sábado, 30 de janeiro de 2021

A luta de classes: uma história política e filosófica (Parte I), de Domenico Losurdo

Editora: Boitempo

ISBN: 978-85-7559-438-4

Tradução: Silvia de Bernardinis

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 400

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Sinopse: Nesse livro, Domenico Losurdo analisa o presente e o passado da luta de classes e se fixa numa expressão intrigante usada no Manifesto Comunista, de Marx e Engels, ou seja, ‘lutas de classes’. Para o filósofo, esse plural é pleno de significado e consequências, que nem sempre foram percebidos, no desenvolvimento da luta política ao longo da história.

Losurdo entende que o tema de sua obra não se restringe apenas ao conflito entre as classes proprietárias e os trabalhadores. É também ‘a exploração de uma nação por outra’, como denunciou Karl Marx, e a opressão ‘do sexo feminino pelo masculino’, como Friedrich Engels escreveu.

A proclamação do ocaso da teoria marxista por intelectuais e políticos na década de 1950 no Velho Continente, aliás, é criticada pelo autor. Ele afirma que se tratou de um erro duplo, tanto por disfarçar a realidade do capitalismo, sugerindo um nivelamento das diferenças sociais que nunca existiu, como por ignorar as ásperas lutas de classes que se desenvolviam, como a revolução anticolonial no Vietnã, em Cuba e no ‘Terceiro Mundo’ – e  também a luta dos negros nos Estados Unidos para pôr fim ao sistema de segregação, discriminação e opressão.

Losurdo defende que, diante das diferentes formas de luta de classes, urge a mudança da divisão do trabalho e das relações de exploração e opressão que existem tanto no espectro global, entre Estados, como no interior de um país e até mesmo na instituição familiar.

As colossais mudanças que marcaram a transição entre os séculos XX e XXI fazem da luta de classes fundamental para nosso tempo. ‘É claro para muitos que hoje a sociedade brasileira está imersa em uma intensificação ‘das lutas de classes’ que nem sempre é de fácil leitura. Para os ativistas sociais, o conhecimento do método de análise e das informações fornecidas por Domenico Losurdo pode ser de grande utilidade para a construção de programas de lutas eficazes’, conclui José Luiz Del Roio no texto de orelha.


 

“Além da “exploração do trabalho”, que no âmbito de um único país condena o trabalhador à “escravidão moderna”, Miséria da filosofia, o Manifesto Comunista e outros textos coevos denunciam a “exploração de uma nação sobre a outra”, isto é, a “exploração  entre os povos”[29]. No que concerne à Irlanda, é preciso considerar que “a exploração do país” constitui “uma das principais fontes da riqueza material” da Inglaterra[30]. Mas é apenas a exploração que ocorre no contexto de um único país o que provoca a luta de classes? No mesmo ano em que escreve o Manifesto Comunista, Marx adverte peremptoriamente: os que “não conseguem entender como um país pode enriquecer à custa dos outros” menos ainda conseguirão entender “de que modo, no interior de um país singular, uma classe pode enriquecer à custa de outra”[31]. Longe de ter pouca relevância do ponto de vista da luta de classes, a exploração e a opressão que se desenvolvem em âmbito internacional são uma precondição, pelo menos no plano metodológico, para a compreensão do conflito social e da luta de classes em âmbito nacional.”

[29] Karl Marx e Friedrich Engels, Marx-Engels Werke (MEW), v. 4, p. 164, 84, 479 e 416 [ed. bras.: Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, cit, p. 56].

[30] Ibidem, v. 32, p. 667.

[31] Ibidem, v. 4, p. 457.

 

 

“O gênero das lutas de classes emancipadoras conta com uma terceira espécie, além das duas já observadas. Sim, existe outro grupo social bastante numeroso, aliás, tão numeroso que constitui (ou supera) metade da população total, um grupo social que sofre a “autocracia” e que aguarda a “libertação” – trata-se das mulheres, sobre as quais pesa a opressão exercida pelo homem entre as quatro paredes[47]. Estou citando um texto (A origem da família, da propriedade privada e do Estado) que Engels publicou em 1884. É verdade, Marx havia morrido fazia um ano, mas já entre 1845 e 1846 A ideologia alemã, texto ao qual Engels explicitamente faz referência, observa que na família patriarcal “a mulher e os filhos são os escravos do homem”[48]. Por sua vez, o Manifesto, que não se cansa de acusar a burguesia por reduzir o proletariado a máquina e a instrumento de trabalho, chama atenção para o fato de que “para o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção”; ora, “se trata precisamente de arrancar a mulher de seu papel de simples instrumento de produção”[49]. A categoria usada para definir a condição do operário na fábrica capitalista vale também para definir a condição da mulher no âmbito da família patriarcal.

Em geral, o sistema capitalista se apresenta como um conjunto de relações mais ou menos servis impostas por um povo sobre outro no âmbito internacional, por uma classe sobre outra no âmbito de um país singular e pelo homem sobre a mulher no âmbito de uma mesma classe. Compreende-se, então, a tese que Engels formula ligando-se a François-Marie-Charles Fourier, apreciada também por Marx, tese pela qual a emancipação feminina constitui “a medida da emancipação universal”[50]. No bem e no mal, a relação homem/mulher é uma espécie de microcosmo que reflete a ordem social global: na Rússia amplamente pré-moderna, submetida a uma impiedosa opressão por parte de seus senhores, os camponeses – observa Marx – aplicam, por sua vez, “horríveis espancamentos até a morte de suas mulheres”[51]. Ou tomemos como exemplo a fábrica capitalista: se é verdade que o poder despótico do patrão pesa sobre todos os trabalhadores, é sobre as mulheres – ressalta Engels – que se percebe de forma particularmente humilhante. “A sua fábrica é ao mesmo tempo o seu harém”[52].”

[47] MEW, v. 21, p. 158.

[48] Ibidem, v. 3, p. 32.

[49] Ibidem, v. 4, p. 478-9 [ed. bras.: Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, cit., p. 55-6].

[50] Ibidem, v. 20, p. 242, 32 e 583.

[51] Ibidem, v. 32, p. 437.

[52] Ibidem, v. 2, p. 373.

 

 

“A “jacobina inglesa”, que constitui uma genial exceção, parece de alguma maneira antecipar Marx e Engels, os quais instituem um nexo entre divisão do trabalho no âmbito da família e divisão do trabalho no âmbito da sociedade. O segundo, em particular, formula a tese pela qual “a moderna família nuclear é fundada na escravidão doméstica, aberta ou dissimulada, da mulher”; de qualquer maneira, “o homem é o burguês, ao passo que a mulher representa o proletariado”[63].

