sábado, 7 de março de 2020

Gestão educacional (Parte I) – Helena Leomir de Souza Bartnik

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-6570-477-9
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 204
Sinopse: Em um mundo marcado por constantes mudanças na área tecnológica, cultural, social, política, econômica e histórica, a educação não pode estar indiferente. É por isso que este livro visa contribuir para a reflexão sobre a formação e a prática do educador de hoje. Aqui, o leitor encontrará, entre outros temas, a abordagem das teorias da administração escolar no Brasil, a relação existente entre a administração empresarial e a administração escolar e as características do trabalho pedagógico para a qualidade educacional.

“Na atual conjuntura social, histórica, política, econômica e cultural há um forte movimento na busca por espaços mais abertos e democráticos na sociedade civil e política. Você, provavelmente, já observou que entre os elementos que integram esse movimento está a educação, que, por meio de suas práticas, procura instrumentalizar a comunidade escolar para interagir com a sociedade de forma crítica e responsável.
É nesse cenário que se insere a escola como o espaço, por excelência, de aprendizagem e de participação. Assim, quando comprometida com a formação da cidadania, ela assume princípios opostos às situações de desumanização da vida em sociedade, ao individualismo e à competição, à tolerância com as práticas de discriminação e autoritarismo, à exploração e à dominação. A gestão educacional, especialmente a gestão democrática, entendida como elemento de contra-hegemonia, opõe-se à implantação direta e acrítica dos princípios administrativos da gestão empresarial na organizacão escolar.”


A escola, sendo uma instituição da sociedade civil, influencia contextos que são considerados fatores externos, como o histórico, o social e o econômico, e é influenciada por eles. Dowbor (2001), em seu artigo Tecnologias do conhecimento: os desafios da educação, destaca a influência da internacionalização da economia e das novas tecnologias da informação, o avanço científico e como as tecnologias impactam na educação. No que se refere aos fatores internos, pontua a contra-hegemonia da produção do conhecimento e as iniciativas coletivas e compromissadas dos profissionais da educação com a qualidade de ensino, como a construção e a implementação dos projetos político-pedagógicos nas escolas, a elaboração de planejamentos participativos, entre outros encaminhamentos democráticos que vêm constituindo gradativamente a gestão das escolas.
Ressaltando a necessidade de a escola rever a sua estrutura e os seus métodos de trabalho, Alonso (O papel do diretor na administração escolar, 1983, p. 146) aponta alguns elementos exigidos do profissional nas sociedades modernas:
O compromisso da escola atual é essencialmente com os valores definidos a partir do desenvolvimento científico e tecnológico presente, os quais questionam a validade de formulações menos práticas, ainda que mais comprometidas com a natureza essencial do homem. O que se requer nesta sociedade é basicamente o indivíduo apto a enfrentar situações as mais variadas, imprevisíveis, para as quais deve dispor de uma flexibilidade tal que lhe permita efetuar respostas rápidas, já que é impossível tê-las prontas. Afim de se encaminhar para um objetivo dessa ordem, a escola atual precisa rever toda a sua estrutura, todo o seu sistema de trabalho e mesmo os papéis definidos tradicionalmente.
Assim, compreender as implicações dos fatores externos na gestão escolar é fundamental para diminuir a transposição acrítica para a administração escolar do modelo de administração estratégico-empresarial, o qual é baseado na racionalidade científica, na centralização do poder e na fragmentação do trabalho. Mas você deve estar atento para o fato de que, embora os princípios administrativos das organizações, em geral, sejam dicotômicos, se comparados aos objetivos da gestão educacional, eles também podem contribuir com a gestão da escola.”


