Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-7753-403-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 168
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Sinopse: A partir de sua experiência como consultora
de comunicação não violenta (CNV) e comunicação consciente, educadora parental
e mãe de duas crianças, Elisama Santos propõe uma conversa com pais e mães que
desejam construir relações e aprendizados baseados no respeito e no diálogo – e
querem estimular autoestima, autonomia, autodisciplina e resiliência em si
mesmos e nos filhos. A ideia é que o processo de construção de conhecimento
torna-se positivo quando ocorre por meio da empatia e reflexão crítica.
Assim,
a autora apresenta conceitos que podem ajudar pais e filhos a se aproximarem,
conectando-se com os próprios sentimentos e comunicando-os ao outro de forma
objetiva e respeitosa: a comunicação não violenta, de Marshall Rosenberg; a
atenção plena (mindfulness), do zen-budismo; a disciplina positiva, de Jane
Nelsen; e a inteligência emocional, de Daniel Goleman.
Educação não violenta é uma alternativa à cultura autoritária que
justifica o uso da violência e da repressão como método educativo. Aqui
buscam-se caminhos para uma educação mais solidária e compreensiva, acreditando
ser possível educar as crianças com consciência, para que as próximas gerações
possam colher os frutos de um mundo mais amoroso e justo.
“Diante de uma
sociedade assustadoramente intolerante, adoecida física e emocionalmente, fica
claro que o foco da nossa educação deve sair do puro aprendizado da matemática,
física e português, para o aprendizado da empatia, das habilidades sociais e do
autoconhecimento. Queremos filhos educados, saudáveis e felizes, mas os nossos
métodos educacionais são baseados em punições, críticas, ameaças e humilhação,
o que se mostra claramente incoerente.”
“Tradicionalmente, a
relação de pais e filhos é baseada em poder e controle. A obediência é a busca
suprema. Esperamos que a criança aja como determinamos. Que coma no instante em
que determinamos, os alimentos que determinamos e na quantidade que
determinamos. Pais estão acima dos filhos e, por isso, os quereres e vontades
deles não interessam nem devem ser considerados. Conversar, acolher e entender
só são uma opção enquanto a criança está “boazinha”. A obediência não estimula
a responsabilidade. Não expande o senso crítico e a autonomia. Seres obedientes
dependem de alguém que lhes diga o que é certo e bom e usam o “fiz o que o
chefe mandou” como justificativa para atos que podem inclusive ferir a sua
ética e seus valores. O conceito de “obediência” traz consigo impotência.
Considero muito
triste que ainda sigamos criando agentes de manutenção do mundo tal como o
conhecemos. Vivemos um preocupante momento social, e a passividade que nos
assola é, sem dúvida, fruto dessa educação que nos reduz a meros executores de
ordens – inicialmente dos pais, depois dos professores, chefes e políticos.
Enquanto a obediência pressupõe uma relação de hierarquia e desigualdade, na
qual um se coloca em lugar de superioridade, e o outro, de submissão, a
cooperação parte do princípio de que somos igualmente dignos. Enquanto a
obediência desconsidera as vontades, sentimentos e
necessidades do outro, a cooperação considera as necessidades de todos,
entendendo que somos semelhantes.”
“Respeitar o querer não quer dizer
atendê-lo. Acolher o choro não significa evitar o choro a qualquer custo. As
pequenas frustrações que vivenciamos na infância são uma oportunidade de
fortalecermos os músculos da resiliência para as inevitáveis frustrações que
virão no futuro. A angústia, a tristeza, o luto, a decepção e tantos outros
sentimentos que sempre consideramos ruins fazem parte da vida de qualquer ser
humano. Criar um mundo cor-de-rosa, cercado de almofadas e enfeitado com
unicórnios não prepara as crianças para a realidade que encontrarão na vida
adulta: a briga com o parceiro ou a parceira amorosa, a demissão do emprego dos
sonhos, a perda de um ente querido, que pode, inclusive, ser um de nós. Viver
dói, mas isso não precisa, necessariamente, ser um problema. Ensinar que as
dores fazem parte da vida, apresentando ferramentas para lidar com elas, é
preparar adultos fortes.”
