terça-feira, 31 de março de 2020

A ideologia alemã (Parte III) – Karl Marx e Friedrich Engels

Subtítulo: Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas
Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-073-7
Tradução: Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano
Introdução: Emir Sader
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 616
Sinopse: Ver Parte I



Na atividade revolucionária, o transformar a si mesmo coincide com o transformar as circunstâncias.”


“Quando o burguês de mentalidade estreita diz para os comunistas: ao suprimirdes a propriedade, isto é, minha existência como capitalista, como proprietário de terras, como fabricante, e a vossa existência como trabalhadores, suprimis a minha e a vossa individualidade; ao tornardes impossível que eu explore a vós, trabalhadores, e embolse meus lucros, juros ou rendimentos, tornais impossível que eu exista como indivíduo. – Portanto, quando o burguês explica aos comunistas: ao suprimirdes a minha existência como burguês, suprimis a minha existência como indivíduo – quando, dessa maneira, ele, na qualidade de burguês, identifica-se consigo mesmo como indivíduo –, então se pode, ao menos, mostrar reconhecimento pela franqueza e pelo descaramento. Para o burguês, este é realmente o caso: ele só acredita ser indivíduo na medida em que é burguês.
Mas o absurdo só começa a se tornar solene e sagrado no momento em que os teóricos da burguesia entram em cena e conferem a essa afirmação uma expressão universal, ao identificar também teoricamente a propriedade do burguês com a individualidade e ao querer justificar logicamente essa identificação.”


“A única razão pela qual o cristianismo quis nos libertar do domínio da carne e dos “anseios como fator de impulsão” foi o fato de encarar nossa carne, nossos anseios como algo estranho a nós; a única razão por que ele quis nos salvar da determinação natural foi o fato de considerar nossa própria natureza como não pertencente a nós. Pois se eu próprio não sou natureza, se meus anseios naturais, se minha naturalidade como um todo não faz parte de mim mesmo – e isto é a doutrina do cristianismo –, então toda determinação pela natureza, tanto pela minha própria naturalidade quanto pela assim chamada natureza exterior, se me afigurarão como determinação por algo estranho, como grilhão, como coerção que me é infligida, como heteronomia em oposição à autonomia do espírito.”


“A organização comunista atua de maneira dupla sobre os anseios que produzem as condições atuais no indivíduo: uma parte desses anseios, a saber, aquela que existe sob todas as condições e que é transformada apenas em sua forma e tendência pelas distintas condições sociais, também só é transformada sob essa nova forma social quando lhe são dados os meios para o seu desenvolvimento normal; uma outra parte, em contrapartida, a saber, aqueles anseios que devem sua origem tão somente a uma determinada forma social, a determinadas condições de produção e intercâmbio, é totalmente privada de suas condições vitais. Ora, quais são os anseios que, sob a organização comunista, serão transformados e quais os que serão desfeitos é algo que só se pode decidir de forma prática, pela transformação dos “anseios” reais, práticos, e não mediante comparações com condições históricas. (...)
Os comunistas nem cogitam em abolir essa fixidez de seus anseios e necessidades, como Stirner, no seu mundo fantasioso, imputa a eles e a todos os demais seres humanos; eles apenas almejam uma organização da produção e do intercâmbio que lhes possibilite a satisfação normal de todas as suas necessidades, isto é, limitada apenas pelas próprias necessidades.”


Até aqui a liberdade foi definida pelos filósofos de maneira dupla; por um lado, como poder, como domínio sobre as circunstâncias e relações nas quais vive um indivíduo – por todos os materialistas; por outro lado, como autodestinação, estar-livre do mundo real, como liberdade meramente imaginária do espírito – por todos os idealistas, especialmente os alemães.”


“Na história real, aqueles teóricos que consideravam o poder como o fundamento do direito formavam a oposição frontal àqueles que encaravam a vontade como a base do direito – uma oposição que São Sancho também pôde conceber como a que existe entre realismo (criança, antigo, negro etc.) e idealismo (adolescente, moderno, mongol etc.). Se o poder é suposto como a base do direito, como fazem Hobbes etc., então direito, lei etc. são apenas sintomas, expressão de outras relações nas quais se apoia o poder do Estado. A vida material dos indivíduos, que de modo algum depende de sua mera “vontade”, seu modo de produção e as formas de intercâmbio que se condicionam reciprocamente são a base real do Estado e continuam a sê-lo em todos os níveis em que a divisão do trabalho e a propriedade privada ainda são necessárias, de forma inteiramente independente da vontade dos indivíduos. Essas condições reais de modo algum foram criadas pelo poder do Estado; elas são, antes, o poder que o cria. Os indivíduos que dominam nessas condições, abstraindo do fato de que seu poder deve se constituir como Estado, têm de conferir à sua vontade condicionada por essas condições bem determinadas uma expressão geral como vontade do Estado, como lei – uma expressão cujo conteúdo sempre é dado pelas condições dessa classe, do que o direito privado e o direito criminal são a prova mais cabal.
Assim como não depende de sua vontade ou arbitrariedade idealista o fato de seus corpos serem pesados, tampouco depende dela impor a sua própria vontade na forma da lei, pondo-a, ao mesmo tempo, fora do alcance da arbitrariedade pessoal de cada indivíduo entre eles. Seu domínio pessoal deve se constituir simultaneamente como um domínio médio. Seu poder pessoal se apoia em condições de vida que se desenvolvem como condições comuns a muitos, cuja continuidade eles, na condição de dominadores, devem afirmar contra outras e, ao mesmo tempo, como válidas para todos.
A expressão dessa vontade condicionada por seu interesse comum é a lei.
Justamente a imposição dos indivíduos independentes uns dos outros e da sua própria vontade, que sobre essa base é necessariamente egoísta em seu comportamento recíproco, torna necessária a autorrenúncia na lei e no direito, autorrenúncia como exceção, autoafirmação de seus interesses na média dos casos (que, em consequência, não é considerada como autorrenúncia por eles, mas só pelo “egoísta em acordo consigo mesmo”). O mesmo vale para as classes dominadas, de cuja vontade tampouco depende a existência da lei e do Estado. Por exemplo, enquanto as forças produtivas não tiverem se desenvolvido a ponto de tornar supérflua a concorrência e, por essa razão, reiteradamente provocarem a concorrência, as classes dominadas quererão algo impossível se tiverem a “vontade” de eliminar a concorrência e, junto com ela, Estado e lei. Aliás, só mesmo na imaginação dos ideólogos essa “vontade” surge antes que as condições tenham evoluído a ponto de poder produzi-la. Depois que as condições evoluíram o suficiente para produzi-la, o ideólogo pode imaginar essa vontade como algo simplesmente arbitrário e, consequentemente, identificável em todas as épocas e sob todas as circunstâncias.
Assim como o direito não procede da pura arbitrariedade, tampouco procede dela o crime, isto é, a luta do indivíduo isolado contra as condições dominantes. Ao contrário, ele está nas mesmas condições que aquele domínio.
Os mesmos visionários que vislumbram no direito e na lei o domínio de uma vontade universal independente para si mesma conseguem ver no crime a simples quebra do direito e da lei. Portanto, não é o Estado que subsiste por meio da vontade dominante, mas o Estado que procede do modo de vida material dos indivíduos tem também a forma de uma vontade soberana. Se esta perde o domínio, então se modificou não só a vontade, mas também a existência e a vida material dos indivíduos, e só por causa disso a sua vontade.
É possível que direito e lei se “perpetuem”267 mas, nesse caso, eles não são mais dominantes e sim nominais, do que as histórias do antigo direito romano e do direito inglês fornecem exemplos notáveis. Já vimos anteriormente como, entre os filósofos, pôde surgir, mediante a separação entre as ideias e os indivíduos que lhes serviam de base e suas condições empíricas, um desenvolvimento e uma história das simples ideias. Da mesma maneira se pode, aqui, separar, por sua vez, o direito de sua base real, com o que então se consegue extrair uma “vontade soberana” que se modifica diferentemente nas diferentes épocas e que em suas criações, as leis, possui uma história própria, independente. Desse modo, a história política e burguesa se dissolve ideologicamente numa história do domínio de leis sucessivas. Esta é a ilusão específica de juristas e políticos, a qual Jacques le bonhomme132 adota sans façon (sem rodeios).
Ele nutre a mesma ilusão que, por exemplo, Frederico Guillerme IV, que também considera as leis como simples ideias repentinas da vontade soberana e, em consequência, sempre acha que elas fracassam diante do “Algo tosco” do mundo. Praticamente nenh[uma] de sua[s] manias totalmente inofensivas conseguiu ir além dos limites de uma mera ordem de gabinete. Ele que tente ordenar 25 milhões de empréstimo, a centésima parte da dívida pública da Inglaterra, e verá de quem é a vontade de sua vontade soberana. A propósito, mais tarde também descobriremos que Jacques le bonhomme se vale das quimeras e fantasmagorias de seu soberano e co-berlinense como documentos para tecer, a partir deles, a trama de suas próprias esquisitices teóricas sobre direito, lei, crime etc. Mas isso não nos deve causar admiração, porque até mesmo a fantasmagoria da Vossische Zeitung268 repetidamente lhe “apresenta” algo, como, por exemplo, o Estado de direito. O exame mais superficial da legislação, por exemplo da legislação para os pobres em todos os países, mostra rá o quanto os dominadores avançaram quando imaginaram poder impor algo mediante sua simples “vontade soberana”, isto é, apenas como querentes.”
132 Jacques le bonhomme [Jacó, o tonto]: assim os camponeses eram depreciativamente chamados pelos nobres franceses (e Marx alcunha Max Stiner depreciativamente).
267 Segundo o Fausto, 1ª parte, 2ª cena, em que Goethe escreve: “Lei e direito se perpetuam como uma doença eterna”.
268 Mais antigo jornal berlinense, representava os interesses da burguesia liberal.


