segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Em busca do socialismo: últimos escritos & outros textos (Parte I) – Florestan Fernandes

Editora: Xamã
ISBN: 85-85833-10-6
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 270
Sinopse: Coletânea de textos do maior sociólogo brasileiro escolhidos pelo próprio Florestan pouco antes de sua internação hospitalar em 1995. Este livro, nascido da vontade do autor de reafirmar sua trajetória política em defesa dos “de baixo”, compõe-se de artigos escritos em diferentes épocas, revelando a atualidade de temas como o papel do intelectual na sociedade e a luta pelo socialismo.


“Os petistas não devem se deixar iludir. Eles precisam se fazer duas perguntas: 1) A socialdemocracia, adulterada para servir às nações capitalistas centrais, é viável na periferia e nela perderia o caráter de uma capitulação dos trabalhadores e dos assalariados de outros escalões ao despotismo do capital? 2) O PT manterá a natureza de uma necessidade histórica dos trabalhadores e dos movimentos sociais radicais se preferir a ‘ocupação do poder’ à ótica revolucionária marxista?”


“No mesmo documento O PT em movimento, Florestan reivindicou para o PT uma base programática que deixasse claro que “em sua versão operária radical, o socialismo significa superação e supressão: da força de trabalho como mercadoria; da propriedade privada dos meios de produção; da separação entre trabalho manual e intelectual; da divisão do trabalho; da exploração do homem pelo homem; da deformação da educação para servir à hegemonia ideológica das classes dominantes; do preconceito, discriminação e segregação, com motivos econômicos ou não, de classe, de raça, de etnia, de nacionalidade, de sexo, de idade, de religião ou de convicções filosóficas; do imenso complexo do vício organizado; da fabricação da neurose, da psicose e da alienação social provocada; dos poderosos cartéis das drogas e de sua disseminação; do uso mercantil ou destrutivo da ciência e da tecnologia científica; da existência de classe, da dominação de classe e da sociedade de classes; da indiferença à metropolização intensiva e ao aparecimento de megalópoles, núcleos de concentração da pobreza relativa e da pobreza absoluta, bem como da difusão do vício comercializado; do armamentismo e do militarismo como pilares da tirania, do colonialismo e do imperialismo; da guerra em todas as suas modalidades, nas relações entre povos ou nações e na ‘partilha do mundo’”” (Osvaldo Coggiola)


“Para o sociólogo, não existe neutralidade possível: o intelectual deve optar entre o compromisso com os exploradores ou com os explorados.”


“Ir às raízes das coisas pode ser, para um escritor liberal, descobrir uma maneira inteligente de preservar a ordem social estabelecida, e, para um escritor revolucionário, um modo congruente de fazer a ordem social estabelecida voar pelos ares. Nessa proporção seria possível comparar John Stuart Mill e Pierre Joseph Proudhon. É, pois, intrínseco ao intelectual ser mais do que um fermento ou uma promessa de fermento e, se ele não for ao mesmo tempo homem de poder (o que acontece com frequência), ele estará certamente numa relação orgânica com as fontes e o exercício do poder, no âmbito de uma instituição (como a igreja, a universidade, o partido, o sindicato) ou no âmbito da sociedade global.”


“Necessitamos, de novo, de um pensamento crítico que seja capaz de superar a filosofia em favor da ciência, mas sem abandoná-la, suficientemente compreensivo e objetivo para articular entre si uma atitude materialista consistente, o método científico mais rigoroso e a análise dialética objetiva das categorias de representação e de explicação do real. Em suma, necessitamos de uma ciência social histórica que abarque a totalidade da situação humana, que possa apreender a um tempo natureza e personalidade, estrutura e dinamismo, economia e sociedade, ideologia e verdade, o movimento histórico efetivo como ligação entre passado e presente e como criação incessante de um futuro novo, pelo qual a negação do presente apareça como abolição revolucionária da situação existente pela atividade coletiva dos seres humanos. Uma ciência social histórica que combine, intrínseca e objetivamente, a crítica de si mesma como conhecimento à crítica da ordem existente tal como ela se produz pela luta de classes, pela desalienação ativa e pela autoliberação coletiva dos oprimidos, ou seja, que se manifeste univocamente como teoria e prática, como expressão autêntica da verdadeira ciência em sua capacidade de transcender o enquadramento ideológico burguês e de fazer parte do “movimento que abole o presente estado de coisas”, isto é, de ser comunista, de identificar-se com a situação social de interesses de classe dos trabalhadores com o que ela significa para o advento e o desenvolvimento de um novo ciclo histórico revolucionário.
No ponto de partida das ciências sociais, a ideologia de classe dominante converteu o economista, por exemplo, em “sacerdote da burguesia”. Todavia, o economista distorcia a realidade, mas era possível chegar a esta através da crítica do conhecimento teórico deformado que ele produzia. Dominação ideológica e hegemonia de classe cruzavam-se de tal modo na cena histórica, que a instrumentalidade da ciência nas duas direções assegurava à economia política um mínimo de veracidade (embora essa fosse, apenas, uma veracidade de burguesa). Nas condições objetivas que cercam o capitalismo monopolista da era atual (que outros preferem chamar de capitalismo tardio) não existe mais um espaço histórico que permita restringir a deformação do conhecimento na esfera das ciências sociais. A objetividade torna-se em si mesma incompatível com a dominação ideológica da burguesia e a sua hegemonia de classe exige uma conversão imediata da ciência em técnica social de controle (como meio de obter consenso ou de dissociar o comportamento das massas de qualquer objetivo independente). Instaura-se, assim, uma evolução regressiva, graças à qual se dissolve a substância do método científico, embora se mantenham todas as aparências que infundem ao “conhecimento científico” a categoria de uma forma específica de saber. O paradigma de explicação das ciências sociais ou fomenta os “procedimentos empíricos” (naturalmente necessários à coleta de informações indispensáveis para qualquer técnica social de controle); ou exalta os “procedimentos sistêmicos”, pelos quais a história é volatilizada e a ciência é convertida em equivalente das divagações filosofantes. A regressão apontada está aí: o novo “sacerdote da burguesia”, o cientista político, por exemplo, opera com um jargão abstrato e formal, reduz a análise funcional a uma operacionalização de categorias mentais arbitrárias tomadas como “axiomáticas”, e converte a perspectiva comparativa em uma sala de espelhos. O que resulta não é um saber filosófico deturpado pela pretensão científica – é um idealismo inconsequente, que restabelece o primado da filosofia do espírito, destituindo-a, porém, de qualquer modalidade de razão filosófica e de consciência histórica. É óbvio que o retorno a Marx não poderia deter semelhante deterioração fantástica das ciências sociais. Estamos diante de um processo histórico: a crise das ciências sociais reflete e acompanha a crise da civilização burguesa. No entanto, através de Marx resguarda-se o que essa crise não pode nem deve afetar, como a proposta de uma ciência social histórica rigorosa, precisa e implacável, que não se omita diante de tal crise pela fútil negação do tempo histórico, pelo esvaziamento da realidade e pelo repúdio da causalidade concebida em termos materialistas e dialéticos. Mas que esteja calibrada para crescer embrenhando-se em tal crise, buscando o seu ponto de superação, o qual liga, naturalmente, estrutura e história, teoria e prática, ciência e revoluções, dissolução da civilização burguesa e constituição de uma nova civilização.”


“A filosofia representa para o proletariado a capacidade de uma consciência crítica, o proletariado representa para o filósofo a liberação do pensamento.”


“Falar em classe, escrever sobre luta de classes, é algo que se fazia antes, que Marx encontrou como contribuição de historiadores, economistas e ensaístas, que naturalmente viviam em sua época e não podiam ignorar o que acontecia. Portanto, ele aproveita todas essas contribuições e lança-as à frente. Agora, o que faltava? Faltava uma explicação científica da luta de classes. E a sua abordagem vai apanhá-la como um todo, uma totalidade histórica. É impossível reproduzir toda a realidade, a realidade é caótica, é preciso partir do concreto para se chegar ao abstrato e ir, depois, do abstrato à categoria histórica. Então, é preciso conseguir, através de elaborações na cabeça do homem, representar o todo como “unidade no diverso”. É a capacidade de procurar a explicação do todo na situação histórica global que caracteriza a posição de Marx e o leva a descobrir, de uma perspectiva científica, como se explica a luta de classes. Ele procura essa explicação não só na economia política, mas também no próprio dinamismo da “estrutura íntima da sociedade”. Afinal de contas, temos de entender que a sociedade se organiza em termos de relações, pelas quais o ser humano produz o seu modo material de vida. Em cada situação concreta é preciso produzir as condições materiais de existência e sobrevivência do ser humano.”


“Sintetizando todas essas perspectivas, Marx não se adaptava à especialização, à fragmentação do ponto de vista de observação, de análise e de explicação. Tratava-se de explicar o que era característico desse modo de produção, qual era o elemento que explicava essa economia — a capacidade que o capital adquire de governar todo o processo de desenvolvimento econômico. É claro que as pré-condições para isso foram criadas ao longo de um processo histórico que ele iria analisar indo do presente para o passado e vendo como se deu a transição, descobrindo quais eram as premissas dessa formação. O que nos interessa, a explicação evidencia a forma moderna e o significado da propriedade privada.
Os meios de produção já dissociados, os produtores já separados dos meios de produção foi um processo que ocorreu antes, mas, graças ao fato de que o produtor foi separado dos meios de produção, o que aconteceu? Havia gente que precisava sobreviver, vendendo trabalho, era a única coisa que tinha condições de vender. Então temos uma sociedade na qual os meios de produção acabam sendo propriedade privada de uma pequena classe, uma minoria, que através do monopólio do capital acaba sendo capacitada a gerir todo o desenvolvimento econômico, inclusive o desenvolvimento do trabalho. O trabalhador fica à mercê do capital, as condições de produção e de reprodução do capital não são determinadas pelo trabalhador e sim pelo capital. Marx vai fazer uma ampla análise desse fenômeno, explicando como se dá a concentração e a centralização do capital, como surge a acumulação capitalista acelerada. Esse é o elemento típico, específico do capital industrial. Como ele se configura historicamente na situação investigada e cuja explicação acaba valendo para toda a economia da época.
Nessa dinâmica, o trabalho era um elemento que podia ser explorado pelo capital, de tal maneira que o capital podia alterar todo o processo de produção de mais-valia. Todas as sociedades possuem certas formas de mais-valia. Claro que nenhum grupo humano pode sobreviver se não dispuser de algum estoque de alimentos, se não houvesse alguma coisa, que alguns economistas, mesmo não marxistas, chamam de excedente acumulado, alguma coisa que fica acumulada e que a coletividade absorve. Só que numa sociedade onde há uma forma privada de propriedade, pela qual o capital detém os meios de produção individualmente, a “mais-valia” vai sofrer transformações profundas, ela vai ser mudada em sua natureza, em sua intensidade, pela interferência da técnica e através da composição orgânica do capital. Marx esclarece como o capital, que precisa crescer de uma forma constante, vai crescer através de uma constante exploração do excedente produzido pelo trabalho. O trabalhador não só não determina as suas condições de trabalho como, também, ele vai produzir um excedente que sempre ficará nas mãos do capitalista e que vai aumentar, portanto, o capital inicial do capitalista. Só que esse processo, na forma que ele assume na chamada acumulação capitalista acelerada, atinge uma magnitude muito ampla, permitindo ao capital criar uma nova forma de produção, de organização da produção e, inclusive, de subordinação total do trabalho à produção. Surge assim uma classe social cujos membros dependem da sua força de trabalho para produzir os meios de subsistência para si e para sua família. Aquilo que essa classe recebe cobre as necessidades mínimas dessa sobrevivência, o que contrapõe os proletários, destituídos de tudo aquilo que caracteriza o modo de vida, a maneira de ser dos detentores do capital, da classe dos capitalistas.
Portanto, vemos que se trata de uma tentativa de abordar a estrutura da economia da sociedade a partir dessa relação básica que opõe uma classe à outra. O trabalhador não pode em nenhum momento ter interesses coincidentes com os do detentor do capital. A classe dos capitalistas possui interesses antagônicos com referência à classe dos trabalhadores. E esta perspectiva de análise vai ser explorada ainda no sentido de mostrar como o capital é capaz de manipular o excedente de população, de operar o que Marx chama de um exército industrial de reserva, para interferir nos dinamismos específicos do mercado, desvalorizando o trabalho, criando um exército ativo e um de reserva, jogando um setor da classe trabalhadora contra outro. Por aí ele completa todo o circuito de explicação da organização social, das relações de produção na sociedade capitalista. Em um momento de prosperidade, o capital pode conceder várias vantagens ao trabalhador. Porém, essas vantagens são transitórias e relativas, e não extinguem a condição permanente em que fica o trabalhador de ser explorado, dominado e de ser destituído de tudo aquilo que, por assim dizer, vem a ser o progresso do resto da sociedade. Claro que a civilização cria o progresso, há um progresso, mas esse progresso é partilhado de uma forma extremamente desigual. E a desigualdade não é eliminada pelos dinamismos normais de crescimento da sociedade capitalista.
Por que a sociedade capitalista, ao se reproduzir, reproduz as desigualdades e engendra novas desigualdades, de tal modo que o capitalismo nunca é capaz de se reformar? O trabalhador tem de tomar consciência histórica da sua situação e se relacionar com o outro polo em termos desse antagonismo fundamental, a partir do qual só existe uma saída para o trabalhador — a de eliminar essa forma de produção. Para isso, é preciso extinguir a classe, a desigualdade de classe, a dominação de classe, etc.
Por aí vemos que Marx formula toda uma teoria da revolução que está fundada objetivamente na organização das relações de produção e da sociedade de classes, na concentração social da riqueza e na concentração social do poder. E para extinguir tal concentração é preciso explodir toda a estrutura social.”


“Temos uma época revolucionária, vinculada à burguesia (contra o feudalismo), e outra época histórica revolucionária que está vinculada ao proletariado, que está ligada àqueles que estão destituídos de tudo e não têm nem a segurança nem o conforto nem o poder das classes possuidoras do capital.”


“Marx e Engels afirmam: o que caracteriza a “ótica comunista” é a capacidade de ver o processo numa escala mais ampla. O comunista deve ter uma visão teórica global prospectiva e internacional de todo o processo. Quais são os objetivos que ele se propõe? São os objetivos do comunismo: 1) o desenvolvimento independente da classe; 2) a derrubada da supremacia burguesa; 3) a conquista do poder. É claro que esses três objetivos são objetivos que não se dão simultaneamente no processo de constituição e expansão do proletariado. Enquanto os proletários não formam uma classe, a tarefa básica do trabalhador é lutar pelas condições de constituição da classe. Quando a classe já se apresenta como uma totalidade independente, com a faculdade de lutar politicamente por interesses próprios e de buscar seu desenvolvimento autônomo como classe, torna-se possível lutar contra as condições e os efeitos da supremacia burguesa (é o conceito que Marx e Engels empregam; eles não usam o conceito de dominação de classe). Trata-se então de solapar e neutralizar a dominação burguesa, impedir que pulverize o desenvolvimento do proletariado e as posições políticas independentes da classe proletária. A partir daqui delineia-se a possibilidade da conquista do poder, que é naturalmente o objetivo supremo de todo movimento proletário e do comunismo.”


“Há uma passagem, em As Lutas de Classes na França, na qual Marx afirma: os proletários não conquistaram a sua liberdade ainda, o que eles conquistaram foram as condições de lutar por sua liberdade.”


“Quando a burguesia nega a existência das classes, o que ela faz, de fato, é praticar a mais refinada e hipócrita luta de classes. Excluir do capitalismo e da democracia o caráter de classe não é só uma artimanha é o meio mais completo de negar aos trabalhadores a condição de classe e de conferir à própria burguesia uma hegemonia de classe acima das classes — indiscutível e total. Seus partidos passam a ser partidos representativos de “toda a sociedade”. Seu Estado, o Estado de toda a coletividade, um “Estado democrático nacional”. O fenômeno iria repetir-se em outros lugares e ilustrar, paradoxalmente, o quanto uma “sociedade democrática” pode antecipar-se (e refletir) uma “sociedade autoritária”. (...)
A luta de classes não desapareceu — pois ela só pode desaparecer com a extinção do capitalismo. O essencial do pensamento revolucionário de Marx permanece vivo, já que ainda hoje o comunismo é o “movimento que altera o estado atual das coisas” e o proletariado continua a ser a força vital que explica a existência e o potencial explosivo desse movimento. Como na “época de Marx”, ele é o fator residual irredutível que decifra o enigma da história.”


“A classe que reúne condições mais vantajosas nas relações de luta política pode acumular mais forças. E por isso é preciso que a identidade revolucionária do proletariado não se enfraqueça. E foi exatamente esse o “calcanhar de Aquiles” na evolução europeia e norte-americana. Você observa nos EUA sindicatos que querem imitar a grande incorporação, organizar-se em bases econômicas para lutar economicamente contra a dominação do capital. Isso significa enfiar o capitalismo e a condição burguesa dentro da cabeça e no modo de ser do trabalhador. Por isso, não é de espantar que em toda tentativa ultrarreacionária e contrarrevolucionária nos EUA encontram-se vários tipos de trabalhadores que estão à frente dessas manifestações, quando eles deveriam estar nas trincheiras de combate. Agora, a quem culpar, ao trabalhador? Ou ao movimento socialista, que deveria ter uma identidade proletária inquebrantável? Afinal de contas, a consciência de classe não é um elemento puro, independente. Já em A Ideologia Alemã, Marx e Engels escreveram que a ideologia de uma sociedade é a ideologia da classe dominante. Portanto, a classe trabalhadora, para quebrar esse elo, precisa ter uma identidade forte. É preciso que ela seja capaz de se desenraizar do capitalismo, manifestar-se integralmente como classe revolucionária.”


“O socialismo precisa ser compreendido como um todo. Na fase de transição surge uma primeira etapa, na qual se destrói a sociedade antiga. Em uma segunda etapa, na qual se constroem novos meios de produção, de distribuição, um novo tipo de homem, uma nova concepção da natureza humana, uma nova forma de poder — poder da maioria, poder proletário, poder popular, revelam-se as forças sociais constituintes da revolução. O socialismo não vem para ficar, ele vem para se extinguir, porque realmente o objetivo não é criar uma sociedade socialista, mas chegar ao comunismo. Esta é a função do socialismo: servir de meio para realizar essa transição, dar esse salto fundamental. Daí em diante é preciso conter a imaginação. Marx se recusou a imaginar a “utopia”, porque essa sociedade comunista só poderá ser criada depois de vencida todas essas etapas. É a revolução dentro da revolução, no seu pico mais alto.”


“A formação e o desenvolvimento dos proletários como classe social independente está nesta categoria. A rota percorrida é descrita sinteticamente por Marx e Engels em O Manifesto: primeiro, os proletários constituem um conglomerado amorfo, o que os sociólogos chamariam, hoje, de uma “congérie”; segundo, os proletários ganham pela concentração urbana, a expansão industrial e seu crescimento numérico, as condições materiais e sociais de sua constituição e desenvolvimento como classe social independente — aprendem a praticar a solidariedade em defesa de melhores salários, de melhores condições de trabalho, de autodefesa coletiva e criam os sindicatos, passando a lutar econômica e politicamente, em escala nacional, contra os patrões e pelo seu próximo fortalecimento como classe; terceiro, os proletários alcançam, graças ao desenvolvimento do capital e sua atividade como classe social revolucionária, as condições institucionais e políticas para lutar por sua auto-emancipação coletiva. Essas três fases morfológicas e históricas acompanham um longo processo de diferenciação social. Na primeira fase, é-lhes impossível lutar de forma independente; é através dos interesses e das relações com a burguesia que logram realizar certos objetivos políticos. Na segunda fase, a dialética da luta de classes se configura com toda a nitidez. Os proletários constituem uma “classe em si”, pois possuem consciência de sua situação e interesses de classe, defrontam-se com o capital autodefensivamente e contam com capacidade política tanto para defender e expandir a solidariedade proletária, quanto para atacar a supremacia burguesa, impondo-se na sociedade civil como uma força social ativa da revolução burguesa (ou seja, da revolução dentro da ordem). Na terceira fase, que se achava em vias de elaboração quando O Manifesto foi escrito, as premissas da existência do proletariado como classe interferem na dinâmica da sociedade civil e nas relações dos proletários com o Estado burguês. Manifestam-se, então, as características do proletariado como classe revolucionária, que deverá, a longo prazo, extinguir a ordem existente (e portanto a propriedade privada em sua forma moderna, o capital, o trabalho como mercadoria, a divisão social do trabalho, a coisificação e a alienação dos oprimidos, a dominação de classe, a sociedade civil, o Estado, etc.), criar como período de transição uma sociedade igualitária, de dominação da maioria e da autogestão popular e, finalmente, abolir as classes, toda e qualquer dominação de classe e conduzir a humanidade para o comunismo.”


“Outras consequências do método introduzido por Marx, apenas implícitos nessa breve exposição, são: primeiro, as condições em que a generalização é legítima: as leis sociais e econômicas só são válidas para determinadas formas sociais e durante um período determinado de seu desenvolvimento; segundo, a noção de determinismo: existe regularidade nos fenômenos sociais, mas a vontade humana intervém nos acontecimentos históricos — só na natureza ocorre o inevitável; em O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, escreveu a esse respeito: “os próprios homens fazem a sua história, mas não a fazem arbitrariamente, e sim em certas condições determinadas”; terceiro, a noção de interdependência dos fatos sociais: os fatos sociais articulam-se entre si por conexões íntimas; a antiga noção de consensus de Augusto Comte recebe uma formulação mais objetiva: “o resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a troca, o consumo, são idênticos, mas que todos eles são membros de uma totalidade, diferenças numa unidade”; quarto, existência de fatores dominantes: um fator desempenha a função de fator dominante — a produção nas modernas sociedades capitalistas — atuando sobre os demais fatores em termos de “relações recíprocas determinadas” (grifo meu).”

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