·
“O foco da educação não violenta não é a obediência,
mas o desenvolvimento da responsabilidade;
·
O autoritarismo é emocionalmente insustentável, induz
à mentira e à desconexão;
·
A permissividade produz crianças pouco resilientes e
incapazes de lidar com as frustrações que inevitavelmente acontecerão ao longo
da vida;
·
A educação precisa ser pensada a longo prazo. As habilidades
que desejamos ver em nossos filhos no futuro devem ser ensinadas e treinadas no
presente;
·
Educar sem palmadas não é modismo. O país mais feliz
do mundo há quarenta anos, a Dinamarca, baseia a educação das crianças em
métodos não violentos;
·
Somos corresponsáveis pelos conflitos que vivemos no
dia a dia. A linguagem pode contribuir para a conexão ou criar resistência em
quem nos ouve.”
“OS CINCO
PRINCIPAIS ERROS QUE COMETEMOS DURANTE UMA CRISE DE CHORO
1. MENOSPREZAR OS
SENTIMENTOS.
Infelizmente, é muito
comum, diante de sentimentos que consideramos desnecessários e inadequados,
expressarmos a nossa opinião, travestida de verdade absoluta: “Não precisa
chorar”, “Que choro falso, não estou vendo lágrimas”, “Pare de exagero” e
similares. Às vezes, acrescidos a essas falas vêm os rótulos (chorão,
escandaloso, mimado) e as agressões físicas. A criança passa a associar
sentimentos negativos ao próprio sentimento e acrescenta mais camadas de dor ao
que sente. A grande maioria dos adultos que recebeu esse tipo de reação dos
cuidadores fica triste por estar triste. Conta para si mesma que não deveria
sentir o que sente.
2. DAR EXPLICAÇÕES.
Existe o momento
ideal de filosofar sobre a vida, com a criança, ou de conversar com ela sobre o
motivo de um pedido ter sido negado. A melhor hora não é quando elas estão instáveis emocionalmente, pouco receptivas a novas
informações. Vejo, na maioria dos pais e das mães que buscam uma educação
baseada no diálogo, a tendência a falar demais no momento do choro. Quando nós,
adultos, estamos chateados, tristes ou angustiados, não estamos dispostos a
ouvir. Com a criança não é diferente. Da mesma forma que não se ensina a nadar
quem está se afogando, o melhor momento de conversar sobre algo que levou a
criança a uma crise de choro é depois que todos, pais e filhos, estiverem mais
calmos e conscientes para essa conversa. Só assim será possível apresentar
outras formas de lidar com a situação, caso ela ocorra novamente.
3. DAR CONSELHOS.
Pais têm uma intensa
mania de aconselhar. Consideramos ser a nossa função resolver todos os
problemas dos filhos, e falar como devem agir diante das situações se torna
quase inevitável. Conselhos bloqueiam a empatia e minam a autonomia. Não estou
dizendo que nunca daremos conselhos, mas que o faremos no momento em que as
crianças estiverem mais receptivas, o que geralmente acontece após terem sido
ouvidas.
4. ATENDER TODOS OS
PEDIDOS DA CRIANÇA OU RESOLVER OS PROBLEMAS POR ELA.
“Dá logo, para ela
parar de chorar!”, “Faz o que a criança está pedindo, coitadinha”, “Vem, a
mamãe faz o que você quer!”. Diante da incapacidade de
lidar com as lágrimas das crianças e, sobretudo, com o que lhes desperta,
alguns pais tendem a silenciar o choro satisfazendo a todas as vontades dos
pequenos. A curto prazo essa atitude pode parecer eficaz, mas pode ter como
consequência tornar as crianças excessivamente exigentes e insatisfeitas, e os
adultos, pouco resilientes, incapazes de lidar com as inevitáveis frustrações
da vida.
5. IGNORAR OS
SENTIMENTOS.
Em uma linha de
raciocínio muito semelhante à que apresentamos no tópico 1 (“Menosprezar os
sentimentos”), ao ignorar os sentimentos consideramos que são indevidos e
inadequados e que, se não dermos atenção, eles irão desaparecer como mágica.
Insistir em ignorar os sentimentos é educar pessoas incapazes de lidar consigo
mesmas.”
“Nomear o sentimento,
em vez de negá-lo ou ignorá-lo, é transformar as palavras em uma ponte. Não
tenha medo de nomear o sentimento de maneira equivocada. À medida que a criança
desenvolve a consciência do que sente, ela direciona a percepção para o
sentimento correto. A intenção não é acertar de primeira, mas investigar junto
o que passa dentro deles. Quando sentem que são compreendidas, em regra, as
crianças falam. Contam como se sentem, o quanto estão tristes, o quanto queriam
muito algo.
Escute atentamente.
Sem celular, sem TV, sem distrações. Não interrompa, não aconselhe, não
menospreze, não pergunte. Apenas escute e, caso sinta necessidade de falar
algo, utilize poucas palavras: “Oh...”, “Puxa...”
Espelhe o sentimento.
Repetir o que a criança fala, com palavras muito semelhantes, faz com que ela
sinta-se compreendida e escutada. Por exemplo, quando ela diz: “Eu queria muito
brincar com os meus amigos hoje!”, você pode dizer: “Imagino o quanto você
queria brincar com os seus amigos, é tão legal estar com eles!”. Pense como a
criança está se sentindo para levá-la a falar assim: “Eu sou muito boba!”.
Tente expressar: “Puxa, você parece muito decepcionada com o que aconteceu
hoje.”
Em regra, respondemos
a frases como “Eu sou feia!”, “Odeio você!”, “A vovó é chata” negando o que a
criança diz. “Você não é feia, você é tão linda!”, “Ei, você me ama, não fale
isso!”, “A sua avó é muito legal!”. Isso não valida o sentimento da criança ou
a orienta a lidar com ele caso apareça novamente. É possível dizer: “Vejo que
não está feliz com a sua aparência hoje. Quer falar sobre isso?”, “Entendo que
esteja muito chateada por eu não ter te deixado sair;
estou disposta a conversar quando você utilizar outras palavras”, “Imagino que
a sua avó tenha feito algo que te desagradou. Quer me contar o que houve?”.
Perceba que, em nenhuma das situações citadas, o cuidador concorda com a
criança, apenas espelha o que ela sente, demonstrando que compreende o que
fala.
Nem todas as nossas
interações pedem essa escuta empática – seria insustentável fazê-lo. As
situações em que necessitam de empatia são muito claras, pelo olhar, pela forma
que agem, pelo comportamento que foge ao comum. Na rotina sobrecarregada que em
regra vivemos, nem sempre há tempo para a escuta ativa. Se percebemos que não
há tempo para uma conversa porque estamos atrasados para um compromisso importante,
é muito mais honesto que sejamos sinceros com a criança. “Filho, vejo que está
muito triste porque não levaremos o cachorro conosco. Nesse momento não posso
falar sobre os seus sentimentos com toda a atenção que eles merecem. Quando
chegarmos eu quero ouvir tudo que tem a dizer.” A mesma honestidade deve ser
aplicada em situações em que estamos emocionalmente abalados. Às vezes o nosso
estado emocional está tão fragilizado que não há espaço para a escuta, e isso
deve ser comunicado para a criança. “Meu bem, estou muito angustiada agora.
Preciso de um tempinho para respirar e me equilibrar. Sinto muito não poder te
ouvir. Prometo que assim que melhorar vamos conversar sobre o quanto está
chateada com o que aconteceu.” Em ambas as situações, cumpra o combinado e
retome a conversa assim que possível.”
