Editora: Xamã
ISBN: 85-85833-10-6
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 270
Sinopse: Ver Parte
I
“Quem não se aproxima corretamente de um
problema, é claro, não está em condições de resolvê-lo.”
“O fator econômico, stricto sensu, determina a vida social e explica o processo
histórico.”
“Depois de K.
Marx e F.
Engels coube a Lênin
o papel mais importante na sistematização teórica do marxismo a partir de uma
posição revolucionária exigente, firme, flexível em sua forma (em política
revolucionária as fórmulas só possuem valor se correspondem ao concreto, às
possibilidades reais de um avanço, da conquista de uma vitória, da consolidação
e aproveitamento inteligente desse ponto de partida, etc.), mas inflexível em
seus conteúdos (a política revolucionária obedece a princípios fundamentais, em
torno dos quais não há transigência possível).”
“O socialismo só pode propagar-se e ser
plenamente absorvido pelas classes trabalhadoras sob a atividade de um partido
revolucionário capaz de reforçar as potencialidades de rebelião da classe
operária e de lançá-la, nas menores oportunidades históricas, à luta política.”
“A vitalidade do movimento socialista não
nasce de si mesmo, apenas, nasce da sociedade em que se constitui e na qual se
expande. O requisito histórico e o patamar de um movimento dessa envergadura é
a existência de uma sociedade que caminha inexoravelmente, pelas pressões de
baixo para cima, pela insatisfação das massas e pelo inconformismo das classes
trabalhadoras, na direção da desagregação da ordem existente e da revolução
social. Nesses quadros históricos há um socialismo potencial (diria, mesmo, um
socialismo revolucionário potencial). O marxismo como teoria e como práxis pode
ser facilmente irradiado nas várias direções da sociedade: as tarefas dos
militantes, dos “teóricos” e “publicistas” nem por isso é mais fácil. Porque
essa potencialidade traz consigo uma repressão feroz, uma autodefesa cega e
impiedosa. Contudo, a violência institucional da contrarrevolução não consolida
a si própria. Ela fortalece as forças antagônicas, os inimigos da opressão e da
contrarrevolução, ou seja, em um primeiro momento, a revolução democrática de
base popular, em outro momento seguinte, o controle do Estado pelas forças da
revolução democrática, e a transição para o socialismo.
Dadas certas dessas condições, o que depende
dos próprios socialistas para que o seu movimento se consolide, se irradie e,
através das massas populares e das classes trabalhadoras, se converta em força
política revolucionária? Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas
manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o
paraíso da contrarrevolução (da contrarrevolução mais elementar e odiosa, a que
impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). Hoje, mais do
que nunca, ela continua a ser o paraíso da contrarrevolução, só que, agora,
conjugando o “terrorismo burguês interno” com o “terrorismo burguês externo”.
Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou
comunistas), devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de
que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica
distinta. Em suma, bateram-se pela democracia-burguesa, como se fossem os
campeões da liberdade. Trata-se de uma avaliação dura? Quanto tempo as
burguesias nacionais ter-se-iam aguentado no poder se fossem atacadas de modo
direto, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma “fatalidade
histórica”, que prolonga o período colonial e a tirania colonizadora depois da
independência e da expansão do Estado nacional? O diagnóstico correto, embora
terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os
“revolucionários” quiseram manter seus privilégios, ou os seus
meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes
dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do
poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da
desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis... Não estou inventando.
Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contrarrevolução,
uns mais outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E
a “massa” da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de
classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo
democrático...
Fomos paralisados pela ideia do gradualismo
democrático-burguês e pelo poder de coação da ordem. O que quer dizer que, na
era da polivalência no “campo socialista”, ainda não sabemos quais são os
caminhos que nos levarão à desagregação do nosso capitalismo selvagem e a
soluções socialistas apropriadas à presente situação histórica. Um atraso
monumental. (...) Por conseguinte, fora de Cuba não se criou um pensamento
socialista revolucionário original. A principal tarefa, teórica foi
negligenciada até hoje, porque líderes, vanguardas e partidos da esquerda ou
vivem a sua integridade socialista com extremo purismo ascético – e bem longe
da atividade prática concreta – ou se concentram no “economismo” e, pior que
isso, em táticas imediatistas, de composição dentro da ordem, como se o
socialismo pudesse ser o último estágio, a Quinta essência da “democracia”
burguesa. O reformismo pequeno-burguês como estilo de prática política. (...)
O avanço real só pode ser conquistado graças
e através das massas populares e das classes trabalhadoras. A nossa tarefa
urgente consiste em propagar o socialismo revolucionário nesses setores da
sociedade e, com o amadurecimento da sua experiência política, tentar-se o
equacionamento de “Por onde começar?”
Nem uma coisa nem outra será possível se se mantiver a tática “economista”, o
falso obreirismo e o populismo das classes dominantes, a submissão a burguesias
pró-imperialistas e entranhadamente antidemocráticas e contrarrevolucionárias.
(...) Não serão as classes possuidoras, especialmente os seus setores
privilegiados nacionais e estrangeiros, que irão favorecer e levar a cabo a
revolução democrática. E esta não pode ser pensada, por um socialista, como um
desdobramento de etapas. Onde as massas populares e as classes trabalhadoras se
afirmam como as únicas alavancas da revolução democrática, esta só poderá conter
uma transição burguesa extremamente curta. Hoje, mais que no passado, a
civilização de consumo de massas constitui um ópio do Povo. As massas populares
e as classes trabalhadoras só podem ser educadas para o socialismo através de
um forte movimento socialista, dentro do qual elas forneçam as bases, os
quadros e as vanguardas, e através do qual elas disputem o poder das classes
dominantes, deslocando-as do controle do Estado e do sistema de opressão
institucional “democrático”.”
“O que pensaria Trótski, hoje, diante dos
artifícios e traições intrínsecos ao debate sobre o “fim do socialismo” e a
“morte do marxismo”? Ele, que apontou precocemente a necessidade de uma
revolução política corretiva, seria certamente muito duro na condenação de um
“revisionismo” cego e destrutivo/ que não busca a renovação do socialismo
revolucionário, mas a sua transformação em joguete de uma guerra ideológica
suja. Não deixaria de assinalar que há uma colheita desastrosa de erros
acumulados, que poderiam ter sido evitados se a herança de Marx e Engels e o
exemplo de Lênin tivessem sido postos em prática.
Mas ele seria implacável com os “fariseus”,
que se proclamam socialistas ou ex-marxistas, mas cerram fileiras com as
correntes intelectuais da moda, a partir dos centros de produção cultural e de
propaganda das nações capitalistas centrais. A democracia que nasce do marxismo
nada tem a ver com a democracia plutocrática e militarista, que combina
promessas com repressão (no dizer de Miliband). Elas se alternam e se anulam,
dentro de um sistema capitalista de poder que comporta regularmente
manifestações assustadoras de fascismo potencial. Trótski converteria sua
caneta em uma chibata, desmascarando os defensores inconsequentes de um
social-democratismo que destina à periferia (e aos pobres “absolutos” ou
“relativos” de seus próprios povos) a “mudança social conservadora”. Ou seja, a
mudança social que reproduz a ordem existente e proscreve as alternativas
radicais à civilização sem barbárie.”
“Tanto na Europa quanto nos demais
continentes, a irradiação do capitalismo revelou a outra face: em escala
internacional, nem todos os comensais podem ser iguais. Para que uns floresçam,
outros crescem atrofiadamente. As burguesias dos países capitalistas atrofiados
(ou subdesenvolvidos) defrontaram-se com os riscos da revolução nacional em
verdadeiro estado de pânico, como se ela fosse uma catástrofe social. Como não
podiam impedi-la (isso é impossível sob o capitalismo), movimentaram-se dentro
da obscura selva da razão do “mundo moderno”, convertendo a dominação burguesa
em si mesma numa força social totalitária e o Estado nacional em instrumento
político institucionalizado dessa força. Temos aí, sem dúvida, uma forma
prática de desmascaramento ideológico.”
