quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Lógica para pedestres – Erickson C. dos Santos

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-8972-090-7
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 200
Sinopse: Para se familiarizar com uma ciência tão antiga quanto a lógica, é preciso percorrer um longo caminho de estudos. Contudo, não se deve ter pressa para avançar nos conteúdos. Nesse trajeto, os primeiros passos são fundamentais. Esta obra pode servir como um guia, proporcionando o esclarecimento de conceitos e teorias elementares da lógica e conduzindo o leitor pelas diferentes vias dessa caminhada. E então, o conhecimento adquirido servirá de base para a construção de ideias que ultrapassam a opinião.



“Uma busca incansável que fazemos quando estudamos lógica é a da precisão. Os raciocínios lógicos são exercícios para um pensamento correto, diretrizes de como o discurso mais claro e mais adequado pode ser realizado. Tudo deve estar de acordo com algumas regras estabelecidas por pessoas que se debruçaram para resolver imprecisões no discurso e, se possível, evitar falhas que eventualmente aparecem quando se apresentam argumentos. Também vale observar que, muitas vezes, a ambiguidade está presente nos debates de todos os tipos, ou seja, estão permeados de duplo sentido. No caso da imprecisão, devemos entender que o que foi dito não é possível determinar. Esses conceitos e outros são importantes para aceitarmos que raciocínios lógicos bem conduzidos não são adorno na aquisição do conhecimento de qualidade, mas constituem uma necessidade real para sermos entendidos sempre que nos fazemos representar pelo discurso escrito ou oral.”


“Todos os homens, por natureza, tendem ao saber” (Aristóteles, Metafísica, 2005, p, 3). Essa proposição indica a principal preocupação do filósofo: um desejo, uma força que nos leva a buscar o conhecimento. (...)
O ramo do conhecimento inaugurado de maneira mais formal por Aristóteles trata da demonstração (formalização da linguagem) das condições em que se apresentam as premissas verdadeiras e os argumentos válidos.”


“A importância da lógica para eles pode ser conferida em uma metáfora que Diógenes Laércio citou: “Os estoicos assemelham a filosofia a um animal, comparam a lógica aos ossos e aos tendões, a ética à carne e a física à alma. Ou então comparam-na a um ovo: a lógica é a parte mais exterior, mais para o interior é a ética e a parte mais interior é a física” (Kneale; Kneale, O desenvolvimento da lógica, 1991, p. 142).”


“Os preceitos da lógica cartesiana assinalavam um confronto com a teoria aristotélica da demonstração.
Descartes vinculava o caráter incontroverso de um raciocínio não a relações entre as formas das premissas e das conclusões — a composição das premissas e conclusões a partir da correta combinação de sujeitos e predicados — mas ao impacto que as proposições exercem sobre um espírito que se aperfeiçoou o suficiente para alcançar níveis ideais de atenção e assentimento. (Sorell, Descartes, 2004, p. 60)”


“A dedução é o tipo de raciocínio que traz certa segurança aos lógicos e, por sua vez, é a maneira mais correta de inferir. Os raciocínios do tipo dedutivo são mais comuns em análises lógicas rigorosas, como o citado. Além do uso em matemática — que busca constantemente a dedução como fonte de justificação dos raciocínios feitos nas passagens de cálculos realizados para se chegar a um resultado tido como mais correto, verdadeiro etc. — esse tipo de raciocínio também aparece em filosofia, pois o que se almeja na argumentação filosófica é o melhor argumento.
Assim, os filósofos aspiram em suas obras a uma estrutura textual que visa mostrar ao leitor como o tema que exploram deve ser investigado. Para isso, costumeiramente elaboram a temática de modo a ser entendida por certa pergunta e desenvolvem os textos na perspectiva de responder a ela. Isso é feito como se, do começo ao fim do texto, a questão debatida estivesse contida ali nos parágrafos, nas páginas de artigos ou mesmo em alguns volumes de livros que compõem as obras. Somente dessa forma as respostas às grandes questões podem ser contempladas pelo poder argumentativo que o conhecimento de tais obras pode proporcionar. Em resumo, qualquer texto que ambicione uma boa compreensão por parte do leitor deverá, necessariamente, ter uma boa estrutura que faça aquele que interage com o texto inferir de modo seguro do início ao fim da argumentação.
O que podemos discutir, então, é: Qual é o modo mais seguro de construir uma argumentação: dedução ou indução?
Sabemos que todo argumento é construído com a pretensão de que suas premissas ofereçam a verdade para a conclusão apresentada. O que podemos afirmar é que a dedução tem a característica de ser mais facilmente aceita como uma prova conclusiva. Por quê? Porque as premissas levam a concluir validamente. Por isso se diz que o raciocínio dedutivo é mais adequado para o tipo de robustez que a matemática busca. A geometria euclidiana, por exemplo, não enfrentou dificuldades para ser aceita pelos filósofos naturais no período moderno, Descartes, Espinosa, Hobbes e outros usaram o fato de que argumentos filosóficos podem ser validados com a lógica que apresentaram, segundo eles, dedutivamente. Thomas Hobbes, por exemplo, acreditava que a política tinha de ser construída com a precisão da geometria de Euclides, que tem uma característica extremamente dedutiva entre seus axiomas.
Em resumo, a dedução fornece a prova conclusiva em decorrência de suas premissas. Aliás, é importante ficar atento ao vocabulário: válido ou inválido. Usa-se essa terminologia no lugar de correto ou incorreto.
Por outro lado, temos os raciocínios indutivos como poderosa fonte de conhecimento, pois envolvem boa parte dos trabalhos científicos.
De modo geral, a ciência desenvolve principalmente os experimentos em função da indução — o que não quer dizer que seja algo menos confiável pelo fato de inferências indutivas apresentarem um caráter mais particular de suas A indução oferece algumas provas, um estudo de caso, o que confirma o caráter experimental da ciência, mas não disponibiliza meios para que seja criada a noção de crença verdadeira e justificada, como se concebe de forma clássica na epistemologia.
Ao contrário da inferência dedutiva, a indutiva apresenta alta chance de que seja verdadeira, mas tem a possibilidade de assim ser se as premissas forem verdadeiras. Ela também não é uma “prova” no sentido forte que a dedutiva pode ser considerada. Além disso, é possível avaliar de modo diferente a forma lógica que as inferências apresentam.
Todos os vegetais verdes são saudáveis.
O espinafre é um vegetal verde;
Logo, o espinafre é saudável.
Nessa inferência, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão também deverá ser verdadeira. Portanto, pode ser classificada como um tipo de raciocínio dedutivo.
Vejamos outro caso:
A maioria dos vegetais verdes é saudável.
O espinafre é um vegetal verde.
Logo, o espinafre é saudável.
Esse argumento terá grande chance* de ter uma conclusão verdadeira se as premissas o forem; portanto, pode ser classificado como indutivo. Além do mais, os argumentos indutivos presentam uma limitação nas suas premissas, que é a quantidade de casos observados. Geralmente, são poucos objetos ou entidades observados, o que quer dizer que se trata de situações particulares. No último exemplo, é possível perceber que o caso é de indução porque a premissa “A maioria dos vegetais verdes é saudável” indica que foram analisados alguns casos, mas não todos. Então, aqui entra outro item que compõe as inferências indutivas: elas são do tipo que mantém alguma relação com a observação, ou seja, com a empiria.
Isso não significa que, se a premissa tiver algo de empírico, deverá ser considerada nada confiável. Apenas o nível de confiabilidade na verdade da premissa é que deve mudar, ou seja, não existe uma prova, como no caso dedutivo, mas uma evidência de que há uma premissa presente na estrutura do argumento e de que sua verdade se situa no campo da possibilidade. A prova do raciocínio dedutivo deve ser vista como uma conclusão irrevogável, em certo sentido; no caso indutivo, trata-se de um argumento que ainda pode submeter a conclusão a uma análise posterior, pois não se trata de um tipo de verdade robusta, forte.
Essa é uma análise que se deve fazer em relação às críticas que muitas pessoas exercem sobre a ciência, principalmente filósofos e outros pensadores. A queixa é a de que a ciência “não prova coisa alguma!”.
Não é bem assim. É preciso entender a pretensão do discurso científico e seu objeto de estudo. De forma resumida, podemos afirmar aqui que estudar os objetos que compõem os fenômenos da natureza não implica chegar a uma ou várias conclusões que se mostram estáticas, absolutas, do ponto de vista de entendimento do fenômeno. De modo geral, a ciência apresenta suas teorias e seus experimentos como uma rota para a compreensão dos fenômenos.
A dedução por raciocínios que parte de premissas verdadeiras e, passo a passo, leva a uma conclusão sem algum tipo de dúvida é o que poderíamos chamar de discurso perfeito logicamente. Porém, isso é quase impossível de ser efetuado quando se percebe que o fundamento de tal argumento pode ser usado apenas para alguns casos. Esse, aliás, é o motivo pelo qual encontramos em grandes filósofos do passado (entre os modernos, por exemplo) grande desejo de construir sistemas filosóficos. Tais pensadores buscavam uma forma de revelar a verdade em todas as áreas que o conhecimento humano havia construído. Procuravam uma verdade completa em suas obras e queriam alcançá-la na teoria do conhecimento, na moral, na política, na estética e em outras áreas.
São várias as situações em que a certeza não pode ser atingida como se espera; portanto, o que se almeja é que todas as inferências sejam cuidadosamente avaliadas. Isso se deve ao caráter formal que a lógica tem como pretensão. Ao nos depararmos com um argumento, não basta usarmos uma regra que faça uma análise sobre a validade ou não dele; a verdade é um valor epistemológico que se busca comumente, apesar de não ser o principal objeto de estudo da lógica.
Desse modo, a principal distinção que a inferência dedutiva oferece em relação à indutiva está no grau de certeza. A primeira pode ser considerada uma prova porque sua conclusão atinge o ápice da racionalidade, ou seja, seria do tipo indubitável; a segunda, entretanto, carece de algo que possa fazê-la permanecer no estatuto de prova, por isso fica no campo da evidência.
Também é importante reconhecer que as inferências indutivas apontam para conclusões que excedem as possibilidades das premissas, ou seja, o conteúdo das premissas não oferece a legitimidade para se deduzir o resultado que se espera, como no caso das inferências dedutivas.
Há muitas formas de associar a análise da inferência indutiva com outros conceitos que podem ser usados para se obter conhecimento no campo da probabilidade, ou chances maiores de estar ali um tipo de conhecimento com algum nível de confiabilidade. Francis Bacon foi o primeiro a valorizar a inferência indutiva de modo a tomá-la como uma forma de raciocínio que inegavelmente produz conhecimento. A Figura 2.1 ilustra como a indução está relacionada com a experiência e como produz a generalização. De certa forma, a inferência indutiva é mais flexível que a dedutiva, se observada a pretensão do resultado, pois seu tipo de conclusão indica o “melhor” a ser aceito, segundo aquelas premissas.


Fonte: Adaptado de Kunzmann; Burkard; Wiedmann, Atlas de Filosofía, 2007, p. 94, tradução nossa).

As outras formas de inferência que merecem ser citadas são usadas para raciocínios diversos. São elas:
a) Inferência por enumeração: ocorre com base na observação, por isso a conclusão sobre todos os elementos de uma classe é inferida das premissas.
b) Inferência analógica: consiste em uma comparação entre dois objetos ou fenômenos que compartilham características comuns. Podemos comparar aquelas características relevantes entre ambos e concluir que, por analogia, o resultado é digno de determinada confiança. É possível fazer a inferência analógica entre indivíduos, quando, por exemplo, analisamos as semelhanças entre as pessoas da família e percebemos que aquela pequena criança tem mesmo os traços de outros parentes; podemos analisar uma posição de um jogo de xadrez e concluir que tal disposição das peças é semelhante à de outra partida jogada por outrem; um caso de doença pode guardar semelhança com outro, e a conclusão de que se trata de um caso quase igual permite que, por comparação, um médico use medicamentos semelhantes no tratamento etc.
c) Inferência estatística: busca-se a generalização por meio de padrões apresentados por certa quantidade de dados geralmente oferecidos em gráficos e tabelas. Esse método é bastante usual hoje para formar opinião quando se trata de resolver problemas que precisam de uma solução e a maioria deve votar ou optar pelo convencimento que os dados estatísticos produzem. Não é um tipo de raciocínio comum aos textos de filosofia, mas é muito divulgado pelos meios de comunicação, porque passam a imagem de que a quantidade pode levar os indivíduos a se decidirem pelos aspectos mostrados estatisticamente. De certo modo, trata-se de um tipo de correlação e não há uma conclusão absoluta; o que os dados estatísticos podem mostrar depende de uma interpretação, portanto podem ser avaliados de diversas formas**. Nesse caso, a regularidade constitui uma variável muito importante para atacar o problema e interpretá-lo estatisticamente.
d) Inferência causal: fundamenta-se no conhecimento de causas e efeitos e pode ser encontrada em diversas áreas, pois o conhecimento causal é uma forma de buscar conhecimento e confirmá-lo desde os primórdios da filosofia. A ciência a usa sempre que se pergunta como determinado fenómeno pode acontecer. Para David Hume, filósofo escocês do século XVIII, a inferência causal é a base do conhecimento humano. Uma doença, por exemplo, pode ser curada quando se investiga que seus efeitos podem ser observados e se tenta atuar sobre eles com medicamentos específicos. Assim, nesse caso, o medicamento pode ser a causa da cura de determinada doença.
Para finalizarmos, devemos ressaltar que as inferências indutivas são de grande importância para o avanço do conhecimento. Reconhecê-las como poderosas ferramentas para a investigação é uma justa medida quando se pretende avançar em direção às formas diferentes de conhecer objetos da natureza ou mesmo a natureza humana.”
[*: O termo chance (de um acontecimento ocorrer) foi empregado aqui em detrimento do uso do termo probabilidade. Isso porque esta requer uma discussão que leva ao conceito de lógica probabilística, que foge ao interesse da presente obra.]
**: Merece atenção, como exercício de curiosidade, a investigação sobre os portfólios a presentados para compra e venda de ações nas bolsas de valores. Os dados são interpretados de diversas formas, principalmente por gráficos, e podem levar os investidores a ganhos e perdas.


“Sabemos que as inferências são usadas para obter evidências que levem a uma conclusão. Porém, no caso das falácias, a relação entre as premissas e a conclusão geralmente tem certo grau de falha que compromete a avaliação da validade do argumento. Para um argumento ser falacioso, basta, simplesmente, ter premissas que não digam verdade alguma sobre qualquer objeto ou fenômeno do mundo, razão pela qual não será possível conferir sua verdade, mesmo que seja encontrada a forma válida de suas premissas e conclusão verdadeiras.”


“As falácias constituem o tipo de argumento que se utiliza de elementos subjetivos, ou seja, em que não há quase nenhuma explicitação das correlações entre os fatos a serem discutidos, e certamente são, em muitos casos, uma tentativa de distorção dos acontecimentos, avaliados por uma perspectiva unilateral de pensamento. Existe, portanto, mais interesse em persuadir que em obter a correção dos raciocínios. Assim, as falácias são a ferramenta básica para a formação do convencimento, atitude muito pouco louvável quando se trata de construir um argumento livre de confusões ou parcialidades. Podemos concluir, então, que as falácias fogem ao objetivo dos argumentos lógicos: a busca por raciocínios corretos. Apesar disso, são amplamente usadas porque, em muitas situações, é de difícil percepção a ocorrência delas nos debates.”


“A lógica precisa ser compreendida como uma área do conhecimento que propõe uma estrutura de argumentação que nos possibilita raciocinar com a maior exatidão que pudermos.”

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