Editora: Sundermann
ISBN: 978-85-4556-006-7
Tradução: Mario
Pedrosa (1933) e Rafael Padial (2019)
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 440
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Sinopse: Ver Parte I
“Mais uma vez a experiência russa
Para exprimir o mais clara e concretamente
possível o meu pensamento, volto mais uma vez à experiência feita com o levante
de Kornilov. No dia 26 de agosto (antigo calendário) do ano de 1917, o general
Kornilov conduziu um corpo de cossacos e a chamada “divisão selvagem” contra
Petrogrado. No poder achava-se Kerensky, agente da burguesia, e, em três
quartas partes, aliado de Kornilov. Lenin se encontrava na ilegalidade, sob a
acusação de estar ao serviço dos Hohenzollern. Sob a mesma acusação, eu me
achava, nesses mesmos dias, incomunicável num cárcere da prisão de Kresty. Como
agiram os bolcheviques nessa situação? Eles tinham também o direito de dizer: “Para
vencer Kornilov é preciso vencer Kerensky.” Tinham dito isso mais de uma vez,
pois era certo e necessário para toda a propaganda ulterior. Mas era
absolutamente insuficiente para opor, no dia 26 de agosto e nos dias seguintes,
resistência a Kornilov e impedir que este degolasse o proletariado de
Petrogrado. Eis porque os bolcheviques não se contentaram com um apelo geral
aos trabalhadores e aos soldados: romper com os conciliadores e apoiar a frente
única vermelha dos bolcheviques. Não, os bolcheviques propuseram aos
socialistas-revolucionários e aos mencheviques a frente única de combate e
criaram com eles organizações de combate comuns. Isso era errado ou certo? Que Thälmann
responda. Para mostrar mais claramente ainda em que pé as coisas se achavam com
a frente única, narrarei o seguinte episódio: pessoalmente, depois de posto em
liberdade, sob fiança paga pelos sindicatos, dirigi-me diretamente de meu
cárcere ao Comitê de Defesa do Povo, onde, juntamente com o menchevique Dan e o
socialista-revolucionário Gotz, aliados de Kerensky e que me haviam prendido, discuti
e decidi sobre as questões da luta contra Kornilov. Isso estava certo ou
errado? Que Remmele responda.
Brüning é o “mal menor”?
A social-democracia apoia Brüning, vota nele,
toma por ele a responsabilidade junto às massas, sob o fundamento de que o
governo de Brüning é o “mal menor”. É esse mesmo ponto de vista que a Rote
Fahne procura atribuir-me, sob o fundamento de que me pronunciei contra a
estúpida e infame participação dos comunistas no plebiscito de Hitler. Mas a
Oposição de Esquerda alemã, e eu em particular, pedimos por acaso que os
comunistas votem em Brüning e o apoiem? Nós, marxistas, consideramos Brüning,
Hitler e Braun como os diversos elementos do mesmo sistema. A pergunta “Qual deles
é o mal menor?” não tem qualquer sentido, porque o sistema que combatemos tem
necessidade de todos esses elementos. Mas esses elementos acham-se agora em
conflito, e o partido do proletariado deve utilizar esse conflito no interesse
da revolução.
Uma escala compreende sete notas. A pergunta “Qual
dessas notas é a ‘melhor: dó, ré ou sol?” é uma pergunta desprovida de sentido.
O músico, porém, deve saber quando e em que tecla bater. Compreenderam? Para um
entendimento limitado daremos mais um exemplo: Se um inimigo me faz engolir
diariamente pequenas porções de veneno, e se outro quiser, num beco, atirar
contra mim, derrubarei primeiro o revólver das mãos deste segundo inimigo,
porque isso me dará possibilidade de acabar com o primeiro. Isto, entretanto,
não quer dizer que o veneno seja um “mal menor” em comparação com o revólver.
