Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-443-0265-1
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 216
“Existem muitas versões
que tentam explicar o início da filosofia. Esta é a explicação que acreditamos
ser a mais correta: as primeiras civilizações humanas surgiram no Oriente por
volta de 4500 a.C. e 3750 a.C., na região que conhecemos como Mesopotâmia. Uma
das explicações mais aceitas para esse fenômeno, ou seja, para a preferência
dos homens pela vida em grupos, cidades e civilizações, é a de que isso aumenta
as chances de sobrevivência. Repartir o trabalho faz com que o fardo de prover
os elementos necessários à vida e à sua preservação seja menos pesado. E assim,
quanto maior é uma civilização, mais formas ela terá de se proteger das
contingências e dos perigos que a ameaçam e a cercam.
Provavelmente, esse não
foi o único fator que fez com que os homens se reunissem para viver em
conjunto. Alguns filósofos acreditam que esse fenômeno não é um mero fator
contingente. Contingente porque, se as condições que a natureza e a vida impõem
fossem diferences, os homens não sentiriam a necessidade de viver em grupos.
Isso leva a crer que há outros fatores responsáveis por esse comportamento, o
comportamento resultante do desejo de viver em grandes grupos. Para esses
filósofos, o sentimento de reunir-se e viver em comunidades não se esgota
apenas na sensação de segurança que a vida em sociedade proporciona, ele é algo
maior. Na visão de Thomas Hobbes, por exemplo, a instituição da sociedade, apesar
de necessária, é artificial, pois, para ele, os homens não nascem aptos para a
sociedade, mas encontram nela um meio para obtenção de benefícios próprios
(Hobbes, Leviatã, 2006).
Um desses filósofos,
talvez (ainda que para nós esse “talvez” seja melhor expresso por um “sem
dúvida”) um dos mais proeminentes pensadores que já existiram – Aristóteles –, dizia
que a natureza humana apenas encontra a plena realização na pólis, ou seja, na
vida pública, em meio à sociedade. Assim, para Aristóteles (Ética a Nicômaco, 1940),
a reunião dos homens para viverem cm conjunto é um movimento natural.
Porém, a despeito dessa
discussão, um fato inegável é que a grande maioria de nós prefere viver em
conjunto a viver em total isolamento. Imagine, caro leitor, o quão difícil
seria a vida se a vivêssemos em total isolamento do outro, se não tivéssemos
ninguém com quem repartir e dividir as tarefas que as responsabilidades da
manutenção da vida nos impõem. Você, nessa situação, teria, por exemplo, de
conseguir a própria água, o próprio alimento, construir o próprio abrigo,
cuidar da própria proteção e, no caso de eventualidades médicas, teria de ter o
conhecimento necessário para prover o próprio remédio, na medida do possível
(lembre-se de que muitos medicamentos e tratamentos de que dispomos hoje foram
obtidos após décadas e décadas de pesquisa, com muitas pessoas envolvidas). Se
ainda não estiver convencido, aceite apenas o fato, de direito e incontestável,
de que nós vivemos em grupos, cidades, estados, países, civilizações, cada qual
com a própria língua, cultura, costumes e valores.
Mas é claro que temos os
dois lados dessa história, afinal, se por um lado obtemos inúmeras vantagens ao
viver em sociedade e nos livramos de uma série imensa de dificuldades que a
condição humana em estado de natureza nos impõe, por outro, adquirimos um
conjunto de problemas de proporções e magnitudes comparáveis. Precisamos lidar
com doenças, muitas vezes causadas pelo acúmulo e pelo mau tratamento do lixo e
dos dejetos produzidos por nós. Se, por um lado, quanto maior é a civilização,
mais facilidades (teoricamente) e mais poder o grupo possui, por outro lado, o
problema gerado também é muito maior.
Pense na produção de
alimento como exemplo. Nesse caso, quanto maior é o grupo, mais difícil é
alimentar a todos. É preciso plantar, cultivar, dividir o terreno, pensar em
métodos artificiais satisfatórios de irrigação. Assim, torna-se essencial calcular
uma série de elementos e situações, caso contrário, a vida em sociedade entra
em colapso. Por isso, é necessária a introdução de métodos de cálculo e
raciocínio apurados para desenvolver a mecânica e a engenharia necessárias para
tais fins. E assim surgiu a matemática.
A matemática foi uma das
primeiras disciplinas do conhecimento humano, uma das primeiras formas
organizadas e sistemáticas de lidar com um conjunto de problemas de inúmeras
ordens, como o registro da divisão do tempo, dos dias, das estações (com a
aritmética básica) e de elementos mais complexos, como o movimento dos astros e
as relações entre as figuras geométricas com a geometria. Mas o mais
impressionante é que uma das primeiras, se não a primeira disciplina do
conhecimento humano, a primeira forma sistemática de obtenção de conhecimento
tem o poder e a capacidade de obter conhecimento com um grau tão elevado de
certeza.
