Editora: Sundermann
ISBN: 978-85-4556-006-7
Tradução: Mario
Pedrosa (1933) e Rafael Padial (2019)
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 440
Análise em vídeo: Clique aqui
Link para
compra: Clique aqui
Sinopse: Ver Parte I
“Para falar de uma maneira formal e
descritiva, o centrismo é composto de todas essas correntes (no proletariado e
na sua periferia) que se colocam entre o reformismo e o marxismo, representando
na maioria das vezes etapas diferentes da evolução do reformismo ao marxismo e
vice-versa. O marxismo também, assim como o reformismo, tem sob si uma sólida
base social. O marxismo exprime os interesses históricos do proletariado. O
reformismo corresponde à posição privilegiada da burocracia e da aristocracia
proletárias no Estado capitalista. O centrismo, tal como o conhecemos no
passado, não tinha e não podia ter bases sociais independentes. As diferentes
camadas do proletariado se desenvolvem na direção revolucionária por vias
diferentes e em ritmos diferentes. Nos períodos de crescimento industrial
prolongado ou nos períodos de refluxo político, depois da derrota, as
diferentes camadas do proletariado se deslocam politicamente da esquerda para a
direita, encontrando-se com outras camadas que começam apenas a caminhar para a
esquerda. Os grupos diferentes param em certas etapas de sua evolução,
encontram os seus chefes temporários, criam os seus programas e as suas
organizações. Não é difícil compreender a variedade de correntes que a noção de
“centrismo” abarca. Segundo a sua origem, a sua composição social e a tendência
de sua evolução, os diversos agrupamentos podem encontrar-se em estado de luta
encarniçada, sem deixar por isso de ser espécies diferentes do centrismo.
Se o centrismo em geral exerce habitualmente
a função de uma capa de esquerda para o reformismo, a questão de se saber a
qual dos campos fundamentais (do reformismo ou do marxismo) pertence uma
tendência centrista dada não encontra solução determinada de uma vez por todas.
Aqui, mais do que nunca, é preciso sempre analisar o conteúdo concreto do
processo e as tendências interiores de seu desenvolvimento. Assim, certos erros
políticos de Rosa Luxemburgo podem com justiça, do ponto de vista teórico, ser
caracterizados como erros centristas de esquerda. Pode-se ir mais longe e dizer
que a maior parte das divergências entre Rosa Luxemburgo e Lenin representava
uma inclinação maior ou menor para o lado do centrismo. Mas só os sem-vergonha,
ignorantes e charlatães da burocracia da IC podem classificar o luxemburguismo,
enquanto corrente histórica, como centrismo. Não é preciso dizer que os “dirigentes”
atuais da IC, a começar por Stalin, não chegam nem política nem moralmente aos
pés da grande revolucionária.
Mais de uma vez nestes últimos tempos, os
críticos que não estudam a fundo o problema acusaram o autor destas linhas de
ter abusado da palavra “centrismo”, agrupando sob este nome correntes e grupos
muito diferentes no seio do movimento operário. Na realidade, a diversidade dos
tipos do centrismo decorre, como já se disse, da essência do fenômeno, e não do
abuso das terminologias. Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados
de atribuir os mesmos fenômenos multiformes e contraditórios à pequena
burguesia. E efetivamente, sob a categoria “pequena burguesia”, é preciso que
se inscrevam fatos, ideias e tendências que, à primeira vista, são
incompatíveis. Possuem um caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o
movimento radical na reforma comunal; os jacobinos pequeno-burgueses franceses
e os populistas (norodniki) russos; os proudhonianos pequeno-burgueses, mas também os blanquistas; a atual socialdemocracia,
mas também o fascismo são pequeno-burgueses; os anarcossindicalistas franceses,
o “Exército de Salvação”, o movimento de Gandhi nas índias etc. Um quadro ainda
mais variado se apresenta se passamos para o domínio da filosofia e da arte.
Isto quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isto quer dizer
apenas que a pequena burguesia é caracterizada por uma extraordinária
heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde com o
proletariado e passa para o lumpemproletariado; no alto, ela se estende à
burguesia capitalista. Pode apoiar-se nas antigas formas produtivas, mas pode
depressa desenvolver-se também na base da indústria mais moderna (novas classes
médias). Não é de admirar que se enfeite ideologicamente com todas as cores do
arco-íris.
O centrismo no seio do movimento operário
representa, num certo sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa
de qualquer espécie representa em relação à sociedade burguesa em geral. O
centrismo reflete os processos da evolução do proletariado, o seu
desenvolvimento político, assim como a sua decadência revolucionária, ligada à
pressão exercida sobre o proletariado por todas as outras classes da sociedade.
