Editora: Boitempo
Edição: Friedrich Engels
ISBN: 978-85-7559-390-5
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 984
Sinopse: Ver Parte
I
“Não se pode esquecer que a taxa geral de
lucro não está uniformemente determinada pelo mais-valor em todas as esferas da
produção. Não é o lucro agrícola que determina o lucro industrial, mas o
inverso.”
“Tudo
é efêmero.” (Friedrich Engels)
“(...)
Portanto, para o comprador, o direito sobre a renda não aparece como algo
obtido gratuitamente, sem o trabalho, que constitui o risco e o espírito
empreendedor do capital, mas como algo pago em troca de seu equivalente. Como
já observamos, a renda só lhe aparece como juros do capital com o qual ele
comprou as terras e, com elas, o direito a receber a renda. Da mesma forma, a
um senhor de escravos que tenha comprado um negro, sua propriedade sobre este
último não lhe aparece como tendo sido adquirida em virtude da instituição da
escravidão como tal, mas sim pela compra e pela venda de mercadoria. Mas a
venda não cria o título, ela apenas o transfere. O título precisa existir antes
de se poder aliená-lo, mas assim como uma venda não pode criar tal título,
tampouco o pode uma série inteira dessas mesmas vendas. O que efetivamente o
criou foram as relações de produção. Assim que estas cheguem a um ponto em que
precisem metamorfosear-se, desaparece a fonte material do título, econômica e
historicamente justificada, emanada do processo de geração social da vida e de
todas as transações nele fundadas. Do ponto de vista de uma formação econômica
superior da sociedade, a propriedade privada do globo terrestre nas mãos de
indivíduos isolados parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um ser
humano sobre outro ser humano. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, ou, mais
ainda, todas as sociedades contemporâneas reunidas não são proprietárias da
Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e, como boni patres
familias [bons pais de famílias], devem legá-la melhorada às gerações
seguintes.”
“As
mediações das formas irracionais em que se apresentam e se resumem determinadas
condições econômicas não importam nada aos agentes práticos dessas condições
econômicas em sua atividade cotidiana, e estes, por estarem acostumados a se
mover no interior delas, não ficam nem um pouco escandalizados com isso. Uma
absoluta contradição não tem nada de misterioso para eles. Dentro das formas de
manifestação que, abstraídas de seu contexto e tomadas isoladamente, são
absurdas, eles se sentem tão à vontade quanto um peixe na água. Aqui é válido o
que diz Hegel com referência a certas fórmulas matemáticas, a saber, que aquilo
que o senso comum considera irracional é racional, e o que ele considera
racional é a própria irracionalidade*.”
*: [Georg Wilhelm Friedrich] Hegel, Encyclopädie
der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse, 1. Th. Die Logik. [Hrsg. von Leopold
von Hennig], em Werke, v.
6 (Berlim, 1840), p. 404 [Ed. bras.: Enciclopédia das ciências filosóficas
em compêndio, v. 1: A ciência da lógica, trad. Paulo Meneses, São
Paulo, Loyola, 1995]. (N. E. A.)
“Já observamos que o sistema monetário proclama corretamente a produção
para o mercado mundial e a transformação do produto em mercadoria – portanto,
em dinheiro – como pressuposto e condição da produção capitalista. No sistema
mercantilista, que é a continuação do sistema monetário, o decisivo já não é a
transformação do valor-mercadoria em dinheiro, mas a produção de mais-valor,
porém, a partir do ponto de vista não conceitual da esfera da circulação e de
tal modo que esse mais-valor é representado em mais-dinheiro, em excedente da
balança comercial. Ao mesmo tempo, o que constitui propriamente os interesses
de comerciantes e fabricantes daquela época, bem como a fase do desenvolvimento
capitalista por eles representada, é que, na transformação das sociedades
agrícolas feudais em industriais e na correspondente competição industrial
entre as nações no mercado mundial, o que verdadeiramente importa é um rápido
desenvolvimento do capital, que não se pode obter pelas chamadas vias naturais,
mas apenas por meios coercitivos. Há uma enorme diferença se o capital nacional
se transforma gradual e lentamente em capital industrial ou se essa
transformação se acelera devido a impostos que, por meio de tarifas
protecionistas, recaem principalmente sobre proprietários de terras, pequenos e
médios camponeses e artesãos; por meio da rápida expropriação dos produtores
independentes, da acumulação e concentração fortemente aceleradas dos capitais,
numa palavra, por meio da criação das condições do modo de produção capitalista.
Ao mesmo tempo, isso faz uma enorme diferença na exploração capitalista e
industrial da força produtiva natural da nação. O caráter nacional do sistema
mercantilista não é, assim, uma mera fraseologia na boca de seus porta-vozes.
Sob o pretexto de ocupar-se apenas com a riqueza da nação e as fontes de
recursos do Estado, eles na verdade declaram os interesses da classe
capitalista e o enriquecimento em geral como fim último do Estado e proclamam a
sociedade burguesa contra o antigo Estado de direito divino. Ao mesmo tempo,
porém, está presente a consciência de que o desenvolvimento do interesse do
capital e da classe capitalista, da produção capitalista, tornou-se a base do
poder nacional e da supremacia nacional na sociedade moderna.
Além
disso, os fisiocratas têm razão ao dizer que, de fato, toda produção de
mais-valor, e portanto também todo desenvolvimento do capital, de acordo com
sua base natural, repousa sobre a produtividade do trabalho agrícola. Se os
homens não fossem capazes de produzir numa jornada de trabalho mais meios de
subsistência, ou seja, em sentido estrito, mais produtos agrícolas, do que cada
trabalhador necessita para sua própria reprodução, se o dispêndio diário de sua
força inteira de trabalho só bastasse para produzir seus meios individuais de
subsistência mais indispensáveis, então não se poderia absolutamente falar de
mais-produto, nem de mais-valor. Uma produtividade do trabalho agrícola que
supere a necessidade individual do trabalhador é a base de toda sociedade e
sobretudo a base da produção capitalista, que libera uma parcela cada vez maior
da sociedade da produção de meios de subsistência imediatos e, como diz
Steuart, a transforma em free hands [mãos livres], tornando-a disponível
para a exploração em outras esferas.”