Compare a matemática com
as outras disciplinas do conheci mento humano, que por séculos e séculos
tiveram, a cada tentativa, de estabelecer resultados mais sólidos, voltar às
bases e reconsiderar os próprios fundamentos. Só nos tempos mais recentes é que
algumas delas puderam alcançar, de modo incontestável, o título de ciência.
Isso só aconteceu quando os resultados puderam ser tomados de modo seguro,
passando pelo crivo rigoroso de metodologias bem definidas. Não foi à toa que
Immanuel Kant (1724-1804) escreveu no segundo prefácio de Crítica da razão pura: “desde os tempos mais remotos que
a história da razão pode alcançar, com o admirável povo grego, a matemática
encetou o caminho seguro de uma ciência, (...) no qual não podia haver engano”
(Kant,
2001, p. 48).
E aqui começa nosso ponto
de interesse. Assim como a explicação do início e da natureza das civilizações
humanas, a explicação do que motiva a busca por conhecimento também tem uma
dupla atribuição ou dupla influência nos homens. De um lado, há influências que
motivam a busca por conhecimento seguro; de outro, há uma incontrolável
curiosidade. A segurança advém da necessidade imposta pelo mundo e das
dificuldades para a manutenção da vida, principalmente da vida em sociedade,
que geralmente exige de nós uma compreensão mais elaborada e um domínio maior
da natureza. Já a curiosidade se caracteriza de forma mais pura que as ações
intelectuais que se submetem às exigências impostas pela condição humana: ela
parte da natureza do homem, que consiste em pura indagação.
Contudo, o que é unívoco
é que, se temos um problema, um dilema ou um paradoxo em mãos, o que buscamos,
sem dúvida, é uma resposta segura a esse problema, dilema ou paradoxo. Uma
resposta ou uma solução que possua um estatuto ou uma justificação tal que não
seja meramente provisória, mas que seja definitiva e segura. E a isso chamamos
de conhecimento – algo que seja
irrevogável, que, quando estabelecido, entre em acordo com os outros conhecimentos
obtidos anteriormente, não gerando contradições.
A matemática alcançou
esse patamar logo em seus primeiros desenvolvimentos. Embora tenha surgido em
algumas regiões do Egito, foi com os gregos que ela assumiu um caráter
puramente técnico, rigoroso e sistemático, mediante a introdução dos métodos
dedutivos.
O sucesso com a teoria
dos números foi tal que lançou um valioso insight
entre os grandes pensadores da Antiguidade. Esse insight foi o de tentar reproduzir as condições rigorosas de
sistematicidade na obtenção de conhecimento. Já não se buscava mais um
conhecimento sobre relações numéricas entre dias e estações do ano, movimentos
celestes e figuras geométricas, mas havia questionamentos para a obtenção de
conhecimento sobre coisas mais abstratas, como: “O que é a Justiça?”, “O que é
o Bem?”, “O que é a Beleza?”, “O que é Deus?”, “O que é o conhecimento?” e
inúmeras outras perguntas que exigem respostas mais ou menos imediatas que
essas.
E assim surgiu a
filosofia, como um modo sistemático de tratar racionalmente, com o máximo de
rigor intelectual, os temas supracitados. O insight,
portanto, foi o de tratar os problemas da filosofia com o mesmo rigor lógico
com que a matemática era tratada, sob a expectativa de tentar obter resultados
tão seguros quanto os que ela obtinha.
No início, as questões
que desafiavam o intelecto humano eram de tal ordem que todas pertenciam a
algum ramo da filosofia. Mas por que as disciplinas estavam organizadas em
torno de um único eixo – a filosofia? Bem, no atual panorama da história do
pensamento sabemos que, basicamente, o que torna uma disciplina do conhecimento
humano uma ciência é o desenvolvimento e a introdução de uma metodologia
específica. Seria essa a maneira de destacar quando determinada proposição, ou
conjunto de proposições, é, de fato, conhecimento ou não.
Naquela época, no
entanto, o que fazia com que as disciplinas fossem parte da filosofia era o
fato de ela ser a única forma disponível ao homem para lidar com os problemas
existentes de modo mais rigoroso, ou seja, de forma racional, sem apelar a
mitos ou explicações muito vagas; ou, ainda, era a filosofia que fazia com que
os problemas existentes pudessem ser tratados de forma lógica, evitando
contradições e inconsistências nas explicações. Para se ter ideia, até pouco
tempo, a física ainda era tratada como um ramo da filosofia. Isaac Newton deu a
isso o título de Princípios Matemáticos
da Filosofia Natural (Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica). A psicologia também sofreu esse processo
no último século e, mais recentemente, a linguística passa por ele.
A Filosofia consiste em
uma disciplina do conhecimento humano que lida com questões de fundamento, com
conceitos cuja clarificação não pode ser feita dentro de um laboratório de
maneira mais empírica. Muitas dessas questões dizem respeito ao tratamento de certos
conceitos, cuja investigação seria impossível de qualquer outra forma. É
basicamente a isso que se deve a importância do uso das ferramentas da lógica e
da matemática na sistematização e na clarificação dos conceitos filosóficos.
Percebemos que a racionalidade
do discurso filosófico reside no emprego de técnicas formais de definição e
análise desses conceitos, no sentido de tentar solucionar os problemas e os
paradoxos que se impõem e constrangem tanto o intelecto humano. Dessa forma, os
elementos mínimos necessários exigidos para um discurso racional são a
consistência e a validade – ou seja, tudo aquilo que falamos, pensamos e
escrevemos, seja sobre fatos e eventos ordinários do dia a dia, seja sobre
teorias e justificações complexas dos mais diversos âmbitos da realidade que a
ciência e a filosofia abrangem, não pode nem implicar uma contradição nem ser
inválido. Normalmente, dizemos que um sujeito é racional se ele tem consciência
das implicações materiais e morais das próprias ações.”
“A teoria ortodoxa da
referência, também conhecida como teoria
descritivista da referência, consiste
na doutrina de acordo com a qual nomes próprios são sinônimos de descrições
definidas. Foi defendida por autores como Frege, Russell, Strawson e John
Searle, que buscaram explicitar que o significado de um nome é o mesmo que o
significado de uma ou mais descrições definidas. (...)
Quando falamos conteúdo, queremos dizer o significado
por ele mesmo, a entidade correspondente, a característica que duas expressões
podem apresentar ao ter o mesmo significado. Desse modo, quando empregamos um
nome como Aristóteles, por exemplo, o
descritivismo implica que esse uso e a comunicação do objeto referido só são
possíveis se houver uma descrição definida associada ao nome pelo falante e
pelo ouvinte.
Outra consequência do
descritivismo é que a referência do nome depende da descrição associada. Assim,
se associamos a descrição “o mestre de Alexandre, o Grande”, a referência de “Aristóteles”
será aquele indivíduo que unicamente satisfaz a descrição definida. Não importa
quem seja, o nome “Aristóteles” rastreará aquele indivíduo que é o mestre de
Alexandre, o Grande, ou seja, aquele único indivíduo que satisfaz os conceitos
expressos pela descrição.
É basicamente esse o
mecanismo de referência entre os nomes comuns ou ordinários e os objetos que
eles nomeiam. Nomes como Cícero só
referem por meio de certas condições, assim como a referência de “Cícero” só é assim considerada se
satisfizer as condições associadas ao nome.”
“A perspectiva
universalista da linguagem, defendida pelos autores clássicos apresentados até
aqui, como Frege, Russell, Strawson e ainda outros que não mencionamos, como
Chomsky, defende uma visão sistemática da linguagem ou ainda uma visão
axiomática. A noção de axioma está relacionada a sistemas lógicos e a modelos
matemáticos. Essa visão toma que é possível, pelo menos em tese, representar a
linguagem humana mediante de princípios universais que podem ser descritos por
meio das leis da lógica e da matemática.
Axiomas são os primeiros
princípios de qualquer sistema; um sistema, por sua vez, consiste em um
conjunto de expressões e regras que determinam como combinar essas expressões.
Assim, a visão universalista da linguagem, defendida por autores como Chomsky (Sobre natureza e linguagem, 2006),
assevera que a linguagem humana é um sistema que se manifesta de inúmeras
formas em diversos lugares e culturas, mas sempre com as mesmas
características, que podem ser isoladas e representadas lógico-matematicamente.
A visão tradicional (ou, ainda, universal) da linguagem aponta que a linguagem
consiste em um conjunto de elementos que se encontram em qualquer manifestação
linguística humana. Em outras palavras, toda língua, seja o português, o
inglês, o japonês ou o alemão, possui semelhanças sintáticas profundas, com
base nas quais é possível traçar aspectos essenciais que constituem cada uma
delas. Em suma, para a abordagem
universalista (como chamaremos daqui para frente), a linguagem possui uma
essência e todas as manifestações linguísticas carregam esses traços essenciais
consigo.
A visão pragmática sobre
a linguagem e o significado diz respeito a um modo de compreender aspectos da
fala e da comunicação sem levar em consideração elementos que permitem uma
definição necessária e universal desses fenômenos. As semelhanças entre as
diversas manifestações linguísticas e as diferentes línguas ao redor do mundo
são explicadas não em termos de condições necessárias e suficientes que as
constituem, mas naquilo que Wittgenstein chama de semelhanças de família.
Nesse sentido, a
abordagem pragmática da linguagem critica, entre outras coisas, a visão
referencialista do significado — são aquilo que as expressões linguísticas
designam, são a sua referência. Dessa forma, qualquer linguagem, até mesmo a
linguagem matemática da aritmética, trata não apenas das relações entre os
símbolos, mas sim daquilo que os símbolos substituem.”
“Outro elemento
importante em um curso de filosofia é a distinção entre moral e ética. É
importante separar bem esses dois conceitos para evitar confusões conceituais. Moral diz respeito a sistemas
particulares de conduta, como a moral judaica, a moral cristã, a moral
islâmica. Já a ética diz respeito às
ações. Dizemos que alguém é moral se ele segue algum sistema de conduta
específico, como os mencionados. Em suma, dizemos que uma pessoa é moral ou
não. Em relação à ética, dizemos que as ações de uma pessoa são éticas ou não.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário