Editora: Casa Amarela
ISBN: 978-85-8682-106-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 218
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Sinopse: O
autor narra a saga do muçulmano Saifudin, construtor das fortificações do
Quilombo dos Palmares, e de seu amigo, o judeu Ben Suleiman. Fala também do
senhor de engenho Epaminondas Conde e de seu amor pelo escravo Gaspar; de Zumbi
e de uma de suas mulheres, a branca Maria Paim, tendo como cenário a Capitania
de Pernambuco, a Inquisição, a revolta dos escravos e a epidemia do
mal-de-bicho. Transcrevem-se diários de bordo dos navios negreiros e explica-se
o significado da letra F e da cruz, gravadas com ferro em brasa na testa e no
peito dos escravos. Centrando a narrativa no personagem Saifundin – que se
juntou a Zumbi e teve participação na destruição do Quilombo dos Palmares – o autor
traz à tona a mentalidade e o ambiente predominantes no país à época.
“— Vocês sabem que amo meus escravos como amo
meus animais. Mas de vez em quando os negros se excedem. Quando isso acontece,
mando cobrir a cara do faltoso com uma lata. Deixo alguns buraquinhos para ele
respirar. Assim ele queima a cara no sol mas continua intacto. Não posso
estragar uma mercadoria valiosa.”
“— Queimem as choupanas!!!
Chegaram atirando. Eram brancos, mas havia
muitos negros entre eles. Não encontraram resistência porque os guerreiros
haviam saído. Nem por isso foram menos brutais.
Animais mortos, velhos, mulheres e crianças
acorrentados. O que sobrou da aldeia o fogo consumia. A fumaça atrairia os guerreiros.
Não era outra a intenção dos escravistas. Sabiam que os homens voltariam
rapidamente assim que vissem a fumaça e prepararam-se para recebê-los. As
mulheres e as crianças serviriam de escudo.
— Peguem os bebês e as velhas! — gritou o
chefe do grupo.
Sempre agiam assim. Por temer uma reação dos
guerreiros, escolhiam para sacrificar aquilo que consideravam mercadoria de
menor valor. Criança de colo e velho, que no entender deles dão muito trabalho
e não têm valor comercial.
Quando os primeiros guerreiros apareceram, um
negro forte, ao lado de um branco, gritou num dialeto para que eles se
rendessem. Não deram a menor atenção. A primeira lança que partiu foi a senha
para que os bebês e os velhos fossem degolados. A brutalidade do ato e alguns
disparos convenceram os guerreiros. Entregaram as armas, temendo pela vida dos
restantes.
Muitos corpos espalhados pelo chão. Os
prisioneiros são colocados em fila, acorrentados pelo pescoço e pelos pés. Os feridos
mal podem se arrastar. Alguns chutes e pancadas os convencem a caminhar.
— De pé, seus safados! — gritou um branco.
— Estão fazendo corpo mole! — gritou outro. —
Vou mostrar qual é o castigo para quem faz corpo mole!
Puxou de um punhal e cortou a orelha do
caído. O sangue jorrou.
— Não estraga a mercadoria! Não estraga a
mercadoria! — gritou o líder.
— Esta mercadoria já está estragada, não tem
mais jeito. Ele está muito ferido.
— Então deixe-o, que não temos tempo a perder.
A punhalada certeira no coração calou o
ferido.
Chicotadas, chutes e pauladas colocaram os
últimos recalcitrantes na fila. Crianças choravam, mulheres lamentavam, o
chicote fazia todos se calarem.”
“Conversavam ainda quando o comandante do
barco lhes gritou para darem uma olhada na praia, cheia de escravos.
— O que está acontecendo? — perguntou a um
homem que corria esbaforido até o local.
— Você não pode perder este espetáculo —
respondeu o homem.
Na praia, escravos recém-desembarcados e
acorrentados ouviam o leiloeiro explicando por que estavam ali.
— Vocês vão ver o que acontece com aquele que
tenta fugir ou desrespeita o seu senhor.
A um sinal seu trouxeram um escravo com as
mãos acorrentadas para trás. Estava com a letra F gravada na testa e sem uma
das orelhas.
— O que significa a letra F? — perguntou
Saifudin.
— Fugitivo — respondeu Ben Suleiman. — Quando
eles o recapturam, gravam a letra F com ferro em brasa. Quando foge pela
segunda vez, cortam uma de suas orelhas.”
“Quando retornavam, Saifudin perguntou a
Ishak que história era aquela de o Ribamar ser absolvido porque o escravo não
confessou.
— Nesta terra, quando um branco importante
comete um crime, pode apresentar um escravo para ser interrogado em seu lugar.
Este sofre todo tipo de tortura para confessar, mesmo não sabendo do que se
trata. Se não confessa, seu amo é inocentado.
— E se o escravo, não resistindo às torturas,
confessa, o que acontece?