Não é de se admirar que a aquarela do centrismo se distinga por tal variedade de
cores! Todavia, daí não decorre que seja preciso renunciar à noção do
centrismo, mas apenas que, em cada caso determinado, é indispensável descobrir,
por meio de uma análise social histórica concreta, a natureza real do centrismo
da espécie em questão.
A fração dominante da Internacional Comunista
não representa um centrismo “em geral”, mas uma formação histórica
perfeitamente determinada, com poderosas raízes sociais, embora ainda muito
recentes. Trata-se, antes de tudo, da burocracia soviética. Nos escritos
teóricos de Stalin esta camada social absolutamente não existe. Fala-se aí
unicamente de “leninismo”, de direção imaterial, de tradição ideológica, de
espírito do bolchevismo, de “linha geral” imponderável. Mas sobre o fato de que
o burocrata de carne e osso maneja esta linha geral como um bombeiro a sua
mangueira, não se ouve dizer uma única palavra.
Entretanto, esse burocrata não se parece
absolutamente com um espírito imaterial. Come, bebe, reproduz-se e cria
barriga. Comanda com voz autoritária, escolhe embaixo os seus fiéis, conserva
fidelidade aos superiores, não admite que o critiquem e vê nisto a própria
essência da linha geral. Há muitos milhões desses burocratas — muitos milhões!
— mais do que houve operários industriais no período da Revolução de Outubro. A
maior parte desses burocratas nunca participou da luta de classes, que exige
sacrifícios e comporta perigos. Na sua massa predominante, essa gente nasceu,
politicamente, já na qualidade de camada dirigente. Atrás dela se encontra o
poder de Estado. Este assegura a sua existência, eleva-a consideravelmente
acima do resto da massa. Ela não conhece o perigo do desemprego, contanto que
se conserve perfilada, as mãos na costura das calças. Os erros mais grosseiros
lhe são perdoados, desde que concorde em desempenhar, no momento necessário, o
papel de bode expiatório e salvar a responsabilidade de seus superiores
imediatos. E então, uma tal camada dirigente, de muitos milhões, tem um peso
social real e uma influência política na vida do país? Sim ou não?
Que a burocracia operária e a aristocracia
operária constituem a base social do oportunismo, isto é conhecido dos velhos
livros. Na Rússia, o fenômeno tomou novas formas. Sobre a base da ditadura do
proletariado (num país atrasado — com uma circunvizinhança capitalista) surgiu,
pela primeira vez, das camadas superiores dos trabalhadores, um poderoso
aparelho burocrático elevado acima da massa, dando-lhe ordens, gozando de
enormes privilégios, ligado por uma solidariedade coletiva interna e imprimindo
à política do Estado operário os seus interesses particulares, os seus métodos
e os seus modos.
Nós não somos anarquistas. Compreendemos a
necessidade do Estado operário e, por conseguinte, a inevitabilidade histórica
da burocracia no período transitório. Mas compreendemos também os perigos que
comporta esse fato, sobretudo para um país atrasado e isolado. A idealização da
burocracia soviética é o erro mais vergonhoso que pode cometer um marxista.
Lenin procurou com todas as suas forças fazer com que o partido, como vanguarda
autônoma da classe operária, se elevasse acima do aparelho estatal, o
controlasse, o fiscalizasse, o dirigisse e o depurasse, colocando os interesses
históricos do proletariado — internacional, não apenas nacional — acima dos
interesses da burocracia dirigente. Como primeira condição para o controle do
partido sobre o Estado, Lenin indicou o controle da massa do partido sobre o
aparelho do partido. Releiam com atenção os seus artigos, os seus discursos e
as suas cartas do período soviético, especialmente as dos dois últimos anos de
sua vida, e verão com que angústia o seu pensamento sempre voltava a esta
questão candente.
Mas o que aconteceu depois de Lenin? Toda a
camada dirigente do partido e do Estado, que fizera a revolução e a guerra
civil, foi destituída, afastada, destruída. Foi o burocrata sem personalidade
que tomou o seu lugar. Ao mesmo tempo, a luta contra o burocratismo, que teve
um caráter tão agudo em vida de Lenin, quando a burocracia mal havia saído das
suas fraldas, cessou completamente, agora que o aparelho cresceu em proporções
monstruosas.