“A economia vulgar se caracteriza precisamente por repetir aquilo que,
num certo estágio já superado do desenvolvimento, era novo, original e justificado,
numa época em que isso se tornou raso, maçante e falso.”
“A
forma econômica específica em que o mais-trabalho não pago é extraído dos
produtores diretos determina a relação de dominação e servidão, tal como esta
advém diretamente da própria produção e, por sua vez, retroage sobre ela de
modo determinante. Nisso se funda, porém, toda a estrutura da entidade
comunitária econômica, nascida das próprias relações de produção; simultaneamente
com isso, sua estrutura política peculiar. Em todos os casos, é na relação
direta entre os proprietários das condições de produção e os produtores diretos
– relação cuja forma eventual sempre corresponde naturalmente a determinada fase
do desenvolvimento dos métodos de trabalho e, assim, a sua força produtiva
social – que encontramos o segredo mais profundo, a base oculta de todo o
arcabouço social e, consequentemente, também da forma política das relações de
soberania e de dependência, isto é, da forma específica do Estado existente em
cada caso. Isso não impossibilita que a mesma base econômica – a mesma no que
diz respeito às condições principais –, graças a inúmeras circunstâncias
empíricas de diversos tipos, condições naturais, raciais, influências
históricas externas etc., manifeste-se em infinitas variações e matizes, que só
se podem compreender por meio de uma análise dessas circunstâncias empíricas.”
“A economia vulgar, com efeito, não faz mais que interpretar,
sistematizar e louvar doutrinariamente as concepções dos agentes presos dentro
das relações burguesas de produção. Não nos deve surpreender, portanto, que
ela, precisamente na forma de manifestação alienada das relações econômicas,
nas quais essas aparecem, prima facie [à primeira vista], como contradições
totais e absurdas – e toda a ciência seria supérflua se a forma de manifestação
e a essência das coisas coincidissem imediatamente –, se sinta aqui
perfeitamente à vontade e que essas relações lhe apareçam tanto mais naturais
quanto mais escondida se encontrar nela a correlação interna, ao mesmo tempo em
que são correntes para a concepção comum.”
“O
processo de produção capitalista é uma forma historicamente determinada do
processo social de produção em geral. Este último é tanto um processo de
produção das condições materiais de existência da vida humana como um processo
que, operando-se em condições histórico-econômicas de produção específicas,
produz e reproduz essas mesmas relações de produção e, com elas, os portadores
desse processo, suas condições materiais de existência e suas relações mútuas,
isto é, sua determinada formação socioeconômica. A totalidade dessas relações
que os portadores dessa produção estabelecem com a natureza e entre si,
relações na quais ele produzem, é justamente a sociedade, considerada em sua
estrutura econômica. Como todos os processos de produção antecedentes, a
produção capitalista está submetida a determinadas condições materiais que, no
entanto, contêm em si relações sociais determinadas que os indivíduos
estabelecem no processo de reprodução da vida. Aquelas condições, assim como essas
relações, são, por um lado, pressupostos e, por outro, resultados e criações do
processo de produção capitalista, que os produz e reproduz. Vimos, além disso,
que o capital – e o capitalista não é mais do que o capital personificado, que
funciona no processo de produção apenas como portador do capital –, logo, o
capital durante o processo social de produção que lhe corresponde, extrai
determinada quantidade de mais-trabalho dos produtores diretos ou dos
trabalhadores, mais-trabalho que o capitalista recebe sem equivalente e que,
conforme sua essência, continua sempre a ser trabalho forçado, por mais que
possa aparecer como resultado de um contrato livremente consentido. Esse
mais-trabalho se representa num mais-valor, e esse mais-valor existe num mais-produto.
Mais-trabalho em geral, como trabalho que vai além das necessidades dadas, tem
de continuar a existir sempre. No sistema capitalista, porém, assim como no
sistema escravista etc., ele assume uma forma antagônica e recebe um
complemento no puro ócio de uma parte da sociedade. A necessidade de
assegurar-se contra fatos acidentais e a indispensável e progressiva expansão
do processo de reprodução – expansão que corresponde ao desenvolvimento das
necessidades e ao progresso da população, o que, do ponto de vista capitalista,
se chama acumulação – exigem determinada quantidade de mais-trabalho. O capital
tem como um de seus aspectos civilizadores o fato de extrair esse mais-trabalho
de maneira e sob condições mais favoráveis ao desenvolvimento das forças
produtivas, das relações sociais e à criação dos elementos para uma nova
formação, superior às formas anteriores da escravidão, da servidão etc. Isso
conduz, por um lado, a uma fase em que desaparecem a coerção e a monopolização
do desenvolvimento social (inclusive de suas vantagens materiais e
intelectuais) por uma parte da sociedade à custa da outra; por outro lado, cria
os meios materiais e o germe de relações que, numa forma superior da sociedade,
permitirão unir esse mais-trabalho a uma redução maior do tempo dedicado ao
trabalho material em geral, pois, na medida do desenvolvimento da força
produtiva do trabalho, o mais-trabalho pode ser grande com uma breve jornada
total de trabalho e relativamente pequeno com uma grande jornada total de trabalho.
Digamos que o tempo de trabalho necessário seja = 3 e o mais-trabalho = 3; a
jornada total de trabalho será, então, = 6 e a taxa do mais-trabalho = 100%. Se
o trabalho necessário for = 9 e o mais-trabalho for = 3, então a jornada total
de trabalho será = 12 e a taxa de mais-trabalho será apenas = 33⅓%. Assim, da produtividade do trabalho depende
quanto valor de uso se produz em determinado tempo e, portanto, também em certo
tempo de mais-trabalho. A riqueza efetiva da sociedade e a possibilidade de
ampliar constantemente seu processo de produção não dependem, desse modo, da
duração do mais-trabalho, mas de sua produtividade e das condições mais ou
menos abundantes de produção em que ela tem lugar. Com efeito, o reino da
liberdade só começa onde cessa o trabalho determinado pela necessidade e pela
adequação a finalidades externas; pela própria natureza das coisas, portanto, é
algo que transcende a esfera da produção material propriamente dita. Do mesmo
modo como o selvagem precisa lutar com a natureza para satisfazer suas
necessidades, para conservar e reproduzir sua vida, também tem de fazê-lo o
civilizado – e tem de fazê-lo em todas as formas da sociedade e sob todos os
modos possíveis de produção. À medida de seu desenvolvimento, amplia-se esse
reino da necessidade natural, porquanto se multiplicam as necessidades; ao
mesmo tempo, aumentam as forças produtivas que as satisfazem. Aqui, a liberdade
não pode ser mais do que o fato de que o homem socializado, os produtores
associados, regulem racionalmente esse seu metabolismo com a natureza,
submetendo-o a seu controle coletivo, em vez de serem dominados por ele como
por um poder cego; que o façam com o mínimo emprego de forças possível e sob as
condições mais dignas e em conformidade com sua natureza humana. Mas este
continua a ser sempre um reino da necessidade. Além dele é que tem início o
desenvolvimento das forças humanas, considerado como um fim em si mesmo, o
verdadeiro reino da liberdade, que, no entanto, só pode florescer tendo como
base aquele reino da necessidade. A redução da jornada de trabalho é a condição
básica.”
“Em
nosso exame das categorias mais simples do modo de produção capitalista, e
mesmo da produção de mercadorias, ao investigarmos a mercadoria e o dinheiro,
já destacamos o caráter mistificador que faz com que as relações sociais, às
quais os elementos materiais da riqueza servem como portadores na produção,
sejam transformadas em atributos dessas próprias coisas (mercadorias) e, ainda
mais explicitamente, a própria relação de produção em uma coisa (dinheiro).
Todas as formas sociais, na medida em que conduzem à produção de mercadorias e
à circulação de dinheiro, tomam parte nessa distorção. Mas no modo de produção
capitalista e no caso do capital, que é sua categoria dominante, sua relação de
produção determinante, esse mundo encantado e distorcido se desenvolve com
força ainda maior. Considerando primeiro o capital no processo imediato de
produção, como extrator de mais-trabalho, essa relação é ainda muito simples, e
a conexão real interna se impõe aos portadores desse processo, aos próprios
capitalistas, permanece em sua consciência. A intensa luta em torno dos limites
da jornada de trabalho é uma prova decisiva disso. Mesmo no interior dessa
esfera não mediada, na esfera do processo direto entre trabalho e capital, as
coisas não são tão simples. Ao desenvolver-se o mais-valor relativo no próprio
modo de produção especificamente capitalista, com o qual se desenvolvem as
forças produtivas sociais do trabalho, essas forças produtivas e as conexões
sociais do trabalho aparecem no processo imediato de trabalho como tendo sido
deslocadas do trabalho para o capital. Desse modo, o capital já se transforma
num ente altamente místico, na medida em que todas as forças produtivas sociais
do trabalho aparecem como forças pertencentes ao capital, e não ao trabalho
como tal, como forças que têm origem no seu próprio seio. Logo entra em cena o
processo de circulação, em cujo metabolismo e em cuja metamorfose recaem todas
as partes do capital, inclusive do capital agrícola, no mesmo grau em que se
desenvolve o modo de produção especificamente capitalista. Trata-se, aqui, de
uma esfera em que as relações da produção originária de valor caem para um
segundo plano. Já no processo direto de produção, o capitalista desempenha
simultaneamente as funções de produtor de mercadorias e de diretor da produção.
Tal processo de produção, por isso, não se lhe apresenta de maneira nenhuma
como mero processo de produção de mais-valor. Porém, qualquer que seja o
mais-valor que o capital tenha extraído no processo imediato de produção e
tenha representado em mercadorias, o valor e o mais-valor incorporados nas
mercadorias hão de realizar-se apenas no processo de circulação. E tanto a
restituição dos valores adiantados na produção como, sobretudo, o mais-valor
incorporado nas mercadorias parecem não só se realizar na circulação, mas
surgir dela, aparência que se reforça especialmente por duas circunstâncias:
primeiro, o lucro na venda, que depende de fraude, astúcia, experiência,
destreza e de mil contingências de mercado; acrescente-se, ainda, a
circunstância de que aqui, ao lado do tempo de trabalho, entra um segundo
elemento determinante, o tempo de circulação. Este, é verdade, só funciona como
obstáculo negativo à formação de valor e de mais-valor, mas aparenta ser uma
causa tão positiva quanto o próprio trabalho e prover uma determinação derivada
da natureza do capital e independente do trabalho. É evidente que, no Livro II,
só tivemos de apresentar essa esfera da circulação em relação às determinações
formais que ela gera e remeter ao desenvolvimento ulterior da figura do capital
que nela se verifica. Mas essa esfera é, na verdade, a esfera da concorrência
que, considerada em cada caso particular, é dominada pelo acaso; portanto, a
lei interna que se impõe nesses acasos e os regula só se torna visível assim
que esses acasos se agrupam em grandes massas, nos casos em que, portanto, ela
mesma fica invisível e se torna incompreensível para os agentes individuais da
produção. Além disso, o processo real de produção, no qual se conjugam o
processo imediato de produção e o processo de circulação, engendra novas
configurações, nas quais se torna cada vez mais difícil identificar a conexão
interna; as relações de produção tornam-se independentes umas das outras e os
componentes de valor se ossificam em formas autônomas.
Como
vimos, a transformação do mais-valor em lucro é determinada tanto pelo processo
de circulação quanto pelo processo de produção. O mais-valor, na forma de
lucro, já não se refere à parte do capital desembolsada em trabalho, do qual
ele deriva, mas ao capital total. A taxa de lucro é agora regulada por leis
próprias, que possibilitam e até condicionam uma alteração dela mesma, com uma
taxa constante de mais-valor. Tudo isso contribui para esconder cada vez mais a
verdadeira natureza do mais-valor e, por conseguinte, o verdadeiro mecanismo
que move o capital. Isso ocorre ainda mais por obra da transformação do lucro
em lucro médio e dos valores em preços de produção, nas médias reguladoras dos
preços de mercado. Aqui intervém um processo social bastante complexo, o
nivelamento dos capitais, que, por meio de capitais específicos, estabelece uma
separação entre, por um lado, o preço médio relativo das mercadorias e seu
valor e, por outro, entre os lucros médios nas diferentes esferas da produção e
a exploração real do trabalho (prescindindo completamente da análise dos
investimentos individuais de capital em cada esfera particular da produção).
