Editora: Xamã
ISBN: 85-85833-10-6
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 270
Sinopse: Ver Parte
I
“Para a consciência burguesa e para a
economia política, o capital cria tudo: o desenvolvimento capitalista, a massa
de trabalho, o progresso tecnológico, a liberdade política, o Estado
democrático, o florescimento da cultura, etc. Na verdade, o capital só se
produz e reproduz quando surgem as condições especiais e históricas da existência
da propriedade privada, da acumulação capitalista acelerada, da constituição de
um exército industrial de reserva, etc. Portanto, a burguesia se atribui a criação
de condições que a produzem e a reproduzem, bem como produzem e reproduzem o
trabalho como mercadoria. Uma representação ideológica da realidade permite ao
capitalista (e, em consequência, ao economista, o seu “ideólogo”) propalar essa
portentosa mistificação e, ao mesmo tempo, roubar ao trabalho toda a sua
importância histórica ativa e criadora. A mensagem de O Capital é clara: não existe esse mundo, no qual o capital pudesse
prescindir do trabalho ou, vice-versa (como pretendia o socialismo reformista),
o capital pudesse sobreviver à eliminação ou à substituição do capitalista.
Trabalho e capital estão presos um ao outro no modo específico de produção
capitalista, não só estruturalmente, mas dinamicamente, por meio de
contradições que impõem, com o crescimento constante do capital e do trabalho,
a rebelião auto-emancipadora dos trabalhadores. Por conseguinte, a dialética do
trabalhador livre não se concilia com uma reforma providencial nem com qualquer
regeneração do capitalismo que levassem ao melhor dos mundos possíveis. A
socialização capitalista encontra seu limite na apropriação privada dos meios
de produção, no trabalho como mercadoria desvalorizada e na concentração de
classe da riqueza e do poder nas mãos da burguesia. A socialização proletária
tem o seu ponto de partida nos interesses comuns dos trabalhadores, antagônicos
aos do capital, na solidariedade de classe dos trabalhadores, em escala nacional
e internacional, e na negação da ordem existente em todos os níveis, o da
produção, o da organização da sociedade e o do Estado democrático, que funciona
como um órgão de ditadura de classe. Essa relação contraditória com base
estrutural e dinâmica econômica faz com que a história da sociedade de classes
seja uma história de luta de classes, e a converte na forma antagônica de
sociedade mais vulnerável a conflitos sociais profundos e irreconciliáveis. De
outro lado, ela impede que se possa pensar o desenvolvimento capitalista abstratamente,
como um processo que dependa somente ou do capital ou do trabalho. É claro que
o papel de um ou de outro constitui uma função do grau de desenvolvimento do
capitalismo. Todavia, a partir da existência do modo especial e histórico de
produção capitalista, toda evolução essencial — regressiva ou progressiva — do
desenvolvimento capitalista depende conjuntamente do capital e do trabalho e,
mais especificamente, da relação recíproca antagônica de um com o outro. Os
mitos sobre o “empresário criador” e do “capitalista como inventor” encontram
seus limites no âmbito do que Marx designou como a “época da revolução burguesa”,
durante a qual se constituiu a moderna sociedade de classes. Desde que a
acumulação simples se tomou uma estrutura elementar e subjacente do capital e a
acumulação capitalista acelerada domina toda a cena histórica, a transformação
e a negação da sociedade burguesa pelos proletários passa a ser um elemento
central do crescimento das forças produtivas e do novo tipo de revolução social
engendrado pela sociedade de classes.
A recuperação daquilo que se poderia chamar
de perspectiva marxista original de descrição sociológica revolucionária da luta
de classes é fundamental. Marx e Engels viram a luta de classes como
investigadores científicos e como revolucionários que possuíam uma posição
comunista. Graças à primeira condição, recusavam toda utopia; graças à segunda,
transcendiam ao moralismo abstrato, ao radicalismo burguês e ao socialismo
reformista, voltando-se diretamente para os processos de revolução social
intrínsecos à luta de classes e às tendências históricas de dissolução da
sociedade burguesa. Podiam fundar as suas análises e previsões sobre as forças
sociais que as duas classes antagônicas eram capazes de mobilizar
historicamente e logo se deram conta das vantagens relativas que favoreciam à
burguesia, em escala europeia e mundial (em escritos posteriores ao Manifesto
do Partido Comunista), as quais não podiam, entretanto, suprimir o
caráter antagônico da sociedade burguesa e tampouco extirpar o significado
revolucionário da luta de classes. Por sua vez, sua posição comunista não só
implicava uma ruptura ideológica e política total com a ordem existente: ela
exigia que a luta de classes fosse projetada em seu desdobrar histórico, do
presente ao futuro próximo e ao futuro distante, segundo os três objetivos que
devem centralizar a colaboração dos comunistas com os movimentos operários. Eis
como eles são formulados lapidarmente: “constituição dos proletários em classe,
derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado”.
Esses são naturalmente objetivos realistas, que mostram que a revolução não é uma
aventura: ela é um produto da atividade coletiva dos trabalhadores, a principal
força produtiva dentro do capitalismo e a única força realmente revolucionária
no seio da sociedade burguesa. Na medida em que se transforma a relação da
classe operária com a sociedade burguesa é que se transita de uma etapa a outra
de um mesmo processo revolucionário que é, por sua natureza e objetivos, um
processo histórico de longa duração. Esses objetivos, por assim dizer
estratégicos, calibram a atividade transformadora da classe operária em cada
uma dessas etapas, mas pressupõem univocamente uma rejeição (e, portanto, uma
negação e uma superação) total da sociedade burguesa (por conseguinte, da
alienação do trabalhador, da “objetificação” que a propriedade privada, o capital
e o trabalho como mercadoria lhe impõem, da existência das classes e da
dominação de classes, da hegemonia ideológica da burguesia, do Estado
democrático, etc.). A seguinte citação de Marx e Engels, à qual recorro pela
terceira ou quarta vez, por causa de seu valor exemplar, esclarece de modo
cabal o valor dessa rejeição dentro da ótica marxista da luta de classes. “Os
nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução
permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos
possuidoras, até que o proletariado conquiste o poder do Estado, até que a
associação dos proletários se desenvolva, não só num país, mas em todos os
países predominantes do mundo, em proporções tais que cesse a competição entre
os operários desses países, e até que pelo menos as forças produtivas decisivas
estejam concentradas nas mãos do proletariado. Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de
aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as
classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma
nova”. (...)
De fato, pela primeira vez na ciência social
histórica, o esquema interpretativo usual (presente / passado) era posto de
lado, substituído por um novo esquema interpretativo dialético: presente /
passado em conexão direta com presente / futuro. E, pela primeira vez,
outrossim, esse esquema servia de princípio interpretativo e como critério de ação,
fundindo ciência e revolução (ou teoria e práxis). Não se tratava de colocar
uma utopia ou de um tipo ideal no lugar da realidade (algo criado pelo
pensamento, com base nos acontecimentos, mas sem as suas “impurezas”). Porém,
de apanhar a luta de classes como totalidade histórica, representando-a e
explicando-a como tal, em consonância com um método que Marx descreveria, mais
tarde: “o concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações, isto
é, unidade no diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o
processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja o
verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida também da percepção
e da representação”. A luta de classes, vista do polo proletário e
revolucionário, não só transforma o presente: ela incorpora em si mesma os elementos
do futuro que estão engendrados, pelo menos parcialmente (em termos estruturais
e dinâmicos), na existência das classes, de seus antagonismos sociais e no
movimento social comunista, ou seja, nas impulsões dos trabalhadores no sentido
de alterar a sociedade existente e de criar uma sociedade nova. Por isso, a
prática política revolucionária exigia um conhecimento teórico específico,
capaz de apreender a situação histórica como totalidade, que revelasse a luta
de classes em suas múltiplas determinações e em suas vastas consequências, no
plano cotidiano e imediato e em seu “sentido histórico geral”.”
“A nossa situação histórica continental e
nacional é rica de experiências frustradas, de omissões de sindicatos e
partidos operários, de ausência de identidade proletária e verdadeiramente
socialista ou comunista, de sacrifícios que desaguam em composições dóceis com
os donos do poder, na colaboração de classes e no “populismo”, e, aqui e ali,
de eclosões que desembocam no extremismo político compensatório e suicida, que
confunde revolução social com grandeza, autoimolação e desespero. Por isso,
esta digressão é tão pertinente. Um convite ao leitor para que reflita sobre
essa situação em termos marxistas, quando menos para reeducar-se objetivamente
no uso da imaginação revolucionária, que não se desprega do movimento histórico
real nem exorbita intelectualisticamente em relação às verdadeiras forças
revolucionárias que operam, de fato, de modo silencioso mas implacável. Os
donos do poder não se iludem quanto aos riscos que correm. Contudo, subestimam
essas forças, pois supõem que elas sempre poderão ser detidas — como sempre
sucedeu desde o remoto passado colonial até hoje — pelo emprego selvagem da
violência crua ou da violência organizada e “modernizada”.”
“O stalinismo, que não se resume nem se
confunde com Stálin como indivíduo e chefe dos que herdaram o poder
pós-revolucionário, correspondeu a uma desbolchevização dos sovietes e da
ditadura do proletariado. Ele subiu na onda das “deformações burocráticas”, que
substituíram a prioridade da revolução pela centralidade do desenvolvimento
econômico com segurança e culminaram no terror como técnica social de condução
do Estado, de esmagamento dos adversários e de aceleração do crescimento
econômico a qualquer preço.”
“As ideologias estão vivas. Só que o
liberalismo foi substituído por concepções agressivas de “defesa da democracia
no mundo livre”, que ocultam e mistificam um equivalente psicológico e político
do “fascismo potencial” (para uso interno e externo). E o socialismo
preservou-se como a única alternativa viável de superação do capitalismo em seu
apogeu histórico. O capital não gera nada mais além de sua negação pelas
contradições que nascem do trabalho e da associação que se constitui graças à articulação
e, por vezes, à fusão de trabalho manual e trabalho intelectual nas grandes
corporações transnacionais. Assim, os trabalhadores, em sentido restrito ou em
sentido lato, são os portadores dos ideais socialistas e os agentes históricos
da revolução dentro da ordem e da revolução contra a ordem. O socialismo
continua vivo e o marxismo contém o mesmo significado científico, ideológico e
político que sempre teve, seja como meio de descoberta e de difusão da
compreensão global, dos processos gerais de transformação da civilização
existente, seja como organização partidária dos portadores da “ótica comunista”
da auto-emancipação coletiva dos trabalhadores e de sua revolução social. Esse
parece ser, em síntese, o quadro atual da posição entre os capitalistas, na era
em que perderam a sua concepção originária do mundo e das funções criadora da
burguesia, e os trabalhadores assalariados, depois que descobriram que a
transição para o socialismo só pode realizar-se plenamente nas condições
apontadas pelos clássicos do socialismo utópico e do socialismo científico. A
volta aos clássicos e a compreensão do presente com as categorias de explicação
e de ação que eles inventaram revela a congruência lógica e a força histórica
do socialismo. E sugere os rumos da civilização em crise: de seus escombros brotará
uma civilização sem barbárie, na qual a democracia terá como premissa histórica
a liberdade com igualdade e como objetivo a fraternidade humana e a felicidade
de todos.
Falar em socialismo “moderno” ou em socialismo
“democrático” não passa de uma farsa. Só se moderniza o socialismo colocando-o
em prática e forjando as fronteiras da revolução anticapitalista. Por sua vez,
o socialismo é, por sua essência, a “democracia da maioria” e deve assegurar,
quando esta se dissolve por desnecessária, a democracia plena.”
“O partido revolucionário não produz as
premissas históricas da revolução social necessária, mas opera como principal
agente coletivo de sua estimulação, propagação, amadurecimento e eclosão.”
“A situação dos chamados “países do leste”
apresenta outros contornos. Em alguns deles, a experiência histórica com o
marxismo e a revolução chegou a acender-se, como aconteceu na Hungria. No
entanto, tradições, culturais, religiosas, étnicas e nacionalistas reduziram,
com frequência, as formações socialistas reformistas ou revolucionárias a
grupúsculos políticos. Aqui e ali surgiram combatentes corajosos e produtivos,
que deixaram um legado intelectual e exemplos políticos modelares. A
“revolução” não eclodiu como parte de um processo histórico em ziguezague, de
longa ou curta duração, mas da ocupação militar soviética. Uma “revolução de
cima para baixo”, sem sentido, conteúdos e paradigmas revolucionários.
Constituíram-se partidos políticos improvisados, que de socialistas ou
comunistas só tinham o nome. Na realidade, eram instrumentos da agregação dos
países, como satélites, à União Soviética. Curvavam-se a manipulações
diplomáticas, que não poderiam evitar, e integravam-se às suas organizações
internacionais econômicas, políticas e culturais. Apesar disso, puderam
participar de transformações que reproduziram os modelos soviéticos de
transformação agrária, industrial e educacional. Desprenderam-se, assim, dos
marcos capitalistas ou semi-capitalistas anteriores e se assimilaram às novas
matrizes, de origem e cunho soviéticos. Dadas as condições reinantes, para os
de baixo as inovações foram construtivas, embora as rivalidades políticas,
étnicas, religiosas, etc., conduzissem as avaliações negativas e de resistência
cultural. Serviços sociais fundamentais foram difundidos e a orgulhosa
disciplina aristocrática reprimida (ou abafada). Alguns países, como a
Tchecoslováquia e especialmente a República Democrática Alemã, lograram
adiantar-se por conta própria, com referência às inovações soviéticas. Possuíam
um ponto de partida mais sólido e dispunham de perspectivas para acelerar sua
evolução interna. O edifício ruiu não só por causa das contradições entre o
sistema de poder montado e as compulsões que exigiam valores socialistas na
organização da produção, na reparticipação em todos os níveis e na expansão da
democracia operária (ou popular). Mas da escassez, que tornou permanente a
norma espoliativa decorrente do “socialismo de acumulação”, que não permitiu
nem a observância da norma “a cada um de acordo com sua contribuição”, nem a
passagem para o objetivo mais elevado “a cada um de acordo com a sua
necessidade”. Ou seja, as razões do colapso são as mesmas que estão presentes
na crise da União Soviética.”
“O que seria o Florestan Fernandes hoje, se
eu não ficasse fiel à minha situação originária de classe? Eu não seria o “companheiro”
e, certamente, não estaria aqui. Desfrutaria satisfeito o padrão de vida que
tenho, de classe média. Trata-se de uma contradição que afeta aqueles que são
recrutados entre os de baixo para pertencer à nata intelectual da burguesia.
Foi um sociólogo conservador italiano, Paretto, que analisou a fundo essa
questão, a circulação das elites e a renovação das classes dominantes. Há um
processo que os sociólogos chamam de acefalização.
As classes dominantes precisam se renovar, pois o estoque genético não se
reproduz na escala em que a civilização se expande. As classes dominantes,
portanto, precisam selecionar os talentos, ter uma rede que, dentro da
sociedade, permita aproveitar em seu benefício aqueles que tenham
potencialidade criativa e empurram esses indivíduos para cima — o que se chama
mobilidade social vertical ascendente — e eles vão naturalmente modificando os
seus interesses sociais, sua visão de mundo, e se metamorfoseiam em burgueses.
Em uma sociedade de classes todos têm um elemento burguês, uma predisposição a
se conformar ao meio social. O trabalhador, por causa da própria ideologia
embutida na sua condição de membro da sociedade, da educação que recebe na
escola, nas instituições-chave da sociedade, de ambições variáveis, quer “vencer
na vida” ou que seus filhos o consigam. É preciso que o trabalhador elabore
meios educacionais específicos, para construir e reproduzir uma concepção de
mundo independente, capaz de responder à sua visão de democracia da maioria,
libertária, igualitária, e a seus anseios de revolução.
O fundamental consiste em desentranhar a
cabeça do trabalhador da subalternização cultural, mental e ideológica à
burguesia, isto é, da alienação social. Pois a primeira condição a vencer para
que o trabalhador deixe de ser um agente passivo ou defensivo e tome-se um
agente construtivo e ofensivo é extrair dele tudo o que ele tenha de burguês,
desaburguesá-lo para que ele não corra o risco da acefalização e da cooptação.
As mesmas reflexões se aplicam ao negro, submetido a um racismo informal. Os
brancos costumam dizer: “Esse é um negro de alma branca”. É um negro de alma
branca por quê? Ou por falta de educação sistemática ou porque ele teve uma
educação através da qual aprendeu a pensar, a agir, a querer tudo o que os
brancos valorizam e esperam dele! Ele vê o mundo não da perspectiva do negro,
não nos termos da auto-emancipação racial, combinada à luta da classe operária,
mas em termos das concepções das classes e da raça dominantes. Esse negro, do ponto
de vista do movimento negro rebelde, é um “traidor”. Mas, de fato, ele não se
confunde com o traidor, sendo apenas o produto de uma deformação cultural,
predisposto a acatar uma “democracia racial” inexistente.”
“Não devemos ter a pretensão de imitar as
vias bolchevique, chinesa ou cubana da conquista do poder. Vivemos em uma época
histórica muito distinta e temos de procurar outras vias para chegar à
revolução e ao socialismo. Isso me parece muito claro e deve ser o ponto de
partida da reflexão socialista revolucionária. Se essa perspectiva não fosse
viável, as nações capitalistas centrais não procurariam esmagar tudo o que
podem da herança daquelas revoluções. O que explicaria tanta animosidade e
tanto ódio se todas as vias de chegar ao socialismo fossem inviáveis em nossos
dias?”
“O que se pode fazer hoje? Retomar as
esperanças nascidas com o socialismo, fortalecê-las e construir uma nova
sociedade que combine, de fato, democracia com liberdade, igualdade e
felicidade. No Brasil, essa é a única perspectiva que nos resta para escapar às
iniquidades do capital e à exploração sem entranhas do imperialismo
oligopolista. Em toda a periferia essa é a saída que possui atualidade vibrante
e que seduz a imaginação dos de baixo, que sonham em superar o opróbio, o
subdesenvolvimento e uma condição servil disfarçada.
Por isso devemos lutar pelo socialismo e,
através dele, atingir esses e outros objetivos. As vias e os modelos da ação
política são realidades históricas. A própria luta de classes definirá os
caminhos e as relações entre reforma e revolução. Lembremos Rosa Luxemburgo: a
força das classes trabalhadoras e dos partidos de esquerda permitirá atingir
(ou não) as várias reivindicações populares e dos assalariados. A reforma não é
negativa por si mesma. Ela só se torna um perigo quando entrosada e
instrumentalizada pela reprodução do capitalismo. Depende das forças sociais
antagônicas ao capital usá-la para seus fins e encadeá-la à revolução. O duro é
aceitar a socialdemocracia de modelo europeu como um parâmetro único e final.
Isso significa decapitar coletivamente os trabalhadores e seus aliados em troca
de um padrão de vida mais alto e do conforto do consumo em massa, com crescente
aumento da pobreza e da impotência das gerações maduras e ascendentes. A
imaginação das classes subalternas não pode ser esterilizada de modo tão
barato. Os seus alvos são mais amplos: converterem-se nas classes dominantes,
auto-emancipar-se da alienação que as impede de realizar-se plenamente como
seres humanos e abolir as classes e a sociedade de classes para assegurar o
desenvolvimento da civilização sem barbárie.
A dialética entre promessas e repressão é o
cerne da história do mundo capitalista atual. Há momentos em que o capitalismo
atinge um pico alto e pode prometer abundância para todos. Ele “dispensaria” a
necessidade do socialismo. E há momentos em que suas promessas grandiosas se
volatilizam e se transmutam no seu contrário, o da “face pior”. Ora, na verdade
esta é a face permanente da produção oligopolista, da sociedade de classes e do
Estado capitalista para o assalariado e o subalternizado. Ou eles se submetem
ao despotismo do capital, ao aparelho de Estado e à exploração sem tréguas, ou
eles caem nas malhas da estigmatização, da polícia e dos indesejáveis.
Portanto, o capitalismo nada tem a oferecer-lhes. A conquista do futuro, para
eles, incide no socialismo, ou seja, depende da conquista do poder pelos de
baixo e a construção, por eles, de uma nova sociedade e de uma nova
civilização.”
“A responsabilidade obriga-me a indicar
certos riscos que corremos pelo crescimento rápido do PT e por causa da
obsessão de alguns companheiros de meter o PT dentro dos moldes que não vicejem
nos ideais que prevaleceram em suas origens. O maior problema diz respeito aos
vínculos do Partido com os trabalhadores, as massas populares e os movimentos
sociais verticais, que lhe conferem extrema radicalidade. No I Congresso, por
exemplo, podia-se contar o número reduzido de operários. Defendemos a
participação popular e os conselhos populares. Pois bem, alguns companheiros latino-americanos
vieram perguntar-me onde estavam os operários. Era numeroso o grupo de
sindicalistas, mas escassos os trabalhadores e os estigmatizados ou excluídos.
Pior que isso, impera a preocupação de “construir o Partido”. O material
escrito sobre a questão é rico, variado e, como regra, de boa qualidade formal.
No entanto, publicações e panfletos de agitação e propaganda escasseiam —
melhor, estas possuem natureza vocal e só emergem nas campanhas, graças aos
comícios. Esse é um risco grave. A falta de socialização política socialista
conduz a retórica dos que falam pelo Partido em uma direção. Contudo, a
fidelidade e a dedicação exemplar das bases flutuam dentro das correntes de
ideias variadas da sociedade ambiente (inclusive burguesas e conservadoras ou
reacionárias). Não se trata de padronizar sentimentos, aspirações e
comportamentos concretos. Mas de injetar-lhes os valores fundamentais do
socialismo e da ruptura com a ordem social capitalista e a violência
antipopular que ela destila no Brasil.
Há uma propensão inevitável a povoar o poder
oficial com militantes e quadros do Partido. A atual sociedade só pode ser
alterada por um longo processo de saturação do poder especificamente político e
estatal pelos que representam os de baixo. Mas acabamos fomentando, por trás
das cortinas, um novo tipo de “substituísmo”, ignorando, nos momentos decisivos,
que o PT é um partido dos trabalhadores, para os trabalhadores e pelos
trabalhadores! À custa de "acelerar as mudanças", foi absorvida uma
imitação barata do pessebedismo. Confia-se demais na alternativa cômoda da “reforma
de cima para baixo”, que não se harmoniza com a concepção radical de socialismo
dos operários, dos trabalhadores da terra e dos rebeldes recrutados entre
intelectuais orgânicos do Partido. A “reforma de cima para baixo” está a
milhões de anos-luz da reforma que nasce da tensão operária, dos sem-terra e
dos excluídos contra uma organização social, cultural e política que os reduza
a bagaço.
O PT deve rasgar um horizonte cultural mais amplo
e convictamente socialista para travar e vencer suas lutas. Para a pseudo ou a
vesga “revolução dentro da ordem” o Brasil não precisa de nós. As classes
possuidoras sabem como simular essa revolução, engendrar projetos “nacionalistas”
e metamorfosear a política em meio para outros fins (ou seja, o enriquecimento
ilícito e a defesa inteligente de suas posições na estrutura social e de poder
da Nação).”
“Os revolucionários devem aprender a ter a
paciência e a acompanhar as classes trabalhadoras. Até hoje, ficaram a reboque
de seus avanços, no solo histórico brasileiro. Não podem, agora, retomar a
práxis ultrapassada de vanguardas fictícias, que supunham que a história
caminhava em uma direção, enquanto ela ia em outro rumo bem diferente.”
“O PT não pode repetir os erros danosos do
dogmatismo e, se puder, deve evitar a todo custo os erros ainda mais graves do
oportunismo e das ilusões utópicas ou românticas. Por isso, é aconselhável não
pensar que “Marx e o marxismo estão mortos” e entender que as classes
trabalhadoras negam a ordem social existente na sociedade capitalista, aqui e
alhures. Cabe-lhes destruir a classe e o regime de classes. Cabe-lhes, também,
conduzir a transição para o socialismo. A conquista do poder tem de situar-se
no momento certo e não como artifício para resolver, dentro do capitalismo e
para o capitalismo, os problemas e os dilemas sociais que a burguesia não
consegue enfrentar. (...) Ou o PT decifra a solução correta dessa necessidade
histórica na cena brasileira ou ele engrossará as fileiras dos partidos
reformistas imantados à “reforma capitalista do capitalismo”, ao “capitalismo
melhorado” ou ao “Capitalismo do bem-estar social”.”
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