Acaso, ao determinar assim os valores relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referência aos salários que percebem os operários agrícolas e os mineiros? Em absoluto, nem por sombra. Não dizemos, sequer remotamente, como se paga o trabalho diário ou semanal desses obreiros, nem ao menos dizemos se aqui se emprega, ou não, trabalho assalariado. Ainda supondo que se empregue trabalho assalariado, os salários podem ser muito desiguais. Pode acontecer que o operário cujo trabalho se plasma no quarter de trigo só perceba por ele dois bushel18, enquanto o operário na mina pode ter percebido pelo seu trabalho metade da onça de ouro. Ou, supondo que os seus salários sejam iguais, podem diferir nas mais diversas proporções dos valores das mercadorias por ele produzidas. Podem representar a metade, a terça, quarta ou quinta parte, ou outra fração qualquer daquele quarter de trigo, ou daquela onça de ouro. Naturalmente, os seus salários não podem exceder os valores das mercadorias por eles produzidas, não podem ser maiores que estas, mas podem, sim, ser inferiores em todos os graus imagináveis. Seus salários achar-se-ão limitados pelos valores dos produtos, mas os valores de seus produtos não se acharão limitados pelos salários. E sobretudo aqueles valores, os valores relativos do trigo e do ouro, por exemplo, se terão fixado sem atentar em nada no valor do trabalho invertido neles, isto é, sem atender em nada aos salários. A determinação dos valores das mercadorias pelas quantidades relativas de trabalho nelas plasmado difere, como se vê, radicalmente, do método tautológico da determinação dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja, pelos salários. Contudo, no decurso de nossa investigação, teremos oportunidade de esclarecer ainda mais esse ponto. Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, temos de acrescentar à quantidade de trabalho invertida nela, em último lugar, a que antes se incorporou nas matérias primas com que se elaborou a mercadoria e o trabalho aplicado aos meios de trabalho – ferramentas, maquinaria e edifícios – que serviram para esse trabalho19. Por exemplo, o valor de uma determinada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de trabalho incorporada ao algodão durante o processo de fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente plasmado nesse algodão, da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregadas, bem como da quantidade de trabalho materializado na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais como ferramentas, maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de produção. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as matérias-primas, transferir-se-ia imediatamente todo o seu valor a mercadoria que ajudam a produzir. Mas como um fuso, por exemplo, só se desgasta aos poucos, calcula-se um termo médio tomando por base a sua duração média, o seu aproveitamento médio ou a sua deterioração ou desgaste durante um determinado tempo, digamos, um dia. Desse modo calculamos qual a parte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante um dia e que parte, portanto, dentro da soma global de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponde a quantidade de trabalho anteriormente incorporado nos fusos. Para o objetivo a que visamos é necessário insistir mais nesse ponto.
Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho que se inverte na sua produção, quanto mais preguiçoso ou inábil seja um operário, mais valiosa será a mercadoria por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessário para produzi-la será proporcionalmente maior. Mas aquele que assim pensa incorre num lamentável erro. Lembrai-vos que eu empregava a expressão “trabalho social” e nessa denominação de “social” cabem muitas coisas. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho incorporado ou cristalizado nela, queremos referir-nos a quantidade de trabalho necessário para produzir essa mercadoria num dado estado social e sob determinadas condições sociais médias de produção, com uma dada intensidade social média e com uma destreza média no trabalho que se emprega. Quando, na Inglaterra, o tear a vapor começou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido de algodão, ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que anteriormente se invertia. Agora, o pobre tecelão manual tinha que trabalhar 17 ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto de suas 20 horas de trabalho só representava 10 horas de trabalho social: isto é, as 10 horas de trabalho socialmente necessárias para converter uma determinada quantidade de fio em artigos têxteis. Portanto, seu produto de 20 horas não tinha mais valor do que aquele que antes elaborava em 10.
Se, então, a quantidade de trabalho socialmente necessário, materializado nas mercadorias, é o que determina o valor de troca destas, ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu valor e vice-versa, diminuindo aquela, baixa este.
Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para produzir as respectivas mercadorias permanecessem constantes, seriam também constantes seus valores relativos. Porém, assim não sucede. A quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria varia constantemente, ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado; e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Se, por exemplo, ao crescer a população, se fizesse necessário cultivar terras menos férteis, teríamos que inverter uma quantidade maior de trabalho para obter a mesma produção, e isso faria subir, por conseguinte, o valor dos produtos agrícolas. Por outro lado, se um só fiandeiro, com os modernos meios de produção, ao fim do dia converte em fio mil vezes mais algodão que antes fiava no mesmo espaço de tempo com auxílio da roca, é evidente que, agora, cada libra de algodão absorverá mil vezes menos trabalho de fiação que dantes e, por consequência, o valor que o processo de fiação incorpora em cada libra de algodão será mil vezes menor. E na mesma proporção baixará o valor do fio.