“Acompanhando o raciocínio de Paro (Administração escolar, 2008a, p. 126), podemos dizer que:
O aluno é, não apenas o beneficiário dos serviços que ela presta, mas também participante de sua elaboração. É evidente que essa matéria-prima peculiar, que é o aluno, deve receber um tratamento todo especial, bastante diverso do que recebem os elementos materiais que participam do processo de produção, no interior de uma empresa industrial qualquer.
Enquanto a empresa capitalista lida, no seu cotidiano, com bens materiais (canetas, pregos, parafusos etc.), a escola lida com a educação, cuja especificidade do objeto de trabalho cotidiano envolve “a produção de ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades” (Saviani, Pedagogia histórico-crítica, 1991, p. 21).
Na escola, o foco é a produção crítica do saber, a inserção do aluno no processo de formação de ideias, na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de competências e na formação de atitudes. Já na empresa, o foco da gestão é o lucro e a produtividade.
Oliveira (Gestão educacional, 2009, p. 36-37) acrescenta outros elementos que reforçam a dicotomia entre os dois tipos de gestão:
tecnologia, ambiente, poder, conhecimento se estruturam, fundamentando noções diversificadas das organizações. E mais: a hegemonia da razão instrumental direciona a ação efetiva e define o comportamento ético. A ciência é ideologizada em função da produção que, em sua lógica, subordina a educação, a política e mesmo o próprio lazer. Se, de um lado, pressupõe-se a subjetividade, por outro a racionalidade com respeito aos fins define cursos de ação de uma civilização voltada para o consumo, para o ganho, para as vantagens individuais e para o poder. É o reino da mercadoria e de sua administração.
Como espaço educacional, a escola tem um compromisso básico com a civilização e com a preparação das novas gerações para que estas possam usufruir dos bens materiais, sociais e culturais e, ao mesmo tempo, contribuir para produzi-los e preservá-los.
Embora tendo a clareza de que a necessidade de sobrevivência, com base na lógica do mercado, é uma condição no sistema capitalista, não é possível que a instituição educativa se isente da responsabilidade de se preocupar, em primeiro plano, com a construção e a reelaboração do conhecimento e com o exercício da cidadania. Os estudantes precisam ter uma formação que lhes permita compreender a lógica e as relações do mercado de trabalho, dominar as novas tecnologias, estar abertos às diversas relações humanas e, consequentemente, adquirir uma formação tanto para a cidadania como para o mundo do trabalho.”


“O papel da escola requer do diretor a clareza de que cabe à equipe diretiva e pedagógica atuar no sentido de criar as condições necessárias, os meios adequados e os recursos didáticos para que se concretizem, qualitativamente, as atividades-fins da escola e a mediação dos conteúdos aos alunos. Se o diretor é compromissado, tenderá a dar prioridade aos fins da educação escolar (aspectos pedagógicos) em detrimento dos meios (aspectos técnicos).
Uma das implicações do uso da administração empresarial na gestão escolar ocorre quando o diretor direciona suas atividades com base nos princípios da gestão estratégica empresarial. A tendência aqui, então, é priorizar as exigências do “sistema” e as prescrições administrativas”, o que repercurte no processo pedagógico, limitando o cumprimento da sua função educativa. Todavia, a utilização desse método é viável desde que sofra as devidas adequações a fim de não prejudicar o cumprimento da função essencial da escola.
Outra consequência da administração geral na gestão escolar, e não menos importante que a descrita anteriormente, refere-se ao conteúdo técnico (mecanismos gerenciais e controle do trabalho alheio), aspectos priorizados na administração empresarial, como afirma Paro (2008a, p. 130):
não há dúvida de que as conquistas teóricas da administração capitalista poderiam fornecer uma consistente contribuição ao incremento da produtividade da escola, desde que se processe à efetiva racionalização das atividades e à sistematização dos procedimentos, no sentido de um ensino de melhor qualidade. O que se verifica, entretanto, no dia a dia das escolas, é a hipertrofia dos meios representada pelo número excessivo de normas e regulamentos com atributos meramente burocratizantes, desvinculados da realidade e inadequados à solução dos problemas, o que só faz agravá-los, emperrando o funcionamento da instituição escolar.


“A ação do pedagogo na escola se justifica na medida em que ele atua não apenas no ato de controlar e acompanhar o trabalho dos professores, mas, acima de tudo, como o articulador do projeto político-pedagógico. Neste último processo, ele organiza o trabalho no espaço mais amplo da escola e contribui, dessa forma, para a construção de um trabalho coletivo com significação para o processo ensino-aprendizagem.
Entendemos que é grande a importância do planejamento pedagógico na práxis educativa, o qual se caracteriza como um processo permanente de reflexão coletiva sobre o trabalho pedagógico, e que, portanto, não há justificativa para que seja elaborado por gestores sem a participação efetiva dos professores.
O planejamento deve partir dos problemas detectados na realidade, deve ser pensado por todos os profissionais e inserido no projeto político-pedagógico e nos planos didáticos dos professores.”


“A aula é um momento em que concomitantemente o professor elabora suas atividades de ensino e nelas insere elementos da prática social ao contextualizá-la e articulá-la aos conteúdos científicos; enquanto o aluno se apropria desses conhecimentos, relaciona-os com os que ele já tinha sobre o tema e constrói novas sínteses. O diretor, com essa compreensão, tem a clareza de que o processo de ensino-aprendizagem é construído cotidianamente por professores e alunos de forma interativa, na qual o professor faz a mediação entre o conhecimento, os alunos e a prática social, em uma ação compartilhada. Por sua vez, os alunos, sujeitos do seu processo educativo, desenvolvem a autonomia intelectual e adquirem, de forma crítica, novos conhecimentos.”