A desgraça consiste justamente em que os
dirigentes do Partido Comunista alemão se colocaram no mesmo terreno da social-democracia,
apenas com o sinal contrário: a social-democracia vota em Brüning por
considerá-lo o “mal menor”. Já os comunistas, que recusam toda confiança a
Brüning e a Braun (e o fazem com justiça), saíram às ruas para apoiar o
plebiscito de Hitler, isto é, a tentativa dos fascistas de derrubar Brüning.
Mas dessa forma reconheceram que Hitler é o mal menor, pois a vitória do
plebiscito teria levado ao poder não o proletariado, mas Hitler. É claro que é
doloroso ter que explicar este abecê. Mas é triste, muito triste, quando
músicos como Remmele, em lugar de distinguir as notas, batem no teclado com as
patas.
Não se trata dos operários que abandonaram a
social-democracia, mas dos que continuam nela
Em última análise, os milhares e milhares de
Noske, Wels e Hilferding preferem o fascismo ao comunismo. Mas para isso, devem
desfazer-se dos operários. Hoje, a social-democracia como um todo, com todos os
seus antagonismos internos, acha-se em conflito agudo com os fascistas. Nossa
tarefa consiste em utilizar esse conflito, e não em unir, no momento mais
agudo, os adversários contra nós.
É preciso agora voltar a frente contra o
fascismo. E essa frente de luta direta contra o fascismo, comum a todo o proletariado,
deve ser utilizada para um combate colateral, mas não menos eficaz, contra a
social-democracia.
Deve-se mostrar pelos fatos que estamos
inteiramente prontos para fazer um bloco com os social-democratas contra os
fascistas em todos os casos em que aqueles aceitem o bloco. Dizer aos operários
social-democratas: “Abandonai vossos chefes e aderi à nossa frente única
sem-partido” é o mesmo que juntar mais uma frase vazia a milhares de outras. É
preciso primeiro, no trabalho, saber arrancar os operários de seus chefes. E o
trabalho é agora a luta contra o fascismo.
Certamente há e haverá operários
social-democratas prontos a lutar ombro a ombro com os operários comunistas
contra os fascistas, independentemente da vontade, e mesmo contra a vontade,
das organizações social-democratas. Com tais elementos avançados, deve-se
estabelecer a ligação mais estreita possível. Mas até agora eles são pouco
numerosos. O operário alemão é educado num espírito de organização e
disciplina. Isto tem o seu lado forte como também o seu lado fraco. A maioria
esmagadora dos operários social-democratas quer combater contra o fascismo, mas
até agora não sem a sua organização. Não se pode saltar esta etapa. Devemos
auxiliar os operários social-democratas a verificar pelos fatos — na situação
nova e única — o quanto valem as suas organizações e os seus chefes quando se
trata da vida ou morte da classe operária.”
“Nenhuma plataforma comum com a
social-democracia ou com os chefes dos sindicatos alemães, nenhuma edição,
nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos.
Acordo apenas nisto: como combater, quem combater e quando combater? Nisto
pode-se entrar em acordo com o próprio diabo, com a sua avó e mesmo com Noske e
Grzesinsky. Com uma condição: conservar as mãos livres. (...)
Na luta contra o fascismo, um lugar
importante está reservado aos comitês de fábrica. Aqui é preciso um programa de
ação estudado muito particularmente. Cada fábrica deve se transformar em uma
fortaleza antifascista, com o seu comandante e seus quadros de combate. É
preciso que se tenha o plano dos quartéis fascistas e de outros focos fascistas
em cada cidade, em cada distrito. Os fascistas tentam cercar os núcleos
revolucionários. É preciso cercar os que os cercaram. Neste terreno, o acordo
com as organizações social-democratas e os sindicatos não é somente admissível,
mas obrigatório. Renunciar a ele por considerações de “princípios” (na verdade
por tolice burocrática ou, pior ainda, por covardia) é o mesmo que auxiliar
direta e imediatamente o fascismo.”