Entre os contemporâneos de Marx e Engels, Nietzsche, mais do que John Stuart Mill, desenvolve uma análise que poderia se aproximar à deles, embora com um juízo de valor oposto. O crítico implacável da revolução enquanto tal, inclusive da revolução feminista, compara a condição da mulher à dos “miseráveis das classes inferiores”, dos “escravos do trabalho ou dos presos”[64] e indiretamente aproxima movimento feminista, movimento operário e movimento abolicionista: os três estão desalentadamente em busca das diferentes “formas de escravidão e servidão” – para denunciá-las indignados – como se sua constatação não fosse a confirmação de que a escravidão é “o fundamento de toda civilização superior”[65].

Obviamente, a razão do nexo entre subjugação da mulher e opressão social como um todo é desenvolvida de maneira mais ampla e orgânica por Engels, sempre retomando A ideologia alemã, que escreveu junto com Marx e que ficou inédita por muito tempo: “A primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo masculino”. É um assunto que carrega uma longa história e que ainda não chegou à conclusão.

A derrubada do matriarcado marcou a derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem assumiu também o comando da casa; a mulher foi degradada e reduzida à servidão; tornou-se escrava da lascívia e mero instrumento para a produção dos filhos. Esse estado de degradação da mulher [...] foi aos poucos embelezado e dissimulado, assumiu por vezes formas mais brandas, mas não foi absolutamente eliminado.[66]

[63] MEW, v. 21, p. 75.

[64] Friedrich Nietzsche, Genealogia della morale (Milão, Orsa Maggiore, 1993), v. 3, p. 18 [ed. bras.: Genealogia da moral, trad. Mario Ferreira dos Santos, São Paulo, Vozes, 2009].

[65] Idem, Al di là del bene e del male (Roma, Newton Compton, 2011), p. 239 [ed. bras.: Além do bem e mal, trad. Renato Zwick, Porto Alegre, L&PM, 2008].

[66] MEW, v. 21, p. 68 e 61.

 

 

“É evidente que nos Estados Unidos da escravidão negra e da white supremacy o destino dos afro-americanos está marcado em primeiro lugar pelo pertencer à “raça”. Nessas circunstâncias, levantar a questão “racial” (ou nacional) não significa de modo nenhum remover o conflito social, mas, ao contrário, enfrentá-lo nos termos concretos e peculiares em que ele se manifesta.”

 

 

“A tradição liberal leu a luta de classes em termos reducionistas e vulgarmente economicistas, forçando a dupla conceitual liberdade/igualdade, atribuiu a si mesma o amor ciumento e desinteressado para a liberdade e rotulou seus adversários como almas vulgares e invejosas, movidas apenas por interesses materiais e pela perseguição da igualdade econômica. É uma tradição de pensamento que resulta em Hannah Arendt[6], segundo a qual Marx seria o teórico da “abdicação da liberdade perante o imperativo da necessidade” e o campeão da tese de que “o escopo da revolução” não seria a “liberdade”, mas somente a “abundância” material. O empenho concreto pela emancipação da mulher e das nações oprimidas, a disponibilidade (no tempo da Guerra de Secessão) para aguentar os mais duros sacrifícios materiais para contribuir a rebentar os grilhões impostos aos afro-americanos, a determinação a abolir junto com a escravidão propriamente dita também a “escravidão moderna” e assalariada, a luta cotidiana contra o “despotismo” dos patrões na fábrica e a legislação tirânica de Bismarck, tudo isso é esquecido por uma interpretação que se distingue mais pela paixão política e ideológica (estamos nos anos da Guerra Fria) do que pelo rigor filológico e filosófico.”

[6] Hannah Arendt, Sulla rivoluzione (Milão, Comunità, 1983), p. 62 e 65 [ed. bras.: Sobre a revolução, trad. Denise Bottmann, São Paulo, Companhia das Letras, 2011].

 

 

““O tempo é o espaço do desenvolvimento humano. Um homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, à parte as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., é tomado por seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. Ele é uma simples máquina para a produção de riqueza alheia, é fisicamente destroçado e espiritualmente animalizado.[41]

Estamos diante de um sistema – preme O capital – que não hesita em sacrificar vidas humanas em formação e incapazes de qualquer defesa: eis o “grande roubo das crianças que o capital, à maneira de Herodes, cometeu nos inícios do sistema fabril nos abrigos de pobres e de órfãos [...] material humano miserável que assim haviam obtido”[42]. São terríveis os custos humanos do capitalismo. Basta pensar na formação da indústria têxtil na Inglaterra: procura-se a matéria-prima necessária cercando e destinando à pastagem as terras comunais que antes asseguravam a subsistência de grande parte da população que, expropriada, é condenada à fome e ao desespero, de modo que, citando a expressão de Thomas More retomada por Marx, “as ovelhas devoram os homens[43].

Não se trata de um capítulo de história já concluído, que diz respeito apenas ao processo de formação do capitalismo. Mesmo em sua forma madura, esse sistema é marcado por uma busca pelo lucro que comporta um “‘desperdício’ de vida humana, digno de Timur-Tamerlão”[44]. Sim, “com todo o cercear”, a produção capitalista é “em geral muito pródiga de material humano”, é “dilapidadora de homens”, é caraterizada pela “dissipação da vida e da saúde dos operários”[45]. Em síntese, o capitalismo estabelece o “domínio da coisa sobre o homem[46], implica a transformação dos operários em “máquinas de força-trabalho”, a transformação até mesmo das crianças, “de homens que ainda não alcançaram a maioridade, a simples máquinas para a produção de mais-valor”, sem se preocupar de modo algum com a “atrofia moral” e a “aridez intelectual” que tudo isso origina. A sociedade burguesa ama celebrar a si mesma como “um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem”, quando, na realidade, em seu seio o “trabalho humano”, aliás, “o homem comum desempenha, ao contrário, um papel muito miserável”[47]. Assim que passamos da esfera da circulação à da produção percebemos que, longe de ser reconhecido em sua dignidade de homem, o operário assalariado leva “sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da... despela”[48]. Se ao escrever A situação da classe operária na Inglaterra Engels denuncia, como vimos, o “comércio indireto de carne humana” pelo qual são responsáveis os capitalistas, O capital chama atenção para o “regateio de carne humana”, parecido ao que se desenvolveu para os escravos negros, que continua a desenvolver-se na Inglaterra, no país modelo, naquele momento, do desenvolvimento capitalista e da tradição liberal[49].