E quem poderia conduzir esta luta? Hoje, o
partido, como vanguarda autônoma do proletariado, não existe mais. O aparelho
do partido se confunde com o do Estado. A GPU se apresenta, no interior do
partido, como o instrumento mais importante da linha geral. A burocracia não só
não permite a crítica de baixo para cima, mas impede aos seus teóricos até
mesmo de falar dela, de notar a sua presença. O ódio encarniçado contra a
Oposição de Esquerda é provocado, antes de tudo, porque a Oposição fala
abertamente da burocracia, de seu papel particular, de seus interesses,
desvendando o segredo de que a linha geral é inseparável da carne e do sangue
da nova camada dirigente nacional, que não se identifica absolutamente com o
proletariado. A burocracia estatal faz deduzir a sua pureza angelical do
caráter operário do Estado: como ela pode se degenerar se ela é a burocracia de
um Estado operário? O Estado e a burocracia são tomados, assim, não como processos
históricos, mas como categorias eternas: como a Santa Igreja e os seus padres
inspirados por Deus podem pecar? Mas se a burocracia operária, ao elevar-se
acima do proletariado em luta na sociedade capitalista, pôde degenerar no
partido de Noske, Scheidemann, Ebert e Wels, por que não pode ela degenerar ao
elevar-se acima do proletariado vitorioso?
A situação dominante e sem controle da
burocracia soviética cultiva uma psicologia que contradiz muito a psicologia do
proletário revolucionário. A burocracia faz os seus cálculos e as suas
combinações de política interior e exterior independentemente das tarefas de
educação revolucionária das massas e fora de toda ligação com as tarefas da
revolução internacional. Ao longo de vários anos, a fração stalinista
demonstrou que os interesses e a psicologia do “camponês forte”, do engenheiro,
do administrador, do intelectual burguês chinês, do funcionário das trade-unions
inglesas lhe eram mais próximos e mais compreensíveis do que a psicologia e
as necessidades da base, do camponês pobre, das massas populares chinesas
insurrectas, dos grevistas ingleses etc.
Mas por que então a fração stalinista não
levou até o fim a sua linha de oportunismo nacional? Porque é a burocracia do
Estado operário. Se a socialdemocracia internacional defende os fundamentos da
dominação burguesa, a burocracia soviética, sem proceder ao derrubamento do
Estado, é obrigada a adaptar-se às bases sociais lançadas pela Revolução de
Outubro. Daí o duplo caráter da psicologia e da política da burocracia
stalinista. O centrismo, mas o centrismo que se apoia nos fundamentos do Estado
operário, é a única expressão possível desta duplicidade.
Se os agrupamentos centristas nos países
capitalistas têm mais frequentemente um caráter temporário, transitório,
refletindo a evolução de certas camadas operárias, à direita ou à esquerda, o
centrismo que existe nas condições da República Soviética recebeu uma base bem
mais sólida e bem mais organizada na figura da numerosa burocracia.
Representando o meio natural das tendências oportunistas e nacionalistas, ela é
forçada, entretanto, a defender as bases de sua dominação na luta contra o
kulak e a se preocupar, ao mesmo tempo, com o seu prestígio “bolchevique” no
movimento operário internacional. Depois de ter procurado a amizade do
Kuomintang e da burocracia de Amsterdã, cujo espírito lhe é muito próximo, a
burocracia soviética entrou em conflito constante e agudo com a socialdemocracia,
que, por sua vez, reflete a hostilidade da burguesia mundial com o Estado soviético.
Tais são as fontes do atual ziguezague de esquerda.
A particularidade da situação consiste não em
que a burocracia soviética possua uma imunidade particular contra o oportunismo
e o nacionalismo, mas no fato de que, não tendo a possibilidade de tomar uma
posição nacional-reformista acabada, é forçada a descrever ziguezagues entre o
marxismo e o nacional-reformismo. As oscilações do centrismo burocrático,
segundo a sua força, os seus recursos e as contradições de sua situação,
tiveram uma extensão inteiramente inaudita: da aventura ultraesquerdista na
Bulgária e na Estônia... à aliança com Chiang-Kai-Chek, Raditch e Purcell; da
vergonhosa confraternização com os fura-greves britânicos, até a recusa
completa da política de frente única com os sindicatos de massa.
A burocracia stalinista transporta os seus
métodos e ziguezagues para os outros países na medida em que, a partir do
aparelho do partido, não somente dirige a Internacional Comunista, como lhe
dita ordens. Thälmann foi a favor do Kuomintang quando Stalin era a favor do
Kuomintang. No VII Pleno do Comitê Executivo da IC, no outono de 1926, o
delegado do Kuomintang, embaixador de Chiang-Kai-Shek, que se chamava
Shao-Ly-Dsy, manifestou-se de pleno acordo com Thälmann, Semard e outros
Remmele, contra o “trotskismo”.
O “camarada” Shao-Ly-Dsy dizia: “Estamos
todos convencidos de que, sob a direção da IC, o Kuomintang realizará a sua
tarefa histórica.” (Atas russas, 1.º volume, p. 459) Tal é o fato
histórico!