“A degeneração do capitalismo significa uma
putrefação social e cultural. Está trancado o caminho para uma diferenciação
metódica da nação, para o crescimento do proletariado à custa do
enfraquecimento das classes médias. A manutenção ulterior da crise não pode
significar senão pauperização da pequena burguesia e degeneração de camadas
cada vez maiores da classe operária para o lumpemproletariado. Mais afiado do
que qualquer outro, este perigo aperta a garganta da Alemanha adiantada.
A parte mais podre da Europa capitalista
decadente é a burocracia social-democrata. Ela entrou no caminho da história
sob a bandeira de Marx e de Engels. Tinha como fim a destruição da dominação
burguesa. O poderoso crescimento do capitalismo apoderou-se dela e acorrentou-a
à sua cauda. Primeiramente nos fatos e em seguida também nas palavras,
renunciou à revolução em nome das reformas. Na verdade, Kautsky continuou ainda
muito tempo com a fraseologia da revolução, adaptando-a às necessidades do
reformismo. Em compensação, Bernstein exigiu a renúncia à revolução: o
capitalismo representava a época do florescimento pacífico, sem crises e sem
guerra. Que profecia exemplar! Poderia parecer que entre Kautsky e Bernstein
existia uma contradição irreconciliável. Na realidade, completavam-se
simetricamente um ao outro, como a bota esquerda e a bota direita do
reformismo.
Veio a guerra. A social-democracia apoiou a
guerra em nome da prosperidade futura. Em lugar da prosperidade, veio o
declínio. Agora, a tarefa não consiste mais em deduzir da insuficiência do
capitalismo a necessidade da revolução, tampouco em conciliar os trabalhadores
com o capitalismo por meio de reformas. A nova política da social-democracia
passou a consistir em salvar a sociedade burguesa à custa da renúncia às
reformas. (...)
O sistema dos decretos burocráticos é
incerto, instável, pouco viável. O capital tem necessidade de outra política
mais decisiva, e o apoio da social-democracia, que tem de olhar para os seus
próprios operários, é não apenas insuficiente para os seus fins, como já começa
a incomodá-lo. O período das meias medidas passou. Para tentar uma nova saída,
a burguesia precisa desembaraçar-se completamente da pressão das organizações
operárias, afastá-las, destruí-las e dispersá-las.
Aqui começa a função histórica do fascismo.
Ele põe de pé as classes que se levantam imediatamente acima do proletariado e
temem ser precipitadas nas suas fileiras, organiza-as, militarizando-as com os
meios do capital financeiro, sob a capa do Estado oficial, e as orienta para a
destruição das organizações proletárias, desde as mais revolucionárias até as
mais moderadas.
O fascismo não é simplesmente um sistema de
repressão, de atos de força e de terror policial. O fascismo é um sistema de Estado
particular, baseado no extermínio de todos os elementos da democracia
proletária na sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não consiste somente em
destruir a vanguarda proletária, mas também em manter toda a classe num estado
de fragmentação forçada. Para isto, a exterminação física da camada operária
mais revolucionária é insuficiente. É preciso destruir todos os pontos de apoio
do proletariado e exterminar os resultados do trabalho de três quartos de
século da social-democracia e dos sindicatos. Porque neste trabalho também se
apoia, em última instância, o Partido Comunista.
A social-democracia preparou todas as
condições para a vitória do fascismo. Mas preparou também as condições de sua
própria liquidação política. Lançar sobre a social-democracia a
responsabilidade do sistema de decretos-leis de Brüning e da barbárie fascista
ameaçadora é inteiramente justo. Identificar a social-democracia com o fascismo
é inteiramente insensato.