A crítica dos processos de desumanização ínsitos no capitalismo ressoa com uma força ainda maior quando fala do destino reservado aos povos coloniais: com “a aurora da era da produção capitalista” a África se transforma em uma “reserva para a caça comercial de peles-negras[50]. Mudemos agora para a Ásia e para o império colonial holandês: eis em ação “o sistema de roubo de pessoas, aplicado nas ilhas Celebes para obter escravos para Java”, com “ladrões de pessoas” propositalmente “treinados para esse objetivo”[51]. Ainda em meados do século XIX, observamos que nos Estados Unidos o escravo negro é tão desumanizado pelos seus patrões que assume a forma de simples “propriedade”, como as outras, a forma de “gado humano”, isto é, de “bem móvel de cor preta” (black chattel)[52]. A redução a mercadoria é tão acabada que alguns estados se especializam na “criação de negros” (Negerzucht)[53], isto é – um conceito que Marx reafirma também em inglês –, no “breeding of slaves[54]; abrindo mão dos tradicionais “artigos de exportação”, esses estados “criam escravos” como mercadorias de “exportação”[55]. Mais do que isso, a lei sobre a restituição dos escravos fugitivos sanciona a transformação dos próprios cidadãos do Norte em “caçadores de escravos”[56]. O doméstico “gado humano” transformou-se, assim, em caça, com ulterior escalada do processo de desumanização.

Como se percebe, também nos escritos da maturidade é recorrente em Marx a crítica que acusa a sociedade burguesa de reduzir a esmagadora maioria da humanidade a “máquinas”, a “instrumentos de trabalho”, a “mercadoria” que pode ser tranquilamente “desperdiçada”, a “artigos de comércio” e “de exportação”, a “bem móvel”, a gado de criação ou, ainda, a caça ou a pele que se deve caçar ou destinar ao curtume.

A denúncia do anti-humanismo do sistema capitalista não desaparece por completo e não pode desaparecer porque ocupa o centro do pensamento de Marx – a comparação, tão importante para ele, entre escravidão moderna e escravidão antiga, escravidão assalariada e escravidão colonial, significa a permanência no âmbito do capitalismo daquele processo de reificação que se manifesta em toda sua crueza em relação ao escravo propriamente dito, de modo que a análise científica e a condenação moral resultam estreitamente entrelaçadas, e somente esse entrelaçamento pode explicar o chamado à revolução. Por mais fiel e impiedosa que seja a descrição da sociedade existente, não pode por si só estimular a ação para a sua derrubada se não houver a mediação da condenação moral; e tal condenação moral ressoa tanto mais forte pelo fato de que a ordem político-social analisada e posta no banco dos réus resulta responsável não só e nem tanto pelas singulares injustiças, mas pelo desconhecimento da dignidade humana por toda uma classe social e para os povos coloniais em geral, em última análise para a grande maioria da humanidade.

A partir daqui, a realização de uma nova ordem é sentida como um “imperativo categórico”, tanto nos escritos da juventude como nos da maturidade. Se as Teses sobre Feuerbach se concluem com uma crítica aos filósofos que se revelam incapazes de “transformar” um mundo em que o homem é esmagado e humilhado, O capital constitui uma “crítica da economia política” – como reza o subtítulo – inclusive no plano moral: o “economista político” é criticado não só por seus erros teóricos, como também por sua “imperturbabilidade estoica”, isto é, por sua incapacidade de indignação moral diante das tragédias provocadas pela sociedade burguesa[57]. Nesse mesmo contexto deve ser colocada a denúncia dos “fariseus da ‘economia política’”. Em breve, é difícil imaginar um texto mais cheio de indignação moral que o primeiro livro de O capital! A continuidade na evolução de Marx é evidente, e o que Althusser descreve como ruptura epistemológica é apenas a passagem para um discurso no âmbito em que a condenação moral dos processos de reificação ínsitos na sociedade burguesa e de seu anti-humanismo se expressa de forma mais sintética e mais elíptica.

É verdade, o filósofo francês admite que possa existir até um “humanismo revolucionário”[58], embora hesite bastante nesse ponto; e por isso impede a si mesmo a compreensão das lutas de classes enquanto lutas pelo reconhecimento; sim, luta pelo reconhecimento é a luta de classes travada pelos escravos (e pelos povos coloniais ou de origem colonial) que constituem o sujeito social exposto à desumanização mais explícita e mais radical; luta pelo reconhecimento é também a luta de classes que tem como protagonistas os proletários da metrópole capitalista, eles mesmos por longo tempo assimilados pela ideologia dominante a instrumentos de trabalho ou a “máquinas bípedes”; e luta pelo reconhecimento é também a luta de classes que vê as mulheres empenhadas a pôr em discussão, a minar ou a liquidar a escravidão doméstica que a família patriarcal lhe impõe.

Desde já, fica evidente o caráter inadequado e equivocado da leitura meramente economicista da teoria marxiana do conflito. O que está em jogo na luta de classes? Os povos submetidos, o proletariado e as classes subalternas, as mulheres submetidas à escravidão doméstica, esses sujeitos tão diferentes entre si podem apresentar as mais diversas reivindicações: a libertação nacional; a abolição da escravidão propriamente dita e a conquista das formas mais elementares de liberdade; melhores condições de vida e de trabalho; a transformação das relações de propriedade e de produção; o fim da segregação doméstica. Os sujeitos são diferentes, e igualmente diferentes são os conteúdos da luta de classes; todavia podemos identificar o denominador mínimo comum: no plano econômico-político, ele é constituído pelo objetivo da modificação da divisão do trabalho (no plano internacional, no âmbito da fábrica ou no da família); no plano político-moral, pelo objetivo da superação dos processos de desumanização e reificação que caracterizam a sociedade capitalista, pelo objetivo da obtenção do reconhecimento.”

[41] MEW, v. 16, p. 144.

[42] Ibidem, v. 23, p. 425 n. 144 4 [ed. bras.: Karl Marx, O capital, Livro I, trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 476, n. 144].

[43] Ibidem, v. 23, p. 747, n. 193 [ed. bras.: ibidem, p. 791, n. 193].

[44] Ibidem, v. 23, p. 279, n. 103.

[45] Ibidem, v. 25, p. 97, 99 e 102.

[46] MEGA-2 II/4.1, p. 64.

[47] MEW, v. 23, p. 189 e 59 [ed. bras.: ibidem, p. 37 e 112].

[48] Ibidem, v. 23, p. 191 [ed. bras.: ibidem, p. 251].

[49] Ibidem, v. 23, p. 283 [ed. bras.: ibidem, p. 340].

[50] Ibidem, v. 23, p. 779 [ed. bras.: ibidem, p. 821].

[51] Ibidem, v. 23, p. 780 [ed. bras.: ibidem, p. 822].

[52] Ibidem, v. 15, p. 333, 23, 282, 30 e 290.

[53] Ibidem, v. 23, p. 467 [ed. bras.: ibidem, p. 516].