Tomemos a Rote Fahne do ano de 1926 e
encontraremos nela uma quantidade de artigos sobre o tema de que Trotsky,
exigindo a ruptura com o Conselho Geral dos fura-greves, demonstrava, com isto
mesmo, o seu... menchevismo! Já hoje o “menchevismo” consiste na reivindicação
da frente única com as organizações de massas, isto é, em seguir a política que
formularam, sob a direção de Lenin, os III e IV Congressos da IC contra todos
os Thälmann, Thalheimer, Bela Kun, Frossard etc.
Todos esses ziguezagues dolorosos não teriam
sido possíveis se, em todas as seções comunistas, não tivesse se formado uma
camada de burocratas autônomos, isto é, independentes do partido. Eis a raiz do
mal!
A força de um partido revolucionário consiste
na independência da vanguarda, que verifica e seleciona os seus quadros e,
tendo educado os seus dirigentes, os eleva gradualmente pela sua confiança.
Isto cria um laço indissolúvel dos quadros com as massas, dos chefes com os
quadros e transmite a toda a direção a confiança em si mesma. Nada disso existe
nos partidos comunistas atuais! Os dirigentes são nomeados. Eles mesmos
escolhem os seus auxiliares. A base é obrigada a aceitar os dirigentes
nomeados, em torno dos quais se cria uma atmosfera artificial de publicidade.
Os quadros dependem da cúpula, não da base. Procuram as fontes de sua
influência, assim como as de sua existência, em grande medida fora das massas.
Não tiram as suas palavras de ordem políticas da experiência da luta, mas as
recebem pelo telégrafo. Durante esse tempo, no arquivo de Stalin se acumulam,
para os casos de necessidade, documentos acusadores. Cada dirigente sabe que se
pode fazê-lo voar como uma penugem a qualquer momento.
Assim se forma na Internacional Comunista uma
camada burocrática fechada que é um campo de cultura, no qual se nutre o bacilo
do centrismo. Muito estável e resistente organizativamente, porque se apoia na
burocracia do Estado soviético, o centrismo de Thälmann, Remmele & Cia. se
distingue pela extraordinária instabilidade no domínio político. Privado da
segurança que só se adquire pela ligação orgânica com as massas, o CC infalível
é capaz dos mais monstruosos ziguezagues. Quanto menos preparado para a luta
ideológica séria, tanto mais generoso em injúrias, insinuações, calúnias. A
imagem de Stalin “brutal e desleal”, segundo a definição de Lenin, é a própria
personificação desta camada.
A característica dada aqui ao centrismo
burocrático determina as relações da Oposição de Esquerda com a burocracia
stalinista: apoio total e ilimitado, na medida em que a burocracia defende as
fronteiras da República Soviética e as bases da Revolução de Outubro; crítica
aberta, na medida em que a burocracia torna difícil, pelos seus ziguezagues
administrativos, a defesa da revolução e a construção socialista; oposição
irreconciliável, na medida em que, pelo seu despotismo burocrático, ela
desorganiza a luta do proletariado mundial.”
17 — Ver a análise detalhada desse capítulo
oportunista da IC, que durou alguns anos, em nossos trabalhos: A
Internacional Comunista depois de Lenin, A revolução permanente etc.
(N. do A.)
“A ditadura do proletariado é a resposta à
resistência das classes privilegiadas. A limitação da liberdade deriva do
regime de guerra da revolução, isto é, das condições da guerra de classe. Deste
ponto de vista, é perfeitamente evidente que a consolidação interior da
República dos Sovietes, o seu desenvolvimento econômico, o enfraquecimento da
resistência da burguesia, sobretudo os sucessos da “liquidação” da última
classe capitalista, dos kulaks, deveriam trazer o florescimento da democracia
no partido, nos sindicatos e nos sovietes.
Os stalinistas não se cansam de repetir que “já
entramos no socialismo”, que a atual coletivização significa, por si mesma, a
liquidação dos kulaks como classe e que o próximo plano quinquenal já deve
encerrar este processo. Se é assim, por que esse mesmo processo acarreta a
completa asfixia do partido, das organizações sindicais e dos sovietes pelo
aparelho burocrático, o qual, por sua vez, adquiriu um caráter de bonapartismo
plebiscitário? Por que, durante o período da fome e da guerra civil, o partido
transbordava de vida e a ninguém ocorria a ideia de perguntar se se podia ou
não criticar Lenin ou o CC todo, enquanto que agora a menor divergência com
Stalin acarreta a exclusão do partido e represálias administrativas?
A ameaça de guerra por parte dos Estados
capitalistas não pode, de modo algum, explicar e, menos ainda, justificar o
crescimento da autocracia dos burocratas. Se na sociedade socialista nacional
as classes são mais ou menos liquidadas, isto significaria o começo do
definhamento do Estado. A sociedade socialista pode opor uma resistência
vitoriosa ao inimigo exterior precisamente na qualidade de sociedade
socialista, e não como Estado da ditadura proletária, ainda menos como Estado
burocratizado.