Pela sua política durante a Revolução de
1848, a burguesia liberal preparou a vitória da contrarrevolução, que, então,
condenou o liberalismo à impotência. Marx e Engels bateram na burguesia liberal
alemã com não menos força do que Lassale e mais profundamente do que ele. Mas enquanto os lassalianos lançavam a
contrarrevolução e a burguesia liberal numa “massa reacionária”, Marx e Engels
se levantavam do modo mais justificado contra esse falso ultrarradicalismo. A
posição falsa dos lassalianos fez deles acidentalmente cúmplices involuntários da monarquia, apesar do
caráter geral progressivo de seu trabalho, extremamente mais sério e mais
importante do que o do liberalismo.
A teoria do “social-fascismo” reproduz o erro
essencial do lassalianismo em novas bases históricas. Ao mesmo tempo em que
lança nacional-socialistas e social-democratas numa massa fascista, a
burocracia stalinista pratica ações como o apoio ao plebiscito hitleriano: isto
não é de modo algum melhor do que as manobras lassalianas com Bismarck.
Na sua luta contra a social-democracia, o
comunismo alemão deve apoiar-se, na etapa atual, em duas bases inseparáveis: a)
a responsabilidade política da social-democracia pela força do fascismo; b) a
irreconciliabilidade absoluta entre o fascismo e as organizações operárias, nas
quais a social-democracia se apoia.
As contradições do capitalismo alemão
chegaram atualmente a esta tensão, à qual se seguirá a explosão, inevitavelmente.
A capacidade de adaptação da social-democracia atingiu o limite em que já se
produz a autodestruição. Os erros da burocracia stalinista atingiram o ponto
após o qual vem a catástrofe. É esta a tripla fórmula que caracteriza a
situação na Alemanha. Tudo está se apoiando sobre o fio da navalha.”
“Os políticos do reformismo, negocistas
hábeis, esses intrigantes e arrivistas empedernidos, esses experientes
manobristas parlamentares e ministeriais, assim que a marcha das coisas os
expulsa de sua esfera habitual e os coloca diante de grandes acontecimentos,
tornam-se — é difícil encontrar um qualificativo mais brando — completos
idiotas.”
“A putrefação do capitalismo significa que a
questão do poder tem de resolver-se na base das forças produtivas atuais.
Prolongando a agonia do regime capitalista, a social-democracia só tem como
resultado a decadência contínua da cultura econômica, o fracionamento do
proletariado, a gangrena social. Não tem qualquer outra perspectiva diante de
si: amanhã será pior do que hoje; depois de amanhã, pior do que amanhã. Mas os
chefes da social-democracia não ousam mais prever o futuro. Já possuem todos os
vícios da classe dirigente condenada à ruína: uma leviandade, uma paralisia da
vontade, uma inclinação a fechar os olhos aos acontecimentos e esperar
milagres.”
“Entre a democracia e o fascismo há uma
contradição. Esta contradição não é de forma alguma “absoluta” ou, para
falar-se como marxista, não significa de forma alguma a dominação de duas
classes antagônicas. Mas significa sistemas diferentes de dominação de uma
única e mesma classe. Esses dois sistemas, o sistema parlamentar-democrático e
o sistema fascista, apoiam-se em diferentes combinações das classes oprimidas e
exploradas e se chocam, inevitavelmente e de forma aguda, um contra o outro.
A social-democracia, que hoje é o
representante principal do regime parlamentar burguês, apoia-se nos operários.
O fascismo, porém, apoia-se na pequena burguesia. A social-democracia não pode
ter influência sem as organizações operárias de massa. O fascismo, porém, não
pode consolidar o seu poder de outra forma, senão destruindo as organizações
operárias. A arena principal da social-democracia é o parlamento. O sistema do
fascismo é baseado na destruição do parlamentarismo. Para a burguesia
monopolista, o regime parlamentar e o regime fascista não representam senão
diferentes instrumentos de sua dominação: recorre a um ou a outro, segundo as
condições históricas. Mas para a social-democracia, como para o fascismo, a
escolha de um ou do outro instrumento tem uma importância própria; mais ainda,
é para eles uma questão de vida ou de morte política.
A hora do regime fascista chega no momento em
que os meios militares-policiais “normais” da ditadura burguesa, com a sua capa
parlamentar, se tornam insuficientes para manter a sociedade em equilíbrio. Por
meio da agência fascista, a burguesia põe em movimento as massas da pequena burguesia
enfurecida, os bandos de “desclassados”, os “lumpen-proletários”
desmoralizados, todas essas inumeráveis existências humanas que o próprio
capital financeiro levou ao desespero e à fúria.
A burguesia exige ao fascismo um trabalho “limpo”:
desde que admite os métodos de guerra civil, ela quer ter paz durante uma série
de anos. E os agentes fascistas, servindo-se da pequena burguesia como de uma
arma, e aniquilando tudo à sua passagem, prosseguem no seu trabalho até o fim.
A vitória do fascismo coroa-se quando o capital financeiro subordina, direta e
imediatamente, todos os órgãos e instituições de domínio, de direção e de
educação: o aparelho do Estado e o exército, as prefeituras, as universidades,
as escolas, a imprensa, os sindicatos, as cooperativas. A fascistização do
Estado significa não apenas “mussolinizar” as formas e os processos de direção
— neste domínio as mudanças desempenham, no final das contas, um papel
secundário — mas, antes de tudo e sobretudo, destruir as organizações
operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de
organismos que penetre profundamente nas massas e esteja destinado a impedir a
cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a
essência do regime fascista.
O que acaba de ser dito não contradiz o fato
de que, entre o sistema democrático e o sistema fascista, se estabeleça, num
período dado, um regime transitório, contendo traços de um e de outro sistema;
tal é, em geral, a lei da mudança de dois regimes sociais, mesmo de regimes
irredutivelmente hostis. Há momentos em que a burguesia se apoia tanto na
social-democracia como no fascismo, isto é, quando ela se serve simultaneamente
de seus agentes conciliadores e de seus agentes terroristas.”
“Como epígrafe às suas pesquisas sobre o
social-fascismo, a Rote Fahne escolheu as palavras de Stalin: “O
fascismo é a organização de combate da burguesia que se apoia no auxílio ativo
da social-democracia. A social-democracia é objetivamente a ala moderada do
fascismo.” Como acontece com Stalin quando ele procura generalizar, a primeira
frase está em contradição com a segunda. Que a burguesia se apoie na
social-democracia e que o fascismo seja uma organização de combate da
burguesia, isto é de todo incontestável e conhecido há muito tempo. Mas daí
decorre, unicamente, que a social-democracia, assim como o fascismo, são
instrumentos da grande burguesia. De que modo a social-democracia se torna,
ainda por cima, e ao mesmo tempo, uma “ala” do fascismo, isto já é mais difícil
de compreender. Não menos profunda é outra definição do mesmo autor: “O
fascismo e a social-democracia são não inimigos, mas gêmeos.” Os gêmeos podem
ser os piores inimigos; por outro lado, os aliados não nascem, necessariamente,
no mesmo dia e da mesma mãe. Na construção de Stalin falta não apenas a
dialética, mas mesmo a lógica formal. A força desta construção consiste em que
ninguém ousa contradizê-la.
Entre a democracia e o fascismo não há
diferença “quanto ao conteúdo de classe”, nos ensina, depois de Stalin, Werner
Hirsch (Die Internationale16, janeiro de 1932). A passagem da
democracia ao fascismo pode ter um caráter de “processo orgânico”, isto é, pode
produzir-se “gradualmente e por via fria”. Este raciocínio seria espantoso se
os epígonos não nos tivessem tirado o hábito de nos espantarmos.