[54] Ibidem, v. 30, p. 290.

[55] Ibidem, v. 15, p. 336.

[56] Ibidem, v. 15, p. 333.

[57] Ibidem, v. 23, p. 756 [ed. bras.: ibidem, p. 799].

[58] Louis Althusser e Étienne Balibar, Leggere “Il capitale” (Milão, Feltrinelli, 1968), p. 150 [ed. bras.: Ler “O capital”, trad. Nathanael C. Caixeiro, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, 2 v.].

 

 

Em uma intervenção no dia 14 de junho de 1920, Lenin sintetiza assim a atitude que deve nortear o desenvolvimento da luta de classes revolucionária: ela deve ser dirigida pela “análise concreta da situação concreta, que é a própria essência, a alma viva do marxismo”[31].”

[31] LO, v. 31, p. 135.

 

 

Podemos compreender claramente, então, o significado do Terceiro Reich. Em 1935, a Internacional Comunista demonstra já tê-lo compreendido: o fascismo (do Terceiro Reich e do Império do Sol Nascente) tem como objetivo a “escravização dos povos fracos”, a “guerra imperialista de pilhagem” contra a União Soviética, a “escravização da China”[77]. Observou-se justamente em nossos dias que “a guerra de Hitler para o Lebensraum foi a maior guerra colonial da história[78]; é uma guerra cuja finalidade é a redução de povos inteiros a uma massa de escravos ou semiescravos a serviço da presumida raça dos senhores. Em 27 de janeiro de 1932, dirigindo-se aos industriais de Düsseldorf (e da Alemanha) e ganhando definitivamente apoio para a ascensão ao poder, Hitler[79] esclarece sua visão da história e da política. Durante todo o século XIX, “os povos brancos” conquistaram uma posição de incontestado domínio, em conclusão de um processo iniciado com a conquista da América e desenvolvido em nome do “absoluto e inato sentimento senhoril da raça branca”. Colocando em discussão o sistema colonial e provocando ou agravando a “confusão do pensamento branco europeu”, o bolchevismo põe em risco a civilização. Para enfrentar essa ameaça, é necessário reafirmar a “convicção da superioridade e, portanto, do [superior] direito da raça branca”, é necessário defender “a posição de domínio da raça branca em relação ao resto do mundo”. É claramente enunciado aqui um programa de contrarrevolução colonialista e escravista. Para reafirmar o domínio planetário da raça branca, é necessário aprender com a lição da história do expansionismo colonial do Ocidente: não se deve hesitar em recorrer à “mais brutal falta de escrúpulos”, impõe-se “o exercício de um direito senhoril (Herrenrecht) extremamente brutal”. O que é este “direito senhoril extremamente brutal”, senão uma substancial escravidão? Em julho de 1942, Hitler emana essa diretiva para a colonização da União Soviética e da Europa oriental.

Os eslavos devem trabalhar para nós. Se não precisarmos mais deles, que morram [...]. A instrução é perigosa. É suficiente que eles saibam contar até cem. Só é permitida a instrução que nos fornece útil mão de obra [...]. Nós somos os donos.[80]

Em seus discursos reservados e não destinados ao público, Himmler[81] fala explicitamente de escravidão: há absoluta necessidade de “escravos de raça estrangeira”, perante os quais a “raça dos senhores” jamais deve perder sua “aura senhoril” e com os quais ela não deve de nenhuma maneira misturar-se ou confundir-se. “Se não preenchermos nossos campos de trabalhos com escravos – neste quarto posso definir as coisas de maneira clara e definida –, com operários escravos para construir nossas cidades, nossas aldeias, nossas fazendas, sem nos preocuparmos com as perdas”, o programa de colonização e germanização dos territórios conquistados na Europa oriental não poderá ser realizado. O Terceiro Reich torna-se, assim, o protagonista de um tráfico de escravos atuado em tempos muito mais curtos – e, portanto, com modalidades mais brutais – que o tráfico de escravos propriamente dito[82].

O novo poder soviético é chamado a enfrentar esse projeto, que implica a redução em condições de escravidão ou semiescravidão não só do proletariado, mas de nações inteiras. Perfila-se no horizonte a “grande guerra patriótica” que tem seu momento mais crucial e épico em Stalingrado. A luta de um povo inteiro para fugir do destino de escravização a que tem sido condenado não pode ser definida como luta de classes; mas se trata de uma luta de classes que assume a forma de guerra de resistência nacional e anticolonial.

Isso vale também para um país como a Polônia. Como a União Soviética, nesse caso também o Terceiro Reich propõe-se a liquidar em bloco a intelectualidade, as camadas sociais suscetíveis de organizar a vida social e política, de manter ativa a consciência nacional e a continuidade histórica da nação; de tal maneira os países submetidos, as novas colônias, poderão distribuir força-trabalho servil em grande quantidade, sem que ninguém trave tal processo. Elementos constitutivos da intelectualidade que deve ser aniquilada na União Soviética são os comunistas, ao passo que na Polônia o clero católico desenvolve um importante papel; elemento comum aos dois países, os judeus, aos olhos de Hitler, são inveterados intelectuais subversivos e para eles a única solução pode ser a “final”. Essas são as condições para edificar na Europa centro-oriental as Índias alemãs, chamadas a ser um reservatório inesgotável de terra, matérias-primas e escravos a serviço da raça dos senhores: a luta contra esse império, fundado numa divisão internacional do trabalho que prevê o retorno da escravidão de forma mascarada, a luta contra essa contrarrevolução colonialista e escravista, é uma luta de classes por excelência.”

[77] Georgi Dimitrov, “Die offensive des Faschismus und die Aufgabe der Kommunistschen Internationale im Kampf für die Einheit der Arbeiterklasse gegen den Faschismus” (Informe ao VII Congresso da Internacional Comunista, 2 de agosto de 1935), em Georgi Dimitrov, Ausgewälte Schriften (Colônia, Rote Fahne, 1976), p. 96 e 144.

[78] David Olusoga e Casper W. Erichsen, The Kaiser’s Holocaust. Germany’s Forgotten Genocide (Londres, Faber & Faber, 2001), p. 327.

[79] Adolf Hitler, Reden und Proklamtionen 1932-1945 (org. M. Domarus, 1. ed. 1962-1963, Munique, Süddeutscher, 1965), p. 75-7.

[80] Ernst Piper, Alfred Rosenberg Hitlers Chefideologie (Munique, Blessing, 2005), p. 259.

[81] Heinrich Himmler, Geheimreden 1933 bis 1945 (orgs. B. F. Smith e A. F. Peterson, Berlim, Propyläen, 1974), p. 156 e 159.

[82] Mark Mazower, Hitler-s Empire. How the Nazis Ruled Europe (Londres, Penguin, 2009), p. 309 e 299.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

O mundo das Copas (Parte IV), de Lycio Velloso Ribas

Editora: Lua de papel

ISBN: 978-85-6306-609-1

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 588

Sinopse: Parte I



1998 – Local: França Campeã: França

 

– O número de seleções aumentou de 24 para 32. Os críticos diziam que João Havelange – que presidia a federação desde 1974 – dependia deste aumento para garantir votos para suas seguidas reeleições, que dependiam de votos de asiáticos e africanos. Platini, ex-jogador francês e presidente da UEFA disse que “32 países já é demais”. A Fifa contra-argumentava que houve um aumento no número de países. A Iugoslávia, por exemplo, se dividiu em seis países, a União Soviética em onze, todos concorrendo a vagas como países independentes.

 

– A Suécia, terceiro lugar em 1994, e seleção que mais marcou gols naquele mundial, que empatou com o Brasil na primeira fase (tendo saído na frente) e a quem o Brasil teve dificuldade para ganhar na semifinal, não conseguiu se classificar para a Copa de 1998.

 

– Outras mudanças nas regras aconteceram: o time que fizesse um gol na prorrogação sagrar-se-ia vencedor – a famosa “morte súbita”; o impedimento passivo, ou seja, o jogador que estivesse em impedimento, mas não participasse da jogada, não invalidaria o gol; liberaram a disposição de bolas com os gandulas (para que a bola retornasse mais rapidamente ao jogo); o tempo de acréscimo deveria ser mostrado numa placa à beira do gramado; os “carrinhos” por trás deveriam ser punidos com cartão vermelho.

 

– Nas eliminatórias da Ásia, as Maldivas levaram 59 gols em seis jogos, uma média de quase 10 por jogo.

 

– Parreira treinava a seleção da Arábia Saudita e já havia perdido o primeiro jogo. Dias antes do segundo jogo foi criticado por alguns jogadores pelo esquema muito defensivo (coisa que já vimos por aqui). Ele não cedeu, armou um time retranqueiro e levou de 4 da França. Foi o primeiro técnico a ser despedido durante a própria Copa. No terceiro jogo, os sauditas já estavam desclassificados, mas jogaram sem Parreira, e assim conseguiram um empate – e só não venceram porque tomaram um gol de pênalti aos 49m do segundo tempo.

 

– Dunga coordenava a equipe de dentro de campo, e uma discussão sua com Bebeto rendeu muitas críticas. O franzino atacante já estava em fim de carreira, mas era assim mesmo escalado por Zagallo, deixando o inquieto Denílson no banco. Como resultado das críticas, Dunga não disse uma palavra no jogo contra a Noruega, e o Brasil acabou perdendo por 2 a 1. Depois da partida alguns jogadores ainda trocaram farpas públicas. O zagueiro Aldair puxou, então, uma reunião com os jogadores. Um ponto consensual era que deveriam parar o bate-boca via imprensa. E outro, era que o capitão Dunga precisava voltar a comandar o time em campo – em outros termos, os jogadores pediam para voltar a tomar esporro.

 

– A Copa da França registrou diversos casos de parentes em campo. O técnico da Itália, Cesare Maldini, era pai do lateral Paolo Maldini; a Dinamarca tinha os irmãos Michael e Brian Laudrup; a Bélgica, Emile e Mbo Mpenza; os holandeses tinham os gêmeos Frank e Ronald de Boer; já a Noruega tinha um caso triplo: Havard Flo era primo dos irmãos Jostein Jlo e Tore Andre Flo.

 

– A seleção brasileira tentava esconder as desavenças entre os jogadores antes e durante o torneio. O caso mais destacado foi o de Edmundo, que cobiçava abertamente uma vaga no ataque desde antes de a Copa começar. Por isto, ele entrou em atrito com o titular Bebeto, acusando-o de boicotá-lo durante os treinos. Leonardo tentou apaziguar a situação, mas Edmundo reagiu: “Você sempre que dar uma de bom moço. Vai tomar no cu”. O atacante foi forçado a se desculpar em público, mas um zagueiro que prefere permanecer incógnito disse entre dentes: “Não deviam ter trazido esse cara”...

 

– Ronaldo teve uma convulsão na madrugada anterior a final. “Só se pensava em algo pior. Ninguém dormiu mais. Ali começamos a perder a Copa. Não houve tranquilidade, nem para os reservas”, frase do volante Emerson, sobre o ambiente na seleção depois de Ronaldo ter passado mal. No meio do jogo, Roberto Carlos mandou desnecessariamente a bola pra fora e arranjou um escanteio que resultou num gol de Zidane, que era marcado pelo meia-atacante Leonardo – um erro. No segundo gol, Zidane empurrou Dunga (em falta que o juiz não assinalou) e cabeceou, e a bola passou entre as pernas de Roberto Carlos – em nova falha do lateral. Já nos acréscimos, com o time todo no ataque, o Brasil levou o terceiro e a França foi – de maneira justa – a campeã.

 

– Nenhum jogador se destacou muito perante os outros na Copa, porém, a Fifa escolheu Ronaldo como o melhor jogador do torneio, em decisão que só ela mesma pôde compreender.

 

 

2002 – Local: Japão e Coreia do Sul Campeão: Brasil

 

– A maior goleada até então entre seleções foi um 20 a 0 da China sobre o Butão, na Copa da Ásia de 2000. Mas nas eliminatórias da Oceania, a Austrália goleou Tonga por 22 a 0. Dois dias depois, massacrou a Samoa Americana por 31 a 0. A Austrália ganhou facilmente o grupo do continente, mas, curiosamente, não conseguiu ir à Copa, pois teve de disputar a vaga com o Uruguai na repescagem da América do Sul e a Celeste acabou prevalecendo.

 

– Luiz Felipe Scolari testou depois da Copa América quase todas as opções viáveis para o ataque. Quase, excetuando uma: Romário. O atacante não compreendia porque não era convocado, e o técnico sofria pressão da imprensa e torcida para que o chamasse. Depois de muito ser questionado, Felipão disse porque não o convocava: Romário se recusou a participar da Copa América argumentando que faria um tratamento no olho. Porém, foi jogar com o Vasco um torneio caça-níqueis no México. O técnico considerou a atitude uma traição e não o convocou mais. A ausência gerou protestos em todo o país, chegando a ponto de um advogado entrar na justiça com um mandado de segurança para que o atacante fosse convocado. O pedido foi negado pelo juiz que analisou o caso – embora o próprio juiz se declarasse favorável a presença de Romário na seleção. O atacante não foi chamado.