Não falamos do definhamento da ditadura: é
cedo demais, ainda não “entramos no socialismo”. Falamos de outra coisa.
Perguntamos: Como se explica a degeneração burocrática da ditadura? Qual é a
fonte da gritante, monstruosa, aterradora contradição entre os sucessos da
construção socialista e o regime da ditadura pessoal, que se apoia num aparelho
impessoal, que segura pela garganta a classe dominante do país? Como explicar o
fato de que a economia e a política se desenvolvem em direções diretamente
opostas?
Os sucessos econômicos são muito grandes. Do
ponto de vista econômico, a Revolução de Outubro justifica-se completamente
desde já. Os coeficientes elevados do crescimento econômico exprimem
irrefutavelmente que os métodos socialistas possuem vantagens enormes, mesmo
para a solução dos problemas da produção que, no Ocidente, foram resolvidos com
métodos capitalistas. Que grandiosas serão as vantagens da economia socialista
nos países adiantados!
Entretanto, o problema posto pela insurreição
de Outubro ainda não está resolvido, nem mesmo como rascunho. A burocracia
stalinista qualifica a economia de “socialista”, segundo suas premissas e suas
tendências. Isto é insuficiente. Os sucessos econômicos da União Soviética se
desenvolvem sempre na base de um nível econômico pouco elevado. A indústria
nacionalizada passa pelos estágios pelos quais as nações capitalistas
adiantadas já passaram há muito tempo. A operária que fica na fila possui o seu
próprio critério de socialismo, e este critério “consumidor”, segundo a
expressão de desprezo do burocrata, é decisivo nesta questão. No conflito entre
os pontos de vista da operária e os do burocrata, nós, Oposição de Esquerda,
estamos do lado da operária contra o burocrata, que exagera os sucessos,
mascara as contradições acumuladas e agarra a operária pela garganta para que
ela não possa criticar.
No último ano, foi feito um brusco giro do
salário igual para o salário diferencial (trabalho por tarefa). É absolutamente
incontestável que, em presença de um baixo nível das forças produtivas, e, por
conseguinte, de cultura geral, a igualdade dos salários é irrealizável. Mas
isto significa também que o problema do socialismo não se resolve somente por
meio das formas sociais da propriedade, mas pressupõe uma certa potência técnica
da sociedade. Entretanto, o crescimento da potência técnica faz transbordar
automaticamente as forças produtivas para além das fronteiras nacionais.
Restabelecendo o salário diferencial, que
fora prematuramente abolido, a burocracia qualificou o salário igual de
princípio “kulakista”. É uma insensatez evidente, que demonstra a que grau de
hipocrisia e falsidade chegaram os stalinistas. Com efeito, teria sido preciso
dizer: “Tínhamos ido muito longe com os métodos igualitários de salário.
Estamos ainda longe do socialismo. Como somos ainda muito pobres, precisamos
voltar atrás, para métodos de salários semicapitalistas ou kulakistas.” Nós o
repetimos: Não há aqui contradição com os fins socialistas. Há somente uma
contradição irreconciliável com as falsificações burocráticas da realidade.
O recuo ao salário por tarefas foi o
resultado da resistência de uma economia atrasada. Haverá ainda muitos passos
atrás como esse, sobretudo no domínio da economia agrária, onde foi efetuado um
salto administrativo grande demais.
A industrialização e a coletivização se
efetuam com os métodos de comando burocrático unilateral e sem controle das massas
trabalhadoras. Os sindicatos estão completamente privados da possibilidade de
agir sobre as relações entre o consumo e a acumulação. A diferenciação do
campesinato é, no momento, liquidada, não tanto economicamente, como
administrativamente. As medidas sociais da burocracia para a liquidação das
classes adiantam-se extraordinariamente em relação ao processo fundamental, ao
desenvolvimento das forças produtivas. Isto acarreta a alta do preço de custo
na indústria, a baixa da qualidade da produção, a alta dos preços, a falta de
bens de consumo e oferece como perspectiva a ameaça do ressurgimento do
desemprego.
A tensão extrema da atmosfera política do
país é o resultado das contradições entre o crescimento da economia soviética e
a política econômica da burocracia, que, ou se retarda monstruosamente quanto
às necessidades da economia (1923-1928), ou, aterrorizada por seu próprio atraso,
se lança para frente, a fim de recuperar o tempo perdido com medidas puramente
administrativas (1928-1932). Também aí o ziguezague de direita é seguido do
ziguezague de esquerda. Nos dois ziguezagues, a burocracia entra em contradição
com as realidades da economia e, por conseguinte, com o estado de espírito dos
trabalhadores. Ela não pode permitir-lhes que a critiquem — nem quando retarda,
nem quando se lança demais para frente.
A burocracia só pode exercer sua pressão
sobre os operários e os camponeses privando os trabalhadores da participação na
solução dos problemas de seu próprio trabalho e de seu próprio futuro. É aí que
reside o maior perigo! Em política, o medo contínuo da resistência das massas
pode produzir um “curto-circuito” da ditadura burocrática e pessoal.
Isto significa que é preciso reduzir os
ritmos da industrialização e da coletivização? Por certo período — sem nenhuma
dúvida. Mas pode ser que este período seja de duração muito curta. A
participação dos próprios trabalhadores na direção do país, de sua política e
de sua economia, o controle efetivo sobre a burocracia, o crescimento do
sentimento da responsabilidade dos dirigentes para com os dirigidos — tudo isto
produzirá um efeito incontestavelmente favorável à própria produção, diminuirá
os atritos interiores, reduzirá ao mínimo os ziguezagues econômicos tão
onerosos, assegurará uma distribuição mais sã das forças e dos meios e, em
última análise, aumentará o coeficiente geral do desenvolvimento. A democracia
soviética é, antes de tudo, uma necessidade vital da própria economia. Ao
contrário, o burocratismo encerra em si surpresas econômicas trágicas.
Observando no seu conjunto a história do período dos epígonos no
desenvolvimento da URSS, não é difícil chegar à conclusão de que a premissa
política fundamental da burocratização do regime foi o cansaço das massas,
depois dos abalos da revolução e da guerra civil. Reinavam no país a fome e as
epidemias, as questões da política foram relegadas ao último plano. Todos os
pensamentos se dirigiam para o pedaço de pão. Na época do comunismo de guerra,
todo mundo tinha a mesma ração de fome. A passagem à NEP trouxe as primeiras
vantagens econômicas. A ração tornou-se mais abundante, mas nem todos se
beneficiavam dela. A instauração da economia mercantil trouxe o cálculo do
preço de custo, a racionalização elementar, a demissão dos operários que
sobravam nas fábricas. Os sucessos econômicos marcharam muito tempo no mesmo
passo que o crescimento do desemprego.
É preciso não esquecer um só instante: o
fortalecimento do aparelho se apoiou no desemprego. Depois dos anos de fome, o
exército de reserva amedrontava cada proletariado em frente à sua máquina. O
afastamento dos operários independentes e de espírito crítico das fábricas, as
listas negras dos oposicionistas tornaram-se um dos instrumentos mais
importantes e mais eficazes nas mãos da burocracia stalinista. Sem esta
condição, ela jamais teria conseguido asfixiar o partido de Lenin.
Os sucessos econômicos posteriores trouxeram
gradualmente a liquidação do exército industrial de reserva (a superpopulação
agrária, mascarada pela coletivização, conserva ainda todo o seu significado).
Hoje o operário industrial já não tem mais medo de ser posto na rua. Segundo a
sua experiência cotidiana, sabe que a falta de visão e as arbitrariedades da
burocracia lhe tornaram difícil a solução dos problemas. A imprensa soviética
denuncia as diferentes empresas que não oferecem espaço suficiente para a
iniciativa operária, para o espírito inventivo etc., como se pudesse trancar a
iniciativa do proletariado nas fábricas, como se as fábricas pudessem ser oásis
de democracia da produção num ambiente de asfixia completa do proletariado no
partido, nos sovietes e nos sindicatos!
A consciência geral do proletariado não é
absolutamente a mesma de 1922-1923. O proletariado cresceu numericamente e
culturalmente. Tendo realizado o trabalho gigantesco do renascimento e da
reconstrução da economia, os operários sentem o renascimento e a reconstrução
da confiança em si mesmos. Esta confiança interior crescente começa a se
transformar em descontentamento contra o regime burocrático.
A asfixia do partido, o triunfo do regime e
das arbitrariedades pessoais podem à primeira vista dar a impressão de
enfraquecimento do sistema soviético. Mas não é assim. O sistema soviético está
extremamente consolidado. Mas ao mesmo tempo a contradição entre este sistema e
seus invólucros burocráticos aguçou-se extremamente. O aparelho stalinista vê
com surpresa que os sucessos econômicos não reforçam as suas posições, e sim as
corroem. Na luta por suas posições, ele é forçado a apertar ainda mais o cinto,
proibindo qualquer outra forma de “autocrítica” que não sejam os elogios
bizantinos aos chefes.
Não é a primeira vez na história que o
desenvolvimento entra em contradição com as condições econômicas em cujo quadro
se realiza. Mas é preciso compreender com clareza quais são exatamente as
condições que provocam o descontentamento. A crescente onda oposicionista não é
absolutamente dirigida contra as tarefas socialistas, as formas soviéticas ou o
Partido Comunista. O descontentamento é dirigido contra o aparelho e a sua
personificação: Stalin. Daí a nova etapa da luta encarniçada contra o chamado “contrabando
trotskista”.
O adversário ameaça tornar-se demasiado
escorregadio; está por toda parte e em parte alguma. Surge nas oficinas, nas
escolas, penetra nos jornais históricos, em todos os manuais. Isso quer dizer:
os fatos e os documentos acusam a burocracia, descobrem as suas hesitações e os
seus erros. Não se pode mais recordar o passado tranquila e objetivamente. É
preciso refazer o passado, é preciso tapar todas as fendas pelas quais pode
penetrar a dúvida na infalibilidade do aparelho e de seu chefe. Estamos em
presença de todos os traços de uma camada dirigente que perdeu a cabeça.
Yaroslavsky, o próprio Yaroslavsky, tornou-se suspeito!26 Não são
episódios ocasionais, detalhes, choques pessoais. O fundo do problema reside no
fato de que os sucessos econômicos, que no começo fortaleceram a burocracia, se
revelaram hoje, pela dialética de seu desenvolvimento, opostos à burocracia.
Eis porque, por ocasião da última conferência do partido, isto é, do congresso
do aparelho stalinista, o “trotskismo”, liquidado e sepultado três e quatro
vezes, foi declarado “a vanguarda da contrarrevolução burguesa”. Esta decisão
tola e politicamente inofensiva lança luz sobre alguns planos bastante “práticos”
de Stalin no campo das vinganças pessoais. Não por acaso Lenin advertiu contra
a escolha de Stalin para o cargo de secretário-geral: “Este cozinheiro só fará
pratos apimentados”... O cozinheiro ainda não esgotou até o fim a sua arte
culinária.
Apesar de todos os apertos de cinto teóricos
e administrativos, a ditadura pessoal de Stalin manifestamente se aproxima do
fim. O aparelho está cheio de fendas. A fenda chamada Yaroslavsky não é mais do
que uma das centenas de fendas que hoje ainda não têm nome. O fato de a nova
crise política preparar-se na base de sucessos evidentes e incontestáveis da
economia soviética, do crescimento numérico do proletariado e do
desenvolvimento dos primeiros sucessos da coletivização agrária serve de
garantia suficiente para que a liquidação da autocracia burocrática coincida, não
com o desmoronamento do sistema soviético (como se poderia ter temido há três
ou quatro anos), mas, ao contrário, com a sua libertação, o seu crescimento e o
seu pleno desenvolvimento.
Mas é precisamente neste último período de
sua vida que a burocracia stalinista é capaz de causar muito mal. A questão do
prestígio tornou-se agora para ela o problema central da política. Se se
excluem do partido os historiadores apolíticos pela única razão de que não
souberam celebrar as façanhas de Stalin em 1917, o regime plebiscitário poderá
admitir o reconhecimento de seus erros cometidos em 1921-1932? Pode-se
renunciar à teoria do social-fascismo? Pode-se repudiar Stalin, que formulou o
problema alemão da seguinte maneira: Que os fascistas cheguem primeiro; em
seguida virá a nossa vez?
As condições objetivas na Alemanha são em si
tão imperiosas que se a direção do Partido Comunista alemão dispusesse da
liberdade de ação necessária, teria certamente se orientado desde já para o
nosso lado. Mas não é livre. Ao passo que a Oposição de Esquerda apresenta as
ideias e as palavras de ordem do bolchevismo, experimentadas pela vitória de
1917, a camarilha stalinista, visando distrair a atenção, ordena por telégrafo
o início de uma campanha internacional contra o “trotskismo”. A campanha é
conduzida, não sobre a base dos problemas da revolução alemã, isto é, da vida
ou da morte do proletariado mundial, mas sobre a base do artigo miserável e
mentiroso de Stalin sobre as questões da história do bolchevismo. É difícil
imaginar uma desproporção maior entre as tarefas da época de um lado, e os
miseráveis recursos ideológicos da direção oficial de outro. Tal é a situação
humilhante, indigna e ao mesmo tempo profundamente trágica da IC.
O problema do regime stalinista e o problema
da revolução alemã estão ligados por um nó indissolúvel. Os próximos
acontecimentos desatarão ou cortarão esse nó, tanto no interesse da revolução
russa, quanto da revolução alemã.”
26 — Sabe-se que Yaroslavsky foi asperamente
advertido por Stalin por ter se referido ao “trotskismo” como uma das
tendências do comunismo. (N. do T.)
“É claro que é mais digno ser amigo do plano
quinquenal soviético do que da Bolsa de Nova York. Mas a simpatia passiva
pequeno-burguesa de esquerda está longe de ser bolchevismo. Bastará o primeiro
insucesso importante de Moscou para dispersar a maioria dessa gente como poeira
ao vento.”
“Em 1917, apesar da política correta do
Partido Bolchevique e do desenvolvimento rápido da revolução, as camadas do
proletariado menos favorecidas e mais impacientes, mesmo em Petrogrado,
começaram, já em setembro-outubro, a afastar-se dos bolcheviques para aproximar-se
dos sindicalistas e dos anarquistas. Se a insurreição de outubro não tivesse
estalado em tempo, a desmoralização do proletariado teria tomado um caráter
agudo e teria acarretado o apodrecimento da revolução. Na Alemanha não há
necessidade dos anarquistas: eles podem ser substituídos pelos
nacional-socialistas, que aliam a demagogia anarquista aos objetivos
conscientemente reacionários.
Os operários não estão de modo algum
garantidos de uma vez por todas contra a influência dos fascistas. O
proletariado e a pequena burguesia representam vasos comunicantes, sobretudo
nas condições atuais, em que o exército industrial de reserva não pode deixar
de fornecer pequenos comerciantes, ambulantes etc., e a pequena burguesia
falida de fornecer proletários e lumpen-proletários.
Os empregados, o pessoal técnico e
administrativo, certas camadas de funcionários, constituíam no passado um dos
apoios importantes da socialdemocracia. Hoje, estes elementos passam aos
nacional-socialistas. Podem arrastar atrás de si, se já não o fizeram, a camada
da aristocracia operária. Neste terreno, o nacional-socialismo invade o
proletariado por cima.
Muito mais perigosa é a sua invasão possível
por baixo, através dos desempregados. Nenhuma classe pode viver muito tempo sem
perspectivas e sem esperanças. Os desempregados não são uma classe, mas formam
uma camada social demasiado compacta e sólida, que tenta em vão sair de sua
situação insuportável. De um modo geral, é verdade que só a revolução
proletária pode salvar a Alemanha da decomposição e da ruína, e isto é, antes
de tudo, verdadeiro em relação aos milhões de desempregados.
Com a fraqueza do Partido Comunista nas fábricas
e nos sindicatos, o seu crescimento numérico nada resolve. Em uma nação
devorada pela crise e pelas contradições, o partido da extrema esquerda pode
encontrar dezenas de milhares de novos partidários, especialmente quando o seu
aparelho é orientado para o recrutamento individual dos membros, pela via da “competição”.
Todo o problema está na relação entre o partido e a classe. Um só operário
comunista eleito para o comitê de fábrica ou para a direção de um sindicato tem
uma importância muito maior do que mil novos membros conseguidos aqui e acolá,
ingressos hoje no partido, para abandoná-lo amanhã.
Mas o afluxo individual de novos membros ao
partido não durará também indefinidamente. Se o Partido Comunista continuar a
retardar a luta até o momento em que tiver eliminado definitivamente os
reformistas, perceberá que, a partir de um certo momento, a socialdemocracia
deixará de perder sua influência em proveito dos comunistas e que os fascistas
começarão a dividir os desempregados, que são a base principal do Partido
Comunista. O fato de não utilizar suas forças para as tarefas que decorrem de
toda a situação nunca passa impunemente para um partido político.
Para abrir caminho à luta de massas, o
Partido Comunista tenta a realização de greves parciais. Os sucessos neste
domínio não são grandes. Como sempre, os stalinistas fazem autocrítica: “Ainda
não sabemos organizar...” “Ainda não sabemos mobilizar...” E quando se diz “nós”,
isto sempre significa “vocês”. Ressuscita-se a famosa teoria da jornada de
março de 1921: “eletrizar” o proletariado com ações ofensivas da minoria. Mas
os operários não precisam ser “eletrizados” Querem uma perspectiva clara e
auxílio na criação das bases de um movimento de massas.”
“Quando se trata dos próprios fundamentos da
sociedade, não é a aritmética parlamentar que decide, mas a luta.”
“Admitamos que a socialdemocracia, sem
intimidar-se perante os seus próprios operários, quisesse vender a Hitler a sua
tolerância. Mas o fascismo não faz essa transação: não precisa da tolerância,
mas da demolição da socialdemocracia. O governo de Hitler só pode realizar a
sua tarefa se quebrar a resistência dos trabalhadores, desfazendo-se de todos
os órgãos capazes de tal resistência. Eis em que consiste o papel histórico do
fascismo.
Os stalinistas se limitam a um julgamento
puramente psicológico, ou, mais exatamente, moral, dos covardes e egoístas
pequeno-burgueses que dirigem a socialdemocracia. É lícito supor que esses
traidores completos se separem da burguesia e se contraponham a ela? Um método
tão idealista pouco tem em comum com o marxismo, que não parte daquilo que os
homens pensam de si mesmos e do que desejam, mas, antes de tudo, das condições
em que estão colocados e do modo como essas condições se transformam.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário