Editora: Nova Cultural
ISBN: 85-13-00214-3
Tradução e notas: José Cavalcante de Souza (O Banquete), Jorge Paleikat e João Cruz Costa (Fédon, Sofista e Político)
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 266
Sinopse: Os gregos antigos inventaram a democracia,
a noção de cidadania e foram os primeiros a sentir e expor a necessidade de
ultrapassar o terreno das meras opiniões, os ensinamentos dos mitos e as
crenças supersticiosas. Propuseram-se a atingir um conhecimento verdadeiro, um
saber efetivamente científico. Nessa busca, Platão, que cria sua Academia em
387 a.C. em Atenas, tem papel fundamental. Apura a dialética socrática para
torná-la apta a desenvolver um saber sistemático, capaz de se alçar do sensível
para o inteligível — o mundo das ideias. Sua influência, uma das mais profundas
da história do pensamento, ainda hoje encontra-se no horizonte de toda
investigação teórica.
NESTE VOLUME
O BANQUETE: Sócrates, Agatão,
Alcibíades e outros conversam a respeito do amor: Para Sócrates, o amor é um
meio de atingir a visão do princípio eterno de todas as coisas belas, o belo em
si.
FÉDON: Na prisão, à espera da
cicuta, Sócrates debate sobre a morte. O diálogo relata o caminho socrático,
retomado e desenvolvido por Platão: o conhecimento como reminiscência e a
doutrina das ideias.
SOFISTA: A oposição
verdade-erro, inerente ao combate socrático-platônico aos sofistas (vistos como
mercadores de falsidades) renova-se nessa etapa final do platonismo.
POLÍTICO: Platão retoma um dos
temas centrais de sua reflexão filosófica: a caracterização do político e da
arte de governar.
“— A construção do
conhecimento constitui, assim, no platonismo, uma conjugação de intelecto e emoção,
de razão e vontade: a episteme é fruto de inteligência e de amor.”
(Introdução – consultoria José Américo Motta Pessanha)
“— Eu, aliás, quando
sobre filosofia digo eu mesmo algumas palavras ou as ouço de outro, afora o proveito
que creio tirar, alegro-me ao extremo; quando, porém, se trata de outros assuntos,
sobretudo dos vossos, de homens ricos e negociantes, a mim mesmo me irrito e de
vós me apiedo, os meus companheiros, que pensais fazer algo quando nada fazeis.
Talvez também vós me considereis infeliz, e creio que é verdade o que presumis;
eu, todavia, quanto a vós, não presumo, mas bem sei.”
(O Banquete)
“— A quem, com efeito,
tenha considerado que se diz ser mais belo amar claramente que às ocultas, e sobretudo
os mais nobres e os melhores, embora mais feios que outros; que por outro lado o
encorajamento dado por todos aos amantes é extraordinário e não como se estivesse
a fazer algum ato feio, e se fez ele uma conquista parece belo o seu ato, se não,
parece feio; e ainda, que em sua tentativa de conquista deu a lei ao amante a possibilidade
de ser louvado na prática de atos extravagantes, os quais se alguém ousasse cometer
em vista de qualquer outro objetivo e procurando fazer qualquer outra coisa fora
isso, colheria as maiores censuras da filosofia — pois se, querendo de uma pessoa
ou obter dinheiro ou assumir um comando ou conseguir qualquer outro poder, consentisse
alguém em fazer justamente o que fazem os amantes para com os amados, fazendo em
seus pedidos súplicas e prosternações, e em suas juras protestando deitar-se às
portas, e dispondo-se a subserviências a que se não sujeitaria nenhum servo, seria
impedido de agir desse modo, tanto pelos amigos como pelos inimigos, uns incriminando-o
de adulação e indignidade, outros admoestando-o e envergonhando-se de tais atos
— ao amante porém que faça tudo isso acresce-lhe a graça, e lhe é dado pela lei
que ele o faça sem descrédito, como se estivesse praticando uma ação belíssima;
e o mais estranho é que, como diz o povo, quando ele jura, só ele tem o perdão dos
deuses se perjurar, pois juramento de amor dizem que não é juramento, e assim tanto
os deuses como os homens deram toda liberdade ao amante.”
