Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-390-5
Edição: Friedrich Engels
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★☆☆☆
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Páginas: 760
Sinopse: Clássico
originalmente publicado em 1885 na Alemanha, o volume é peça imprescindível
para a compreensão plena do Livro I d’O capital e trata de forma
abrangente do processo de circulação do capital, desde o consumo até a
distribuição. Um dos pontos importantes examinados por Marx é a relação entre o
tempo de produção e o tempo de circulação para a realização plena do mais-valor
já criado. A edição ganha no Brasil textos adicionais inéditos selecionados por
Rubens Enderle, especialista na obra de Marx e também responsável pela tradução
da obra diretamente do alemão.
A edição da Boitempo é a primeira no mundo a basear-se no
conjunto publicado recentemente pela MEGA-2 (Marx-Engels- Gesamtausgabe), instituição detentora e curadora dos
manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels, considerada por estudiosos a
edição definitiva d’O capital de
Marx. Esses documentos, que nunca haviam sido traduzidos para o português,
permitiram a reconstrução dos manuscritos em sua totalidade.
Além disso, o Livro II recebe o acréscimo de treze textos
originais de Marx descartados por Engels em sua edição da obra. Os excertos
compõem o apêndice da edição brasileira e dão um panorama único e nunca antes
visto dos rascunhos iniciais de Marx, mostrando os seus primeiros passos para
desenvolver conceitos-chave de sua teoria, como esquemas e processo de
reprodução. Com a nova edição, o leitor tem a chance de debater a teoria
marxiana a partir das impressões do próprio autor.
A edição da Boitempo indica as intervenções feitas por
Engels na estrutura da obra – ou seja, na organização dos temas, na divisão das
seções, dos capítulos (e subcapítulos) e nos títulos a eles eventualmente
conferidos. O volume traz ainda um prefácio à edição brasileira, assinado pelo
cientista político alemão Michael Heinrich, professor de economia na
Universidade de Ciências Aplicadas, em Berlim, e colaborador na MEGA-2.
Em seu texto, Heinrich desmitifica a má fama do Livro II –
a parte mais subestimada de O capital –, considerado
uma leitura bastante árida sobre as formas cíclicas e os movimentos de rotação
do capital. O Livro I é considerado uma obra prima, do ponto de vista tanto do conteúdo como
do estilo; o Livro III aborda as relações concretas – lucro e crise, crédito e
capital acionário – que determinam o cotidiano capitalista. E o Livro II? ‘Na
realidade, esse volume tem uma enorme importância para a compreensão da crítica
econômica marxiana – e por duas razões totalmente distintas: a primeira diz
respeito à matéria nele tratada; a segunda, à posição que os manuscritos desse
volume ocupam no processo de formação da obra magna de Marx. Sua importância
está sobretudo em apresentar o capital como unidade dos processos de circulação
e de produção’, afirma ele.
O professor de sociologia da Unicamp Ricardo Antunes
defende que o Livro II de O capital
oferece pistas para se compreender e atualizar a teoria do valor-trabalho, presente
em fenômenos contemporâneos, como o papel predominante das tecnologias de
informação, dos novos serviços e da produção imaterial. ‘Ao contrário do fim do
valor, tão alardeado há décadas, o que o mundo produtivo vem presenciando é a
expansão sem limites de novas formas geradoras do valor, ainda que sob a
aparência do não-valor’, enfatiza Antunes.
“Quando a força de trabalho aparece no mercado como uma mercadoria de seu
possuidor, cuja venda se dá mediante o pagamento pelo trabalho, na forma do salário,
sua compra e venda não se distingue em nada da compra e venda de qualquer outra
mercadoria. O característico não é que a mercadoria força de trabalho seja
comprável, mas que a força de trabalho apareça como mercadoria. (...)
Do
lado do trabalhador, a aplicação produtiva de sua força de trabalho só se torna
possível a partir do momento em que, em consequência de sua venda, ela é posta
em contato com os meios de produção. Antes da venda, portanto, ela existe
separada dos meios de produção, das condições objetivas de sua aplicação. Nessa
condição de separação, ela não pode ser diretamente aplicada nem na produção de
valores de uso para seu proprietário, nem na produção de mercadorias de cuja
venda ele possa viver. Mas assim que, por meio de sua venda, a força de
trabalho é posta em contato com os meios de produção, ela se transforma numa
parte constitutiva do capital produtivo de seu comprador, tanto quanto os meios
de produção.