À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida para o trabalho entre os diversos povos, as forças produtivas do trabalho dependerão, principalmente:
1 – Das condições naturais do trabalho: fertilidade do solo, riqueza das jazidas minerais etc.
2 – Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais do trabalho por efeito da produção em grande escala, da concentração do capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria, melhoria dos métodos, aplicação dos meios químicos e de outras forças naturais, redução do tempo e do espaço graças aos meios de comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos quais mais a ciência obriga as forças naturais a servir ao trabalho, e pelos quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. Quanto maior é a força produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é o valor desses produtos. Quanto menores são as forças produtivas do trabalho, mais trabalho se emprega na mesma quantidade de produtos e por consequência, maior é o seu valor. Podemos, então, estabelecer como lei geral o seguinte:
Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado.
Como até aqui só temos falado do valor, acrescentarei algumas palavras acerca do preço, que é uma forma particular tomada pelo valor.
Em si mesmo, o preço outra coisa não é senão a expressão em dinheiro do valor. Os valores de todas as mercadorias deste país se exprimem, por exemplo, em preços-ouro, enquanto no continente se expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de trabalho necessário à sua extração. Permutais uma certa soma de vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade de vosso trabalho nacional, pelos produtos dos países produtores de ouro e prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade de seu trabalho. É por esse processo, na verdade pela simples troca, que aprendeis a exprimir em ouro e prata os valores de todas as mercadorias, isto é, as quantidades respectivas de trabalho empregadas na sua produção. Se vos aprofundardes mais na expressão em dinheiro do valor, ou, o que vem a ser o mesmo, na conversão do valor em preço, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores de todas as mercadorias uma forma independente e homogênea, por meio da qual exprimis esses valores como quantidades de igual trabalho social. Na medida em que é apenas a expressão em dinheiro do valor, o preço foi denominado preço natural, por Adam Smith, e prix nécessaire20, pelos fisiocratas franceses.
Que relação guardam, pois, o valor e os preços do mercado ou os preços naturais e os preços do mercado? Todos sabeis que o preço do mercado é o mesmo para todas as mercadorias da mesma espécie, por muito que variem as condições de produção dos produtores individuais. Os preços do mercado não fazem mais que expressar a quantidade social média de trabalho, que nas condições médias de produção, é necessária para abastecer o mercado com determinada quantidade de um certo artigo. Calcula-se tendo em vista a quantidade global de uma mercadoria de determinada espécie.
Até agora o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor. Por outra parte, as oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor, ou preço natural, e outras vezes ficam abaixo dele dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado se desviam constantemente dos valores, mas, como diz Adam Smith:
“O preço natural é (...) o preço central em torno do qual gravitam constantemente os preços das mercadorias. Circunstâncias diversas os podem manter erguidos muito acima desse ponto e, por vezes, precipitá-los um pouco abaixo. Quaisquer, porém, que sejam os obstáculos que os impeçam de se deter nesse centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para lá”.21
Não posso agora esmiuçar esse assunto. Basta dizer que, se a oferta e a procura se equilibram, os preços das mercadorias no mercado corresponderão a seus preços naturais, isto é, a seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessário para a sua produção. Mas a oferta e a procura devem constantemente tender para o equilíbrio, embora só o alcancem compensando uma flutuação com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se, em vez de considerar somente as flutuações diárias, analisardes o movimento dos preços do mercado durante um espaço de tempo bastante longo, como o fez, por exemplo, o Sr. Tooke, na sua História dos Preços, descobrireis que as flutuações dos preços no mercado, seus desvios dos valores, suas altas e baixas, se compensam umas com as outras e se neutralizam de tal maneira que, postas à margem a influência exercida pelos monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar por alto, vemos que todas as espécies de mercadorias se vendem, em termo médio, pelos seus respectivos valores ou preços naturais. Os períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no mercado, diferem segundo as distintas espécies de mercadorias, porque numas é mais fácil que em outras adaptar a oferta à procura.
Se, então, falando de um modo geral e abarcando períodos de tempo bastante longos, todas as espécies de mercadorias se vendem pelos seus respectivos valores, é absurdo supor que o lucro – não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas indústrias – brota de uma majoração dos preços das mercadorias, ou do fato de que se vendar por um preço que exceda consideravelmente o seu valor. O absurdo dessa ideia evidencia-se desde que a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O que estes pagassem ao produtor, teriam antes de recebe-lo dele grátis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercadorias, por esse caminho nunca enriquecereis por mais caro que vendais. Essa espécie de negócios poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro. Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtém vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção a quantidade de trabalho nelas materializado. Se não conseguirdes explicar o lucro sobre essa base, de nenhum outro modo conseguireis explicá-lo. Isso parece um paradoxo e contrário a observação de todos os dias. Parece também paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas.”