— Aí o seu dono é condenado. Mas é o escravo
quem cumpre a pena em seu lugar.
Isto a história registra.
— São loucos esses nazarenos!
— Seres humanos. Apenas seres humanos.”
“Enquanto comiam, Saifudin comentou com Zumbi
sobre índios e alguns brancos que havia visto.
— O que fazem aqui?
— Eles vivem aqui.
— Quem são?
— Os brancos — respondeu Zumbi — eram
pequenos proprietários que não puderam pagar suas dívidas. São os sem-engenho
ou sem-terra. Os índios tiveram suas aldeias invadidas e destruídas pelos
brancos. São os sem-aldeia. Os negros que vivem aqui são os sem-correntes.
Saifudin apontou para dois mulatos que
discutiam entre si, disputando uma ave.
— E aqueles, quem são?
— São sem-vergonha mesmo — respondeu Zumbi. —
Vivem discutindo e nunca dividem suas coisas. Mas são excelentes guerreiros.”
“— Está confirmado, mas Alláh sabe mais —
falou Saifudin.
— O que está confirmado? — perguntou Ben
Suleiman.
— O que os nabateus diziam. É impossível
possuir bens e ser livre ao mesmo tempo. Por isso proibiam plantar trigo,
árvores frutíferas e construir casas. Entendiam que não era possível conservar
esses bens sem sacrificar a liberdade.”
“Raríssimos os brancos que conseguiam
identificar Zumbi. Para eles, todos os negros eram iguais, mas sabiam tratar-se
de um grande guerreiro. Gozava de prestígio entre alguns fazendeiros da região
de Porto Calvo, que viviam em dificuldades por causa dos tributos que a Coroa
estava sempre exigindo e aumentando.
A história dessa sobrecarga de tributos é
mais ou menos a que segue.
O rei de Portugal, dom Sebastião, foi
convencido pela Igreja Católica a invadir o norte da África e jogar os
muçulmanos no mar. Ao invés do veni, vidi, vici (“vim, vi, venci”, palavras que Júlio César pronunciou ao
anunciar sua vitória sobre Farnaces em 47 a.C.), o que se viu na Batalha de Al
Kácer Quibir, no Marrocos, foi o feci
quod potui (“fiz o que pude”) e terminou com hic jacet (“aqui jaz”).
A Igreja convenceu o povo de que o rei não
havia morrido, mas sido poupado por Deus, e que a qualquer instante ressurgiria
vitorioso. Enquanto esperavam pela volta de dom Sebastião, o rei da Espanha, com
apoio da Inquisição, declarou-se também rei de Portugal, juntando as duas
coroas. A Espanha era uma nação muito rica graças ao ouro de suas colônias na América.
E usou essa riqueza para expandir a religião católica e fazer guerras. Resolveu
brigar com a Inglaterra, França e também com a Holanda.
Apesar de muito rica, a Espanha era
dependente dos mercados externos, pois, com a expulsão dos muçulmanos e dos
judeus, a Inquisição passou a governar de fato, deixando o país à deriva. A
armada espanhola, que ostentava o título de invencível, foi destruída pelos
ingleses e a guerra com a França durou trinta anos. A riqueza foi se diluindo,
a penúria aumentando. A alternativa foi recorrer ainda mais aos tributos. Portugal
e suas colônias se desdobravam para abastecer os cofres espanhóis. Até que em
640 os portugueses resolveram dar um basta proclamando sua independência.
Proclamada a independência, os portugueses começaram a brigar pela linha sucessória
ao trono. Os pretendentes acusavam-se de bastardos, hemiplégicos, homossexuais
e portadores de deficiências mentais.
No que todos tinham razão.
Os colonos brasileiros, apesar de terem gasto
o que e o que não tinham para expulsar os holandeses (que em represália à
guerra com os espanhóis haviam invadido o Brasil), continuaram abastecendo os
cofres reais portugueses.
Finalmente, em 1668, Portugal celebrou a paz
com a Espanha. Mas as intrigas e a luta pela sucessão em Portugal somente
terminariam em 1683 com a proclamação de dom Pedro II rei de Portugal, depois de
uma série de acordos a França e a Inglaterra.
A política mercantilista e protecionista
portuguesa foi abolida depois de tais acordos. Os críticos da época afirmaram que
isso resultou na destruição da indústria têxtil portuguesa. Mas se esqueceram
de dizer que a aristocracia portuguesa nunca se preocupou porque estava
acostumada a mamar nas tetas do reino.
Portugal, que até então dominava os mares e
era considerado uma grande potência, nunca mais se recuperou. Para agravar
ainda mais essa situação, a Inquisição, que jamais perdoou os portugueses pela
independência, começou a agir. Seus inquisidores vieram até o Brasil,
paralisando completamente a produção de açúcar.”
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