 

– A Argentina precisava vencer a Suécia para não ser desclassificada logo na primeira fase, mas continuou seguindo o confuso estilo de jogo das partidas anteriores, baseado em cruzamentos: foram 57 bolas erguidas na área sueca. Os nórdicos contra-atacavam rápido e abriram 1 a 0. Os portenhos só chegaram ao empate devido a uma grande ajuda do árbitro estadunidense Ali Bujsaim. Ele ignorou falta clara em Larsson – que resultaria na expulsão de Chamot –, deu um pênalti inexistente para os argentinos, além de ignorar o gol irregular de Crespo na sequência. Ainda assim o jogo terminou em 1 a 1, e os sul-americanos choraram em campo a eliminação precoce.

 

– O atacante argentino Caniggia conseguiu um feito inédito em Copa do mundo no jogo contra a Suécia: ser expulso do banco de reservas, devido às falas pouco amistosas ditas ao auxiliar – isto porque o árbitro ajudou e muito os portenhos.

 

– A Coreia do Sul, que jogava em casa, teve franco apoio da arbitragem para seguir no mundial. Nas oitavas de final contra a Itália, na prorrogação, o árbitro equatoriano Byron Moreno expulsou o atacante Toti por suposta simulação dentro da área, quando na verdade ele havia sofrido um pênalti claro. Afora isto, anulou um gol legítimo do meio-campista italiano Tommasi. A Coreia se aproveitou e marcou o dela e passou de fase. Nas quartas-de-final, depois do escândalo, pensou-se que a arbitragem fosse melhorar, mas o egípcio Gamal Ghandour e seus auxiliares foram ainda mais complacentes com os anfitriões. A Espanha dominou o jogo, mas teve dois gols incorretamente invalidados. No primeiro, o juiz anulou alegando falta de ataque quando os sul-coreanos já lamentavam o gol. No segundo, que foi na prorrogação – e portanto seria o gol de ouro – o bandeira assinalou que a bola havia saído na linha de fundo, quando ela sequer chegou a tocar na risca. Como se não bastasse, o juiz parou um lance limpo do atacante espanhol Luis Enrique que havia ficado cara a cara com o goleiro coreano. O jogo foi para os pênaltis e o juiz ainda conseguiu ajudar os anfitriões: o goleiro Won-Jae estava um metro adiantado quando conseguiu defender a penalidade, o que levou a Coreia as semifinais. Lá ela se encontraria com a Alemanha – e com uma arbitragem idônea – perderia por 1 a 0.

 

– Muito criticados pela imprensa de seu próprio país depois da derrota para o Brasil, os jogadores da Turquia se recusaram a falar com os jornalistas de seu país à medida que avançavam na Copa. Porém, não tinham restrições em conversar com a imprensa estrangeira.

 

– O atacante da Turquia Sükür, considerado o melhor jogador da história do país foi uma decepção ao longo do torneio. Porém, na disputa pelo terceiro lugar entre a Turquia e a Coreia do Sul, o atacante fez um gol aos onze segundos de jogo, o gol mais rápido em Copas já marcado – e a bola ainda havia saído com a Coreia.

 

– Diversas seleções não tiveram climas lá muito tranquilos na Ásia. Os suecos Ljungberg e Mellberg trocaram socos num treino. O argentino Veron incitou e ofendeu os ingleses antes do confronto entre ambos na Copa – o detalhe é que ele jogava na Inglaterra, no Manchester United. Já o senegalês Fadiga tentou furtar um colar numa loja na Coreia do Sul – foi flagrado pelas câmeras do circuito interno.

 

– A Itália teve 5 gols anulados durante a Copa do mundo. Um contra a Coreia – que seria o gol de ouro – e dois contra a Croácia, injustamente invalidados. Os outros dois, corretamente anulados, foram contra o Equador e o México.

 

– O sul-coreano Ahn Jung-Hwan foi demitido do Perugia, clube italiano pelo qual jogava por ter feito o gol de ouro que desclassificou os italianos da Copa. Porém, o presidente do clube acabou voltando atrás.

 

– A Alemanha, que veio a ser finalista da Copa, perdeu seis titulares absolutos antes do torneio devido a lesões.

 

– A Fifa escolheu o goleiro alemão Oliver Kahn como craque da Copa antes mesmo de a final acontecer. O goleiro havia salvado sua seleção inúmeras vezes durante o torneio. Porém, na final, bateu roupa num chute defensável de Rivaldo e Ronaldo aproveitou o rebote. Já o meia brasileiro, além de participar do primeiro gol, fez um corta-luz no lance do segundo gol, deixando passar a bola por entre suas pernas para Ronaldo, o que matou a defesa alemã. Ao longo dos anos Rivaldo foi bastante criticado por não repetir na seleção suas atuações no Barcelona, porém, fez um torneio impecável, e para o técnico brasileiro Felipão foi o melhor jogador da Copa. O Brasil sagrou-se pentacampeão, deixando as outras seleções bem para trás em número de títulos.

 

 

2006 – Local: Alemanha Campeã: Itália

 

– Seis seleções estrearam nesta Copa: Ucrânia, Trinidad e Tobago, Angola, Costa do Marfim, Gana e Togo. Além disso, República Tcheca e Sérvia e Montenegro (que herdaram o espólio de Tchecoslováquia e Iugoslávia) foram ao mundial, mas com sua nova configuração.

 

– Nos dois jogos das eliminatórias, das Américas Central e do Norte, Bermudas anotou 20 gols em dois jogos contra Montserrat. Ainda assim, não chegou sequer a semifinal das eliminatórias daquela região.

 

– Na Copa das confederações, um ano antes da Copa do mundo, o Brasil não levou os veteranos Cafu e Roberto Carlos, além de Ronaldo. Parreira escalou Cicinho – que estava em ótima fase – na lateral direita. Afora isto, escalou o meia-atacante Zé Roberto (que na seleção era insistentemente escalado como volante – o que não era sua especialidade e desperdiçava o talento do jogador) como lateral esquerdo, sua posição de origem. Num time que ainda tinha Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Robinho e Adriano, o Brasil massacrou a Argentina na final por 4 a 1, numa das melhores apresentações da história da seleção. O quarteto do ataque foi apelidado de quadrado mágico. Na Copa, retornaram Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo – o quadrado se desmanchou, e jamais retornaria. O Brasil apresentou um futebol bem pouco convincente em todo o torneio (exceto quando os reservas jogaram contra o Japão).

 

– O futebol apresentado por Cafu e Roberto Carlos era bem fraco, mas a arrogância não: o primeiro disse “Seleção boa é a que ganha” – referindo-se à equipe de 1982. Já Roberto Carlos afirmou que Cafu tinha mais importância na história da seleção brasileira que Pelé – o único tricampeão mundial da história.