*: Quarter, medida inglesa de capacidade que equivale a 8 bushels, ou seja, cerca de 290 litros. (N. do E.)
17: Benjamin Franklin 1706-17901, filósofo e estadista norte-americano, tornou-se conhecido desde seu primeiro ensaio: A Modest Inquiry into the Nature and Necessity of a Paper Currency. (N. do E.)
18: Medida inglesa para secos, equivalente, nos Estados Unidos a 35.238litros, e, na Inglaterra, a 36,367 litros. (N. do T.)
19: Ver RICARDO, David. Princípio de Economia Política. Cap. 1, sec. IV. (N do T.)
20: Em francês, no original, “preço necessário”. (N. do E)
21: SMITH, Adam. The Wealth of Nations, Nova York, 1931, t.1, cap. 7, p. 57. (N. do T.)


“O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto é assim que, não sei se as leis inglesas, mas, desde logo, algumas leis continentais fixam o máximo de tempo pelo qual uma pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura. Semelhante venda, se o operário se vendesse por toda a vida, por exemplo, convertê-lo-ia sem demora em escravo do patrão até o final de seus dias.
Thomas Hobbes, um dos economistas mais antigos e dos mais originais filósofos da Inglaterra, já havia assinalado em seu Leviatã, instintivamente, esse ponto que escapou a todos os seus sucessores. Dizia ele:
“O valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço, quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força”.
Partindo dessa base podemos determinar o valor do trabalho, como o de todas as outras mercadorias.
Mas antes de fazê-lo, poderíamos perguntar: de onde provém esse fenômeno singular de que no mercado nos encontremos um grupo de compradores, que possuem terras, maquinaria, matérias-primas e meios de vida, coisas essas que, exceto a terra, em seu estado bruto, são produtos de trabalho, e, por outro lado, um grupo de vendedores que nada têm a vender senão sua força de trabalho, os seus braços laboriosos e cérebros? Como se explica que um dos grupos compre constantemente para realizar lucro e enriquecer-se, enquanto o outro grupo vende constantemente para ganhar o pão de cada dia? A investigação desse problema seria uma investigação do que os economistas chamam “acumulação prévia ou originária23, mas que deveria chamar-se expropriação originária. E veremos que essa chamada acumulação originária não é senão uma série de processos históricos que resultaram na decomposição da unidade originária existente entre o homem trabalhador e seus instrumentos de trabalho. Uma vez consumada a separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho, esse estado de coisas se manterá e se reproduzirá em escala sempre crescente, até que uma nova e radical revolução do sistema de produção a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma histórica nova.”
22: Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, empírico e sensualista, ideólogo da nobreza aburguesada. Defendeu o poder ilimitado do Estado em suas obras, sobretudo no Leviatã, escrito em 1651, que foi queimado em publico, após a restauração dos Stuart. (N. do E.)
23: O mesmo que “acumulação primitiva”, como diria Marx em O Capital. (N. do E.)


“Que é, pois, o valor da força de trabalho?
Como o de toda outra mercadoria, esse valor se determina pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la. A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter-se, um homem precisa consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência; o homem, como a máquina, se gasta e tem que ser substituído por outro homem. Além da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de filhos, que hão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a descendência dos trabalhadores. Ademais, tem que gastar outra soma de valores no desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa habilidade. Para o nosso objetivo bastar-nos-á considerar o trabalho médio, cujos gastos de educação e aperfeiçoamento são grandezas insignificantes. Devo, sem embargo, aproveitar a ocasião para constatar que, assim como diferem os custos de produção de força de trabalho de diferente qualidade, assim têm que diferir, também, os valores das forças de trabalho aplicadas nas diferentes indústrias. Por consequência, o grito pela igualdade de salários assenta num erro, é um desejo oco, que jamais se realizará. É um rebento desse falso e superficial radicalismo que admite as premissas e procura fugir às conclusões. Dentro do sistema do salariado, valor da força de trabalho se fixa como o de outra mercadoria qualquer; e, como distintas espécies de força de trabalho possuem distintos valores ou exigem para a sua produção distintas quantidades de trabalho, necessariamente têm que ter preços distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retribuição justa, na base do sistema do salariado, é o mesmo que pedir liberdade na base do sistema da escravatura. O que pudésseis considerar justo ou equitativo não vem ao caso. O problema está em saber o que vai acontecer necessária e inevitavelmente dentro de um dado sistema de produção.
Depois do que dissemos, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.”

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