“Os mesmos ideólogos que puderam imaginar que direito, lei, Estado etc. se originaram de um conceito geral, tal como, em última instância, do conceito do homem, e que teriam sido desdobrados por causa desse conceito, é natural que os mesmos ideólogos possam imaginar também que os crimes sejam cometidos por pura petulância contra um conceito, que os crimes em termos gerais não sejam nada mais que zombaria contra conceitos e que só seriam punidos para proporcionar satisfação aos conceitos violados. (...) Na história do direito, pode-se constatar que, nas épocas mais antigas e rudimentares, essas condições individuais e factuais constituíam exatamente, em sua forma mais crassa, o direito. Com o desenvolvimento da sociedade burguesa, ou seja, com a evolução dos interesses pessoais em interesses de classe, as relações jurídicas se modificaram e civilizaram a sua expressão. Não foram mais concebidas como individuais, mas como universais. Ao mesmo tempo, a divisão do trabalho transferiu para as mãos de poucos a conservação dos interesses conflitantes dos indivíduos singulares, o que provocou também o desaparecimento da imposição bárbara do direito. (...)
O quanto as condições jurídicas estão associadas ao desenvolvimento desses poderes efetivos, desenvolvimento originado da divisão do trabalho, é fato que pode ser reconhecido já a partir da evolução histórica do poder dos tribunais e da lamúria dos feudalistas em reação à evolução do direito. (Ver, por exemplo, Monteil, loc. cit. , XIVe, XVe siècle.278) Exatamente na época entre o domínio da aristocracia e o da burguesia, quando colidiram os interesses de duas classes, quando o intercâmbio comercial entre as nações europeias começou a ganhar importância e, em consequência, a própria relação internacional assumiu um caráter burguês, o poder dos tribunais começou a ter mais relevância, chegando ao seu ápice sob o domínio burguês, para o qual essa divisão consumada do trabalho é incontornavelmente necessária. É totalmente indiferente o que os servos da divisão do trabalho, os juízes, e até mesmo os professores juris[1] imaginam sobre isso.”
278 Referência à obra Histoire des français des divers états ou histoire de France aux cinq derniers siècles (Paris, 1847, 10 v.), de Amans-Alexis Monteil.
[1] professores de ciência jurídica


“Trata-se do velho devaneio de que o Estado desmoronará por si mesmo assim que todos os seus membros saírem dele e de que o dinheiro perderá sua validade quando todos os trabalhadores se recusarem a recebê-lo. Já na forma hipotética dessa frase se expressa a fantastiquice e a impotência do desejo piedoso. Trata-se da velha ilusão de que depende unicamente da boa vontade das pessoas modificar as relações vigentes e de que as relações vigentes são ideias. A transformação da consciência, separadamente das relações, tal como é operada pelos filósofos como vocação, isto é, como negócio, é, ela própria, um produto das relações vigentes e delas faz parte. Esse idealizado soerguimento acima do mundo é a expressão ideológica da impotência dos filósofos diante do mundo. Suas fanfarronices ideológicas são desmentidas diariamente pela práxis.”


“Os homens não se libertaram, em cada época, na mesma medida de seu ideal de homem, mas sim de acordo com o que as forças produtivas existentes lhes prescreviam e permitiam. No entanto, todas as libertações que ocorreram até agora tiveram como base forças produtivas limitadas, cuja produção insuficiente para a totalidade da sociedade só possibilitava o desenvolvimento na medida em que uns satisfaziam suas necessidades à custa de outros e, assim, adquiriam – a minoria – o monopólio do desenvolvimento, enquanto os outros – a maioria –, devido à luta constante pela satisfação das necessidades mais essenciais (isto é, até a criação de forças produtivas novas, revolucionárias), viam-se excluídos de todo desenvolvimento. Assim, a sociedade, até hoje, desenvolveu-se sempre no quadro de um antagonismo que, na Antiguidade, se dava entre homens livres e escravos, na Idade Média entre a nobreza e os servos e que, nos tempos modernos, opõe a burguesia e o proletariado. É isto que explica, por um lado, a maneira anormal, “desumana”, pela qual a classe oprimida satisfaz suas necessidades, e, por outro lado, a limitação no interior da qual se desenvolve o intercâmbio e, com ele, toda a classe dominante; de modo que essa limitação do desenvolvimento consiste não apenas na exclusão de uma classe como também na estreiteza da classe excludente, e que o “inumano” se encontra igualmente na classe dominante.”


Os indivíduos, sempre e em todas as circunstâncias, “partiram de si mesmos”, mas como eles não eram únicos no sentido de não precisar estabelecer relações uns com os outros, e como suas necessidades – portanto, sua natureza – e o modo de satisfazer essas necessidades os conectavam uns aos outros (relação entre os sexos, troca, divisão do trabalho), então eles tiveram de estabelecer relações. Ademais, como eles não firmaram relações como puros Eus, mas como indivíduos num determinado estágio de desenvolvimento de suas forças produtivas e necessidades, e como essas relações, por seu turno, determinaram a produção e as necessidades, então foi justamente o comportamento pessoal – individual – dos indivíduos, seu comportamento uns em relação aos outros como indivíduos que criou as relações existentes e que diariamente volta a criá-las. Eles firmaram relações uns com os outros tal como eram; partiram “de si mesmos” tal como eram, indiferentemente de qual “visão de vida” possuíam. Essa “visão de vida”, mesmo a visão estrábica dos filósofos, naturalmente só podia ser determinada por sua vida real. Daí se segue, certamente, que o desenvolvimento de um indivíduo é condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros, com os quais ele se encontra em intercurso direto ou indireto, e que as diferentes gerações de indivíduos que entram em relações uns com os outros possuem uma conexão entre si, que a existência física das últimas gerações depende da existência de suas predecessoras, que essas últimas gerações, recebendo das anteriores as forças produtivas e as formas de intercâmbio que foram acumuladas, são por elas determinadas em suas próprias relações mútuas. Em poucas palavras, é evidente que um desenvolvimento sucede e que a história de um indivíduo singular não pode ser de modo algum apartada da história dos indivíduos precedentes e contemporâneos, mas sim é determinada por ela.”


“A transformação do comportamento individual no seu contrário, num comportamento meramente relativo a coisas, a diferenciação de individualidade e casualidade por parte dos próprios indivíduos, é, como já indicamos, um processo histórico que, em diferentes estágios de desenvolvimento, assume formas cada vez mais agudas e universais. Na época presente, o domínio das relações materiais sobre os indivíduos, o esmagamento da individualidade pela casualidade, atingiu sua forma mais aguda e universal e, com isso, designou aos indivíduos existentes uma missão bem determinada. Ele deu aos indivíduos a missão de, no lugar do domínio das relações dadas e da casualidade sobre os indivíduos, instaurar o domínio dos indivíduos sobre a casualidade e sobre as relações dadas. Ele não colocou a exigência, como Sancho* o imagina, de que “Eu Me desenvolva” – o que todo indivíduo fez até aqui sem precisar do bom conselho de Sancho – mas sim exigiu, antes, que o indivíduo venha a se libertar de uma forma de desenvolvimento bem determinada. Essa missão, posta pelas atuais relações, coincide com a missão de organizar a sociedade de forma comunista.
Já mostramos acima que a superação da autonomização das relações em face dos indivíduos, da sujeição da individualidade sob a casualidade, da subsunção de suas relações pessoais a relações gerais de classe etc. é condicionada, em última instância, pela superação da divisão do trabalho. Também mostramos, além disso, que a propriedade privada só pode ser superada sob a condição de um desenvolvimento universal dos indivíduos, pois universal são o intercâmbio e as forças produtivas que eles encontram dados e que só podem ser apropriados por indivíduos universalmente desenvolvidos, isto é, feitos para o livre manejo de suas vidas. Mostramos que os indivíduos atuais têm de superar a propriedade privada porque as forças produtivas e as formas de intercâmbio se desenvolveram a tal ponto que, sob o domínio da propriedade privada, se transformaram em forças destrutivas e porque a oposição entre as classes foi levada ao seu ponto máximo. Por fim, mostramos que a superação da propriedade privada e da própria divisão do trabalho é a organização dos indivíduos sobre a base dada pelas atuais forças produtivas e pelo atual intercâmbio mundial.
No interior da sociedade comunista, da única sociedade na qual o desenvolvimento original e livre dos indivíduos não é uma fraseologia, esse desenvolvimento é determinado justamente pela conexão entre os indivíduos, uma conexão que em parte consiste em pressupostos econômicos, em parte na solidariedade necessária ao livre desenvolvimento de todos, e, finalmente, no modo de atuação universal dos indivíduos sobre a base das forças produtivas existentes. Trata-se aqui, portanto, de indivíduos num determinado estágio histórico de desenvolvimento, e de forma alguma de quaisquer indivíduos fortuitos, mesmo sem levar em conta a necessária revolução comunista, que é, ela própria, uma condição geral para o seu livre desenvolvimento.”
*: Referência jocosa a Max Stiner.


Para os filósofos, uma das tarefas mais difíceis que há é a de descer do mundo do pensamento para o mundo real. A realidade imediata do pensamento é a linguagem. Assim como os filósofos autonomizaram o pensamento, também tiveram de autonomizar a linguagem num reino próprio. Este é o segredo da linguagem filosófica, na qual os pensamentos, como palavras, possuem um conteúdo próprio. O problema de descer do mundo dos pensamentos para o mundo real se converte no problema de descer da linguagem para a vida.
Mostramos que a autonomização dos pensamentos e das ideias é uma consequência da autonomização das condições e relações pessoais dos indivíduos. Mostramos que a ocupação sistemática exclusiva com esses pensamentos por parte dos ideólogos e filósofos e, desse modo, a sistematização desses pensamentos é uma consequência da divisão do trabalho e que, principalmente, a filosofia alemã é uma consequência das condições pequeno-burguesas alemãs. Os filósofos teriam somente de dissolver sua linguagem na linguagem comum, da qual ela foi abstraída, para reconhecer que ela é a linguagem deturpada do mundo real e dar-se conta de que nem os pensamentos nem a linguagem constituem um reino próprio; que eles são apenas manifestações da vida real.”


A estreiteza nacionalista é repulsiva onde quer que apareça, mas particularmente na Alemanha ela se torna asquerosa, porque aqui vem acompanhada da ilusão de se estar acima da nacionalidade e de todos os interesses reais, e nessa versão é lançada no rosto daquelas nacionalidades que admitem abertamente que sua estreiteza nacionalista está baseada em interesses reais.”


Até o momento, os homens sempre fizeram representações falsas de si mesmos, daquilo que eles são ou devem ser. Eles organizaram suas relações de acordo com suas representações de Deus, do homem normal e assim por diante. Os produtos de sua cabeça tornaram-se independentes. Eles, os criadores, curvaram-se diante de suas criaturas. Libertemo-los de suas quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais eles definham. Rebelemo-nos contra esse império dos pensamentos.”


“A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica.”


Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo.”

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