 

– Alguns jogadores brasileiros caçavam recordes: Ronaldo queria ser o artilheiro da história das Copas, e Cafu o brasileiro que mais atuou pela seleção em Copas e o jogador com maior número de vitórias no torneio. Enquanto conseguiam seus recordes individuais – que diferentemente dos títulos, podem ser quebrados – o Brasil afundava a olhos vistos.

 

– Kaká apresentou um futebol muito aquém do esperado na Copa e Parreira tinha o substituto ideal no banco para a posição: Juninho Pernambucano. Porém, quando o escalava, sempre o selecionava como volante, ocasionando o mesmo problema que ocorria com Zé Roberto: não tinha o tino de marcador, e não conseguia utilizar seu talento no ataque, já que estava preso taticamente a um esquema que prejudicava sua qualidade.

 

– No jogo contra a França ocorreu o esperado: o Brasil, que não apresentava um futebol convincente acabou sendo derrotado por 1 a 0, e pode-se considerar que foi pouco, pois a França desperdiçou outras chances de marcar. No jogo Kaká errou absolutamente tudo. No cruzamento que resultou no gol apenas três defensores correram para marcar o ataque francês: Lúcio, Juan e Gilberto Silva (que ficou perdido o jogo inteiro). Roberto Carlos, ao invés de marcar Henry que estava ao seu lado, ficou ajeitando as meias, em lance que ficaria (negativamente) histórico. O lateral argumentou que em lances como aquele o Brasil fazia linha de impedimento – no que foi desmentido por vários colegas, como Cicinho, Rogério Ceni e Zé Roberto. O próprio Parreira desmentiu a prática.

 

– Nas oitavas de final Portugal 1 X 0 Holanda houve de tudo: empurrões, cabeçadas, cotoveladas, toques de mão, trombadas, cera e carrinhos assassinos por todos os lados. O árbitro russo Valentim Ivanov distribuiu 16 cartões amarelos e quatro vermelhos – no que foi a partida com mais cartões da história das Copas.

 

– Nas quartas-de-final entre Alemanha e Argentina, o goleiro alemão Lehmann pegou duas das quatro penalidades, além de ter acertado o canto em todas as cobranças. Não era sorte. Os alemães tinham uma planilha detalhando como todos os jogadores argentinos batiam os pênaltis – contribuía para tanto o fato de os sul-americanos baterem as penalidades em treinos abertos ao público.

 

– Quando assumiu o comando da seleção portuguesa, o técnico Luiz Felipe Scolari barrou o goleiro titular Vítor Baia, ídolo além-mar, porém, desagregador de grupos, em atitude similar à que teve com Romário em 2002 – e como cá, comprou briga com a imprensa. Na EuroCopa de 2004 Felipão apostou em Ricardo para a posição, e ele ajudou a derrotar a Inglaterra nas quartas-de-final nos pênaltis. Na sétima cobrança, defendeu (sem luvas) a cobrança de Vassel e converteu a sua, classificando Portugal. Na Copa, novamente Portugal e a Inglaterra se encontraram nas quartas-de-final, novamente o jogo foi para as penalidades, e novamente Ricardo contribuiu para o avanço da equipe, que superou os ingleses. O goleiro defendeu três penalidades, estabelecendo o recorde de defesas em pênaltis da história das Copas (sendo que apenas quatro tiros foram necessários para desclassificar a Inglaterra).

 

– Na semifinal em que Portugal perdeu por 1 a 0 para a França, o técnico brasileiro Felipão havia acumulado um recorde significativo para um treinador: 12 jogos seguidos sem perder em Copas do mundo.

 

– Na final o craque francês Zidane – que havia destruído o Brasil – converteu um gol de pênalti, porém, na prorrogação, depois de ser provocado pelo zagueiro italiano Materazzi com palavras de baixo calão sobre sua irmã, lascou uma cabeçada no meio de seu peito. O lance marcou a final irremediavelmente, até porque era o último jogo da carreira do craque francês – que diferentemente de outros jogadores brasileiro, soube parar no auge.

 

– A Itália tinha uma maldição particular com penalidades em Copas, porém, aproveitando-se do erro do atacante francês Trezeguet que chutou a bola no travessão, sagrou-se campeã mundial depois de converter todas as cinco penalidades.

 

– O óbvio excesso de peso de Ronaldo foi assunto durante toda a Copa. O jogador brasileiro se recusava a dizer seu peso – que dirá mostrar-se sem blusa ante as câmeras. Antes do jogo contra o Japão o preparador Moraci Sant’Anna revelou que Ronaldo estava com 90,4kg, e que chegara na Copa com 94 kg, distribuídos em 1,83m. Com índice de massa corporal (IMC) superior a 27, Ronaldo era proporcionalmente o jogador mais gordo da Copa – o que era evidente para quem o observasse.

 

 

2010 – Local: África do Sul*

 

– O único país estreante em Copas foi a Eslováquia.

 

– A Oceania foi palco de uma confusão geográfica nas eliminatórias. Cansada de ser a primeira seleção do grupo continental e depois ser eliminada por um sul-americano, a Austrália se desfiliou da Oceania e pediu inscrição na Ásia, onde havia quatro vagas em disputa – e, portanto, a chance de classificação era bem maior. Ironicamente, a Fifa decidiu que o primeiro colocado da Oceania deveria disputar com o quinto da Ásia – e não com o quinto sul-americano. Calhou que a Austrália conseguiu se classificar para a Copa, juntamente com outro país da Oceania, a Nova Zelândia.

 

– Holanda e Espanha disputaram respectivamente oito e dez jogos nas eliminatórias – e venceram todos*:

*: Quando o livro foi escrito apenas as eliminatórias haviam ocorrido, de todo modo, destaque-se, estes dois países (que nunca haviam sido campões do mundo), vieram a fazer a final, com vitória espanhola na prorrogação.

 

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Melhores goleiros da história

 

1934 – Zamora (ESP): foi a primeira lenda a ocupar o gol, mesmo antes da camisa 1 ser estabelecida para os goleiros.

1958 – Yashin (URSS): revolucionou a posição, ao sair para cortar cruzamentos e pelo chão. Defendeu 150 pênaltis em sua carreira.

1966-70 – Banks (ING): foi o melhor na Copa de 1966 e executou na Copa de 1970 a defesa que até hoje é considerada a mais difícil de todas, numa cabeçada de Pelé.

1974 – Maier (ALE): risonho e brincalhão, fugia do estereótipo alemão. Mas no campo jogava sério e segurou o carrossel holandês

1978 – Fillol (ARG): apelidado de “pato”, o goleiro foi fundamental para segurar a Holanda na final e dar o título para a Argentina.