(O Banquete)
“— O que há porém é,
a meu ver, o seguinte: não é isso uma coisa simples, o que justamente se disse desde
o começo, que não é em si e por si nem belo nem feio, mas se decentemente praticado
é belo, se indecentemente, feio. Ora, é indecentemente quando é a um mau e de modo
mau que se aquiesce, e decentemente quando é a um bom e de um modo bom. E é mau
aquele amante popular, que ama o corpo mais que a alma; pois não é ele constante,
por amar um objeto que também não é constante.”
(O Banquete)
“— A quem tem juízo,
poucos sensatos são mais temíveis que uma multidão insensata!”
(O Banquete)
“— Ao Amor nem Ares
se lhe opõe.”
(Sófocles – cit. O Banquete)
“— Quando nasceu Afrodite,
banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência,
Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e
ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar — pois vinho ainda não havia
— penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua
falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe
o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu
natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite
é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que
ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo,
como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e
sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza
da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso
com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre
a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda
a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal,
e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita,
graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece
o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância.
Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio — pois já é
—, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam
ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar,
quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não
deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.”
(O Banquete)
“— Depois de sofrer
é que o tolo aprende”.
(Hesíodo, Trabalhos e Dias – Cit. O Banquete)
“— Durante todo o tempo
em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má, jamais
possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é, como dizíamos,
a verdade. Não somente mil e uma confusões nos são efetivamente suscitadas pelo
corpo quando clamam as necessidades da vida, mas ainda somos acometidos pelas doenças
— e eis-nos às voltas com novos entraves em nossa caça ao verdadeiro real! O corpo
de tal modo nos inunda de amores, paixões, temores, imaginações de toda sorte, enfim,
uma infinidade de bagatelas, que por seu intermédio (sim, verdadeiramente é o que
se diz) não recebemos na verdade nenhum pensamento sensato; não, nem uma vez sequer!
Vede, pelo contrário, o que ele nos dá: nada como o corpo e suas concupiscências
para provocar o aparecimento de guerras, dissenções, batalhas; com efeito, na posse
de bens é que reside a origem de todas as guerras, e, se somos irresistivelmente
impelidos a amontoar bens, fazemo-lo por causa do corpo, de quem somos míseros escravos!
Por culpa sua ainda, e por causa de tudo isso, temos preguiça de filosofar. Mas
o cúmulo dos cúmulos está em que, quando conseguimos de seu lado obter alguma tranquilidade,
para voltar-nos então ao estudo de um objeto qualquer de reflexão, súbito nossos
pensamentos são de novo agitados em todos os sentidos por esse intrujão que nos
ensurdece, tonteia e desorganiza, ao ponto de tornar-nos incapazes de conhecer a
verdade. Inversamente, obtivemos a prova de que, se alguma vez quisermos conhecer
puramente os seres em si, ser-nos-á necessário separar-nos dele e encarar por intermédio
da alma em si mesma os entes em si mesmos. Só então é que, segundo me parece, nos
há de pertencer aquilo de que nos declaramos amantes: a sabedoria. Sim, quando estivermos
mortos, tal como o indica o argumento, e não durante nossa vida! Se, com efeito,
é impossível, enquanto perdura a união com o corpo, obter qualquer conhecimento
puro, então de duas uma: ou jamais nos será possível conseguir de nenhum modo a
sabedoria, ou a conseguiremos apenas quando estivermos mortos, porque nesse momento
a alma, separada do corpo, existirá em si mesma e por si mesma — mas nunca antes.
Além disso, por todo o tempo que durar nossa vida, estaremos mais próximos do saber,
parece-me, quando nos afastarmos o mais possível da sociedade e união com o corpo,
salvo em situações de necessidade premente, quando, sobretudo, não estivermos mais
contaminados por sua natureza, mas, pelo contrário, nos acharmos puros de seu contato,
e assim até o dia em que o próprio Deus houver desfeito esses laços. E quando dessa
maneira atingirmos a pureza, pois que então teremos sido separados da demência do
corpo, deveremos mui verossimilmente ficar unidos a seres parecidos conosco; e pôr
nós mesmos conheceremos sem mistura alguma tudo o que é. E nisso, provavelmente,
é que há de consistir a verdade. Com efeito, é lícito admitir que não seja permitido
apossar-se do que é puro, quando não se é puro! Tais devem ser necessariamente,
segundo creio, meu caro Símias, as palavras e os juízos que proferirá todo aquele
que, no correto sentido da palavra, for um amigo do saber.”
(Fédon)
“— É uma coisa bem
conhecida dos amigos do saber, que sua alma, quando foi tomada sob os cuidados da
filosofia, se encontrava completamente acorrentada a um corpo e como que colada
a ele; que o corpo constituía para a alma uma espécie de prisão, através da qual
ela devia forçosamente encarar as realidades, ao invés de fazê-lo por seus próprios
meios e através de si mesma; que, enfim, ela estava submersa numa ignorância absoluta.
E o que é maravilhoso nesta prisão, a filosofia bem o percebeu, é que ela é obra
do desejo, e quem concorre para apertar ainda mais as suas cadeias é a própria pessoa!
Assim, digo, o que os amigos do saber não ignoram é que, uma vez tomadas sob seus
cuidados as almas cujas condições são estas, a filosofia entra com doçura a explicar-lhes
as suas razões, a libertá-las, mostrando-lhes para isso de quantas ilusões está
inçado o estudo que é feito por intermédio dos olhos, tanto como o que se faz pelo
ouvido e pelos outros sentidos; persuadindo-as ainda a que se livrem deles, a que
evitem deles servir-se, pelo menos quando não houver imperiosa necessidade; recomendo-lhes
que se concentrem e se voltem para si, não confiando em nada mais do que em si mesmas,
qualquer que seja o objeto de seu pensamento. Que não creiam enfim senão no próprio
testemunho desde que tenham examinado bem o que cada coisa é na sua essência e que
se persuadam de que as coisas que são examinadas por meio de um intermediário qualquer
nada possuem de verdadeiro, e pertencem ao gênero do sensível e do visível enquanto
que o que elas veem pelos seus próprios meios é inteligível e, ao mesmo tempo, invisível!
Contra essa libertação
a alma do verdadeiro filósofo persuade-se de que não se deve opor, e por isso se
afasta tanto quanto possível dos prazeres, assim como dos desejos, dos incômodos
e dos terrores. Ela sabe com efeito que, quando sentimos com intensidade um prazer,
um incômodo, um terror ou um desejo, por maior que seja o mal que possamos sofrer
nesse momento, entre todos os que se podem imaginar — cair doente, por exemplo,
ou arruinar-se por causa de suas paixões — ela sabe que não há nenhum desses males
que não seja ultrapassado por aquele que é o mal supremo; é deste mal que sofremos,
e não o notamos!
— E que mal é esse,
Sócrates?
— É que em toda alma
humana, forçosamente, a intensidade do prazer ou do sofrimento, a propósito disto
ou daquilo, se faz acompanhar da crença de que o objeto dessa emoção é tudo o que
há de mais real e verdadeiro, embora tal não aconteça. Esse é o efeito de todas
as coisas visíveis, não é?
— Efetivamente.
— E não é em tais afetos
que no mais alto grau a alma fica sujeita às cadeias do corpo?
— De que modo, dize?
— Assim: todo prazer
e todo sofrimento possuem uma espécie de cravo com o qual pregam a alma ao corpo,
fazendo, assim, com que ela se torne material e passe a julgar da verdade das coisas
conforme as indicações do corpo. E pelo fato de se conformar a alma ao corpo em
seus juízos e comprazer-se nos mesmos objetos, necessariamente deve produzir-se
em ambos, segundo penso, uma conformidade de tendências assim como também uma conformidade
de hábitos; e sua condição é tal que, em consequência, ela jamais atinge o Hades
em estado de pureza, mas sempre contaminada pelo corpo de que sai; o resultado é
que logo recai num outro corpo, onde de certa forma se planta e deita raízes. E
por força disso fica desprovida de todo direito a participar da existência do que
é divino e, portanto, puro e único em sua forma.”
(Fédon)
“— Eis como, sem dúvida,
refletirá uma alma de filósofo: ela não irá pensar que, sendo o trabalho da filosofia
libertá-la, o seu possa ser, enquanto a filosofia a liberta, o de se entregar voluntariamente
às solicitações dos prazeres e dos sofrimentos, para tornar a colocar-se nas cadeias,
nem o de realizar o labor sem fim duma Penélope* que trabalhasse de maneira contrária
àquela com que trabalhou aquela. Não! ela acalma as paixões, liga-se aos passos
do raciocínio e sempre está presente nele; toma o verdadeiro, o divino, o que escapa
à opinião, por espetáculo e também por alimento, firmemente convencida de que assim
deve viver enquanto durar sua vida, e que deverá, além disso, após o fim desta existência,
ir-se para o que lhe é aparentado e semelhante, desembaraçando-se destarte da humana
miséria! Tendo sido esse o seu alimento, não há recear que ela tenha medo, nem —
porquanto foi precisamente nisso, Símias e Cebes, que ela se exercitou — que tema
vir a decompor-se no momento em que se separar do corpo, ou ser dispersada ao sopro
dos ventos, ou dissipar-se em fumo e, uma vez dissolvida, não ser mais nada em nenhuma
parte!”
*: Penélope:
esposa de Ulisses, figura da Odisseia. Na ausência de seu marido, perseguida por
muitos pretendentes que desejavam com ela casar, Penélope prometeu desposar um
deles quando houvesse acabado de tecer um pano em que estava trabalhando. Mas
desfazia durante a noite a parte que tecera de dia, de modo que jamais concluiu
o trabalho, nem casou com nenhum pretendente. (N. do T.)
(Fédon)
“— Deve permanecer
confiante sobre o destino de sua alma o homem que durante sua vida desprezou os
prazeres do corpo e os ornamentos deste, principalmente, pois são, a seu ver, coisas
estranhas e nocivas. O homem que, ao contrário, se dedicou aos prazeres que têm
a instrução por objeto, e que dessa forma ornou sua alma, não com adornos estranhos
e nocivos, mas com o que é propriamente seu e mais lhe convém, com a temperança,
a justiça, a coragem, a liberdade, a verdade — esse aguarda confiante e corajoso
o momento de por-se a caminho do Hades, quando seu destino o chamar!”
(Fédon)
“— Creio, pelo menos,
distinguir uma forma especial de ignorância, tão grande e tão rebelde que equivale
a todas as demais espécies: nada saber e crer que se sabe; temo que aí esteja a
causa de todos os erros aos quais o pensamento de todos nós está sujeito. E é precisamente
esta única espécie de ignorância que qualifica o nome de ignaro.”
(Sofista)
“— Toda ignorância
é involuntária, e aquele que se acredita sábio se recusará sempre a aprender qualquer
coisa de que se imagina esperto.”
(Sofista)
“— As pessoas de temperamento
moderado são, com efeito, circunspectas, justas, pouco propensas a se aventurarem,
mas falta a elas a agudeza e essa espontaneidade que é própria à ação. Os enérgicos,
por sua vez, têm menos respeito à justiça e à prudência; mas quando se trata de
agir possuem mais espontaneidade que ninguém. Assim, é impossível que tudo corra
bem nas cidades, para os particulares e para o Estado, se esses dois caracteres
não estiverem associados.”
(Político)
Um comentário:
Muito legal: “— Eu, aliás, quando sobre filosofia digo eu mesmo algumas palavras ou as ouço de outro, afora o proveito que creio tirar, alegro-me ao extremo; quando, porém, se trata de outros assuntos, sobretudo dos vossos, de homens ricos e negociantes, a mim mesmo me irrito e de vós me apiedo, os meus companheiros, que pensais fazer algo quando nada fazeis. Talvez também vós me considereis infeliz, e creio que é verdade o que presumis; eu, todavia, quanto a vós, não presumo, mas bem sei.”
Legal a estória do filho de Recurso e Pobreza.
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