“Esse desfecho mostra aonde leva a aceleração
do desenvolvimento capitalista dependente, concebida e posta em prática pela
dominação burguesa como um fim em si e para si, e em condições nas quais o
resto da sociedade não pode impedir o monopólio exclusivo do poder do Estado
por um conglomerado de classes privilegiadas. A democracia se equaciona, como
realidade histórica viva, ao nível dos privilégios econômicos, sociais e
políticos dessas classes, ou seja, como uma democracia restrita, da qual só
participam efetivamente os membros de tais classes (ou, conforme as
circunstâncias, só as suas elites).”
“A renda (na década de 70) sofreu oscilações
que refletem o que ocorre em uma “sociedade nacional” quando interesses
privados deslocam os interesses coletivos e se impõem no lugar deles (a renda
se comprime ou deslancha no sentido inverso das probabilidades de acumulação
capitalista das classes sociais em presença). Os hábitos alimentares, as normas
de higiene e o padrão de vida, por sua vez, são também apanhados por essas
determinações: numa era de crescimento e de mudança, as duas ou três nações
coexistentes dentro da sociedade brasileira distanciam-se de modo acelerado,
ainda mais que no passado, ao mesmo tempo em que um consumismo destrutivo
impregna o topo e os setores intermediários, que passam a devastar recursos
escassos como se aí estivesse a mola do desenvolvimento capitalista e da
“institucionalização da revolução”. Por fim, a cultura é reprimida,
industrializada e condicionada segundo um código egoísta e obscurantista, que
repôs a imitação servil e a colonização cultural no centro das opções
históricas. A dominação externa e a imperialização atinge, aí, o âmago de nossa
vida e de nossa sociedade, levando a satelização ao fundo de nossas almas, de
nosso horizonte intelectual e de nossas aspirações coletivas, porque absorvemos
em massa o que nos impingem de fora para dentro. Que futuro pode restar a uma
nação capitalista dependente que confunde “interdependência” com uma política
irresponsável de repressão da cultura e de desenvolvimento cultural?”
“Portanto, é inócuo o apego a pequenas ou a
grandes fórmulas, como “a salvação pelo desenvolvimento” ou, ainda, “a
revolução pelo desenvolvimento”. Sob o capitalismo dependente, o
neocolonialismo retira a eficácia econômica, sociocultural e política do
próprio capitalismo. Ele já não é mais capaz de provocar grandes transformações
niveladoras, de sentido nacionalista e revolucionário; não engendra qualquer
modalidade de democratização da renda, do prestígio social e do poder, e muito
menos qualquer realidade política que lembre uma autêntica democracia burguesa.
Se provoca e acelera a descolonização, isso se dá dentro dos limites de uma
necessidade econômica imperiosa, pois não se pode modernizar a produção e a
circulação sem recorrer ao trabalho livre, à produção de escala e a mercados
nacionais. Todavia, a descolonização é contida ao nível social, cultural e
político, para que a imensa maioria possa continuar uma presa fácil de uma
arregimentação fascista, que se inculca “racional”, “humana”, “cristã” e
“democrática”. Uma hegemonia compósita de classe liga os interesses
capitalistas dominantes externos e internos, colocando o Estado nacional no
cerne mesmo da nova opressão colonial, pela qual a acumulação capitalista converte-se
em realidade política e é garantida (e não limitada ou impedida) pelo emprego
sistemático do poderio policial-militar dos governos.
Tudo isso faz com que a autonomização
nacional e a revolução nacional se desloquem, deixando de ser um elemento ou um
componente da transformação capitalista. Sem dúvida, esta preencheu tais
funções em alguns países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão. No entanto,
as condições que tornaram tais funções possíveis não são inerentes ao próprio
capitalismo, e, ao que parece, são incompatíveis com o capitalismo selvagem da
periferia. Na América Latina, na África e na Ásia, em nossos dias, o verdadeiro
desenvolvimento significa liberação revolucionária dirigida contra o
capitalismo e suas sequelas. Ele implica em levar a descolonização até o âmago
da economia, da sociedade, da cultura e da personalidade, de modo a não deixar
vivo nenhum liame colonial de exploração do homem pelo homem (mesmo “impessoal
e racional”, que é como se justifica a supremacia da acumulação capitalista sem
qualquer influência contrabalançadora do poder assalariado ou do poder
operário); e também a não deixar nenhuma via de restabelecimento às composições
da opressão neocolonialista. Aí está o busílis da questão: impedir que a
dominação burguesa imponha um neocolonialismo disfarçado e com uma
racionalidade própria em nome da “revolução pelo desenvolvimento” e da
“modernização” em si e para si.
O que acontece com o desenvolvimento
capitalista quando as burguesias nacionais partem de uma situação basicamente
dependente, estão destituídas de autonomia real no plano das estruturas
internacionais de poder e não se defrontam (ou ainda não se defrontam) com um
poder operário institucionalmente forte e organizado? Essa burguesia pode
suportar o jogo democrático e a revolução nacional enquanto ela própria dirige
todo o processo e não se vê, em nenhum ponto essencial, ameaçada quer pela
pressão externa do capitalismo internacional, quer pela pressão interna de um
Estado potencialmente dinâmico ou de uma força operária reivindicadora. No
entanto, ela se toma facilmente totalitária quando esse frágil equilíbrio se
rompe, e evolui depressa para formas de controle do Estado e de opressão
política que só encontram paralelos em momentos de crise da evolução do capitalismo
industrial na Europa e nos Estados Unidos. Militarização, poder e fascismo
surgem como respostas alternativas, que podem facilmente encadear-se,
engendrando um padrão de dominação burguesa rígido, “revolucionário” como
mistificação ideológica (porque, de fato, o que se procede é a
institucionalização da pressão contrarrevolucionária) e aberta à modernização
da qual se constitui um veículo natural (porque ainda aqui a modernização só
pode dar-se de fora para dentro e controlada a partir de fora). Todavia, bem
ponderadas as coisas, é esse o papel da burguesia nacional em tal contexto da
transformação capitalista e essa é a função da revolução burguesa em semelhante
contexto histórico. Essa burguesia é a digna descendente da “burguesia
clássica” e é tão útil para a continuidade e o aperfeiçoamento do capitalismo
quanto o foi aquela.”
“Uma colônia só pode crescer indefinidamente,
diferenciar-se (em termos de estruturas históricas) e alcançar algum grau
significativo de desenvolvimento próprio quando ela alcança poder real para
impor-se sobre e contra a metrópole, ignorar e esmagar seu absolutismo e
caminhar sobre seus próprios pés. O estratagema das nações capitalistas mais
dinâmicas e dominadoras sempre consistiu em imprimir à civilização ritmos muito
rápidos de evolução: os laços coloniais se redefiniam em liames neocoloniais ou
em uma pluralidade de relações de dependência sucessivas, o que provocou o
inferno dos chamados “países pobres” ou “periféricos”. Sempre perto da utopia,
da plenitude da fruição da civilização in
flux; nunca dispondo de meios para superar a brecha comercial, o “atraso” e
o “subdesenvolvimento”. Pois, quando logravam as condições para o salto
decisivo, as cadeias da situação colonial, neocolonial ou dependente
redefiniram-se em um nível mais alto e inatingível de desenvolvimento. Só os
Estados Unidos e o Japão escaparam desse destino, cortando a partir de dentro a
submissão existente ou possível. Os laços invisíveis da modernização como
capitulação fundam-se no consentimento recíproco dos que lucram e retiram poder
nos dois polos dessa relação podre, os privilegiados nativos e seus parceiros
do exterior.
Avançando nessa discussão, há os que
sustentam, nos países centrais e nos países periféricos, que a civilização
“pós-moderna” derrubou todas as barreiras, forjando um mundo só. Essa é uma
verdade de superfície e de extensão do conceito. A ideologia das nações
dominantes converte-se na ideologia das nações dominadas. O imperialismo
penetrou fundo em todos os recantos da terra: na razão e na percepção da
realidade; nos padrões de vestuário e nos estilos de vida; nos hábitos de comer
e de morar, etc. Isso para os que podem fazê-lo. Os excluídos das nações pobres
e proletárias só se servem dos restos do banquete. Os de cima e as camadas intermediárias
comungam, através da mídia televisiva e impressa, de uma supra-realidade que
não é a dos seus torrões natais. A descolonização, onde ela varreu as cabeças e
os pensamentos, algumas vezes derrotou essa universalidade postiça, que envolve
uma dualidade ética chocante. Só revoluções nacionalistas, onde elas foram
libertárias, conduzidas por valores religiosos arraigados, por ideais
socialistas em crisálida ou firmes, forçaram a descolonização a limpar modos de
ser, de agir e de pensar, apontando como referência a desalienação coletiva do
cárcere de luxo do capitalismo avançado. Todavia, esse processo entrou em
colapso. As revoluções na ciência pura, na ciência aplicada e na tecnologia de
ponta conferiram ao capitalismo oligopolista da era atual um poder de sedução e
de conquista jamais alcançado por qualquer civilização conhecida.
Não é o objeto deste escrito o estudo dessas
revoluções. Mas é preciso mencionar o que elas representam para povos e nações
que não são sujeitos da história em processo. É preciso insistir: capitalismo
oligopolista da era atual. Por quê? Pela simples evidência de que o capital
oligopolista em suas origens, quando realizou a “partilha do mundo” e alicerçou
as tragédias dos dias que correm, não possuía a força vital capaz de virar o
mundo de cabeça para baixo. Ele se entrelaçava com uma forma de imperialismo
que brotou das conquistas e das riquezas obtidas nas colônias e voltava-se para
a intensificação da produtividade do trabalho ou para a associação entre
capital financeiro, industrial e comercial, que fariam subir a acumulação de
capital a patamares nunca vistos. Redesenhava o mundo e punha o universo diante
de outra realidade histórica, o poder das nações capitalistas avançadas, por
cima das contradições de interesses e das guerras, erigiam-se paulatinamente,
com a ajuda dos geógrafos e dos “heróis” da tragédia moderna, na constituição
de um ordenamento jurídico internacional (ou na semente de um sistema
capitalista mundial de poder). Essa foi a primeira etapa de uma evolução, que
se exibe com o maior vigor possível em nossos dias, malgrado os obstáculos e os
conflitos. Esse mundo universal alterou-se e contém dentro de si os germes de
sua própria autodestruição. Mas a humanidade ainda não alcançou esse ápice
alvissareiro. O capital oligopolista da era atual abate-se sobre as nações
pobres e periféricas dentro de uma versão que oculta os elementos coloniais
diretos e indiretos e esconde a dependência, minimizando-a como uma espécie de
“transição de amadurecimento na comensalidade”.
A incorporação assume outro modelo, muito
mais sutil — nem por isso dissimulável. Redefinem-se os laços e os alvos da
dependência e o modo de concretizá-la. Não obstante, seus dois pré-requisitos
são arrasadores. Primeiro, o imperialismo hoje quer a rendição total.
Inventou-se uma lógica própria, a da privatização. Tudo o que foi
laboriosamente montado nos países “em desenvolvimento” da periferia melhor
aquinhoados deve ser privatizado, isto é, deve entrar numa partilha da riqueza,
oculta por trás de operações financeiras espoliativas e de negócios de
interesse mútuo e equivalente... Toda a infraestrutura do sistema de produção e
de circulação da periferia passou a ser obsoleto. Os parceiros estrangeiros
manejam, através de agências bancárias, de firmas gigantes e da diplomacia
estatal quem pode entrar nesse jogo e como os que entram devem comportar-se.
Não há meio termo. Primeiro, pôr a economia interna em ordem. Segundo, definir
as prioridades das operações estratégicas (na economia, na sociedade, na cultura
e no Estado). Terceiro, realizar o processo de sucessão como um trator, não
poupando nada nem ninguém. No passado, cunhei o conceito de “capitalismo
selvagem". O capitalismo oligopolista da era atual é “super-selvagem”: a
barbárie em coexistência com a civilização, que contém uma modalidade explosiva
comparável à da bomba de hidrogênio mais destrutiva. Negociantes, empresários,
tecnocratas, governos dos países sucateados, para ganhar uma dimensão
pós-moderna, são instrumentais para atingir esse fim, com a cooperação
inteligente, organizada e despótica dos organismos internacionais competentes.
Estamos vivendo essa experiência. Dispenso-me de descrevê-la.
A privatização é o símbolo mágico, a senha
que abre as vias de acesso garantido ao primeiro mundo. Só que, ainda neste
universo transfigurado pela ciência e pela tecnologia de ponta, a modernização
permanece presa às cadeias de Prometeu. O “país hospedeiro” não recebe as
descobertas, os capitais e os meios para se erigir em nação pós-moderna. O que
nele se expande são os componentes do espaço para que a florescente civilização
invasora atinja e incorpore a periferia a seu próprio desenvolvimento. Os
parceiros periféricos são desiguais e ficam com um rateio de benesses que os
promove em entidades desprezíveis. Há uma mancha em suas esperanças róseas:
eles compartilham o que entra em vias de obsoletização. Podem criar muitos
processos e produtos ultramodernos, mas nunca serão “competitivos”, em escala
mundial, para fazer frente às corporações gigantes em suas cidadelas
estratégicas e às nações centrais (e, por enquanto, à sua superpotência, os
Estados Unidos). A privatização é o novo “negócio da China” para as grandes
potências. E uma ilusão medíocre para os seus imitadores baratos, condenados a
colher os restos do banquete (pela associação ou pela compra de patentes e a
aquisição de empréstimos). Portanto, no contexto histórico de hoje, preserva-se
como forte equívoco a ideia de “decolagem para o desenvolvimento avançado”
mediante a privatização. O que esta provoca são dois processos translúcidos:
transferência de riqueza nacional mais ou menos gratuitamente aos parceiros
preferenciais estrangeiros. Transferência de parcelas da riqueza nacional de
maneira compensatória para as empresas gigantes nacionais e o capital
financeiro, como uma função de legitimação. O Estado recua covardemente de seus
deveres de defesa nacional — em territórios, gente e riqueza acumulada. Cede-as
ao usufruto da “iniciativa privada”.”
“Os sociólogos que se definem perante “as
exigências práticas da situação”, como se diz, perderam a liberdade da omissão.
Ao repudiar a “neutralidade científica”, eles se defrontam com um compromisso
intelectual que se equaciona, de modo imediato e imperativo, como um dever de
objetividade crítica, de responsabilidade política e de participação militante,
que forçam o “mundo acadêmico” a romper com o isolamento intelectual e
político, ao mesmo tempo que colocam um paradeiro à ritualização da
investigação sociológica institucionalizada. As duas oscilações conduzem, pois,
a um mesmo resultado, evidenciando que os critérios de verdade da ciência valem
tanto para a explicação da realidade quanto para a sua alteração.”