Cabe ao professor despertar nos alunos a vontade de aprender e realizar a mediação do conhecimento, proporcionando as condições para que se tornem sujeitos desse processo.
Ao comentar esse aspecto, Paro (2008a, p. 144) afirma que:
A aula, porém, é apenas uma atividade, ou o próprio processo através do qual se buscam determinados resultados. O fato de esta aula, ou processo de ensino-aprendizagem, pressupor a não passividade do aluno é, como vimos, um aspecto determinante da própria natureza do processo pedagógico. Esse aspecto é de grande importância também na determinação do produto da escola, já que é através dessa não passividade, ou dessa participação ativa, que se realiza a aprendizagem, ou seja, que o educando aprende. Mas, entendida a educação como apropriação de um saber historicamente acumulado e tendo a escola como uma das agências que proveem educação, a consideração do seu produto não pode restringir-se ao ato de aprender. Neste ato, o indivíduo apropria-se de um saber (conhecimentos, atitudes, valores, habilidades, técnicas etc.) que nele é incorporado. Existe, portanto, algo que permanece para além do ato de produção que se dá na sala de aula. Não acontece, por conseguinte, que o resultado da educação escolar seja algo produzido pelo professor e consumido imediatamente e completamente pelo aluno, sem deixar nenhum vestígio. A própria necessidade da participação ativa do aluno como sujeito do processo só se faz presente porque a educação supõe uma modificação na natureza do seu objeto. É por isso que se considera que, se a educação realmente se efetivou, o aluno sai do processo diferente de como ele era quando aí entrou. Essa diferença, que não é simples acréscimo, já que supõe uma real transformação na personalidade viva do educando, é que se constitui no efetivo produto do processo pedagógico escolar.


“Com base na definição do projeto pedagógico desenvolvido por professores, funcionários e membros da comunidade, podemos dar prioridade aos conteúdos que irão instrumentalizar e capacitar os indivíduos para uma leitura do mundo em que estão inseridos, dando respostas coerentes às exigências da sociedade, confrontando com criticidade os diversos saberes.”


“Sacristán (O que é uma escola para a democracia, 1999, p. 57) conceitua democracia como “o conjunto de procedimentos para poder conviver racionalmente, dotando de sentido uma sociedade cujo destino é aberto, porque acima do poder soberano do povo já não há nenhum poder”. O autor aponta para vivência em uma sociedade construída historicamente com a participação de todos, em que os cidadãos têm liberdade para agir e decidir, tanto individual como coletivamente, de forma organizada e racional, considerando, acima de tudo, o bem comum e o sentido social.
Nesse sentido, a democracia expressa valores, responsabilidade e subentende não apenas ideais, mas práticas de participação no planejamento, construção e exercício das diferentes formas de gestão, quer seja em termos de Estado, quer seja em termos de gestão de instituições locais.
Sintetizando, podemos afirmar que a democracia participativa pressupõe uma sociedade civil politicamente preparada e consciente quanto aos direitos e deveres necessários para a concretização de causas coletivas.
Quando transpomos esse raciocínio para a gestão escolar, em que o objetivo maior é a formação técnica e política do cidadão humano, a participação adquire maior relevância e se configura na forma mais adequada de construir uma gestão democrática:
·        primeiro, por possibilitar o envolvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomada de decisão, organização e funcionamento do trabalho pedagógico e administrativo;
·        segundo, porque o fato de todos participarem do planejamento, reflexão e execução das práticas de gestão amplia o conhecimento acerca dos objetivos, aprofunda a compreensão das funções e metas da escola e, consequentemente, amplia o grau de interação entre equipe diretiva e pedagógica, docentes e discentes, pais e comunidade.
Essa discussão sobre participação democrática na gestão escolar é fundamenta por Libâneo, Oliveira e Toschi (Educação escolar, 2003, p. 328), que relacionam o conceito ao de autonomia. Para os autores,
O conceito de participação fundamenta-se no princípio da autonomia, que significa a capacidade das pessoas e dos grupos para a livre determinação de si próprios, isto é, para a condução da própria vida. Como a autonomia opõe-se às formas autoritárias de tomadas de decisão, sua realização concreta nas instituições dá-se pela participação livre na escolha de objetivos e processos de trabalho e na construção conjunta do ambiente de trabalho. (...)
Nesse contexto, Veiga (Escola, 1998, p. 20) formulou algumas perguntas importantes, ao se referir aos alicerces da escola básica:
Qual é o contexto filosófico, sociopolítico, econômico e cultural em que a escola está inserida? Que concepção de homem se tem? Que valores devem ser defendidos na sua formação? O que entendemos por cidadania e cidadão? A formação da cidadania tem sido o fio condutor do trabalho pedagógico da escola? Como a escola deve responder às aspirações dos alunos, dos pais e dos professores? Qual é o papel da escola diante de outros espaços formadores?

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