Não só parece ser esse o caso, mas aqui, de fato, o preço médio das mercadorias
não coincide com seu valor, isto é, com o trabalho nelas realizado, e o lucro
médio de um capital específico é distinto do mais-valor que esse capital
extraiu dos trabalhadores por ele empregados. O valor das mercadorias só
aparece diretamente na influência da força produtiva flutuante do trabalho
sobre a alta e a baixa dos preços de produção, sobre seu movimento, e não sobre
seus limites últimos. O lucro aparece determinado pela exploração imediata do
trabalho apenas de maneira secundária, na medida em que esta possibilita ao
capitalista, com os preços reguladores do mercado que aparentemente independem
dessa exploração, realizar um lucro distinto do lucro médio. Os próprios lucros
médios normais aparentam ser intrínsecos ao capital, independentes da
exploração; a exploração anormal, ou mesmo a exploração média sob condições
excepcionalmente favoráveis, parecem condicionar tão somente a variação quanto
ao lucro médio, e não este último. A autonomização da forma do mais-valor, sua
ossificação em relação a sua substância, a sua essência, completa-se com a
divisão do lucro em lucro empresarial e juros (para não falar da atuação do
lucro comercial e do lucro no comércio de dinheiro, que se fundam na circulação
e parecem derivar inteiramente dela, e não do processo de produção). Uma parte
do lucro separa-se inteiramente da relação de capital propriamente dita e, em
oposição à outra parte, apresenta-se como derivada não da função de exploração
do trabalho assalariado, mas do trabalho assalariado do próprio capitalista. Em
contrapartida, os juros aparecem, então, como independentes, seja do trabalho
assalariado do trabalhador, seja do próprio trabalho do capitalista, e como
tendo origem no capital como sua fonte própria e independente. Se o capital apareceu
originalmente, na superfície da circulação, como fetiche de capital, como valor
que cria valor, agora ele se apresenta outra vez na forma do capital que rende
juros, que é sua forma mais estranhada e peculiar. Por isso, também a fórmula
“capital-juros”, como terceiro termo para “terra-renda” e “trabalho-salário”, é
muito mais razoável do que “capital-lucro”, uma vez que no lucro persiste
sempre uma lembrança de sua origem, ao passo que, nos juros, ela não só é
apagada, mas condensada numa forma firmemente contraposta essa origem.
Por
último, ao lado do capital como fonte autônoma de mais-valor, surge a
propriedade fundiária como algo que limita o lucro médio e transfere uma parte
do mais-valor para uma classe que propriamente não trabalha nem explora trabalhadores
de maneira direta; tal como o capital que rende juros, não lhe é possível
recorrer a lenitivos moralmente edificantes, como, por exemplo, o risco e o
sacrifício intrínsecos ao empréstimo de capital. Como aqui uma parte do
mais-valor não parece diretamente vinculada a relações sociais, mas a um
elemento natural, a terra, então se completa a forma na qual as diferentes
partes do mais-valor se estranham e ossificam reciprocamente, a conexão interna
é definitivamente rompida e a fonte do mais-valor fica completamente soterrada,
precisamente devido à autonomização mútua das relações de produção, vinculadas
aos diversos elementos materiais do processo de produção.
Em
capital-lucro, ou, melhor ainda, capital-juros, terra-renda fundiária,
trabalho-salário – essa trindade econômica que conecta os componentes do valor
e da riqueza em geral com suas fontes –, está consumada a mistificação do modo
de produção capitalista, a reificação das relações sociais, o amálgama imediato
das relações materiais de produção com sua determinação histórico-social: o
mundo encantado, distorcido e de ponta-cabeça, em que monsieur Le
Capital e madame La Terre vagueiam suas fantasmagorias como caracteres
sociais e, ao mesmo tempo, como meras coisas. O principal mérito da economia
clássica é o de ter dissolvido essa falsa aparência, essa empulhação, essa autonomização
e ossificação recíprocas dos diferentes elementos sociais da riqueza, essa
personificação das coisas e essa reificação das relações de produção, essa
religião da vida cotidiana, ao reduzir os juros a uma parte do lucro e a renda
ao excedente sobre o lucro médio, de maneira que ambos passam a coincidir no
mais-valor; com isso, ela representa o processo de circulação como mera
metamorfose das formas e, por último, no processo direto de produção, reduz o
valor e o mais-valor das mercadorias ao trabalho. Ainda assim, mesmo seus mais
destacados representantes, como não poderia deixar de ser do ponto de vista
burguês, continuam mais ou menos prisioneiros do mundo da aparência que sua
crítica extinguiu e, por isso, recaem todos eles, em maior ou menor grau, em
inconsequências, semiverdades e contradições irresolvidas. Em contrapartida, é
natural que os agentes reais da produção se sintam plenamente à vontade nessas
formas estranhadas e irracionais de capital-juros, terra-renda,
trabalho-salário, pois elas constituem precisamente as configurações da
aparência em que tais agentes se movem e com as quais lidam todos os dias. Por
isso, é também natural que a economia vulgar, que não é nada além de uma
tradução didática, doutrinária em maior ou menor grau, das concepções correntes
dos agentes reais da produção, nas quais ela introduz certa ordem inteligível,
encontre precisamente nessa trindade, na qual está extinto todo nexo interno, a
base natural e indubitável de sua altivez trivial. Ao mesmo tempo, ao proclamar
e elevar à qualidade de dogma a necessidade natural e a legitimação eterna de
suas fontes de rendimentos, essa fórmula corresponde ao interesse das classes
dominantes.
Ao
expor a reificação das relações de produção e sua autonomização frente aos
agentes da produção, não analisamos de que maneira as conexões que permeiam o
mercado mundial, suas circunstâncias, o movimento dos preços de mercado, os
períodos do crédito, os ciclos da indústria e do comércio, a alternância de
prosperidade e crise se lhes apresentam como leis naturais todo-poderosas, que
os dominam contra a sua vontade e se impõem a eles como uma necessidade
natural, cega. E não o fizemos porque o movimento real da concorrência
encontra-se fora de nosso escopo e pretendemos expor apenas a organização
interna do modo de produção capitalista, por assim dizer, em sua média ideal.
Em
formas anteriores de sociedade, essa mistificação econômica só ocorre com
relação ao dinheiro e ao capital que rende juros. Pela natureza das coisas, ela
se encontra excluída, primeiro, de onde predomina a produção para o valor de
uso, com o fim de satisfazer diretamente as próprias necessidades imediatas;
segundo, de onde a escravidão ou a servidão formam a ampla base da produção
social, como era o caso na Antiguidade e Idade Média – aqui, o domínio das
condições de produção sobre os produtores se esconde por trás das relações de
dominação e servidão, que aparecem e são visíveis como os motores diretos do
processo de produção. Nas comunidades primitivas, nas quais impera o comunismo
natural-espontâneo, e mesmo nas antigas comunidades urbanas, a base da produção
são essas mesmas comunidades, com suas condições, e seu fim último não é mais
que sua própria reprodução. Mesmo no sistema corporativo medieval, nem o
capital nem o trabalho aparecem desvinculados, mas suas relações aparecem
determinadas pelo sistema de corporações e pelas circunstâncias ligadas a ele,
assim como pelas correspondentes ideias de dever profissional, maestria etc.
Apenas no modo de produção capitalista*...”
* Aqui
o manuscrito se interrompe. (N. E. A.)
“A
indulgente boa vontade em descobrir no mundo burguês o melhor dos mundos
possíveis substitui, na economia vulgar, todas as exigências do amor à verdade
e do impulso à pesquisa científica.”
“O novo valor agregado pelo novo trabalho anualmente incorporado ao
produto – por conseguinte, também a parte do produto anual em que esse valor se
representa e que pode ser extraída, separada do produto total – se decompõe,
pois, em três partes, que assumem três diferentes formas de rendimento. Dessas
formas, a primeira expressa uma parte desse valor como pertencente ao possuidor
da força de trabalho, a segunda, outra parte como pertencente ao possuidor do
capital, e a última, uma terceira parte como pertencente ao possuidor da
propriedade fundiária; ou cada parte, portanto, recaindo em cada um deles.
Essas são, pois, relações ou formas da distribuição, pois exprimem as relações
em que o novo valor total gerado se distribui entre os possuidores das
diferentes forças atuantes na produção.
Segundo
a concepção habitual, essas relações de distribuição aparecem como relações
naturais, como relações derivadas pura e simplesmente da natureza de toda
produção social, das leis da produção humana. Não se pode negar, é claro, que
as sociedades pré-capitalistas mostram outros modos de distribuição, mas estes
são interpretados como não desenvolvidos, imperfeitos e disfarçados, como
diferentemente matizados daquelas relações naturais de distribuição; como modos
que não estão reduzidos a sua expressão mais pura nem a sua configuração mais
alta.
A
única coisa correta nessa concepção é a seguinte: uma vez suposta uma produção
social de qualquer tipo (por exemplo, a das comunidades primitivas hindus, naturais-espontâneas,
ou a do comunismo dos peruanos, desenvolvido mais artificialmente), é sempre
possível distinguir entre a parte do trabalho cujo produto é consumido direta e
individualmente pelos produtores e seus familiares e – abstraindo da parte que recai
no consumo produtivo – outra parte, que sempre é mais-trabalho, cujo produto
serve sempre para satisfazer necessidades sociais gerais, independentemente de
como esse mais-produto seja distribuído e de quem atue como representante
dessas necessidades sociais. A identidade dos diferentes modos de distribuição
faz, portanto, com que eles resultem idênticos, uma vez que tenhamos abstraído
de suas diferenciações e suas formas específicas e só retenhamos a unidade que
há neles, por oposição a suas diferenças.
No
entanto, uma consciência mais evoluída, mais crítica, é capaz de reconhecer o
caráter historicamente desenvolvido das relações de distribuição[56a],
mas, em contrapartida, aferra-se com mais firmeza ao caráter constante das
próprias relações de produção, que seriam assim originárias da natureza humana
e, por conseguinte, independentes de todo o desenvolvimento histórico.
Pelo
contrário, a análise científica do modo de produção capitalista demonstra ser
ele um modo de produção peculiar, com uma determinação histórica específica;
que, como qualquer outro modo de produção determinado, ele pressupõe, como sua
condição histórica, um certo nível das forças sociais produtivas e de suas
formas de desenvolvimento, uma condição que, por sua vez, é ela mesma resultado
e produto histórico de um processo anterior e do qual o novo modo de produção
parte como de sua base dada; que as relações de produção que correspondem a
esse modo de produção específico e historicamente determinado – relações que os
homens contraem no processo de sua vida social e na criação desta última – possuem
um caráter específico, histórico e transitório; e que, por fim, as relações de
distribuição são essencialmente idênticas a essas relações de produção,
expressando-as de modo reverso, de tal forma que ambas compartilham do mesmo
caráter historicamente transitório.
Ao
examinarmos as relações de distribuição, tomamos como ponto de partida, antes
de mais nada, o fato presumido de que o produto anual se divide em salário,
lucro e renda fundiária. Assim enunciado, o fato é falso. Por um lado, o
produto se divide em capital e, por outro, em rendimentos. Um desses rendimentos,
o salário, assume sempre, por sua vez, uma única forma de rendimento, o
rendimento do trabalhador, mas só depois de ter se defrontado previamente com
esse mesmo trabalhador na forma de capital. Para que os produtores
imediatos possam se defrontar com as condições de trabalho produzidas e os
produtos do trabalho em geral na forma de capital é necessário que, desde um
primeiro momento, as condições materiais de trabalho tenham assumido um caráter
social determinado frente aos trabalhadores e, com isso, que estes também
tenham estabelecido, na própria produção, uma relação determinada com os
possuidores das condições de trabalho e entre si. Por sua vez, a transformação
dessas condições de trabalho em capital implica igualmente a expropriação dos
produtores diretos e, desse modo, uma determinada forma de propriedade
fundiária.
Se
uma parte do produto não se transformasse em capital, a outra não assumiria as
formas de salário, lucro e renda.
Por
outro lado, se o modo de produção capitalista pressupõe essa configuração
social determinada das condições de produção, ele a reproduz constantemente.
Não só produz os produtos materiais, mas reproduz constantemente as relações de
produção em que aqueles são produzidos e, com isso, também as relações de
distribuição correspondentes.
Pode-se
afirmar, no entanto, que o próprio capital (e a propriedade da terra, que ele
inclui como sua antítese) já pressupõe uma distribuição: a expropriação dos
trabalhadores em relação a suas condições de trabalho, a concentração dessas
condições nas mãos de uma minoria de indivíduos, a propriedade exclusiva da
terra por outros indivíduos e, em suma, todas as relações que foram expostas na
seção sobre a acumulação primitiva (Livro I, capítulo 24). Essa distribuição,
porém, é completamente diferente daquilo que se entende por relações de
distribuição, na medida em que se reivindica para estas, em oposição às
relações de produção, um caráter histórico. Com isso, referimo-nos aos
diferentes títulos na parte do produto que recai no consumo individual. Em
contrapartida, essas relações de distribuição formam os fundamentos de funções
sociais específicas que, no interior da própria relação de produção, competem a
determinados agentes desta última, em oposição aos produtores imediatos. Elas
conferem, assim, uma qualidade social específica às próprias condições de
produção e a seus representantes, determinando completamente o caráter e o
movimento da produção.
Há
dois traços característicos que distinguem de antemão o modo de produção
capitalista.
Primeiro, ele produz seus produtos como
mercadorias. Produzir mercadorias não o distingue de outros modos de produção,
mas sim o fato de que ser mercadoria constitui o caráter dominante e determinante
de seu produto. Isso implica, desde já, que o próprio trabalhador só aparece
como vendedor de mercadoria e, por isso, como assalariado livre, ou seja, que o
trabalho aparece em geral como trabalho assalariado. Depois do que
desenvolvemos até aqui, é supérfluo demonstrar novamente de que modo a relação
entre capital e trabalho assalariado determina todo o caráter do modo de
produção. Os principais agentes desse modo de produção, o capitalista e o
trabalhador assalariado, são apenas, como tais, encarnações, personificações do
capital e do trabalho assalariado, caracteres sociais determinados que o
processo de produção social estampa nos indivíduos; são produtos dessas
relações sociais de produção determinadas.
O
caráter 1) do produto como mercadoria e 2) da mercadoria como produto do
capital já implica o conjunto das relações de circulação, isto é, um processo
social determinado que os produtos precisam percorrer e no qual adquirem certos
caracteres sociais; implica também determinadas relações entre os agentes da
produção, as quais determinam a valorização de seu produto e sua reconversão,
seja em meios de subsistência, seja em meios de produção. Mesmo abstraindo
disso, toda a determinação do valor e a regulação da produção total pelo valor
derivam dos dois caracteres acima mencionados: do produto como mercadoria ou da
mercadoria como mercadoria produzida de maneira capitalista. Nessa forma bem
específica do valor, o trabalho só conta, por um lado, como trabalho social;
por outro lado, a distribuição desse trabalho social e a complementação mútua,
o metabolismo de seus produtos, a subordinação à engrenagem social e a inclusão
nesta última dependem de ações fortuitas, que se anulam reciprocamente, dos
produtores capitalistas individuais. Como estes só se defrontam como
possuidores de mercadorias e cada um tenta vender sua mercadoria o mais caro
possível (e mesmo, ao que parece, guiando-se apenas por seu arbítrio na
regulação da própria produção), a lei interna só se faz valer pela mediação de
sua concorrência, da pressão recíproca de uns sobre os outros, em virtude da
qual as divergências se anulam mutuamente. A lei do valor só opera aqui, diante
de agentes individuais, como lei intrínseca, como lei natural cega, e impõe o
equilíbrio social da produção em meio a suas flutuações ocasionais.
Além
disso, na mercadoria, e mais ainda na mercadoria como produto do capital, já
está incluído aquilo que caracteriza todo o modo de produção capitalista: a
reificação das determinações sociais da produção e a subjetivação das bases
materiais da produção.
O segundo
traço que caracteriza especialmente o modo de produção capitalista é a produção
do mais-valor como finalidade direta e motivo determinante da produção. O
capital produz essencialmente capital, e só o faz na medida em que produz
mais-valor. Ao examinar o mais-valor relativo e, além disso, ao considerar a
transformação do mais-valor em lucro, vimos como nisso se encontram as bases de
um modo de produção peculiar ao período capitalista: uma forma especial do
desenvolvimento das forças sociais produtivas do trabalho, mas como forças do
capital autonomizadas diante do trabalhador e, por conseguinte, em antítese
direta com seu próprio desenvolvimento, com o desenvolvimento do trabalhador.
Como mostramos ao longo do desenvolvimento da análise, a produção para o valor
e para o mais-valor implica a tendência sempre presente de reduzir o tempo de
trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, isto é, seu valor,
abaixo da média social que vigora na realidade. A avidez por reduzir o preço de
custo a seu mínimo se converte na mais forte alavanca para o aumento da força
produtiva social do trabalho, que aqui, porém, aparece apenas como aumento
constante da força produtiva do capital.
A
autoridade que o capitalista assume no processo direto de produção como
personificação do capital, a função social que ele exerce como condutor e
dominador da produção, é fundamentalmente distinta da autoridade baseada na
produção com escravos, servos etc.
Enquanto
na base da produção capitalista a massa dos produtores diretos se confronta com
o caráter social de sua produção na forma de uma autoridade rigorosamente
reguladora e de um mecanismo social do processo de trabalho articulado de modo
inteiramente hierárquico – autoridade que, no entanto, só se investe em seus
portadores como personificação das condições de trabalho diante do trabalho, e
não, como em formas anteriores de produção, como dominadores políticos ou
teocráticos –, entre os portadores dessa autoridade, os próprios capitalistas,
que só se defrontam uns com os outros como possuidores de mercadorias, reina a
mais completa anarquia, no seio da qual a conexão social da produção só se
impõe à arbitrariedade individual na forma de uma lei natural inexorável.
É
somente porque o trabalho está pressuposto na forma de trabalho assalariado, e
os meios de produção, na forma de capital – ou seja, apenas devido à
configuração social específica desses dois agentes essenciais da produção –,
que uma parte do valor (produto) se apresenta como mais-valor, e esse
mais-valor, como lucro (renda), como ganho do capitalista, riqueza adicional
disponível, que lhe pertence. Mas é apenas porque esta se apresenta, desse
modo, como seu lucro que aqueles meios adicionais de produção destinados
à ampliação da reprodução e que formam uma parte do lucro apresentam-se como novo
capital adicional, e a ampliação do processo de reprodução capitalista em
geral, como processo de acumulação capitalista.
Apesar
de a forma do trabalho como trabalho assalariado ser decisiva para a
configuração de todo o processo e para o modo específico da própria produção, o
trabalho assalariado não é determinante de valor. Na determinação do valor,
trata-se do tempo social de trabalho em geral, da quantidade de trabalho de que
a sociedade costuma dispor e cuja absorção relativa pelos diferentes produtos
determina, em certa medida, o respectivo peso social destes últimos. A forma
específica em que o tempo social de trabalho se impõe como determinante no
valor das mercadorias está, porém, vinculada à forma do trabalho como trabalho
assalariado e à forma correspondente dos meios de produção como capital, na
medida em que apenas sobre essa base a produção de mercadorias se converte na forma
geral da produção.
Examinemos,
além disso, as assim chamadas relações de distribuição. O salário pressupõe o
trabalho assalariado; o lucro, o capital. Essas formas determinadas de
distribuição pressupõem, portanto, certos caracteres sociais das condições de
produção e relações sociais específicas entre os agentes da produção. Ou seja,
que a relação determinada de distribuição não é outra coisa senão a expressão
da relação de produção historicamente dada.
Consideremos,
agora, o lucro. Essa forma do mais-valor é a condição prévia para que a nova
formação dos meios de produção transcorra como produção capitalista; portanto,
uma relação que domina a reprodução, ainda que ao capitalista individual pareça
que, na realidade, ele poderia devorar o lucro inteiro como rendimento. Se
tentasse fazê-lo, ele encontraria obstáculos que já se contrapõem a ele na
forma de fundos de emergência e de reserva, lei da concorrência etc., e que lhe
demonstram na prática que o lucro não é em absoluto uma mera categoria de
distribuição do produto individualmente consumível. O processo inteiro de
produção capitalista é, além disso, regulado pelo preço dos produtos. Mas os
preços reguladores de produção são, por sua vez, regulados pela equalização da
taxa de lucro e a correspondente distribuição do capital nas diferentes esferas
da produção social. O lucro aparece aqui, portanto, como fator principal não da
distribuição dos produtos, mas de sua própria produção, como fator de
distribuição dos capitais e do próprio trabalho entre as diversas esferas da
produção. A divisão do lucro em ganho empresarial e juros aparece como
distribuição do mesmo rendimento. Mas esse desdobramento tem origem no
desenvolvimento do capital como valor que se autovaloriza e gera mais-valor, ou
seja, origina-se dessa configuração social determinada do processo dominante de
produção. Partindo de si mesma, ela desenvolve o crédito e as instituições de
crédito e, com isso, a configuração da produção. Nos juros etc., as formas
presumidas de distribuição entram no preço como momentos determinantes da
produção. (...)
As
chamadas relações de distribuição correspondem a – e derivam de – formas
especificamente sociais e historicamente determinadas do processo de produção e
das relações que os homens estabelecem entre si no processo de reprodução de
sua vida. O caráter histórico dessas relações de distribuição é o caráter
histórico das relações de produção, das quais aquelas só expressam um aspecto.
A distribuição capitalista é distinta das formas de distribuição que têm origem
em outros modos de produção, e cada forma de distribuição desaparece juntamente
com a forma determinada de produção da qual ela provém e à qual corresponde.”
[56a] J.[ohn] Stuart Mill, [Essay on] Some Unsettled Questions of Pol.[itical] Econ.[omy] (Londres, [Harrison,] 1844).
“Tivesse
chegado a rever o Livro III, Marx teria certamente desenvolvido de maneira
considerável essa passagem. Tal como se apresenta, ela dá apenas um esboço do
que se deve dizer sobre o problema. Vejamos essa questão, portanto, em maiores
detalhes. É sabido que, nos primórdios da sociedade, os produtos eram consumidos
pelos próprios produtores e que estes se organizavam espontaneamente em
comunidades geridas de maneira mais ou menos comunista; é sabido também que a
troca do excedente desses produtos com estrangeiros, a qual leva à
transformação dos produtos em mercadorias, é um fenômeno posterior, que de
início ocorre apenas entre comunidades individuais de diferentes tribos, porém
mais tarde tem lugar também dentro da comunidade e contribui essencialmente
para a dissolução desta última em grupos familiares maiores ou menores. No
entanto, mesmo após essa dissolução, os chefes de família, que realizam as
trocas, continuam a ser camponeses que trabalham e, com a ajuda de sua família,
produzem em suas próprias terras quase tudo de que têm necessidade, obtendo de
fora apenas uma pequena parte dos objetos de que precisam em troca de seus
próprios produtos excedentes. A família não se ocupa apenas da agricultura e da
pecuária, mas também transforma os produtos dessas atividades em artigos
prontos para o consumo, às vezes moendo ela mesma o trigo em moinho manual,
assando o pão, fiando, tingindo, tecendo o linho e a lã, curtindo o couro,
erigindo e consertando construções de madeira, fabricando ferramentas e
utensílios e, não raro, fazendo trabalhos de marcenaria e forja; desse modo, a
família ou o grupo familiar é, no essencial, autossuficiente.
Ora,
mesmo até o início do século XIX na Alemanha, o pouco que tal família precisava
obter de terceiros por meio da troca ou da compra resumia-se principalmente a
objetos de produção artesanal, ou seja, a coisas cuja fabricação não era de
modo nenhum estranha ao camponês e que ele mesmo só não produzia porque ou não
dispunha da matéria-prima ou o artigo comprado era de melhor qualidade ou muito
mais barato. O camponês da Idade Média tinha plena ciência, portanto, do tempo
de trabalho requerido para produzir os objetos que recebia na troca. O ferreiro
e o segeiro da aldeia trabalhavam diante de seus olhos; do mesmo modo, o
alfaiate e o sapateiro, que em minha juventude circulavam entre nossos
camponeses renanos, indo de casa em casa, e dos materiais produzidos por estes
confeccionava roupas e calçados. Tanto o camponês como as pessoas de quem ele
comprava eram trabalhadores, e os artigos que trocavam entre si eram os
produtos do trabalho de cada um. Que despenderam eles na produção desses produtos?