Entre a democracia e o fascismo não há “diferença
de classe”. Isto deve significar, evidentemente, que a democracia tem um
caráter burguês, assim como o fascismo. Não o púnhamos em dúvida, mesmo antes
de janeiro de 1932. Mas a classe dominante não vive no vácuo. Ela estabelece
certas relações com as outras classes. No regime “democrático” da sociedade
capitalista desenvolvida, a burguesia apoia-se, antes de tudo, na classe
operária domesticada pelos reformistas. Esse sistema é expresso de forma mais
acabada na Inglaterra, tanto sob o governo trabalhista, como sob o governo
conservador. No regime fascista, ao menos no seu primeiro estágio, o capital
apoia-se na pequena burguesia, que destrói as organizações do proletariado. Tal
é o exemplo da Itália! Há diferença no “conteúdo de classe” desses dois
regimes? Se só se coloca a questão da classe dominante, não há qualquer
diferença. Mas, consideradas a situação e as relações entre todas as classes,
do ponto de vista do proletariado, a diferença se revela bastante grande.
Durante muitas décadas, no interior da
democracia burguesa, servindo-se dela e lutando contra ela, os operários
edificaram as suas fortificações, as suas bases, os seus núcleos de democracia
proletária: sindicatos, partidos, clubes de educação, organizações esportivas,
cooperativas etc. O proletariado pode chegar ao poder não nos quadros formais
da democracia burguesa, mas somente por via revolucionária. Isto é demonstrado
ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência. Mas é justamente para a via
revolucionária que o proletariado tem necessidade das bases de apoio da
democracia operária no interior do Estado burguês. Foi na criação de tais bases
que se manifestou o trabalho da II Internacional, na época em que ela realizava
ainda um trabalho historicamente progressivo.
O fascismo tem como função essencial e única
a destruição, até os alicerces, de todas as instituições da democracia
proletária. Esse fato tem ou não para o proletariado “uma importância de classe”?
Que os nossos grandes teóricos reflitam sobre isto um pouco. Dando ao regime o
nome de burguês — o que é incontestável —, Hirsch e os seus senhores esqueceram
um detalhe: o lugar do proletariado nesse regime. Substituem o processo
histórico por uma abstração sociológica vazia. Mas a luta de classes se
desenrola no terreno da história, e não na estratosfera da sociologia. O ponto
de partida da luta contra o fascismo não é a abstração do Estado democrático,
mas as organizações vivas do próprio proletariado, nas quais está concentrada
toda a sua experiência e que preparam o seu futuro.
A tese de que a passagem da democracia ao
fascismo pode ter um caráter “orgânico” e “gradual” não significa, então, com
toda a evidência, outra coisa senão isto: podem tirar do proletariado não só
todas as suas conquistas materiais — um certo nível de vida, a legislação
social, os direitos civis e políticos — mas também o instrumento essencial de
suas conquistas, isto é, as suas organizações, e isso sem abalos e sem combates.
A passagem ao fascismo “por via fria” supõe, assim, a mais terrível das
capitulações políticas do proletariado que se possa imaginar.”
16 — A Internacional, órgão da
Internacional Comunista. (N. do T)
“Quando a reação exige que os interesses da “nação”
sejam colocados acima dos interesses de classe, nós, os marxistas, dizemos que,
sob a forma do interesse “geral”, a reação defende os interesses de classe dos
exploradores. Não se pode formular os interesses da nação a não ser sob o
ângulo da classe dominante ou da classe que busca a dominação; não se pode
formular os interesses de classe a não ser sob a forma de um programa; não se
pode defender o programa a não ser por meio da criação de um partido.
A classe tomada em si não é mais do que
matéria para a exploração. O papel próprio do proletariado começa no momento em
que, de uma classe social em si, se torna uma classe política para si. Isto só
pode acontecer por intermédio do partido. O partido é o órgão histórico com o
auxílio do qual a classe operária adquire a sua consciência. Dizer que “a
classe está acima do partido” é o mesmo que dizer: “A classe em estado bruto
está acima da classe em vias de adquirir a sua consciência.” Isto não só é
falso, como é reacionário. Para justificar a necessidade da frente única, não
há qualquer necessidade de recorrer a esta teoria vulgar.