“Imagine a seguinte
cena, com a qual a maioria de nós se identifica: no carro, passeando pela
cidade, estão pai, mãe e a criança. Parados no semáforo, a mãe observa um carro
de luxo ao lado:
— Nossa, como eu queria um carro desse! – afirma,
pensativa.
— A gente ia brigar
para dirigir! – responde o marido, sorrindo, e continua: — Amor, está fazendo
um calor... Estou com tanta vontade de voltar àquele hotel a que fomos no
verão!
— Queria morar
naquele hotel! Ele é incrível!
Seguem relembrando os
dias no hotel e imaginando o carro dos sonhos. Poucos minutos depois, a criança
fala:
— Mamãe, eu quero
sorvete!
— Você não pode tomar
sorvete hoje! – responde a mãe.
— Você estava gripado
até ontem, esqueceu? – complementa o pai.
A diferença de
tratamento é imensa. Quando a mãe afirma desejar o carro de luxo, e o pai, a
viagem do verão, não recebem qualquer resistência. Não há: “Você sabe quanto
custa o IPVA Desse carro?” ou “Aquela diária é absurda, sem chance!”. Ambos
apenas sabem que os desejos estão no campo do querer, do abstrato. O querer dos
filhos, no entanto, consideramos exigências que precisam ser atendidas ou
repelidas com veemência. Se lidássemos com eles da mesma forma que faríamos com
um amigo, o diálogo seria:
— Também queria
sorvete! Acho que eu ia escolher de maracujá! E você? Deixe-me adivinhar!...
Chocolate? – responde a mãe.
— O meu preferido é o
de coco – fala o pai.
— Hum, eu ia querer
de dois sabores! – suspira, empolgada, a criança.
Na maioria das vezes,
“Eu quero” substitui “Eu pensei”, “Eu lembrei”. Se não encontrar resistência, o
desejo é esquecido de forma muito rápida. Além disso, validar o querer das
crianças é não limitar os seus sonhos, as suas capacidades e, consequentemente,
as suas realizações. Aceitar o querer e embarcar na fantasia nos poupa energia
e transforma uma situação potencialmente desgastante em algo divertido.”
“Passamos dez dias
das férias na casa do meu pai, em uma cidade a mais de 500 km da que morávamos.
Enquanto Isaac e eu organizávamos as malas no carro, o avô chamou as crianças
para se despedir. Miguel, o mais velho, indica que não queria, dizendo um “Não
vou” grosseiro. Minha primeira reação foi me chatear. Somos contadores de
história compulsivos e, preciso confessar, a minha mente é muito tagarela. Em instantes, começou a ladainha que conheço de cor: “Lá vai
Miguel me matar de vergonha. Custa o que falar com o avô? Passou dez dias aqui,
caramba! Que absurdo! Esse menino me cansa demais! Vontade de me trancar em
casa e nunca mais sair. Saco! Meu pai deve estar pensando que não sei educar,
claro! Eu definitivamente não mereço.” Respirei, envergonhada.
A empatia é
exercício, escolha diária, daqueles que preciso revalidar, me esforçar, me
empurrar para fora do meu padrão, das minhas próprias histórias. “Ele ficou dez
dias aqui, é isso, claro! Ele não quer se despedir!” Eu me aproximei, com um
tom de voz acolhedor, enquanto ele se escondia no carro: “Filho, os dias aqui
foram muito, muito legais. Eu também amei. Ir embora é muito difícil, se
despedir do vovô dói.” Ele engoliu o choro seco, saiu do carro, abraçou
rapidamente o avô e voltou para o lugar. Assim que passamos pelo portão, um
choro sentido, forte, daqueles soluçados e tremidos, explodiu lavando a alma.
Chorou com o corpo todo. “Eu não quero ir embora, eu não quero ficar longe do
vovô...” Reconheci que despedidas são dolorosas, enquanto suas lágrimas saíam
feito cachoeira. A ladainha em minha mente se calou, já não tinha razão de
existir. Permitir que a verdade se apresente tem um efeito mágico sobre as
histórias que repetimos internamente. Tudo o que fazemos é regido por
sentimentos e necessidades, e a vida muda quando trocamos as certezas pela
curiosidade de descobrir quais sentimentos e necessidades são esses. Aceitar
que os nossos pensamentos não são a verdade é libertador.”
“Em regra, diante dos
erros e falhas, nós temos um discurso pronto de como a criança deveria agir das
próximas vezes. O grande problema dessa atitude é que a reflexão
vem de fora, não da criança. Se desejamos que desenvolvam a capacidade de
refletir sobre os próprios erros, podemos auxiliar o raciocínio com perguntas
que lhes façam encontrar as respostas dentro de si. É importante perceber o
momento ideal de estimular essa reflexão.”
“(...) Como é comum
que aconteça, Cíntia era o extremo oposto da mãe. Fazia absolutamente tudo pelo
filho, Charles. O menino jamais foi incentivado a sequer tirar os pratos da
mesa. A mãe escolhia as roupas e as vestia nele, organizava a mochila da
escola, o lanche e os brinquedos. Mesmo com o passar dos anos, a única responsabilidade
de Charles na família era brincar e se divertir. Cíntia arrumava a casa e
preparava a comida enquanto o filho dormia para que, quando acordasse, ela
pudesse lhe dedicar atenção exclusiva. Amenizava as consequências
dos seus erros e evitava as frustrações a todo custo. Buscando fazer o melhor
para o filho, Cíntia criava nele uma dependência preocupante.
Durante a Idade
Média, as crianças eram vistas como miniadultos. Tinham de seguir as mesmas
regras, comportar-se com igual responsabilidade e comprometimento. Com o passar
do tempo, saímos do ponto em que crianças eram adultos em miniatura para o
ponto em que crianças são bibelôs incapazes de fazer qualquer coisa por si
mesmas. Em regra, ao falar de educação não violenta, as pessoas interpretam que
a criança deve ser transformada no centro da vida. Nesse pensamento cheio de
dualidades, achamos que existem apenas os dois extremos. Todas as vezes que
fazemos algo pela criança estamos tirando a oportunidade de que elas façam por
si.
Os filhos não são
nossos, mas deles mesmos, nós somos os seus cuidadores até que tenham a
capacidade de cuidar de si sozinhos. Um dia, por mais que não pensemos nisso,
reivindicarão a propriedade de si mesmos. O que farão com esse precioso bem? Ao
passar pela porta da casa rumo ao desconhecido, levarão de nós uma mochila com
os ensinamentos e as experiências que vivenciamos juntos. O que estamos
colocando nessa mochila? Que ferramentas estão sendo acrescentadas nesse acervo
pessoal, para que possam lidar com os desafios que a vida certamente lhes
proporcionará? Estamos sendo educadores ou mimadores de crianças? Estamos
preparando adultos conscientes do seu papel ou crianças crescidas, incapazes de
resolver problemas e assumir as consequências dos seus atos? (...)
Talvez você considere
este capítulo um pouco duro e inesperado. Educação não violenta não é falar
manso e levar a criança no colo? Não. Queremos preparar os filhos para a vida, e
não os colocar no colo. Devemos dar as ferramentas e as habilidades
necessárias para que possam lidar com as intempéries com sabedoria. E não
faremos isso tomando todas as decisões por eles. Desenvolver a autonomia, a
capacidade de tomar decisões e a responsabilidade pelo cuidado de si pode
transformar o futuro das crianças.”
“Normalmente, quando
falo sobre criatividade na educação, ouço a seguinte frase: “Depois de um dia
cheio, de trabalhar e resolver problemas, eu estou exausto. Não tenho paciência
ou disposição para pedir as coisas brincando.” Educar é uma missão cansativa,
sobretudo da forma isolada e solitária que, em regra, os pais atuais exercem a
parentalidade. A pergunta é: o que cansa mais? Brigar ou brincar? Se temos
poucas forças em nossos reservatórios, de que forma vamos utilizá-las? A
experiência tem me mostrado que, todas as vezes que quero conseguir algo na
base do “faça porque eu estou mandando”, entro em uma disputa de poder que
drena a minha energia. O mau comportamento piora, eu aumento a repressão a ele
e o que poderia ser resolvido com cinco minutos de brincadeira leva vinte
minutos de estresse e, no final das contas, fico com o corpo inteiro dolorido e
com a sensação de que fui atropelada por um caminhão. Definitivamente, não é a
melhor maneira de canalizar as energias, sobretudo em dias cansativos.”
“Bater em crianças é
algo considerado normal na cultura brasileira, norte-americana e em diversos
outros países. Em nenhuma outra relação os castigos físicos são permitidos.
Somente na relação em que a desigualdade emocional e física é mais gritante é
que as agressões são travestidas de método educativo. São incentivadas e
estimuladas. Não existe criança que precisa apanhar, por mais terrível que
pareça o seu comportamento. O ato de bater diz mais sobre a falta de habilidade de lidar com as emoções de quem bate que sobre a
necessidade de ser corrigido de quem apanha. Este é um capítulo destinado a
apresentar maneiras assertivas e amorosas de educar os nossos filhos sem ferir
a sua autoestima ou a nossa relação com eles e, antes de me aprofundar nestes
métodos, desejo falar sobre os malefícios das palmadas e demais castigos:
INDUZEM A MENTIRA.
A criança aprende que
irá apanhar ou ser castigada SE o adulto descobrir o seu mau comportamento. A
mentira se faz muito presente na relação de pais e filhos exatamente porque o
medo que as punições despertam a torna mais atraente e fácil.
NÃO DESENVOLVEM A
RESPONSABILIDADE.
O foco não é aprender
com os erros e falhas cometidos e repará-los sempre que possível. As punições
normalmente induzem a pensamentos de “Como meus pais são injustos” ou “como eu
sou ruim” em vez de estimularem a autoavaliação e a busca por formas mais
construtivas de agir em situações semelhantes.
NÃO FUNCIONAM A LONGO
PRAZO.
É importante frisar
que, momentaneamente, as punições parecem eficazes. Elas encerram o
comportamento no momento em que ocorrem – e na frente do adulto. Acontece que
não apresentam formas mais adequadas de lidar com o
sentimento que gerou aquele comportamento, não ofertam para a criança
ferramentas para utilizarem nas situações futuras. A educação que apenas
reprime o comportamento não prepara para o futuro, não desenvolve a
autodisciplina.
ABALA A AUTOESTIMA.
Muitos estudos têm
sido realizados para comprovar o que deveria ser óbvio. Palmadas e castigos
físicos abalam a autoestima, prejudicam o desenvolvimento saudável da
autoimagem e podem, em alguns casos, estimular um comportamento antissocial. A
maioria deles está disponível em uma busca rápida nos sites de pesquisa.
ESTIMULAM A OPRESSÃO
A CRIANÇAS MENORES.
O uso da força sempre
que existir uma condição de superioridade, perpetuando um triste ciclo de
violência.
INDUZEM AO DESEJO DE
VINGANÇA OU À AUTORRECRIMINAÇÃO.
Ambos ferindo a
relação da criança consigo mesma e com os pais.
MISTURA CONCEITOS QUE
JAMAIS DEVERIAM CAMINHAR JUNTOS.
Violência e amor. Se ensino aos meus filhos que bato
neles porque os amo, estou informando que, em determinadas situações, os
sentimentos e julgamentos deles justificam as palmadas sobretudo se nomeados
como amor.
E OS CASTIGOS?
Encerrei a fala sobre
os efeitos prejudiciais das palmadas e uma mãe levantou a mão. Disse que nunca
bateu, mas não vê nada de prejudicial em colocar a criança de castigo,
retirar-lhe algo que gosta ou mandá-la para o quarto para pensar no que fez. É
interessante esta crença de que podemos determinar quais pensamentos a criança
deve ter quando mal conseguimos lidar com os nossos pensamentos. Pergunto para
o grupo o que pensavam durante o castigo. “Alguém aqui, durante o tempo em que
era obrigado a ficar sentado, pensando nas suas atitudes, realmente refletia
sobre o próprio comportamento? Passava pela cabeça de vocês ‘De que forma mais
construtiva posso lidar com esta situação quando ela ocorrer novamente?’. Todos
rimos, porque, pela nossa experiência, essa era uma reflexão tão diferente que
chegava a ser engraçada. Uns contaram que pensavam em vingança. Outros disseram
que ficavam se sentindo culpados e tristes. Outros contaram que desejavam fugir
de casa ou que os pais morressem. E outros disseram que se distraíam em poucos
minutos e brincavam ou, caso fosse proibido brincar, inventavam histórias
engraçadas em pensamento. A autoavaliação não foi citada por ninguém. A mãe que
levantou a mão sorriu. Contou que estava no grupo da vingança e que havia
esquecido.”
“Umas das primeiras
perguntas que faço aos pais quando me contam dos problemas disciplinares é: sua
criança tem brincado livremente? A brincadeira tem papel essencial no
desenvolvimento saudável. É por meio dela que a criança decifra o mundo ao seu
redor. É nela que treina a sua capacidade de lidar com o estresse, a ansiedade,
a angústia e vários outros sentimentos. A brincadeira é um treino para a vida.
Extravasa a energia, descarrega as tensões. Os benefícios dos exercícios
físicos e do movimento são comprovados cientificamente. Enquanto vemos os
adultos correndo para as academias e para diversos outros exercícios físicos,
as crianças estão cada dia mais expostas a telas. Tablets, celulares,
televisões, smartphones. As horas em frente às mais diversas telas superam o
tempo de brincadeira livre e nós pagamos a conta. Crianças estressadas,
adoecendo física e emocionalmente. Crianças nervosas, que explodem ao menor
sinal de desagrado. Não busco aqui julgar nenhum pai ou mãe. A televisão é uma
babá eficiente, deixa a criança quieta por um bom tempo, e, na rotina
excessivamente atarefada em que vivemos, a quietude é um presente. Inúmeras
obrigações diárias, uma lista de tarefas a fazer que é maior que a capacidade
de executá-la. A televisão vira uma tábua de salvação neste mar revolto. Por
isso digo que não julgo. Porque a rotina, por vezes, também me engole. A grande
questão é: vale a pena? Que consequências tem trazido essa quietude? Que preço
a ausência de movimento tem cobrado?
Crianças precisam
brincar, assim como precisam de água, comida e sono. Precisam. Correr, gritar,
sujar-se de areia, de tinta. Sentir a massa de modelar nas mãos. Desenhar,
colar, pintar. Ter contato com a natureza, sentir a grama nos pés. Viver presos
em apartamentos não reduziu as suas necessidades.
Brincar nutre a alma. Crianças bem nutridas são mais felizes, e esta felicidade
se reflete na convivência.”
“Quantas escolhas
você tem feito de maneira consciente? Quantas vezes tem pensado antes de agir?
Quantas vezes tem se permitido atuar de maneira diversa da personagem que
desenvolveu durante a infância? Todos desenvolvemos capas para nos proteger das
dores na infância. A “durona”, a “chorona”, o “reclamão”, o “brigão”, a
“dengosa”, a “gulosa”. Entramos nessas personagens tão cedo que já não
lembramos quem somos sem elas. E seguimos falando as
suas falas e agindo de acordo com as suas atitudes. “Eu sou assim!”, dizemos,
sem perceber que ninguém é uma coisa só, que agir sempre do mesmo jeito é desconsiderar
as peculiaridades de cada situação. Para desativar o piloto automático, a
receita é eficaz, mas excessivamente desafiadora: questione a sua mente.
Respirar fundo e perceber que as histórias que contamos são apenas histórias
nos faz mais fortes e capazes de decidir como agir, em vez de apenas reagir.”
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