“Se se considera que Marx investigou não só o
capitalismo de sua época, mas as condições objetivas da produção e da
reprodução da acumulação capitalista acelerada, só seria possível negar as
“suas ideias” se o capitalismo se tivesse tornado o avesso de si próprio, ou
seja, se a mais-valia relativa, a manipulação econômica, social e política do
exército industrial de reserva, a concentração e a centralização do capital, as
classes e a dominação de classe, etc., tivessem desaparecido. Ora, isso não
ocorreu. As contradições do capitalismo monopolista e do imperialismo assumem
dimensões aterradoras exatamente por isso.”
“Marx e Engels tinham em mira tendências que
eram simultaneamente históricas e estruturais. A nova história, tanto na Europa
quanto nos países de origem colonial, iria exprimir, em primeiro lugar, estas
tendências estruturais, que se amoldou a modos de produção pré-capitalistas e,
mais tarde, os transformou e os destruiu. Em toda a parte, ao constituir-se, a
classe operária convertia-se em porta-voz natural dos oprimidos, qualquer que fosse
a sua proporção no conjunto da população local, e da mensagem política do
socialismo proletário. Segundo, se é importante recuperar o Manifesto do
Partido Comunista como um “clássico das ciências sociais”, mais importante
ainda é preservar a sua leitura política. Nesse ponto, o aparentemente
incurável entusiasmo revolucionário de Marx e Engels batia na tecla certa: a
sociedade de classes produz os seus coveiros e o fantasma que rondava a Europa
soltou-se, com o correr do tempo, por todo o mundo. Lograda as condições de um
desenvolvimento independente de classe, os operários têm de lançar-se à arena
política por suas próprias causas, libertando-se do patrocínio burguês e da
relação de cauda política com os interesses e as forças da ordem existente.
Essas tendências estruturais, que procedem da
organização social do modo de produção capitalista, não terão as mesmas
repercussões nos países-chave do capital industrial e financeiro e nos países
“hospedeiros” da colonização capitalista. Naqueles, independentemente do atraso
ou do avanço da burguesia, a revolução burguesa abriu caminhos reais à luta de
classes. Os vários estratos da burguesia (e mesmo da aristocracia ativa no
mundo dos negócios, em seus vários níveis) se aproveitaram da “causa do povo” e
das grandes promessas que antecederam e acompanharam a conquista do poder por
suas elites. A pressão proletária cavava, pois, sobre o sulco
pós-revolucionário e existia espaço histórico para formas variadas de
composição política. Quando essa pressão foi além da “revolução dentro da
ordem”, ameaçando a segurança e o controle do poder pela burguesia, esta
mostrou sua verdadeira face revolucionária: esmagou, primeiro na França e
depois em toda a Europa, as rebeliões populares e proletárias, que pretendiam
dar permanência ao aprofundamento da revolução. Ainda assim, o socialismo
proletário (e, inclusive, outras correntes do socialismo) desempenhou uma
função construtiva, obrigando as classes burguesas a constantes alterações da
ordem econômica, social e política. Por isso, a revolução democrática de
conteúdo burguês só é burguesa na contenção do impulso revolucionário das
massas populares e proletárias. Em posições clara e firmemente
contrarrevolucionárias, as classes burguesas absorveram seletivamente as
reivindicações revolucionárias que vinham de baixo para cima, diluindo-as e
anulando-as através de um reformismo de autodefesa, frequentemente
complementado pela aplicação retificadora da força bruta ou de controles
indiretos, mais ou menos eficientes. O capital procurou fortalecer-se,
concentrando seus esforços no sentido de aburguesar a aristocracia sindical e
operária, de manter os operários iludidos pela causa nacional (lembrem-se do
caso irlandês), de fragmentar de todas as formas possíveis a solidariedade
operária, de afogar o socialismo no descrédito político e na perseguição
policial, etc. O que não impedia que a burguesia tivesse de continuar a
aprofundar a revolução burguesa, sob um contexto histórico reacionário e
contrarrevolucionário (às vezes com a guerra civil a quente ajudando as
“reformas burguesas”...), concedendo aos movimentos proletários e socialistas
posições estratégicas de contra-ataque militante e de interferência nos
dinamismos do Estado representativo.”
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