O desenvolvimento da classe rumo à sua
consciência, isto é, a edificação de um partido revolucionário que arraste
atrás de si o proletariado, é um processo complicado e contraditório. A classe
não é homogênea. Suas diferentes partes adquirem consciência por caminhos
diferentes e em épocas diferentes. A burguesia participa ativamente deste
processo. Cria os seus órgãos na classe operária ou utiliza os já existentes,
opondo certas camadas de operários a outras. No seio do proletariado agem
simultaneamente diferentes partidos. Eis porque o proletariado vive
politicamente dividido durante a maior parte de seu caminho histórico. Daí
provém — com uma agudez excepcional em certos períodos — o problema da frente
única.
O partido comunista — com uma política justa
— expressa os interesses históricos do proletariado. Sua tarefa consiste em
conquistar a maioria do proletariado: só assim a revolução socialista é
possível. O partido comunista só pode desempenhar a sua missão preservando sua
plena independência política e organizativa, sem reservas, em relação a todos
os partidos e organizações dentro da classe operária e fora dela. A
transgressão desta regra fundamental da política marxista é o mais grave crime
contra os interesses do proletariado como classe.”
“O caráter da ação é determinado não pelo
jogo de categorias abstratas, mas pela correlação real das forças históricas
vivas.”
“No plano político, uma situação
revolucionária consiste precisamente em que todos os agrupamentos e todas as
camadas do proletariado, ou pelo menos a sua maioria esmagadora, estejam
tomados do desejo de unificar os seus esforços para mudar o regime existente.
Contudo, isto não quer dizer que todos compreendam como fazê-lo e, menos ainda,
que estejam todos prontos, já hoje, para romper com os seus partidos e passar
para as fileiras do comunismo. Não, a consciência política da classe não chega
à sua maturação de acordo com um plano tão rigoroso e de uma maneira tão
metódica. Continuam a existir profundas divergências internas, mesmo durante a
época revolucionária, quando todos os processos se desenvolvem por saltos. Mas
ao mesmo tempo, a necessidade de uma organização acima dos partidos, abarcando
toda a classe, adquire uma agudez especial. Dar uma forma a esta necessidade — é
este o destino histórico dos sovietes. É esta a sua grande função. Nas
condições da situação revolucionária, exprimem a suprema organização da unidade
proletária. Quem não tiver compreendido isso não compreendeu nada sobre o
problema dos sovietes. (...)
Independentemente do meio pelo qual devam
surgir, os sovietes não podem vir a ser outra coisa senão a expressão
organizativa dos lados fortes e dos lados fracos do proletariado, de suas
divergências internas e de sua ânsia geral para superá-las; em suma: órgãos de
frente única da classe.”
“Realmente, o regime stalinista praticou
horríveis devastações nos cérebros! Depois de ter burocratizado os sovietes na
URSS, os epígonos os tratam agora como instrumentos técnicos nas mãos do
aparelho do partido. Esqueceram-se que os sovietes se formaram como parlamentos
operários e que atraíam as massas porque criavam a possibilidade de colocar
ombro a ombro todas as partes da classe operária, independentemente das
divergências de partido; esqueceram-se que foi precisamente nisto que consistiu
a força educadora e revolucionária dos sovietes. Tudo está esquecido, tudo está
embaralhado, tudo está deformado. Oh, epígonos, mil vezes malditos!”
“O centrismo se contenta com pouca coisa. Mas
a revolução exige muito. A revolução exige tudo, integralmente.”
“Um social-democrata assustado ainda não é um
revolucionário.”
“Mesmo as pessoas inteligentes podem fazer
tolices, sobretudo na sua juventude. Mas desse direito, como já aconselhava
Heine, não se deve abusar. Se as tolices políticas de um tipo determinado se
repetem sistematicamente no curso de um período prolongado, e isto no domínio
dos problemas mais importantes, então deixam de ser simplesmente tolices e se
tornam uma tendência.”
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