Editora: Clube de Literatura Clássica
ISBN: 978-65-8703-620-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 690
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Sinopse: A
geografia brasileira descrita em pormenores — dos pampas gaúchos à bacia do São
Francisco, chegando ao vale do Vaza-Barris. O homem sertanejo — suas raízes e
crenças, seu isolamento histórico, suas semelhanças e diferenças com os tipos
litorâneos. A Campanha de Canudos — seus antecedentes, a trajetória de Antônio
Conselheiro, o conflito e a confusão entre civilização e barbárie.
Publicado pela primeira vez em 1902, Os Sertões,
de Euclides da Cunha, combina descrições técnicas, análises sociológicas e
esmero estilístico para retratar o embate entre as Forças Armadas brasileiras e
os seguidores de Antônio Conselheiro, numa campanha surpreendente em todos os
sentidos.
Fruto de seu trabalho como jornalista correspondente em
Canudos, o livro de Euclides da Cunha é uma das leituras mais desafiadoras de
nossa literatura. Por isso, o Clube de Literatura Clássica preparou uma edição
especial com literalmente MILHARES de notas explicativas para ajudá-lo a
encarar essa obra-prima.
“O
martírio do homem, ali (no Sertão), é reflexo de tortura maior, mais ampla,
abrangendo a economia geral da Vida.
Nasce do
martírio secular da terra.”
“Os primeiros sertanistas que a
criaram, tendo suplantado em toda a linha o selvagem, depois de o dominarem escravizaram-no
e captaram-no, aproveitando-lhe a índole na nova indústria que abraçavam.
Veio
subsequentemente o cruzamento inevitável. E despontou logo uma raça de
curibocas puros quase sem mescla de sangue africano, facilmente denunciada,
hoje, pelo tipo normal daqueles sertanejos. Nasciam de um amplexo208
feroz de vitoriosos e vencidos. Criaram-se numa sociedade revolta e aventurosa,
sobre a terra farta; e tiveram, ampliando os seus atributos ancestrais, uma
rude escola de forca e de coragem naqueles gerais amplíssimos, onde ainda hoje
ruge impune o jaguar209 e vagueia a ema velocíssima, ou nas
serranias de flancos despedaçados pela mineração superficial, quando as lavras210
baianas, mais tarde, lhes deram esse derivativo à faina dos rodeios.211
Fora longo
traçar-lhes a evolução do caráter. Caldeadas a índole aventureira do colono e a
impulsividade do indígena, tiveram, ulteriormente, o cultivo do próprio meio
que lhes propiciou, pelo insulamento, a conservação dos atributos e hábitos
avoengos, ligeiramente modificados apenas consoante as novas exigências da
vida. E ali estão com as suas vestes características, os seus hábitos antigos,
o seu estranho aferro às tradições mais remotas, o seu sentimento religioso
levado até o fanatismo, e o seu exagerado ponto de honra, e o seu folclore
belíssimo de rimas de três séculos...
Raça
forte e antiga, de caracteres definidos e imutáveis mesmo nas maiores crises —
quando a roupa de couro do vaqueiro se faz a armadura flexível do jagunço —
oriunda de elementos convergentes de todos os pontos, porém diversa das demais
deste país, ela é inegavelmente um expressivo exemplo do quanto importam as
reações do meio. Expandindo-se pelos sertões limítrofes ou próximos, de Goiás,
Piauí, Maranhão, Ceará e Pernambuco, tem um caráter de originalidade completa
expresso mesmo nas fundações que erigiu. Todos os povoados, vilas ou cidades,
que lhe animam hoje o território, têm uma origem uniforme bem destacada das dos
demais que demoram ao norte e ao sul.”
208. Abraço. 209.
Onça. 210. De mineração. 211. Ato de reunir o gado para
marcá-lo, ferrá-lo, curá-lo etc.
“O
sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços neurastênicos do litoral.”
“(...) O vaqueiro, porém, criou-se em
condições opostas, em uma intermitência, raro perturbada, de horas felizes e
horas cruéis, de abastança e misérias — tendo sobre a cabeça, como ameaça
perene, o sol, arrastando de envolta,303 no volver das estações,
períodos sucessivos de devastações e desgraças.
Atravessou
a mocidade numa intercadência de catástrofes. Fez-se homem, quase sem ter sido
criança. Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nas horas festivas da
infância, o espantalho das secas no sertão. Cedo encarou a existência pela sua
face tormentosa. É um condenado à vida. Compreendeu-se envolvido em combate sem
tréguas, exigindo-lhe imperiosamente a convergência de todas as energias.
Fez-se
forte, esperto, resignado e prático.
Aprestou-se,
cedo, para a luta.
O seu
aspecto recorda, vagamente, à primeira vista, o de guerreiro antigo exausto da
refrega. As vestes são uma armadura. Envolto no gibão304 de couro curtido, de bode ou de vaqueta;305
apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas306
às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em joelheiras de sola; e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de pele de veado — é como a forma grosseira de um
campeador307 medieval desgarrado em nosso tempo.
Esta
armadura, porém, de um vermelho pardo, como se fosse de bronze flexível, não
tem cintilações, não rebrilha ferida pelo sol. É fosca e poenta. Envolve ao
combatente de uma batalha sem vitórias...
A
sela da montaria, feita por ele mesmo, imita o lombilho rio-grandense, mas é
mais curta e cavada, sem os apetrechos luxuosos daquele. São acessórios uma
manta de pele de bode, um couro resistente, cobrindo as ancas do animal, peitorais que lhe resguardam o peito, e
as joelheiras apresilhadas às juntas.
Este
equipamento do homem e do cavalo talha-se à feição do meio. Vestidos doutro
modo não romperiam, incólumes, as caatingas e os pedregais cortantes.
Nada
mais monótono e feio, entretanto, do que esta vestimenta original, de uma só
cor — o pardo avermelhado do couro curtido — sem uma variante, sem uma lista308
sequer diversamente colorida. Apenas, de longe em longe, nas raras encamisadas,309 em que aos
descantes da viola o matuto deslembra as horas fatigadas, surge uma novidade —
um colete vistoso de pele de gato do mato ou de suçuarana, com o pelo mosqueado310
virado para fora, ou uma bromélia rubra e álacre fincada no chapéu de couro.
Isto,
porém, é incidente passageiro e raro.
Extintas
as horas do folguedo, o sertanejo perde o desgarre311 folgazão —
largamente expandido nos sapateados,
em que o estalo seco das alpercatas sobre o chão se perde nos tinidos das
esporas e soalhas312 dos pandeiros, acompanhando a cadência das
violas vibrando nos rasgados313
— e cai na postura habitual, tosco, deselegante e anguloso, num estranho
manifestar de desnervamento e cansaço extraordinários.
Ora,
nada mais explicável do que este permanente contraste entre extremas
manifestações de força e agilidade e longos intervalos de apatia.
Perfeita
tradução moral dos agentes físicos da sua terra, o sertanejo do norte teve uma
árdua aprendizagem de reveses. Afez-se, cedo, a encontrá-los, de chofre, e a
reagir, de pronto.
Atravessa
a vida entre ciladas, surpresas repentinas de uma natureza incompreensível, e
não perde um minuto de tréguas. É o batalhador perenemente combalido e exausto,
perenemente audacioso e forte; preparando-se sempre para um recontro314
que não vence e em que se não deixa vencer; passando da máxima quietude à máxima
agitação; da rede preguiçosa e cômoda para o lombilho duro, que o arrebata como
um raio pelos arrastadores315 estreitos, em busca das malhadas.316
Reflete, nestas aparências que se contrabatem, a própria natureza que o rodeia —
passiva ante o jogo dos elementos e passando, sem transição sensível, de uma
estação à outra, da maior exuberância à penúria dos desertos incendidos, sob o
reverberar dos estios abrasantes.
É
inconstante como ela. É natural que o seja. Viver é adaptar-se. Ela talhou-o à
sua imagem: bárbaro, impetuoso, abrupto...
O
gaúcho, o pealador317
valente, é, certo, inimitável, numa carga318 guerreira;
precipitando-se, ao ressoar estrídulo dos clarins vibrantes, pelos pampas, com
o conto da lança enristada, firme no estribo; atufando-se loucamente nos entreveros;319 desaparecendo,
com um grito triunfal, na voragem320 do combate, onde espadanam321
cintilações de espadas; transmudando o cavalo em projétil e varanda quadrados322
e levando de rojo323 o adversário no rompão324 das
ferraduras, ou tombando, prestes,325 na luta, em que entra com
despreocupação soberana pela vida.
O
jagunço é menos teatralmente heroico; é mais tenaz; é mais resistente; é mais
perigoso; é mais forte; é mais duro.
Raro
assume esta feição romanesca e gloriosa. Procura o adversário com o propósito
firme de o destruir, seja como for.
Está
afeiçoado aos prélios326 obscuros e longos, sem expansões
entusiásticas. A sua vida é uma conquista arduamente feita, em faina diuturna.327
Guarda-a como capital precioso. Não esperdiça a mais ligeira contração
muscular, a mais leve vibração nervosa sem a certeza do resultado. Calcula
friamente o pugilato. Ao riscar da faca328
não dá um golpe em falso. Ao apontar a lazarina329 longa ou o trabuco330
pesado, dorme na pontaria...331
Se,
ineficaz o arremesso fulminante, contrário332 enterreirado não
baqueia, o gaúcho, vencido ou pulseado,333 é fragílimo nas aperturas
de uma situação inferior ou indecisa.
O
jagunço, não. Recua. Mas, no recuar é mais temeroso ainda. É um negacear334
demoníaco. O adversário tem, daquela hora em diante, visando-o pelo cano da
espingarda, um ódio inextinguível, oculto no sombreado das tocaias...”
303. De mistura, simultaneamente. 304. Espécie de casaco curto, sem mangas.
305. Couro de
vitela, feita com a parte externa da pele, e, portanto, menos espesso. 306. Costuradas; aqui, em sentido
figurado: pegadas. 307. Cavaleiro
realizador de façanhas. 308. O mesmo
que “listra”. 309. Bernucci cita a
própria definição do autor: “festa; cavalhada noturna com lanternas, cavaleiros
vestidos de branco, os cavalos cobertos de alvas e compridas mantas”. 310. Pintado, malhado. 311. Atrevimento, atitude de liberdade.
312. Chapas metálicas dos pandeiros,
que se chocam com o movimento do músico, produzindo som. 313. Toque de viola ou violão que consiste em passar o polegar ou
demais dedos sobre todas as cordas, num movimento único e veloz. 314. Combate. 315. Trilhas abertas no mato que levam à roça ou aos pastos. 316. Rebanhos. Também, lugares onde o
gado descansa ou dorme. 317.
Laçador. O “pealo” é um laço com que se usa para derrubar a rês pelas patas. 318. Investida. 319. Momento em que as forças adversárias se chocam e se misturam. 320. Sorvedouro; abismo. 321. Rebrilham em espadanas (isto é, em
formato de espadas). 322. Quadrados
napoleônicos, mais conhecidos como “quadrado de infantaria” ou “quadrado oco”;
formação militar em que os soldados, armados de baionetas, se dispõem em
quadrado. O exército brasileiro usou tal formação na Revolução Federalista,
ocorrida no Sul entre 1893 e 1895, pouco antes da Campanha de Canudos. Os
sulistas conseguiam romper a formação (“varando os quadrados”) com o uso de
cavalos, aos quais se prendia um laço de couro. Os cavaleiros disparavam
(“transmudando o cavalo em projétil”) e, com o laço, derrubavam pelas pernas os
soldados em formação (“levando de rojo o adversário”). (Agradecemos a José
Francisco Botelho pela explicação.) Bernucci define “quadrados” com o sentido,
registrado por Houaiss, de “nas antigas fazendas, aglomerados de habitações de
escravos”. Não atinamos como esse sentido poderia se encaixar aqui. 323. De rastros. 324. Extremidade posterior e mais elevada das ferraduras. 325. Pronto, disposto. 326. Combates, batalhas. 327. Duradoura, contínua. 328. Isto é, estando a faca
desembainhada. 329. Espingarda de um
único cano e pequeno calibre, também muito usada para caçar passarinho. 330. Espingarda de um cano e boca
larga, para espalhar melhor o chumbo. 331.
Até achar o momento oportuno para atirar. 332.
Inimigo. 333. Rendido pelo pulso do
adversário; “pulsear” é disputar queda-de-braço. 334. Trapacear, dissimular.
“O
homem dos sertões — pelo que esboçamos — mais do que qualquer outro, está em
função imediata da terra. É uma variável dependente no jogar dos elementos. Da
consciência da fraqueza para os debelar resulta, mais forte, este apelar
constante para o maravilhoso, esta condição inferior de pupilo estúpido da
divindade. Em paragens mais benéficas a necessidade de uma tutela sobrenatural
não seria tão imperiosa. Ali, porém, as tendências pessoais como que se
acolchetam às vicissitudes externas, e deste entrelaçamento resulta, copiando o
contraste que observamos entre a exaltação impulsiva e a apatia enervadora da
atividade, a indiferença fatalista pelo futuro e a exaltação religiosa. Os
ensinamentos dos missionários não poderiam exercitar-se estremes486
das tendências gerais da sua época. Por isto, como um palimpsesto487,
a consciência imperfeita dos matutos revela nas quadras agitadas, rompendo
dentre os ideais belíssimos do catolicismo incompreendido, todos os estigmas de
estádio inferior.
É
que, mesmo em períodos normais, a sua religião é indefinida e vária. Da mesma
forma que os negros Haúças,488 adaptando à liturgia todo o ritual iorubano,489
realizam o fato anômalo, mas vulgar mesmo na capital da Bahia, de seguirem para
as solenidades da Igreja por ordem dos fetiches,490 os sertanejos,
herdeiros infelizes de vícios seculares, saem das missas consagradas para os
ágapes selvagens dos candomblés africanos ou poracês491 do
tupi. Não espanta que patenteiem, na religiosidade indefinida, antinomias492
surpreendentes.
Quem
vê a família sertaneja, ao cair da noite, ante o oratório tosco ou registro493
paupérrimo, à meia luz das candeias de azeite, orando pelas almas dos mortos
queridos, ou procurando alentos à vida tormentosa, encanta-se.
O
culto dos mortos é impressionador. Nos lugares remotos, longe dos povoados,
inumam-nos à beira das estradas, para que não fiquem de todo em abandono, para
que os rodeiem sempre as preces dos viandantes, para que nos ângulos da cruz
deponham estes, sempre, uma flor, um ramo, uma recordação fugaz mas renovada
sempre. E o vaqueiro, que segue arrebatadamente, estaca, prestes, o cavalo,
ante o humilde monumento — uma cruz sobre pedras arrumadas — e, a cabeça
descoberta, passa vagaroso, rezando pela salvação de quem ele nunca viu talvez,
talvez de um inimigo.
A
terra é o exílio insuportável, o morto um bem-aventurado sempre.
O
falecimento de uma criança é um dia de festa. Ressoam as violas na cabana dos
pobres pais, jubilosos entre as lágrimas; referve o samba turbulento; vibram
nos ares, fortes, as coplas494 dos desafios; enquanto, a uma banda,
entre duas velas de carnaúba, coroado de flores, o anjinho exposto espelha, no
último sorriso paralisado, a felicidade suprema da volta para os céus, para a
felicidade eterna — que é a preocupação dominadora daquelas almas ingênuas e
primitivas.”
486. Puros, incontaminados. 487. Em sentido literal, manuscrito. 488. Etnia africana que se concentra na Nigéria e no Níger. 489. Os iorubás são o segundo maior
grupo étnico da Nigéria, e se encontram também em outros países; não se
confundem com os hauçás. Os escravos iorubás eram chamados no Brasil de nagôs. 490. Ídolos. A palavra “fetiche” (que veio do francês fétiche, e este, por sua vez, do
português feitiço), designa qualquer
objeto que se crê possuir poderes sobrenaturais. 491. Do tupi poraseîa, danças rituais. 492. Contradições. 493.
Imagem de santo. 494. Pequenas
composições poéticas, em redondilhas, para serem cantadas. 495. Estragam, corrompem. 496.
Rio que corta Pernambuco. No município de Serra Talhada, às suas margens,
nasceu o Lampião.
“Por
outro lado, fatos igualmente impressionadores contrabatem tais aberrações. A
alma de um matuto é inerte ante as influências que a agitam. De acordo com
estas pode ir da extrema brutalidade ao máximo devotamento.”
“É difícil traçar no fenômeno a
linha divisória entre as tendências pessoais e as tendências coletivas: a vida
resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade...
Acompanhar
a primeira é seguir paralelamente e com mais rapidez a segunda: acompanhá-las
juntas é observar a mais completa mutualidade de influxos.”
“Antônio
Conselheiro foi um gnóstico bronco.
Veremos
mais longe a exação538 do símile.
Paranoico
indiferente, este dizer, talvez, mesmo não lhe possa ser ajustado, inteiro. A
regressão ideativa que patenteou, caracterizando-lhe o temperamento vesânico,539
é, certo, um caso notável de degenerescência intelectual, mas não o isolou —
incompreendido, desequilibrado, retrógrado, rebelde — no meio em que agiu.
Ao
contrário, este fortaleceu-o. Era o profeta, o emissário das alturas,
transfigurado por ilapso540 estupendo, mas adstrito a todas as
contingências humanas, passível do sofrimento e da morte, e tendo uma função
exclusiva: apontar aos pecadores o caminho da salvação. Satisfez-se sempre com
este papel de delegado dos céus. Não foi além. Era um servo jungido à tarefa
dura; e lá se foi, caminho dos sertões bravios, largo tempo, arrastando a carcaça
claudicante, arrebatado por aquela ideia fixa, mas de algum modo lúcido em
todos os atos, impressionando pela firmeza nunca abalada e seguindo para um
objetivo fixo com finalidade irresistível.
A sua
frágil consciência oscilava em torno dessa posição média, expressa pela linha
ideal que Maudsley541 lamenta não se poder traçar entre o bom senso
e a insânia.
Parou
aí indefinidamente, nas fronteiras oscilantes da loucura, nessa zona mental
onde se confundem facínoras e heróis, reformadores brilhantes e aleijões
tacanhos, e se acotovelam gênios e degenerados. Não a transpôs. Recalcado pela
disciplina vigorosa de uma sociedade culta, a sua nevrose explodiria na
revolta, o seu misticismo comprimido esmagaria a razão. Ali, vibrando a
primeira uníssona com o sentimento ambiente, difundido o segundo pelas almas
todas que em torno se congregavam, se normalizaram.
O
fator sociológico, que cultivara a psicose mística do indivíduo, limitou-a sem
a comprimir, numa harmonia salvadora. De sorte que o espírito predisposto para
a rebeldia franca contra a ordem natural cedeu à única reação de que era
passível. Cristalizou num ambiente propício de erros e superstições comuns.
A sua
biografia compendia e resume a existência da sociedade sertaneja. Esclarece o
conceito etiológico542 da doença que o vitimou.”
538. Exatidão. 539.
Maníaco, insano. 540. Influência que
Deus exerce sobre as pessoas. 541. Henry Maudsley (1835-1918) foi o mais
célebre psiquiatra inglês da Era Vitoriana. Foi o proponente da teoria da
degeneração, segundo a qual vícios como o alcoolismo causaria desordens nas
gerações subsequentes de uma família (ideia cara a Émile Zola, que a explorou
em seus romances). Também contribuiu para o desenvolvimento de conceitos como
responsabilidade penal e sociopatia. Euclides da Cunha fechará Os Sertões mencionando o seu nome. 542. Relativo à causa (aqui, da
doença).
“UMA VIDA BEM AUSPICIADA. PRIMEIROS REVESES; E A QUEDA
Nada
se sabe ao certo sobre o papel que coube a Vicente Mendes Maciel, pai de
Antônio Vicente Mendes Maciel (o Conselheiro), nesta luta deplorável. Os seus
contemporâneos pintam-no como “homem irascível mas de excelente caráter, meio
visionário e desconfiado, mas de tanta capacidade que, sendo analfabeto,
negociava largamente em fazendas, trazendo tudo perfeitamente contado e medido
de memória, sem mesmo ter escrita para os devedores”.
O
filho, sob a disciplina de um pai de honradez proverbial e ríspido, teve
educação que de algum modo o isolou da turbulência da família. Indicam-no
testemunhas de vista,570 ainda existentes, como adolescente
tranquilo e tímido, sem o entusiasmo feliz dos que seguem as primeiras escalas
da vida; retraído, avesso à troça, raro deixando a casa de negócio do pai, em
Quixeramobim, de todo entregue aos misteres de caixeiro consciencioso, deixando
passar e desaparecer vazia a quadra triunfal dos vinte anos. Todas as
histórias, ou lendas entretecidas de exageros, segundo o hábito dos narradores
do sertão, em que eram muita vez protagonistas os seus próprios parentes,
eram-lhe entoadas em torno evidenciando-lhes sempre a coragem tradicional e
rara. A sugestão das narrativas, porém, tinha o corretivo enérgico da ríspida
sisudez do velho Mendes Maciel e não abalava o ânimo do rapaz. Talvez ficasse
latente, pronta a se expandir em condições mais favoráveis. O certo é que
falecendo aquele em 1855, vinte anos depois dos trágicos sucessos que rememoramos,
Antônio Maciel prosseguiu na mesma vida corretíssima e calma.
Arrostando
com a tarefa de velar por três irmãs solteiras revelou abnegação rara. Somente
depois de as ter casado procurou, por sua vez, um enlace que lhe foi nefasto.
Data
daí a sua existência dramática. A mulher foi a sobrecarga adicionada à tremenda
tara571 hereditária, que desequilibraria uma vida iniciada sob os
melhores auspícios.
A
partir de 1858 todos os seus atos denotam uma transformação de caráter. Perde
os hábitos sedentários. Incompatibilidades de gênio com a esposa ou, o que é
mais verossímil, a péssima índole desta, tornam instável a sua situação.
Em
poucos anos vive em diversas vilas e povoados. Adota diversas profissões.
Nesta
agitação, porém, percebe-se a luta de um caráter que se não deixa abater. Tendo
ficado sem bens de fortuna, Antônio Maciel, nesta fase preparatória de sua
vida, a despeito das desordens do lar, ao chegar a qualquer nova sede de
residência procura logo um emprego, um meio qualquer honesto de subsistência.
Em 1859, mudando-se para Sobral, emprega-se como caixeiro. Demora-se, porém,
pouco ali. Segue para Campo Grande, onde desempenha as funções modestas de
escrivão do juiz de paz. Daí, sem grande demora, se desloca para Ipu. Faz-se
solicitador,572 ou requerente no fórum.
Nota-se
já em tudo isto um crescendo para profissões menos trabalhosas, exigindo cada
vez menos a constância do esforço; o contínuo despear-se da disciplina
primitiva, a tendência acentuada para a atividade mais irrequieta e mais
estéril, o descambar para a vadiagem franca. Ia-se-lhe ao mesmo tempo, na
desarmonia do lar, a antiga serenidade.
Este
período de vida mostra-o, todavia, aparelhado de sentimentos dignos. Ali
estavam, em torno, permanentes lutas partidárias abrindo-lhe carreira
aventurosa, em que poderia entrar como tantos outros, ligando-se aos
condutícios573 de qualquer conquistador de urnas, para o que tinha o
prestígio tradicional da família. Evitou-as sempre. E na descensão contínua,
percebe-se alguém que perde o terreno, mas lentamente, reagindo, numa exaustão
dolorosa.
De
repente, surge-lhe revés violento. O plano inclinado daquela vida em declive
termina, de golpe, em queda formidável. Foge-lhe a mulher, em Ipu, raptada por
um policial. Foi o desfecho. Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso
dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não saibam o nome; o abrigo da
absoluta obscuridade.
Desce
para o sul do Ceará.
Ao
passar em Paus Brancos, na estrada do Crato, fere com ímpeto de alucinado, à
noite, um parente, que o hospedara. Fazem-se breves inquirições policiais,
tolhidas logo pela própria vítima reconhecendo a não culpabilidade do agressor.
Salva-se da prisão. Prossegue depois para o sul, à toa, na direção do Crato. E
desaparece...
Passam-se
dez anos. O moço infeliz de Quixeramobim ficou de todo esquecido. Apenas uma ou
outra vez lhe recordavam o nome e o termo escandaloso da existência, em que era
magna pars574 um Lovelace575 de coturno reiuno,576
um sargento de polícia.
Graças
a este incidente, algo ridículo, ficara nas paragens natais breve resquício de
sua lembrança.
Morrera
por assim dizer.
COMO SE FAZ UM MONSTRO
... E
surgia na Bahia o anacoreta577 sombrio, cabelos crescidos até aos
ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso,
dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado578 ao clássico
bastão em que se apoia o passo tardo dos peregrinos...
É
desconhecida a sua existência durante tão largo período. Um velho caboclo,
preso em Canudos nos últimos dias da campanha, disse-me algo a respeito, mas
vagamente, sem precisar datas, sem pormenores característicos. Conhecera-o nos
sertões de Pernambuco, um ou dois anos depois da partida do Crato. Das palavras
desta testemunha, concluí que Antônio Maciel, ainda moço, já impressionava
vivamente a imaginação dos sertanejos. Aparecia por aqueles lugares sem destino
fixo, errante. Nada referia sobre o passado. Praticava em frases breves e raros
monossílabos. Andava sem rumo certo, de um pouso para outro, indiferente à vida
e aos perigos, alimentando-se mal e ocasionalmente, dormindo ao relento à beira
dos caminhos, numa penitência demorada e rude...
Tornou-se
logo alguma coisa de fantástico ou mal-assombrado para aquelas gentes
simples. Ao abeirar-se das rancharias dos tropeiros aquele velho singular, de
pouco mais de trinta anos, fazia que cessassem os improvisos e as violas
festivas.
Era
natural. Ele surdia579 — esquálido e macerado — dentro do hábito
escorrido,580 sem relevos, mudo, como uma sombra, das chapadas
povoadas de duendes...581
Passava,
buscando outros lugares, deixando absortos os matutos supersticiosos.
Dominava-os,
por fim, sem o querer.
No
seio de uma sociedade primitiva, que pelas qualidades étnicas e influxo582
das santas missões malévolas compreendia melhor a vida pelo
incompreendido dos milagres, o seu viver misterioso rodeou-o logo de não vulgar
prestígio, agravando-lhe, talvez, o temperamento delirante. A pouco e pouco
todo 0 domínio que, sem cálculo, derramava em torno, parece haver refluído
sobre si mesmo. Todas as conjeturas ou lendas que para logo o circundaram
fizeram o ambiente propício ao germinar do próprio desvario. A sua insânia
estava, ali, exteriorizada. Espelhavam-na a admiração intensa e o respeito
absoluto que o tornaram em pouco tempo árbitro incondicional de todas as
divergências ou brigas, conselheiro predileto em todas as decisões. A multidão
poupara-lhe o indagar torturante acerca do próprio estado emotivo, o esforço
dessas interrogativas angustiosas e dessa intuspecção delirante, entre os quais
envolve a loucura nos cérebros abalados. Remodelava-o à sua imagem. Criava-o.
Ampliava-lhe, desmesuradamente, a vida, lançando-lhe dentro os erros de 2 mil
anos.
Precisava
de alguém que lhe traduzisse a idealização indefinida, e a guiasse nas trilhas
misteriosas para os céus...
O
evangelizador surgiu, monstruoso, mas autômato.
Aquele
dominador foi um títere.583 Agiu passivo, como uma sombra. Mas esta
condensava o obscurantismo de três raças.
E
cresceu tanto que se projetou na História...”
570. Oculares. 571.
Defeito considerado hereditário. 572.
Segundo a definição de Houaiss, “procurador legalmente habilitado e
provisionado, a quem, na qualidade de auxiliar do advogado, compete assistir o
andamento dos feitos, receber intimações de despachos ordinários, assinar os
termos de recursos, assistir e praticar atos de cartório.” 573. Mercenários. 574.
“Grande parte”, em latim. A referência é aos primeiros versos do segundo livro
da Eneida (3-6): Infandum, regina, iubes renouare dolorem, / Troianas ut opes et
lamentabile regnum / eruerint Danai, quaeque ipse miserrima uidi / et quorum pars magna fui. (“Ordenas, rainha,
se renove a dor infanda / como o poderio troiano e seu lamentável reino / os
Dânaos desbarataram, coisas deploráveis que eu mesmo vi / e das quais fui
grande parte.” Tradução e grifos nossos.) 575.
Robert Lovelace, vilão do romance Clarissa
(1748), de Samuel Richardson Lovelace é um personagem cínico e ambicioso, que
assedia a protagonista até conseguir estuprá-la. 576. Fornecido pelo Estado, em se tratando de itens militares; por
extensão: de baixa qualidade. 577.
Monge solitário, eremita. 578.
Apoiado (em um bordão). 579. Surgia,
emergia. 580. Desbotado. 581. Criaturas do folclore ibérico,
trazidas para a América Latina. A etimologia mais aceita é que a palavra provém
do espanhol duen’ de casa (“dono de casa”). Os duendes têm vários
poderes mágicos e são conhecidos por suas travessuras; entre as peças que podem
pregar nos humanos contam-se doenças ou mesmo a morte. 582. Influência. 583.
Marionete.
“O Conselheiro continuou
sem tropeços na missão pervertedora, avultando na imaginação popular.
Apareciam
as primeiras lendas.
Não
as arquivaremos todas.
Fundou
o arraial do Bom Jesus; e contam as gentes assombradas que em certa ocasião,
quando se construía a belíssima igreja que lá está, esforçando-se debalde dez
operários por erguerem pesado baldrame,654 o predestinado trepou
sobre o madeiro e ordenou, em seguida, que dois homens apenas o levantem; e o
que não haviam conseguido tantos, realizaram os dois rapidamente, sem esforço
algum...
Outra
vez — ouvi o estranho caso a pessoas que se não haviam deixado fanatizar! —
chegou a Monte Santo e determinou que se fizesse uma procissão pela montanha
acima, até a última capela, no alto. Iniciou-se à tarde a cerimônia. A multidão
derivou, lenta, pela encosta clivosa,655 entoando benditos,656
estacionando nos “passos”, contrita. Ele seguia na frente — grave e sinistro —
descoberto, agitada pela ventania forte a cabeleira longa, arrimando-se ao
bordão inseparável. Desceu a noite. Acenderam-se as tochas dos penitentes, e a
procissão, estendida na linha de cumeadas, traçou uma estrada luminosa no dorso
da montanha...
Ao
chegar à Santa Cruz, no alto, Antônio Conselheiro, ofegante, senta-se no
primeiro degrau da tosca escada de pedra, e queda-se estático, contemplando os
céus, o olhar imerso nas estrelas...
A
primeira onda de fiéis enche logo o âmbito restrito da capela, enquanto outros
permanecem fora ajoelhados sobre a rocha aspérrima.
O
contemplativo, então, levanta-se. Mal sofreia657 o cansaço. Entre
alas respeitosas, penetra, por sua vez, na capela, pendida para o chão a
cabeça, humílimo e abatido, arfando.
Ao
abeirar-se do alta-mor, porém, ergue o rosto pálido, emoldurado pelos cabelos
em desalinho. E a multidão estremece toda, assombrada... Duas lágrimas
sangrentas rolam, vagarosamente, no rosto imaculado da Virgem Santíssima...
Estas
e outras lendas são ainda correntes no sertão. natural. Espécie de grande homem
pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no misticismo doentio todos os erros e
superstições que formam o coeficiente de redução658 da nossa
nacionalidade. Arrastava o povo sertanejo não porque o dominasse, mas porque o
dominavam as aberrações daquele. Favorecia-o o meio e ele realizava, às vezes,
como vimos, o absurdo de ser útil. Obedecia à finalidade irresistível de velhos
impulsos ancestrais; e jugulado por ela espelhava em todos os atos a
placabilidade de um evangelhista incomparável.
De
feito, amortecia-lhe a nevrose inexplicável placidez.
Certo
dia o vigário de uma freguesia sertaneja vê chegar à sua porta um homem
extremamente magro e sucumbido: longos cabelos despenteados pelos ombros,
longas barbas descendo pelo peito; uma velha figura de peregrino a que não
faltavam o crucifixo tradicional, suspenso a um lado entre as camândulas659
da cintura, e o manto poento e gasto, e a borracha660 d’água, e o
bordão comprido...
Dá-lhe
o pároco com que se alimente, aceita um pedaço de pão apenas; oferece-lhe um
leito, prefere uma tábua sobre que se deita sem cobertas, vestido, sem mesmo
desatacar as sandálias.
No
outro dia o singularíssimo hóspede, que poucas palavras até então pronunciara,
pede ao padre lhe conceda pregar por ocasião da festa que ia realizar-se na
igreja.
—
Irmão não tendes ordens; a Igreja não permite que pregueis.
—
Deixai-me, então, fazer a via sacra.
—
Também não posso, vou eu fazê-la, contraveio mais uma vez o sacerdote.
O
peregrino, então, encarou-o fito por algum tempo, e sem dizer palavra tirou de
sob a túnica um lenço. Sacudiu o pó das alpercatas. E partiu.
Era o
clássico protesto inofensivo e tranquilo dos apóstolos.661
***
A
reação, porém, crescendo, malignou-lhe o ânimo. Dominador incondicional,
principiou de se irritar ante a menor contrariedade.
Certa
vez, em Natuba, estando ausente o vigário, com quem não estava em boas graças,
apareceu e mandou carregar pedras para consertos da igreja. Chega o padre; vê a
invasão dos domínios sagrados; irrita-se e resolve pôr embargos à desordem. Era
homem prático; apelou para o egoísmo humano.
Tendo
a Câmara, dias antes, imposto aos proprietários o calçamento dos passeios das
casas, cedeu ao povo, para tal fim, as pedras já acumuladas.
O
Conselheiro não se limitou, desta vez, a sacudir as sandálias. Saiu-lhe da boca
a primeira maldição, às portas da cidade ingrata; e partiu.
Tempos
depois, a pedido do mesmo vigário, certa influência política do local o chamou.
O templo desabava em ruínas; o mato invadira todo o cemitério; e a freguesia662
era pobre. Só podia renová-los quem tão bem dispunha dos matutos crédulos. O
apóstolo deferiu ao convite. Mas fê-lo através de imposições discricionárias,663
relembrando, com altaneria664 destoante da pacatez antiga, a afronta
recebida.
Iam-no
tornando mau.
Viu a
República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis.
Assumiu desde 1893 uma feição combatente inteiramente nova.
Originou-a
fato de pouca monta.
Decretada
a autonomia dos municípios, as Câmaras das localidades do interior da Bahia
tinham afixado nas tábuas tradicionais, que substituem a imprensa, editais para
a cobrança de impostos etc.
Ao
surgir esta novidade Antônio Conselheiro estava em Bom Conselho. Irritou-o a
imposição; e planeou revide imediato. Reuniu o povo num dia de feira e, entre
gritos sediciosos e estrepitar de foguetes, mandou queimar as tábuas numa
fogueira, no largo. Levantou a voz sobre o “auto de fé”,665 que a
fraqueza das autoridades não impedira, e pregou abertamente a insurreição
contra as leis.
Avaliou,
depois, a gravidade do atentado.
Deixou
a vila, tomando pela estrada de Monte Santo, para o norte.
O
acontecimento repercutira na capital, de onde partiu numerosa força de polícia
para prender o rebelde e dissolver os grupos turbulentos. Estes naquela época
não excediam a duzentos homens. A tropa alcançou-os em Maceté, lugar
desabrigado e estéril entre Tucano e Cumbe, nas cercanias dás serras do Ovó. As
trinta praças, bem armadas, atacaram impetuosamente a turba de penitentes
depauperados, certas de os destroçarem à primeira descarga. Deram, porém, de
frente, com os jagunços destemerosos. Foram inteiramente desbaratadas,
precipitando-se na fuga, de que fora o primeiro a dar o exemplo o próprio
comandante.
Esta
batalha minúscula teria, infelizmente, mais tarde muitas cópias ampliadas.
Realizada
a façanha, os crentes acompanharam, reatando a marcha, a hégira do profeta. Não
procuravam mais os povoados, como dantes. Demandavam o deserto.
O
desbarato da tropa prenunciava-lhes perseguições mais vigorosas; e, certos do
amparo da natureza selvagem, contavam com a vitória enterreirando entre as
caatingas os novos contendores. Estes partiram, de fato, sem perda de tempo, da
Bahia,666 em número de oitenta praças, de linha. Mas não
prosseguiram além de Serrinha, de onde tornaram sem se aventurarem com o
sertão. Antônio Conselheiro, porém, não se iludiu com o inexplicável recuo, que
o salvara. Arrastou a matula de fiéis, a que se aliavam, dia a dia, dezenas de
prosélitos, pelas trilhas sertanejas fora, seguindo prefixado rumo.
Conhecia
o sertão. Percorrera-o todo numa romaria ininterrupta de vinte anos. Sabia de
paragens ignotas de onde o não arrancariam. Marcara-as já, talvez prevenindo
futuras vicissitudes.
Endireitou,
rumo firme, em cheio para o norte.
Os
crentes acompanharam-no. Não inquiriram para onde seguiam. E atravessaram
serranias íngremes, tabuleiros estéreis e chapadas rasas, longos dias,
vagarosamente, na marcha cadenciada pelo toar das ladainhas e pelo passo tardo
do profeta...”
655. Escarpada. 656. Benedictus, o “Cântico de Zacarias”. Trata-se do cântico
entoado pelo pai de João Batista após seu nascimento (Lucas 1,68-79); teve
amplo uso litúrgico. 657. Refreia,
contém. 658. Na matemática,
coeficiente usado para reduzir proporcionalmente uma figura. 659. Rosário de contas grossas. 660. Espécie de odre bojudo e de boca
estreita. 661. Mateus 10, 11-15: “E,
em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela seja
digno e hospedai-vos aí até que vos retireis. E, quando entrardes nalguma casa,
saudai-a; e, se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for
digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber, nem escutar as
vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em
verdade vos digo que, no Dia do Juízo, haverá menos rigor para o país de Sodoma
e Gomorra do que para aquela cidade.” Cf. Marcos 6, 10-11 e Lucas 9, 4-5. 662. Paróquia. 663. Livre de condições ou restrições. 664. Altivez. 665.
Cerimônia pública da Inquisição em que um acusado fazia penitência e era
sentenciado. 666. Isto é, a Cidade
da Bahia (Salvador).
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