1982 – Dassaev (URSS): impressionou a todos no mundial de 1982, sendo eleito diversas vezes o melhor do mundo na década de 80.

1986 – Pfaff (BEL): destaque do time belga desde 1980, com ele sua seleção realizava o sonho histórico de derrotar times mais poderosos.

1994 – Preud’Homme (BEL): apesar da baixa estatura (1,79m), era muito ágil e seguro.

2002 – Kahn (ALE): levou a limitada seleção alemã à final, sendo por conta disso o primeiro goleiro a ser considerado o melhor jogador de uma Copa pela Fifa.

 

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Recordes de público

 

1950: Brasil 1 X 2 Uruguai – 173.830 pessoas (a capacidade do estádio era de 155.00 torcedores) – Maracanã – Rio de Janeiro - Brasil.

1950: Brasil 6 X 1 Espanha – 153.000 pessoas – Maracanã – Rio de Janeiro - Brasil.

1950: Brasil 2 X 0 Iugoslávia – 142.000 pessoas – Maracanã – Rio de Janeiro - Brasil.

1950: Brasil 7 X 1 Suécia – 139.000 pessoas – Maracanã – Rio de Janeiro - Brasil.

1986: Argentina 3 X 2 Alemanha – 114.600 pessoas – Azteca – Cidade do México – México.

 

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Maiores ausências da história

 

– O meia soviético Alexei Mikhailichenko surgiu para o mundo em 1988, ao sagrar-se vice-campeão europeu e levar o time olímpico à conquista da medalha de ouro em Seul, na final contra o Brasil. Machucou-se pouco antes da Copa de 1990, e não pôde participar das seguintes devido à desintegração da União Soviética.

 

– Alfredo Di Stéfano, um dos melhores jogadores da história, nunca jogou uma partida em Copas. A Argentina não quis jogar em 1950. Naturalizado espanhol, a Fúria estava mansa e não conseguiu se classificar para as Copas de 1954 e 58. Pouco antes da Copa de 1962 se machucou. Foi mantido na delegação esperando-se que melhorasse no meio do mundial, mas a Espanha foi eliminada na primeira fase.

 

– O brasileiro Arthur Friedenreich tinha 38 anos, mas ainda jogava muito pelo São Paulo da Floresta e acabou não sendo convocado para a Copa de 1930, devido a desavenças entre cartolas. Diz-se que teria marcado 1.329 gols, mas o pesquisador Alexandre Costa mostrou que eram “somente” 556.

 

– O meia alemão Bernd Schuster destacou-se na Copa de 1980, mas sua presença rachava a equipe. Pediu despensa pouco antes da Copa de 1982. Motivo: ficar com a mulher Gabi, dez anos mais velha e famosa por ter pousado nua na revista Stern. Ele largou a seleção em 1984, aos 25 anos.

 

– Considerado uma das maiores lendas do futebol britânico (senão a maior), o norte-irlandês George Best não conseguiu ir à Copa porque o resto do time não ajudava e seu país não conseguia a classificação. Quando seu país conseguiu voltar ao torneio, em 1982, ele estava com 36 anos, mas ainda havia quem defendesse sua convocação. Entretanto, a indisciplina que marcou sua carreira pesou contra, e ele não foi chamado.

 

– O liberiano George Weah foi eleito o melhor do mundo em 1995, quando jogava pelo Milan. Porém, a Libéria não conseguia montar um time bom o suficiente para passar das eliminatórias e ele nunca disputou uma Copa.

 

– O inglês Kevin Keegan viveu sua fase áurea num período em que a Inglaterra não passava das eliminatórias. Quando sua seleção retornou à Copa, em 1982, ele já estava com 31 anos e uma lesão crônica nas costas. Entrou no sacrifício contra a Espanha e sua participação no torneio foi de apenas 27 minutos.

 

– O goleiro uruguaio Rodolfo Rodríguez era o capitão da seleção e o melhor goleiro sul-americano na década de 80. Porém, por teimosia, o treinador Omar Borras deixou-o na reserva na Copa de 86, quando o goleiro vivia o auge da forma. Rodolfo disparou: “Não fui escalado porque falta ao técnico o que tenho de sobra: coragem”.

 

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Os números

 

Das 10 maiores séries invictas de partidas em Copas do mundo, o Brasil detém 4: três vezes 11 jogos (entre 70 e 74, 78 e 82 e 2002 e 2006) e uma de 13 jogos, a maior de todas, entre 1958 e 1966. Já nas séries com o maior número seguido de vitórias, o Brasil possui 3 entre os 5 melhores resultados: duas com 6 vitórias entre 70-74 e 78-82. E o maior de todos, com 11 vitórias, entre 2002 e 2006. O Brasil também é o maior detentor de títulos (5), o único a participar de todas as Copas (18), é a seleção com o maior número de vitórias (64) e gols marcados (201).*

*: Desconsideram-se os resultados de 2010 em diante, pois o livro ainda não havia sido lançado à época – o Brasil, porém, permanece em primeiro lugar em todos os dados citados.

 

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Outras partes desta publicação:

Parte I: http://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2010/10/o-mundo-das-copas-lycio-velloso-ribas.html

Parte II: https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/o-mundo-das-copas-parte-ii-de-lycio.html

Parte III: https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/o-mundo-das-copas-parte-iii-de-lycio.html

 

 

 

 

O time dos sonhos brasileiro

 

Só cabem onze, e o autor enumera:

1 – Goleiro – Gilmar

2 – Lateral – Djalma Santos

3 – Zagueiro – Domingos da Guia

4 – Zagueiro e lateral – Carlos Alberto Torres

6 – Lateral – Nilton Santos

5 – Meia – Zico

8 – Meia – Didi

7 – Atacante – Garrincha

9 – Atacante – Ronaldo

10 – Atacante – Pelé

11 – Atacante – Romário

 

Com esta escalação, deixa-se de fora, dentre outros:

Goleiros – Leão e Taffarel.

Zagueiros – Aldair, Juan, Lúcio e Oscar.

Laterais – Jorginho, Júnior e Leandro.

Volantes – Clodoaldo, Dunga, Falcão e Zito.

Meias – Gérson, Sócrates, Rivellino e Ronaldinho Gaúcho.

Atacantes – Éder, Jairzinho, Leônidas da Silva, Reinaldo, Vavá e Zizinho.

 

 

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Outras partes desta publicação:

Parte I: https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2010/10/o-mundo-das-copas-lycio-velloso-ribas.html

Parte II: https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/o-mundo-das-copas-parte-ii-de-lycio.html

Parte III: https://listadelivros-doney.blogspot.com/2021/01/o-mundo-das-copas-parte-iii-de-lycio.html