Editora: Boitempo
Edição: Friedrich Engels
ISBN: 978-85-7559-390-5
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 984
Sinopse: Ver Parte
I
“Com
base na produção capitalista, o dinheiro – aqui considerado expressão autônoma
de uma soma de valor, sendo indiferente se esta existe, de fato, em dinheiro ou
em mercadorias – pode ser convertido em capital e, mediante essa conversão,
deixar de ser um valor dado para se transformar num valor que valoriza a si
mesmo, incrementa a si mesmo. Ele produz lucro, isto é, permite ao capitalista
extrair dos trabalhadores determinada quantidade de trabalho não pago, de mais-produto
e mais-valor, e de apropriar-se desse trabalho. Com isso, ele obtém, além do
valor de uso que já possui como dinheiro, um valor de uso adicional, a saber, aquele
de funcionar como capital. Seu valor de uso consiste aqui precisamente no lucro
que ele produz ao se converter em capital. Nessa qualidade de capital possível,
de meio para a produção do lucro, ele se torna mercadoria, mas uma mercadoria sui
generis. Em outras palavras, o capital como tal torna-se mercadoria. (...)
A
justiça das transações que se realizam entre os agentes da produção repousam no
fato de que essas transações derivam das relações de produção como uma
consequência natural. As formas jurídicas, nas quais essas transações
econômicas aparecem como atos de vontade dos envolvidos, como exteriorizações
de sua vontade comum e como contratos cuja execução pode ser imposta às partes
contratantes pelo Estado, não podem determinar, como meras formas que são, esse
conteúdo. Elas podem apenas expressá-lo. Quando corresponde ao modo de produção,
quando lhe é adequado, esse conteúdo é justo; quando o contradiz, é injusto. A
escravidão, sobre a base do modo de produção capitalista, é injusta, assim como
a fraude em relação à qualidade da mercadoria. (...)
A
forma de empréstimo que, em vez da forma da venda, é característica dessa
mercadoria – do capital como mercadoria – e que, além disso, ocorre também em
outras transações resulta já da determinação de que o capital aparece aqui como
mercadoria, de que o dinheiro, como capital, converte-se em mercadoria.”
“Ora, é muito simples descobrir as razões pelas quais, tão logo essa
divisão do lucro bruto em juros e ganho empresarial se converte numa divisão qualitativa,
ela assume esse caráter para o capital total e para a classe capitalista em seu
conjunto.
Em
primeiro lugar,
isso já deriva da circunstância meramente empírica de que a maioria dos
capitalistas industriais, ainda que em proporções numéricas distintas, trabalha
com capital próprio e emprestado e de que as proporções entre um e outro variam
segundo os diferentes períodos.
Em
segundo lugar, a conversão de uma
parte do lucro bruto na forma dos juros converte sua outra parte em ganho
empresarial. Este último é, na verdade, apenas a forma antitética que assume o
excedente do lucro bruto sobre os juros, tão logo estes existem como categoria
própria. Toda a investigação de como o lucro bruto se desdobra em juros e ganho
empresarial reduz-se pura e simplesmente à investigação de como uma parte do
lucro bruto se ossifica e se autonomiza como juros. Mas o capital portador de
juros existe historicamente como uma forma pronta, dada de antemão, e os juros,
portanto, como subforma pronta do mais-valor produzido pelo capital, muito
antes de existirem o modo de produção capitalista e as ideias de capital e
lucro que lhe correspondem. Isso explica por que, na concepção popular,
considera-se o capital monetário, o capital portador de juros, o capital como
tal, o capital par excellence. Também explica, por outro lado, a ideia
dominante até a época de Massie, de que o que se paga nos juros é o dinheiro. O
fato de que o capital emprestado produz juros, seja ele realmente empregado como
capital ou não – e mesmo que só seja emprestado para fins de consumo –, reforça
a ideia da autonomia dessa forma do capital. A melhor prova da autonomia que,
nos primeiros períodos do modo de produção capitalista, os juros apresentam em
relação ao lucro, e o capital portador de juros em relação ao capital
industrial, é que só a partir de meados do século XVIII descobriu-se (por
Massie e, depois dele, por Hume) o fato de que os juros são simplesmente uma
parte do lucro bruto e de que tal descoberta se fazia necessária.
Em
terceiro lugar, se o
capitalista industrial trabalha com capital próprio ou com capital emprestado
não altera em nada a circunstância de que ele tem de enfrentar a classe dos
capitalistas monetários como uma categoria particular de capitalistas, o
capital monetário como uma categoria independente de capital e os juros como a
forma autônoma do mais-valor correspondente a esse capital específico.
Considerados
qualitativamente, os juros são o mais-valor gerado pela mera propriedade
do capital; o mais-valor lançado pelo capital em si mesmo – ainda que seu
proprietário se mantenha à margem do processo de reprodução –, ou seja, o
mais-valor lançado pelo capital independentemente de seu processo.
Considerada
quantitativamente, a parte do lucro que forma os juros não aparece em referência
ao capital industrial e comercial como tal, mas ao capital monetário, e a taxa
dessa parte do mais-valor, o nível ou a taxa de juros, reafirma essa relação.
Pois, em primeiro lugar, a taxa de juros – apesar de sua dependência em relação
à taxa geral de lucro – é determinada de maneira independente e, em segundo
lugar, porque, tal como o preço de mercado das mercadorias, ela aparece frente
à inapreensível taxa de lucro como uma proporção que, apesar de todas as variações,
permanece fixa, uniforme, tangível e sempre dada. Se todo o capital se
encontrasse nas mãos dos capitalistas industriais, não existiriam juros nem
taxa de juros. A forma autônoma que assume a distribuição quantitativa do lucro
bruto engendra a distribuição qualitativa. Se compararmos o capitalista
industrial com o capitalista monetário, veremos que ele se distingue deste
último apenas por seu ganho empresarial, pelo excedente de seu lucro bruto sobre
os juros médios, que, em virtude da taxa de juros, aparecem como grandeza
empiricamente dada. Se, por outro lado, o compararmos com o capitalista
industrial que trabalha com capital próprio, e não com capital emprestado,
veremos que ele se diferencia deste último apenas como um capitalista
monetário, que embolsa os juros, em vez de pagá-los a outrem. Em ambos os
casos, a parte do lucro bruto que se distingue dos juros aparece para ele como
ganho empresarial, e os próprios juros aparecem como um mais-valor que o
capital gera por si só e que, por conseguinte, ele geraria ainda que não fosse investido
produtivamente.
Isso
está correto, do ponto de vista prático, para o capitalista individual. Ele
pode optar por usar seu capital – não importando se este existe desde o início
como capital monetário ou se ainda deve ser convertido em capital monetário –
emprestando-o como capital portador de juros ou valorizando-o diretamente como
capital produtivo. Mas generalizar esse aspecto, referindo-o a todo o capital
da sociedade, como o fazem alguns economistas vulgares, e inclusive defini-lo
como fundamento do lucro, é naturalmente um disparate. A ideia de converter o
capital total da sociedade em capital monetário, sem que existam pessoas que
comprem e valorizem os meios de produção – sob cuja forma se encontra a totalidade
do capital, com exceção de uma porção relativamente pequena existente em
dinheiro –, é evidentemente absurda. E nela vai implícita uma ideia ainda mais
absurda, a de que, com base no modo de produção capitalista, o capital poderia
gerar juros sem funcionar como capital produtivo, isto é, sem criar mais-valor,
do qual os juros não são mais que uma parte; a ideia de que o modo de produção
capitalista poderia mover-se sem a produção capitalista. Se um número
desproporcionalmente grande de capitalistas resolvesse converter seu capital em
capital monetário, a consequência disso seria uma enorme desvalorização do
capital monetário e uma enorme queda da taxa de juros; muitos se veriam imediatamente
na impossibilidade de viver de seus juros e, portanto, forçados a
reconverter-se em capitalistas industriais. Mas, como já foi dito, isso é, em
relação ao capitalista individual, um fato. Por isso, mesmo quando opera com
seu capital próprio, a parte de seu lucro médio que equivale aos juros médios é
por ele considerada necessariamente fruto de seu capital como tal, separado do
processo de produção; e, em oposição a essa parte autonomizada nos juros, ele
considera o restante de seu lucro bruto simples ganho empresarial. (...)
Ora,
os juros, como os define Ramsay, são o lucro líquido que a propriedade do
capital como tal gera, seja para o simples prestamista que permanece à margem
do processo de reprodução, seja para o proprietário que investe produtivamente
seu próprio capital. Também neste último caso o lucro líquido é gerado para o
proprietário não como capitalista ativo, mas como capitalista monetário, como
prestamista de seu próprio capital, como capital portador de juros, a si mesmo
como capitalista ativo. Assim como a conversão do dinheiro – e do valor em geral
– em capital é o resultado constante do processo de produção capitalista,
também sua existência como capital é a condição permanente desse processo. Por
meio de sua capacidade de converter-se em meios de produção, ele dispõe
constantemente de trabalho não pago e, por isso, converte o processo de
produção e circulação das mercadorias em produção de mais-valor para seu
possuidor. Os juros são, pois, a expressão do fato de que o valor – o trabalho
objetivado em sua forma social geral –, isto é, o valor que no processo efetivo
de produção assume a forma de meios de produção, confronta-se como uma potência
autônoma com a força viva de trabalho e constitui o meio para se apropriar de
trabalho não pago; e de que ele é esse poder na medida em que se confronta com
o trabalhador como propriedade alheia. Por outro lado, na forma dos juros
apaga-se essa antítese em relação ao trabalho assalariado, pois o capital
portador de juros não tem como termo antagônico o trabalho assalariado, mas o
capital ativo; o capitalista prestamista confronta-se como tal diretamente com
o capitalista que atua de fato no processo de reprodução, mas não com o
trabalhador assalariado, que se encontra expropriado dos meios de produção
justamente com base na produção capitalista. O capital portador de juros é o
capital como propriedade diante do capital como função. Enquanto
o capital não funciona, ele não explora os trabalhadores nem assume uma posição
antitética em relação ao trabalho.
Por
outro lado, o ganho empresarial não se encontra em oposição ao trabalho
assalariado, somente aos juros.
Em
primeiro lugar,
pressupondo o lucro médio como dado, a taxa do ganho empresarial não é
determinada pelo salário, mas pela taxa de juros. Ela é alta ou baixa na
proporção inversa desta última[72].
Em
segundo lugar, o capitalista ativo
não deriva seu direito ao ganho empresarial – e, portanto, o próprio ganho
empresarial – de sua propriedade sobre o capital, mas da função do capital distinta
de sua determinidade como mera propriedade inerte. Isso aparece como antítese
diretamente existente tão logo o capitalista opera com capital emprestado, isto
é, quando juros e ganho empresarial competem a duas pessoas distintas. O ganho
empresarial deriva da função do capital no processo de reprodução, ou seja, das
operações, da atividade por meio da qual o capitalista ativo medeia essas
funções do capital industrial e do capital-mercadoria. Mas ser representante do
capital em funcionamento não constitui uma sinecura, como no caso do
representante do capital portador de juros. Sobre a base da produção
capitalista, o capitalista dirige tanto o processo de produção como o processo
de circulação. A exploração do trabalho produtivo custa um esforço, seja ela
realizada pelo próprio capitalista, seja por outrem, em seu nome. Em oposição
aos juros, o ganho empresarial se apresenta para o capitalista como
independente da propriedade do capital e, mais ainda, como resultado de suas funções
de não proprietário, como... trabalhador.
Assim
se desenvolve necessariamente em seu cérebro a ideia de que seu ganho
empresarial, longe de achar-se em qualquer oposição com o trabalho assalariado
e de ser apenas trabalho alheio não pago, representa, antes, seu próprio salário,
um salário de supervisão do trabalho, wages of superintendance of labour;
um salário maior que o do assalariado comum, 1) por ser um trabalho mais
complexo e 2) porque ele mesmo paga seu próprio salário. Que sua função como capitalista
consiste em produzir mais-valor, isto é, trabalho não pago, e, além disso, em
produzi-lo nas condições mais econômicas é algo que fica completamente
esquecido diante do fato antitético de que os juros competem ao capitalista,
ainda que ele não desempenhe nenhuma função como capitalista, que seja mero
proprietário do capital, e de que, pelo contrário, o ganho empresarial compete
ao capitalista ativo, ainda que seja não proprietário do capital com que opera.
A forma antagônica das duas partes em que se decompõe o lucro e, portanto, o
mais-valor faz com que esqueçamos que ambas não são mais do que partes do
mais-valor e de que sua divisão não pode alterar em nada sua natureza, sua
origem e suas condições de existência.
No
processo de reprodução, o capitalista ativo representa o capital como
propriedade alheia diante dos trabalhadores assalariados, e o capitalista
monetário, representado pelo capitalista ativo, participa da exploração do
trabalho. O fato de que somente como representante dos meios de produção diante
dos trabalhadores é possível ao capitalista ativo fazer com que os
trabalhadores trabalhem para ele, ou que os meios de produção funcionem como
capital, é esquecido na antítese entre a função do capital no processo de
reprodução e a mera propriedade do capital fora do processo de reprodução.
Com
efeito, nas formas que as duas partes do lucro – i.e., do mais-valor –
assumem, as formas dos juros e do ganho empresarial, não está expressa nenhuma
relação com o trabalho, uma vez que essa relação só existe entre ele e o lucro
ou, antes, entre ele e o mais-valor, como a soma, o todo, a unidade dessas duas
partes. A proporção em que o lucro é repartido e os diferentes títulos
jurídicos que servem de base a essa repartição pressupõem o lucro como algo
dado, pressupõem sua existência. Se, portanto, o capitalista é proprietário do
capital com que opera, ele embolsa o lucro ou o mais-valor integral; para o
trabalhador, é absolutamente indiferente se o capitalista procede desse modo ou
se é obrigado a ceder uma parte a um terceiro como proprietário legal do
capital. Os fundamentos que regem a divisão do lucro entre duas classes de
capitalistas transformam-se, assim, nos fundamentos da existência do lucro – ou
do mais-valor – que tem de ser dividido e que o capital como tal extrai do processo
de reprodução, independentemente de toda divisão ulterior. Do fato de que os
juros se contrapõem ao ganho empresarial, e este, por sua vez, contrapõe-se aos
primeiros, e do fato de que eles se contrapõem apenas um ao outro, mas não ao
trabalho, segue-se que o ganho empresarial mais os juros, isto é, o lucro e,
mais amplamente, o mais-valor, baseia-se em quê? Nessa forma antitética de suas
duas partes! Mas o lucro é produzido antes que nele se opere essa divisão e
antes que se possa falar dela.
O
capital portador de juros só se conserva pelo tempo em que o capital emprestado
se transforma realmente em capital e produz um excedente, do qual os juros são
uma parte. Isso não anula o fato de que a capacidade de produzir juros,
independentemente do processo de produção, é algo inerente a esse capital. A
força de trabalho só conserva sua qualidade criadora de valor quando atua e se
realiza no processo de trabalho; e isso não exclui o fato de que uma tal força,
em si mesma, é potencialmente uma atividade criadora de valor e de que, como
tal, ela não deriva do processo de produção, mas o antecede. Ela é comprada
como capacidade de criar valor. Também pode ocorrer que alguém a compre e não a
coloque para trabalhar produtivamente; por exemplo, empregando-a para fins
puramente pessoais, para o serviço doméstico etc. O mesmo ocorre com o capital.
Compete ao prestamista decidir se ele o empregará ou não como capital, ou seja,
se colocará ou não efetivamente em ação sua qualidade inerente de produzir
mais-valor. O que ele paga é, em ambos os casos, o mais-valor potencial contido
no capital-mercadoria.”
[72] “The
profits of enterprise depend upon the net profits of capital, not the latter
upon the former” [“O ganho empresarial depende do lucro líquido do capital,
e não o inverso”] ([George] Ramsay, [An Essay on the Distribution of Wealth,
Edimburgo, Adam and Charles Black, 1836,] p. 214. Para ele, net profits são sempre =
juros).
“É no capital portador de juros que a relação capitalista assume sua
forma mais exterior e mais fetichista. Aqui deparamos com D-D’, dinheiro que
engendra mais dinheiro, valor que valoriza a si mesmo, sem o processo mediador
entre os dois extremos. No capital comercial, D-M-D’, encontra-se pelo menos a
forma geral do movimento capitalista, embora ela só se mantenha na esfera da
circulação, razão pela qual o lucro aparece aqui como simples lucro de
alienação; ele se apresenta, no entanto, como produto de uma relação social,
e não como produto simples de uma mera coisa. A forma do capital
comercial continua a representar um processo, a unidade de fases contrapostas,
um movimento que se desdobra em dois procedimentos antagônicos, na compra e na
venda de mercadorias. Esse processo se apaga em D-D’, ou seja, na forma do
capital portador de juros. (...)
D-D’:
temos aqui o ponto de partida do capital, o dinheiro na fórmula D-M-D’,
reduzida aos dois extremos D-D’, em que D’ = D + ΔD, ou seja, dinheiro que gera
mais dinheiro. É a fórmula geral e originária do capital, condensada de modo
absurdo. É o capital consumado, a unidade do processo de produção e do processo
de circulação, que, por conseguinte, gera mais-valor ao final de determinado
período. Sob a forma do capital portador de juros, isso aparece de maneira
direta, sem a mediação do processo de produção e de circulação. O capital
aparece como fonte misteriosa e autocriadora de juros, de seu próprio
incremento. A coisa (dinheiro, mercadoria, valor) é, por si só, capital,
e o capital aparece como simples coisa; o resultado do processo inteiro de
reprodução aparece como uma qualidade inerente a uma coisa material; depende da
vontade do possuidor do dinheiro, isto é, da mercadoria em sua forma
constantemente mutável, se ele irá desembolsá-lo como dinheiro ou alugá-lo como
capital. No capital portador de juros, portanto, produz-se em toda sua pureza
esse fetiche automático do valor que se valoriza a si mesmo, do dinheiro que
gera dinheiro, mas que, ao assumir essa forma, não traz mais nenhuma cicatriz
de seu nascimento. A relação social é consumada como relação de uma coisa, o
dinheiro, consigo mesma. Em vez da transformação real do dinheiro em capital,
aqui se mostra apenas sua forma vazia de conteúdo. Assim como na força de
trabalho, o valor de uso do dinheiro transforma-se em fonte de criação de
valor, de um valor maior que o que está contido nele mesmo. Como tal, o dinheiro
é potencialmente um valor que se valoriza a si mesmo e que é emprestado, o que
constitui a forma da venda para essa mercadoria peculiar. Assim, criar valor
torna-se uma qualidade do dinheiro tanto quanto dar peras é uma qualidade da
pereira. E é como uma coisa que dá juros que o prestamista vende seu dinheiro.
Mas isso não é tudo. Como vimos, o capital realmente ativo se apresenta de tal
modo que rende juros não como capital ativo, mas como capital em si mesmo, como
capital monetário.
Também
isso aparece invertido aqui: enquanto os juros são somente uma parte do lucro,
isto é, do mais-valor que o capitalista ativo arranca do trabalhador, agora os
juros aparecem, ao contrário, como o verdadeiro fruto do capital, como o originário,
ao passo que o lucro, transfigurado em ganho empresarial, aparece como simples
acessório e ingrediente adicionado no processo de reprodução. Aqui se completam
a forma fetichista do capital e a ideia do fetichismo do capital. Em D-D’,
temos a forma mais sem conceito [begriffslose] do capital, a inversão e
a coisificação das relações de produção elevadas à máxima potência: a forma
simples do capital, como capital portador de juros, na qual ele é pressuposto a
seu próprio processo de reprodução; a capacidade do dinheiro ou, conforme o caso,
da mercadoria, de valorizar seu próprio valor, independentemente da reprodução
– eis a mistificação capitalista em sua forma mais descarada.
Para
a economia vulgar, que pretende apresentar o capital como fonte independente de
valor, de criação de valor, essa forma é naturalmente um achado magnífico, uma
forma em que a fonte do lucro não pode mais ser identificada e em que o
resultado do processo de produção capitalista – apartado do processo mesmo –
assume uma existência independente.
Apenas
no capital monetário o capital se converteu em mercadoria, cuja qualidade de
valorizar a si mesma tem um preço fixo, que se expressa na taxa de juros
vigente em cada momento.
É
como capital portador de juros, mais precisamente em sua forma direta de
capital monetário portador de juros (as outras formas do capital portador de
juros, que aqui não nos interessam, são, por sua vez, derivadas dessa forma e a
pressupõem), que o capital reveste sua forma fetichista mais pura: D-D’ como
sujeito, coisa vendável. Em primeiro lugar, por meio de sua
existência constante como dinheiro, forma na qual todas as suas outras
determinidades se apagam e seus elementos reais são invisíveis. O dinheiro é
justamente a forma em que se apaga a diferença das mercadorias como valores de
uso e, por conseguinte, também a diferença dos capitais industriais
constituídos por essas mercadorias e suas condições de produção; é a forma em
que o valor – e, aqui, o capital – existe como valor de troca autônomo. No
processo de reprodução do capital, a forma-dinheiro é efêmera, um elemento
meramente transitório. No mercado monetário, ao contrário, o capital
existe sempre nessa forma. Em segundo lugar, o mais-valor que
o capital produz, aqui também na forma do dinheiro, aparece para ele como algo
que se lhe acrescenta. Assim como crescer é próprio das árvores, também criar
dinheiro (tokoz) [juros; descendência] parece ser próprio do capital
nessa forma de capital monetário. (...)
O
capital é agora uma coisa, mas, como tal, é capital. O dinheiro tem agora amor
no corpo[b]. Tão logo é emprestado ou investido
no processo de reprodução (na medida em que rende ao capitalista ativo, como a
seu proprietário, juros separados do ganho empresarial), crescem seus juros,
não importando se ele dorme ou está acordado, se está em casa ou viajando, se é
dia ou noite. Assim, o desejo do entesourador se realiza no capital monetário
portador de juros (e todo capital é, segundo sua expressão de valor, capital
monetário – ou é agora considerado a expressão do capital monetário).”
[b] Referência ao verso
“als hätt’es Lieb’im Leibe” (literalmente: “como se tivesse amor no
corpo”), do Fausto, de J. W. Goethe (primeira parte, quadro VI, cena I).
(N. T.)
“Mas é no capital portador de juros que aparece consumada a ideia do
fetiche do capital, a ideia que atribui ao produto acumulado do trabalho – e,
além disso, fixado como dinheiro – a capacidade de criar mais-valor em
progressão geométrica por meio de uma misteriosa qualidade inata, como um puro
autômato, de tal modo que esse produto acumulado do trabalho, como afirma o Economist,
tenha descontado desde muito tempo toda a riqueza do mundo do presente e do
futuro como algo que lhe pertence e lhe corresponde por direito. O produto do
trabalho pretérito, o próprio trabalho pretérito, está aqui, em si mesmo,
prenhe de um fragmento de mais-trabalho vivo, presente ou futuro. Sabe-se, em
contrapartida, que na realidade a conservação e, portanto, também a reprodução do
valor dos produtos do trabalho pretérito são apenas resultado de seu
contato com o trabalho vivo; além disso, que o comando que os produtos do
trabalho pretérito exercem sobre o mais-trabalho vivo só dura enquanto subsiste
a relação do capital, quer dizer, a relação social determinada em que o
trabalho pretérito se confronta de modo independente e onipotente com o trabalho
vivo.”
“Se o sistema de crédito se apresenta como a alavanca principal da
superprodução e do excesso de especulação no comércio, é pura e simplesmente
porque o processo de reprodução, que por sua própria natureza é um processo
elástico, vê-se forçado aqui até o máximo, e isso porque uma grande parte do
capital social é investida por aqueles que não são seus proprietários, os quais
atuam, claro, de maneira bem distinta dos proprietários, que a cada passo
avaliam cautelosamente os limites e as possibilidades de seu capital privado.
Assim, destaca-se somente o fato de que a valorização do capital, baseada no
caráter antagônico da produção capitalista, só consente até certo ponto em seu
desenvolvimento real, livre, pois na realidade constitui um entrave e um limite
imanentes à produção, que são constantemente rompidos pelo sistema de crédito[88]. Por conseguinte, o crédito acelera o desenvolvimento
material das forças produtivas e a instauração do mercado mundial, que, por
constituírem as bases da nova forma de produção, têm de ser desenvolvidos até
um certo nível como tarefa histórica do modo de produção capitalista. O crédito
acelera ao mesmo tempo as erupções violentas dessa contradição, as crises e,
com elas, os elementos da dissolução do antigo modo de produção.
Tais
são as duas características intrínsecas ao sistema de crédito: por um lado, ele
desenvolve a mola propulsora da produção capitalista, o enriquecimento mediante
a exploração do trabalho alheio, até convertê-los no mais puro e colossal
sistema de jogo e fraude e limitar cada vez mais o número dos poucos indivíduos
que exploram a riqueza social; por outro lado, estabelece a forma de transição
para um novo modo de produção. É essa duplicidade que confere aos principais
porta-vozes do crédito, de Law a Isaac Pereire, o agradável caráter híbrido de
vigaristas e profetas.”
[88] Th.
Chalmers [, On Political Economy in Connexion with the Moral State and Moral
Prospects of Society, 2. ed., Glasgow, 1832. – N. T.].
“Enquanto o processo de reprodução é contínuo e, com isso, assegura o
refluxo do capital, esse crédito perdura e se expande, e sua expansão se baseia
na expansão do próprio processo de reprodução. Quando ocorre uma paralisação em
consequência de atrasos nos retornos de capital, mercados saturados ou preços
em queda, tem-se um excesso de capital industrial, mas numa forma em que não
pode desempenhar sua função. Há uma massa de capital-mercadoria, porém
invendável. Uma massa de capital fixo, porém em grande parte ociosa, em virtude
do estancamento da reprodução. O crédito contrai-se 1) porque esse capital está
desocupado, isto é, paralisado numa das fases de sua reprodução, já que não
pode completar sua metamorfose; 2) porque foi perdida a confiança na fluidez do
processo de reprodução; 3) porque diminui a demanda desse crédito comercial. O
fiandeiro que restringe sua produção e tem em seu estoque uma grande massa não
vendida de fios não precisa comprar algodão a crédito; o comerciante não precisa
comprar mercadorias a crédito, porque as que tem são mais que suficientes.
Por
conseguinte, no caso de algum distúrbio nessa expansão, ou mesmo na atividade
normal do processo de reprodução, ocorre com isso também uma escassez de
crédito, isto é, a obtenção de mercadorias a crédito fica mais difícil. No
entanto, a exigência de pagamento à vista e as precauções que se observam nas
vendas a crédito são particularmente características daquela fase do ciclo
industrial que se segue ao crash. É em plena crise, quando todos têm de vender
e não conseguem fazê-lo e, ainda assim, são obrigados a vender para pagar, que
a massa, não do capital inativo, à procura de investimento, mas do capital
estagnado no processo de reprodução, é a maior, justamente quando a escassez de
crédito também é maior que nunca (e, por isso, a taxa de desconto, no crédito
bancário, encontra-se em seu nível máximo). O capital já investido está então,
de fato, desocupado em grandes quantidades, pois o processo de reprodução está
estagnado. As fábricas deixam de funcionar, as matérias-primas se acumulam, os
produtos acabados inundam, como mercadorias, o mercado. Nada é mais errôneo,
pois, do que culpar a escassez de capital produtivo por essa situação. É
justamente nessas épocas que se apresenta uma superabundância de capital
produtivo, em parte com relação à escala normal, porém temporariamente
reduzida, da reprodução, em parte com relação ao consumo paralisado.
Imaginemos
que toda a sociedade seja formada apenas por capitalistas industriais e trabalhadores
assalariados. Abstraiamos, além disso, das mudanças de preços, que impedem que
grandes porções do capital total da sociedade se reponham em suas proporções
médias e que, devido às inter-relações das esferas do processo global de
reprodução, tal como o crédito as desenvolve, têm sempre de acarretar
paralisações gerais de natureza temporária. Façamos abstração também dos
negócios fictícios e das operações especulativas que o sistema de crédito
estimula. Nessas condições, uma crise só seria explicável por uma desproporção
entre os diversos ramos da produção e por uma desproporção entre o consumo dos
próprios capitalistas e sua acumulação. Porém, tal como as coisas se apresentam
na realidade, a reposição dos capitais investidos na produção depende, em grande
parte, da capacidade de consumo das classes não produtivas, ao passo que a
capacidade de consumo dos trabalhadores está limitada, em parte, pelas leis
salariais e, em parte, pela circunstância de que essas leis só se aplicam se
for em benefício da classe capitalista. A razão última de todas as crises reais
é sempre a pobreza e a restrição ao consumo das massas em contraste com o
ímpeto da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se estas
tivessem seu limite apenas na capacidade absoluta de consumo da sociedade.”
“Naturalmente, a acumulação de todos os capitalistas que emprestam
dinheiro opera-se sempre na forma direta de dinheiro, em contraste com a
verdadeira acumulação dos capitalistas industriais, que em geral se efetua,
como vimos, mediante o aumento dos elementos do próprio capital reprodutivo.
Por isso, o desenvolvimento do sistema de crédito e a enorme concentração do
negócio de empréstimo de dinheiro nas mãos dos grandes bancos tem de acelerar
por si só a acumulação do capital emprestável, como forma distinta da
acumulação real. Esse rápido desenvolvimento do capital de empréstimo é, assim,
um resultado da acumulação real, pois deriva do desenvolvimento do processo de
reprodução, e o lucro, que forma a fonte de acumulação desses capitalistas
monetários, não é senão uma dedução do mais-valor extraído pelos capitalistas
reprodutivos (ao mesmo tempo que é a apropriação de uma parte dos juros obtidos
sobre as poupanças de outrem). O capital de empréstimo se acumula às expensas
tanto dos capitalistas industriais como dos capitalistas comerciais. Vimos
como, nas fases desfavoráveis do ciclo industrial, a taxa de juros pode subir
tanto que, em alguns ramos de negócio em situação especialmente desfavorável,
chega a absorver temporariamente o lucro inteiro. Ao mesmo tempo, cai o preço
dos títulos públicos e dos outros títulos de crédito. É o momento em que os capitalistas
monetários aproveitam para comprar em massa esses títulos depreciados, que, nas
fases posteriores, não tardam a subir ao nível normal e acima dele. Então são
novamente lançados no mercado, e assim é apropriada uma parte do capital
monetário do público. A parcela que não é vendida rende juros mais altos,
porque foi adquirida abaixo do preço. Mas todo o lucro obtido pelos possuidores
dos capitais monetários e que volta a converter-se em capital eles transformam,
antes de mais nada, em capital monetário emprestável. A acumulação deste
último, sendo distinta da verdadeira acumulação, ainda que fruto dela, segue seu
curso, portanto – quando consideramos apenas os próprios capitalistas
monetários, banqueiros etc. –, como acumulação dessa classe especial de
capitalistas e tem necessariamente de crescer à medida que se expande o sistema
de crédito, da mesma maneira que acompanha a ampliação real do processo de
reprodução.
Estando
baixa a taxa de juros, a desvalorização do capital monetário recai principalmente
sobre os depositantes, não sobre os bancos.”
“Por
um lado, o capital do capitalista industrial não é “poupado” por ele mesmo, mas
ele dispõe da poupança dos outros na proporção da grandeza de seu capital; por
outro lado, o capitalista monetário converte as poupanças alheias em seu
próprio capital, e do crédito que os capitalistas reprodutivos se concedem
mutuamente ele faz sua fonte privada de enriquecimento. Destrói-se, assim, a
última ilusão do sistema capitalista: a de que o capital é fruto de trabalho
próprio e poupança própria. Não só o lucro consiste na apropriação do trabalho
alheio, mas também o capital com que esse trabalho alheio é mobilizado e
explorado consiste em propriedade alheia, que o capitalista monetário põe à
disposição do capitalista industrial e por meio do qual, por sua vez, ele
explora este último.”
“O
sistema de crédito, cujo núcleo são os supostos bancos nacionais e grandes
prestamistas e usurários de dinheiro a seu redor, constitui uma enorme
centralização e confere a essa classe parasitária um poder fabuloso – não só de
dizimar periodicamente os capitalistas industriais, mas de intervir da maneira
mais perigosa na produção real, da qual esse bando não sabe absolutamente nada
e com a qual não tem nenhuma relação.”
“A
riqueza da sociedade só existe como riqueza dos indivíduos, que são seus
proprietários privados e só se afirma como riqueza social pelo fato de que
esses indivíduos, para satisfazer suas necessidades, intercambiam entre si os
valores de uso qualitativamente distintos. Na produção capitalista, eles só
podem fazer isso por meio do dinheiro. Desse modo, é apenas por meio do
dinheiro que a riqueza do indivíduo se realiza como riqueza social; é no
dinheiro, nessa coisa, que se encarna a natureza social dessa riqueza.”
(Friedrich Engels)
“O
sistema monetário é essencialmente católico; o sistema de crédito,
essencialmente protestante. (...) Como papel, a existência monetária das
mercadorias é puramente social. É a fé que salva. A fé no valor
monetário como espírito imanente das mercadorias, a fé no modo de produção e
sua ordem predestinada, a fé nos agentes individuais da produção como meras
personificações do capital que se valoriza a si mesmo. Porém, assim como o
protestantismo não se emancipa dos fundamentos do catolicismo, tampouco o
sistema de crédito se emancipa da base do sistema monetário.”
“Assim,
a usura exerce, por um lado, uma influência nociva e destrutiva sobre a riqueza
e a propriedade antigas e feudais. Por outro lado, solapa e arruína a produção
de pequenos camponeses e pequenos burgueses – numa palavra, todas as formas em
que o produtor ainda aparece como o proprietário de seus meios de produção. No
modo de produção capitalista desenvolvido, o trabalhador não é proprietário das
condições de produção, do campo que cultiva, das matérias-primas que processa
etc. Mas essa separação do produtor com relação aos meios de produção reflete
aqui um revolucionamento real do próprio modo de produção. Os trabalhadores
isolados são reunidos em grandes oficinas, nas quais desenvolvem atividades
separadas, porém articuladas; a ferramenta se converte em máquinas. O próprio
modo de produção não permite mais a dispersão dos instrumentos de produção
característica da pequena propriedade, tampouco o isolamento dos próprios
trabalhadores. Na produção capitalista, a usura não pode mais implantar o
divórcio entre as condições de trabalho e o produtor, pela simples razão de que
esse divórcio já existe.
Onde
os meios de produção estão dispersos, a usura centraliza fortunas em dinheiro.
Ela não altera o modo de produção, mas suga sua substância como um parasita e o
arruína. Ela o exaure, enerva-o e obriga a reprodução a desenvolver-se sob
condições cada vez mais deploráveis. Isso explica o fato de o ódio popular
contra a usura ter sido mais intenso no mundo antigo, quando a propriedade dos
meios de produção pelo produtor era ao mesmo tempo a base das relações
políticas e da autonomia do cidadão.
Na
medida em que prevalece a escravidão ou em que o mais-produto é consumido pelo
senhor feudal e por seu séquito, e que o dono de escravos ou o senhor feudal
caem nas garras da usura, o modo de produção continua a ser o mesmo; torna-se
somente mais duro para o trabalhador. O dono de escravos ou o senhor feudal
endividados espoliam mais porque são mais espoliados. Ou, então, acabam cedendo
lugar ao usurário, que se converte ele próprio, por sua vez, em proprietário
fundiário ou dono de escravos, como os cavaleiros da Roma Antiga. O antigo
explorador, cuja exploração tinha um caráter mais ou menos patriarcal, porque
era, em grande parte, um meio de poder político, é substituído por um arrivista
implacável, ávido de dinheiro. No entanto, o próprio modo de produção não se
altera.
A
usura tem um efeito revolucionário em todos os modos de produção pré-capitalistas
apenas na medida em que destrói e dissolve as formas de propriedade que,
reproduzindo-se constantemente na mesma forma, constituem a base firme da
organização política. A usura pode perdurar por longo tempo dentro das formas
asiáticas sem provocar mais que a decadência econômica e a degeneração
política. É apenas onde e quando estão presentes as demais condições do modo de
produção capitalista que a usura aparece como um dos meios constitutivos do
novo modo de produção – por um lado, mediante a ruína dos senhores feudais e da
pequena produção e, por outro, pela centralização das condições de trabalho,
que são convertidas em capital. (...)
A
usura, em si um processo de surgimento do capital, é historicamente importante
diante da riqueza consumidora. O capital usurário e a fortuna comercial
promovem a formação de uma fortuna monetária independente da propriedade
fundiária. Quanto menos os produtos assumem o caráter de mercadoria, e quanto
menos o valor de troca domina intensiva e extensivamente a produção, mais o
dinheiro aparece como riqueza propriamente dita, como a riqueza geral diante da
representação limitada da riqueza em valores de uso. Nisso repousa o
entesouramento. Abstraindo de sua forma como dinheiro mundial e como Tesouro, é
como meio de pagamento que o dinheiro aparece na forma absoluta da mercadoria.
E é especialmente sua função como meio de pagamento que desenvolve os juros e,
com isso, o capital monetário. O que a riqueza pródiga e corruptora deseja é o
dinheiro como tal, o dinheiro como meio para comprar tudo (e também pagar
dívidas). O pequeno produtor necessita de dinheiro, principalmente para
comprar. (Aqui desempenha um grande papel a transformação dos serviços e das
contribuições in natura aos proprietários fundiários e ao Estado em
renda monetária e impostos monetários.) Em ambos os casos, o dinheiro se torna
necessário como dinheiro. Por outro lado, é na usura que o entesouramento se
torna real, realiza seu sonho. O que é exigido do proprietário de tesouro não é
capital, mas dinheiro como tal; mediante os juros, no entanto, ele transforma
esse tesouro monetário em capital para si mesmo – num meio pelo qual ele se
apodera total ou parcialmente do mais-trabalho e, com isso, de uma parte das
próprias condições de produção, ainda que elas continuem nominalmente a existir
para ele como propriedade alheia. A usura vive, ao que parece, nos poros da
produção, como deuses nos intermúndios de Epicuro. Quanto menos a forma
mercadoria é a forma geral do produto, mais difícil se torna obter dinheiro.
Daí que o usurário não conhece outra limitação além da capacidade de pagar ou
de resistir dos necessitados de dinheiro. Na produção pequeno-camponesa ou
pequeno-burguesa, o dinheiro é requerido fundamentalmente como meio de compra,
quando o trabalhador (que, nesses tipos de produção, continua a ser
predominantemente seu proprietário) se vê privado das condições de produção por
motivo de contingências fortuitas ou por abalos extraordinários ou quando, pelo
menos, essas condições não são repostas no curso normal da reprodução. Os meios
de subsistência e as matérias-primas constituem parte essencial dessas
condições de produção. Se se tornam mais caros, isso pode impossibilitar sua
reposição a partir do importe obtido com a venda do produto, do mesmo modo como
uma simples má colheita pode impedir o camponês de repor in natura suas
sementes. As mesmas guerras por meio das quais os patrícios romanos arruinavam
os plebeus, compelindo-os a prestar serviço militar, que os impediam de
reproduzir suas condições de trabalho e, assim, os empobreciam (e o
empobrecimento, a mutilação ou a perda dos pré-requisitos da reprodução é aqui
a forma predominante), essas mesmas guerras enchiam os celeiros e os porões dos
patrícios com o cobre saqueado, que era o dinheiro daquela época. Em vez de
entregar diretamente aos plebeus as mercadorias de que eles necessitavam,
trigo, cavalos, gado, os patrícios lhes emprestavam esse cobre, que para eles
mesmos era inútil, e aproveitavam a situação para arrancar-lhes enormes juros
usurários, por meio dos quais faziam deles escravos por dívidas. Sob o reinado
de Carlos Magno, também os camponeses francos foram arruinados por guerras, não
lhes restando alternativa senão a de converter-se de devedores em servos.
Sabemos que, no Império Romano, a fome costumava obrigar os pobres livres a
vender seus filhos ou a vender a si mesmos como escravos. Isso basta quanto às
grandes mudanças de caráter geral. Observando o problema mais detalhadamente, a
conservação ou a perda das condições de produção depende de mil contingências,
e cada uma dessas contingências ou perdas representa empobrecimento e abre uma
brecha para que o parasita da usura possa instalar-se. A simples morte de uma
de suas vacas é suficiente para tornar o pequeno produtor incapaz de retomar
sua reprodução na escala anterior. Com isso, ele cai nas garras da usura e, uma
vez que ali se encontra, jamais volta a libertar-se.
No
entanto, a função do dinheiro como meio de pagamento é o domínio realmente
importante e característico da usura. Todo pagamento em dinheiro, toda renda
fundiária, tributo, imposto etc. que vence num determinado prazo coloca a
necessidade de se dispor de certa soma em dinheiro. Assim se explica que a
usura em grande escala tenha se desenvolvido, desde os antigos romanos até os
tempos modernos, em conexão com os coletores de impostos, fermiers généraux
[coletores gerais], receveurs généraux [recebedores gerais]. Em seguida,
com o comércio e a generalização da produção de mercadorias, desenvolve-se a
separação temporal entre a compra e o pagamento. O dinheiro precisa ser
entregue num prazo determinado. As modernas crises monetárias demonstram como
isso pode conduzir a circunstâncias em que as figuras do capitalista monetário
e do usurário ainda hoje se confundem. Mas a própria usura torna-se o meio
principal para continuar a desenvolver a necessidade do dinheiro como meio de
pagamento, na medida em que endivida cada vez mais o produtor e elimina seus
meios comuns de pagamento, impondo-lhe uma carga de juros que impossibilita até
mesmo sua reprodução regular. Nesse ponto, a usura brota do dinheiro como meio
de pagamento e amplia essa função do dinheiro como seu domínio mais peculiar.
O
sistema de crédito completa seu desenvolvimento como reação contra a usura. Mas
isso não deve ser mal entendido, e de forma nenhuma interpretado ao modo dos
autores antigos, dos padres da Igreja, de Lutero ou dos antigos socialistas. O
sistema de crédito não significa nada além da submissão do capital portador de
juros às condições e às necessidades do modo de produção capitalista.”
“Como
já fora exposto em 1697, em Some Thoughts of the Interest of England, o
sistema bancário, por sua organização formal e sua centralização, é o produto
mais artificial e mais refinado que pode resultar do modo de produção
capitalista em geral. Isso explica o enorme poder de uma instituição como o
Banco da Inglaterra sobre o comércio e a indústria, embora seu movimento real
permaneça totalmente de fora de seu domínio e se comporte em relação a ele de
maneira passiva. Com isso, está certamente dada a forma de uma contabilidade e
uma distribuição gerais dos meios de produção em escala social, mas somente a
forma. O lucro médio do capitalista individual, ou de cada capital particular,
é, como vimos, determinado não pelo mais-trabalho, de que esse capital se
apropria em primeira mão, mas pela quantidade total de mais-trabalho de que o
capital inteiro se apropria e do qual cada capital particular extrai seus
dividendos como alíquota do capital total. Esse caráter social do capital só se
consuma e se realiza integralmente mediante o desenvolvimento pleno dos
sistemas de crédito e bancário. Por outro lado, esse sistema segue seu próprio desenvolvimento.
Oferece aos capitalistas industriais e comerciais todo o capital disponível da
sociedade, inclusive o capital potencial, ainda não ativamente comprometido, de
modo que nem o prestamista nem quem emprega esse capital é seu proprietário ou
seu produtor. Com isso, ele suprime o caráter privado do capital e, assim,
contém em si, somente em si, a supressão do próprio capital. Por meio do
sistema bancário, a distribuição do capital é retirada das mãos dos
capitalistas particulares e dos usurários como um negócio especial, como função
social. Ao mesmo tempo, porém, o banco e o crédito se convertem no meio mais
poderoso de impulsionar a produção capitalista para além de seus próprios
limites e um dos mais eficazes promotores das crises e da fraude.
Além
disso, ao substituir o dinheiro por diversas formas de crédito circulante, o
sistema bancário mostra que o dinheiro, na realidade, nada mais é que uma
expressão particular do caráter social do trabalho e de seus produtos, mas que,
em oposição à base da produção privada, tem sempre de aparecer, em última
análise, como uma coisa, uma mercadoria especial ao lado de outras mercadorias.”
“A
usura, assim como o comércio, explora um modo de produção dado; não o cria,
relaciona-se com ele externamente. A usura tenta conservá-lo de maneira direta,
a fim de poder explorá-lo sempre de novo; ela é conservadora e não faz mais do
que tornar esse modo de produção mais miserável. Quanto menos os elementos de produção
entram no processo de produção como mercadorias e dele saem como mercadorias,
mais a sua origem no dinheiro aparece como um ato separado. Quanto mais
insignificante é o papel desempenhado pela circulação na reprodução social,
mais florescente é a usura.
Que a
riqueza monetária se desenvolve como um tipo especial de riqueza significa, em
relação ao capital usurário, que ele possui todos os seus títulos de crédito na
forma de títulos de crédito monetários. Esse capital se desenvolve com mais
força num país quanto mais a massa da produção se limita a prestações in
natura, isto é, a valores de uso.
A
usura é uma poderosa alavanca para a formação dos pressupostos do capital
industrial, na medida em que desempenha dupla função: primeiro, de constituir
em geral, ao lado da riqueza comercial, uma riqueza monetária autônoma;
segundo, a de se apropriar das condições de trabalho, isto é, de arruinar os
possuidores das antigas condições de trabalho.”
“Nada
pode ser mais curioso que a argumentação da propriedade privada em Hegel. O ser
humano, como pessoa, precisa dar realidade a sua vontade como a alma da
natureza exterior e, assim, tomar posse dessa natureza como sua propriedade
privada. Se essa é a determinação “da pessoa”, do homem como pessoa, é
lógico que todo homem tem de ser proprietário fundiário para poder realizar-se.
A livre propriedade da terra – um produto muito moderno – não é, segundo Hegel,
uma relação social determinada, mas uma relação do homem como pessoa com a
“natureza”, um “direito absoluto de apropriação do homem sobre todas as
coisais” ([Georg Wilhelm Friedrich] Hegel, Philosophie des Rechts [Filosofia
do direito], Berlim, 1840, p. 79). É evidente, em primeiro lugar, que o
indivíduo não pode afirmar-se como proprietário por sua “vontade” diante da
vontade de outro que queira materializar-se igualmente no mesmo pedaço do globo
terrestre. Para isso, são necessárias coisas muito distintas da mera boa
vontade. Além disso, é absolutamente impossível ver onde “a pessoa” traça o
limite da realização de sua vontade, se a existência de sua vontade se realiza
num país inteiro ou se necessita de muitos outros países para, por meio de sua
apropriação, “manifestar a soberania de minha vontade sobre as coisas” [ibidem,
p. 80]. Aqui, Hegel se perde por completo. “A tomada de posse é de natureza
absolutamente singular: só tomo posse daquilo que toco com meu corpo; em segundo
lugar, ocorre que, ao mesmo tempo, os objetos exteriores têm uma extensão maior
que a que posso abarcar. Quando estou de posse de algo, há outra coisa em
conexão com esse algo. Exerço a tomada de posse por meio da mão, mas o raio de
ação desta última pode ser ampliado” ([ibidem,] p. 90 [91]). A essa outra
coisa, por sua vez, está conectada outra coisa, e assim desaparece o limite até
onde minha vontade pode derramar-se como alma sobre a terra. “Se possuo algo, a
razão passa de imediato a considerar que é meu não só aquilo que é
imediatamente possuído por mim, mas também o que está vinculado a isso. Aqui o
direito positivo deve efetuar suas constatações, pois a partir do conceito já não
se pode deduzir mais nada” ([ibidem,] p. 91). Essa é uma confissão
extraordinariamente ingênua “do conceito” e prova que este último, que de
antemão comete o erro de considerar absoluta uma representação jurídica da
propriedade fundiária totalmente determinada e pertencente à sociedade
burguesa, não compreende “nada” das configurações reais dessa propriedade
fundiária. Aí está contida, ao mesmo tempo, a confissão de que, com as
necessidades cambiantes do desenvolvimento social, isto é, econômico, o “direito
positivo” pode e deve mudar suas definições.”
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