Trabalho, apenas trabalho: para repor as ferramentas, produzir a matéria-prima
e elaborá-la, não despenderam mais que sua própria força de trabalho; como lhes
seria possível, então, trocar seus produtos pelos de outros produtores diretos,
a não ser na proporção do trabalho neles empregado? O tempo de trabalho
despendido nesses produtos não era apenas o único padrão de medida adequado
para determinar quantitativamente as grandezas a serem trocadas; mais que isso,
não havia outro além dele. Ou quem acreditaria que o camponês e o artesão
fossem estúpidos ao ponto de trocar o produto de dez horas de trabalho de um
deles pelo produto de uma única hora de trabalho do outro? Durante todo o
período da economia natural camponesa, a única troca possível era aquela em que
as quantidades trocadas de mercadorias tendiam a medir-se cada vez mais
conforme as quantidades de trabalho nelas incorporadas. A partir do momento em
que o dinheiro penetra nesse sistema econômico, torna-se, por um lado, ainda
mais explícita a tendência para a adequação à lei do valor (de acordo com a
formulação de Marx, nota bene!), mas, por outro, tal tendência já se vê
perturbada pela intervenção do capital usurário e da espoliação fiscal,
alongando assim os períodos em que a média dos preços se aproxima dos valores,
até que a diferença entre eles se torna desprezível.
O
mesmo vale para a troca entre os produtos dos camponeses e os dos artesãos
citadinos. Inicialmente, tal troca era direta, sem mediação do comerciante, em
dias de feira nas cidades, quando o camponês vendia seus produtos e realizava
suas compras. Também nesse caso, não só as condições de trabalho do artesão
eram conhecidas pelo camponês, como também as deste último pelo artesão. Pois
ele mesmo era ainda um pouco camponês; possuía não apenas horta e pomar, mas
também, com muita frequência, uma pequena porção de terra, uma ou duas vacas,
porcos, aves etc. Desse modo, as pessoas da Idade Média eram capazes de
calcular, umas em relação às outras, com bastante exatidão, os custos de
produção em matérias-primas, materiais auxiliares e tempo de trabalho, pelo
menos no que diz respeito aos artigos de uso cotidiano e geral.
Mas
como nessa troca medida pela quantidade de trabalho se conseguia calcular esses
custos, ainda que apenas de modo indireto e relativo, para produtos que exigiam
um período de trabalho mais longo, interrompido por intervalos irregulares e
incerto quanto ao rendimento, como, por exemplo, o cereal ou o gado? Ainda mais
em se tratando de pessoas que não sabiam calcular? É evidente que isso só era
possível através de um demorado processo de aproximação em zigue-zague,
frequentemente tateando aqui e ali na escuridão, processo no qual, como de
costume, só se aprende errando. Mas a necessidade que cada um sentia de
recuperar seus gastos sempre o ajudava a reencontrar a direção correta, e a
variedade exígua de objetos que entrava em circulação, assim como o método de
produzi-los, que muitas vezes se mantinha invariável por séculos, facilitavam a
realização do objetivo. E que não tenha tardado até que se estabelecesse com
muita aproximação a grandeza de valor relativa desses produtos fica demonstrado
pelo fato de o gado, a mercadoria em que isso parecia mais difícil devido ao
longo tempo de produção de cada cabeça, ter sido a primeira mercadoria-dinheiro
reconhecida de forma bastante generalizada. Para que isso se consumasse, o
valor do gado, sua relação de troca para com toda uma série de outras
mercadorias, teve de alcançar uma fixidez relativamente incomum, reconhecida
sem contestação no território de diversas tribos. E as pessoas da época eram
decerto suficientemente espertas – tanto os criadores de gado como seus
fregueses – para não dar em troca, sem equivalente, o tempo de trabalho que
haviam despendido. Pelo contrário: quanto mais próximas as pessoas se encontram
do estágio primitivo da produção de mercadorias – russos e orientais, por exemplo
–, tanto mais tempo elas desperdiçam, ainda em nossos dias, para obter mediante
um regateio longo e obstinado a plena recompensa do tempo de trabalho empregado
num produto.
Foi a
partir dessa determinação do valor pelo tempo de trabalho que se desenvolveu
toda a produção de mercadorias e, com ela, as múltiplas relações em que se afirmam
os diferentes aspectos da lei do valor, tal como expostos na seção I do Livro I
d’O capital; ou seja, as condições sob as quais apenas o trabalho é
criador de valor. E tais condições, que se impõem sem que os participantes
tomem consciência delas e só podem ser abstraídas da prática cotidiana por meio
de uma longa investigação teórica, atuam como se fossem leis naturais, o que,
como Marx também demonstrou, é algo que decorre necessariamente da natureza da
produção de mercadorias. O progresso mais significativo e mais decisivo foi a
transição para o dinheiro metálico, a qual, porém, teve por consequência o fato
de que, a partir de então, a determinação do valor pelo tempo de trabalho
deixava de aparecer de forma visível na superfície da troca de mercadorias. O
dinheiro converteu-se, do ponto de vista prático, na medida fundamental do
valor (...).
Em
resumo: a lei marxiana do valor tem validade geral, desde que as leis econômicas
valham para todo o período da produção simples de mercadorias, portanto, até o
tempo em que esta experimenta uma modificação por meio da introdução da forma
de produção capitalista. Até então, os preços variavam na direção dos valores
determinados pela lei marxiana e gravitam em torno desses valores, de modo que,
quanto mais desenvolvida a produção simples de mercadorias, tanto mais os
preços médios de períodos mais longos, não interrompidos por crises violentas e
de origem externa coincidem com os valores, podendo-se desprezar os pequenos
desvios. Portanto, a lei marxiana do valor tem validade econômica geral para um
período que se estende desde os primórdios da troca que transforma os produtos
em mercadorias até o século XV de nossa era. Mas a troca de mercadorias tem
origem numa época anterior a toda a história escrita; numa época que, no Egito,
remonta a pelo menos 3.500, talvez 5.000, e na Babilônia, a 4.000, talvez 6.000
anos antes de nossa era; a lei do valor vigorou, pois, por um período de cinco
a sete milênios.” (Friedrich Engels)
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