Portanto,
embora na operação D-T o proprietário de dinheiro e o proprietário de força
trabalho se relacionem como comprador e vendedor, como possuidores,
respectivamente, de dinheiro e de mercadoria, quer dizer, ainda que eles se
encontrem, sob esse aspecto, numa relação meramente monetária, o comprador se
apresenta de antemão, ao mesmo tempo, como possuidor dos meios de produção que
constituem as condições objetivas para que o possuidor da força de trabalho
possa empregá-la produtivamente. Dito de outro modo: esses meios de produção
aparecem diante do possuidor da força de trabalho como propriedade alheia. Por
outro lado, o vendedor do trabalho aparece diante de seu comprador como força
de trabalho alheia, que tem de se submeter a seu comando, incorporar-se a seu
capital, para que este possa atuar realmente como capital produtivo. Assim, a
relação de classe entre capitalista e assalariado já está dada, pressuposta, no
momento em que os dois se confrontam na operação D-T (T-D, do lado do
trabalhador). Ela é compra e venda, relação monetária, mas uma compra e venda
em que o comprador é pressuposto como capitalista e o vendedor como trabalhador
assalariado, e que se baseia no fato de as condições necessárias à realização
da força de trabalho – meios de subsistência e meios de produção – estarem
apartadas, como propriedade alheia, do possuidor dessa força de trabalho.
Não
nos interessa aqui saber como se dá essa separação. Ela existe assim que se
efetua a relação D-T. O que nos interessa é: se D-T aparece como uma função do
capital monetário, ou o dinheiro como forma de existência do capital, isso não
se dá de modo algum apenas porque o dinheiro atua, nesse caso, como meio de
pagamento de uma atividade humana direcionada a um efeito útil, de um serviço –
ou seja, não pela função do dinheiro como meio de pagamento. Se o dinheiro pode
ser gasto nessa forma é somente porque a força de trabalho encontra-se separada
de seus meios de produção (incluindo os meios de subsistência como meios de
produção da própria força de trabalho) e porque essa separação só é superada
com a venda da força de trabalho ao detentor dos meios de produção; e que,
portanto, ao comprador também pertence o emprego da força de trabalho, cujos
limites não coincidem em absoluto com os limites da massa de trabalho
necessária à reprodução de seu próprio preço. A relação de capital durante o
processo de produção só surge porque ela já existe, em si mesma, no ato de
circulação, nas diferentes condições econômicas fundamentais em que o comprador
e o vendedor se defrontam um com o outro, em sua relação de classe. Não é o
dinheiro que, pela própria natureza, engendra essa relação, mas, antes, é a
existência dessa relação que pode transformar uma simples função do dinheiro
numa função do capital.
Na
concepção do capital monetário (este só nos interessa, por ora, no interior da
função determinada em que ele se apresenta aqui) costumam ter lugar dois erros
paralelos ou amalgamados. Primeiramente: as funções que o valor de capital
exerce como capital monetário e que ele pode exercer precisamente por se
encontrar na forma-dinheiro são erroneamente deduzidas de seu caráter de
capital, ao passo que elas se devem apenas à condição de dinheiro do valor de
capital, à sua forma de manifestação como dinheiro. E em segundo lugar,
inversamente: o conteúdo específico da função de dinheiro, que faz dela ao
mesmo tempo uma função do capital, é deduzido da natureza do dinheiro
(confundindo-se, assim, dinheiro com capital), quando na realidade tal conteúdo
pressupõe condições sociais – como, nesse caso, na operação D-T – que não estão
de modo algum dadas na circulação simples de mercadorias e na correspondente
circulação de dinheiro. (...)
A existência de assalariados livres numa
escala social é uma condição indispensável para que D-M, a transformação de
dinheiro em mercadoria, possa ser concebida como transformação de capital
monetário em capital produtivo.
É evidente, pois, que a fórmula que expressa
o ciclo do capital monetário (D-M…P…M’-D’) só vale como forma do ciclo do
capital quando se baseia na produção capitalista já desenvolvida, pois
pressupõe a existência da classe assalariada em escala social. A produção
capitalista, como vimos, produz não apenas mercadoria e mais-valor, mas
reproduz, e num volume cada vez maior, a classe dos trabalhadores assalariados,
transformando a enorme maioria dos produtores diretos em assalariados.
D-M…P…M’-D’, tendo como premissa fundamental de seu movimento a existência
constante da classe assalariada, pressupõe o capital na forma do capital
produtivo e, desse modo, a forma do ciclo do capital produtivo.”
“D-M<TMp pressupõe que o indivíduo que realiza
esse ato não apenas dispõe de valores numa forma útil qualquer, mas também
possui esses valores em forma-dinheiro, isto é, que ele é possuidor de
dinheiro. Mas a operação consiste justamente no dispêndio do dinheiro, e alguém
só pode permanecer como possuidor de dinheiro na medida em que o dinheiro
retorna às suas mãos pela própria operação por meio da qual foi gasto. E como o
dinheiro só pode refluir para ele por meio da venda de mercadorias, a operação
pressupõe no possuidor de dinheiro a qualidade de produtor de mercadorias.
D-T.
O trabalhador assalariado vive apenas da venda da força de trabalho. Sua
subsistência – sua autossubsistência – requer o consumo diário. Seu pagamento
tem, portanto, de ser repetido constantemente em prazos relativamente curtos,
para que ele possa repetir as compras necessárias para sua autossubsistência –
a operação T-D-M ou M-D-M. Diante do trabalhador, o capitalista tem de atuar
constantemente como capitalista monetário, e seu capital tem de confrontá-lo
como capital monetário. Por outro lado, porém, para que a massa dos produtores
diretos, os trabalhadores assalariados, possa realizar a operação T-D-M, é
preciso que ela encontre constantemente os meios de subsistência em forma
comprável, isto é, em forma de mercadorias. Essa situação requer um alto grau
de circulação dos produtos como mercadorias e, portanto, do desenvolvimento da
produção mercantil. Tão logo a produção por meio do trabalho assalariado esteja
generalizada, a produção de mercadorias deve se tornar a forma geral da
produção. Esta, uma vez que se torna geral, condiciona, por sua vez, uma
divisão progressiva do trabalho social, isto é, uma especialização cada vez
maior do produto criado como mercadoria por um determinado capitalista, uma
cisão crescente de processos complementares de produção em processos
independentes. No mesmo grau de D-T desenvolve-se, portanto, D-Mp; ou seja, a
produção de meios de produção se dissocia da produção de mercadorias – das
quais eles são os meios de produção – na mesma medida em que esses meios de
produção aparecem a todo produtor de mercadorias como tantas outras mercadorias
que ele não produz mas compra, tendo em vista seu processo determinado de
produção. Elas derivam de ramos de produção totalmente separados desse
processo, explorados de modo independente, e entram em seu ramo de produção
como mercadorias, razão pela qual precisam ser compradas. As condições
materiais da produção de mercadorias se apresentam, em grau cada vez maior,
como produtos de outros produtores de mercadorias, isto é, como mercadorias. Da
mesma forma, o capitalista tem de atuar como capitalista monetário; em outras
palavras, aumenta a proporção em que seu capital tem de funcionar como capital
monetário.
Por
outro lado: as mesmas circunstâncias que produzem a condição fundamental da
produção capitalista – a existência de uma classe de trabalhadores assalariados
– exigem que toda produção de mercadorias se transforme em produção capitalista
de mercadorias. À medida que esta última se desenvolve, ela exerce um efeito
destrutivo e dissolvente sobre todas as formas anteriores de produção, que,
voltadas preferencialmente à satisfação das necessidades imediatas do produtor,
só convertem em mercadoria as sobras do que foi produzido. Ela faz da venda do
produto o interesse primordial, sem que, de início, isso pareça afetar o
próprio modo de produção, o que, por exemplo, constituiu o primeiro efeito do
comércio capitalista mundial sobre povos como o chinês, o indiano, o árabe etc.
Em segundo lugar, porém, onde lança raízes, ela destrói todas as formas da
produção de mercadorias baseadas seja no trabalho dos próprios produtores, seja
meramente na venda dos produtos excedentes como mercadorias. Primeiramente ela
universaliza a produção de mercadorias e, então, transforma gradualmente toda a
produção de mercadorias em produção capitalista. Quaisquer que sejam as formas
sociais da produção, os trabalhadores e os meios de produção permanecem sempre
como seus fatores constitutivos. Mas, enquanto se encontram separados uns dos
outros, são fatores de produção apenas em potencial. Para que se produza
efetivamente, precisam ser combinados. O modo particular dessa combinação
distingue as diferentes épocas econômicas da estrutura social. No caso
presente, a separação entre o trabalhador livre e seus meios de produção
constitui o ponto de partida dado, e vimos[j] como e sob quais condições ambos
são unificados na mão do capitalista – a saber, como modos produtivos de
existência de seu capital. O processo efetivo no qual entram, assim reunidos,
os elementos pessoais e materiais de criação de mercadorias, o processo de
produção, torna-se ele mesmo uma função do capital – do processo capitalista de
produção, cuja natureza foi estudada em detalhes no Livro
I desta obra. Toda empresa de produção de mercadorias torna-se, ao mesmo
tempo, empresa de exploração da força de trabalho, mas apenas a produção
capitalista de mercadorias é um divisor de águas, um modo de exploração que, em
seu desenvolvimento histórico e por meio da organização do processo de trabalho
e do enorme progresso da técnica, revoluciona a estrutura econômica inteira da
sociedade, deixando para trás todas as épocas anteriores.
Por
meio dos diferentes papéis que, durante o processo de produção, desempenham na
criação de valor e, portanto, também na criação de mais-valor, os meios de
produção e a força de trabalho se diferenciam, como formas de existência do
valor de capital adiantado, em capital constante e variável. Como diferentes
partes constitutivas do capital produtivo, distinguem-se também pelo fato de
que os primeiros, quando de posse do capitalista, permanecem como seu capital
também fora do processo de produção, ao passo que, no interior deste, a força
de trabalho se converte em forma de existência de um capital individual. Se a
força de trabalho só é mercadoria nas mãos de seu vendedor, do trabalhador
assalariado, ela só se torna capital, ao contrário, nas mãos de seu comprador,
o capitalista, a quem cabe seu uso temporário. Os próprios meios de produção só
se convertem em formas objetivas do capital produtivo, ou capital produtivo, a
partir do momento em que neles pode ser incorporada a força de trabalho, como
forma de existência pessoal desse capital. Portanto, os meios de produção não
são capital por natureza, e tampouco o é a força de trabalho humana. Eles só
assumem tal caráter social específico sob condições determinadas,
historicamente desenvolvidas, assim como é apenas sob essas condições que o
metal precioso assume o caráter de dinheiro, ou o dinheiro o caráter de capital
monetário.
Em
seu funcionamento, o capital produtivo consome suas próprias partes
constitutivas, a fim de convertê-las numa massa de produtos de valor maior. Como
a força de trabalho só atua como um de seus órgãos, também é fruto do capital a
parcela de valor do produto gerada pelo mais trabalho e que excede o valor de
seus elementos constitutivos. O mais-trabalho da força de trabalho é o trabalho
gratuito do capital e cria para o capitalista um valor que não lhe custa
equivalente algum. O produto é, por isso, não apenas mercadoria, mas mercadoria
fertilizada [befruchtete] com mais-valor. Seu valor é = P + M, isto é,
ao valor do capital produtivo P consumido em sua produção mais o mais-valor M
por ele gerado.”
[j] Cf. O capital, Livro
I, cit., p. 241-51 e 785-804. (N. T.)
“O capital industrial é o único modo de existência do capital em que este
último tem como função não apenas a apropriação de mais-valor ou de
mais-produto, mas também sua criação. Esse capital condiciona, portanto, o
caráter capitalista da produção; sua existência inclui a existência da oposição
de classes entre capitalistas e trabalhadores assalariados. À medida que o
capital se apodera da produção social, a técnica e a organização social do
processo de trabalho são revolucionados e, com isso, o tipo histórico-econômico
da sociedade. Os outros tipos de capital, surgidos antes dele em condições
sociais de produção pretéritas ou em declínio, não apenas se subordinam a ele e
são por ele modificadas no mecanismo de suas funções, mas se movem
exclusivamente com base nele e, portanto, vivem e morrem, mantêm-se e
desaparecem com essa sua base. O capital monetário e o capital-mercadoria, na
medida em que aparecem investidos da função de agentes de um ramo próprio de
negócios ao lado do capital industrial, são apenas modos de existência –
autonomizados e unilateralizados pela divisão social do trabalho – das
diferentes formas funcionais que o capital industrial ora assume, ora abandona
no interior da esfera da circulação.
O ciclo D…D’ se entrelaça, por um lado, com a
circulação geral de mercadorias: sai dela, entra nela e constitui uma parte
dela. Por outro lado, ele constitui, para o capitalista individual, um
movimento próprio e independente do valor de capital, movimento que em parte
realiza-se dentro da circulação geral de mercadorias e, em parte, fora dela,
mas que conserva sempre seu caráter independente. Em primeiro lugar, porque
suas duas fases localizadas na esfera da circulação, D-M e M’-D’, possuem
características funcionalmente determinadas como fases do movimento do capital:
em D-M, M é materialmente determinada como força de trabalho e meios de
produção; em M’-D’, realiza-se o valor de capital + mais-valor. Em segundo
lugar, P, o processo de produção, abarca o consumo produtivo. Em terceiro
lugar, o retorno do dinheiro a seu ponto de partida transforma o movimento D…D’
num movimento cíclico que se fecha em si mesmo. (...)
Por
fim, se examinamos a fórmula D-M…P…M’-D’ como forma especial do processo
cíclico do capital ao lado das outras formas a serem examinadas mais adiante,
vemos que ela se caracteriza pelo seguinte:
1.
Surge como ciclo do capital monetário, pois o capital industrial, em sua
forma-dinheiro, como capital monetário, constitui tanto o ponto de partida como
o ponto de retorno de seu processo total. A própria fórmula expressa que o
dinheiro não é gasto como dinheiro, mas apenas adiantado, ou seja, é somente a
forma-dinheiro do capital, capital monetário. Ela significa, além disso, que é
o valor de troca, e não o valor de uso, que constitui a finalidade própria do
movimento. É justamente porque a forma-dinheiro do valor constitui sua forma de
manifestação independente e palpável que a forma de circulação D…D’, cujo ponto
de partida e de chegada é o dinheiro efetivo, o ato de fazer dinheiro, expressa
do modo mais palpável a mola propulsora da produção capitalista. O processo de
produção aparece apenas como inevitável elo intermediário, um mal necessário ao
ato de fazer dinheiro. {Por isso, todas as nações em que impera o modo de
produção capitalista são periodicamente tomadas pela ilusão de querer fazer
dinheiro sem a mediação do processo de produção.}
2. O
estágio da produção, a função de P, constitui nesse ciclo a interrupção das
duas fases da circulação D-M…M’-D’, que, por sua vez, não é mais do que a
mediação da circulação simples D-M-D’. O processo de produção aparece na forma
do próprio processo cíclico, formal e expressamente, como aquilo que ele é no
modo de produção capitalista: um simples meio para a valorização do valor
adiantado, o que significa dizer que o objetivo último da produção é o
enriquecimento.
3.
Porque a sequência das fases é iniciada com D-M, o segundo elo da circulação é
M’-D’; portanto, o ponto de partida é D, o capital monetário a ser valorizado,
e o ponto de chegada é D’, o capital monetário valorizado D + d, no qual
D figura como capital realizado ao lado de seu rebento d. Isso distingue
o ciclo D dos dois outros ciclos P e M’, e de modo duplo. Por um lado, por meio
da forma-dinheiro dos dois extremos; o dinheiro é, no entanto, a forma de
existência independente e palpável do valor, o valor do produto em sua
forma-valor independente, na qual se apaga todo e qualquer rastro do valor de
uso das mercadorias. Por outro lado, a forma P…P não se torna necessária para
P…P’ (P + p), e na forma M’…M’ não é mais visível qualquer diferença de valor
entre os dois extremos. A fórmula D…D’ se caracteriza, portanto, pelo fato de
que, por um lado, o valor do capital constitui o ponto de partida, e o valor de
capital valorizado o ponto de retorno – de modo que o desembolso do valor de
capital aparece como meio e o valor de capital valorizado como finalidade de
toda a operação – e, por outro, que essa relação é expressa em forma-dinheiro,
na forma-valor independente e que, portanto, o capital monetário se expressa
como dinheiro que pare dinheiro. A criação de mais-valor por meio do valor é
não apenas expresso como o alfa e o ômega do processo como também aparece
concretamente na forma reluzente do dinheiro.
Como
D’, o capital monetário realizado como resultado de M’-D’, a fase complementar
e conclusiva de D-M, encontra-se absolutamente na mesma forma em que iniciou
seu primeiro ciclo, ele pode agora reiniciar o mesmo ciclo como capital
monetário aumentado (acumulado): D’ = D + d; e, pelo menos na forma de
D…D’, não está expresso que, na repetição do ciclo, a circulação de d se
separe da de D. Portanto, considerado em sua forma primeira e de um ponto de
vista formal, o ciclo do capital monetário expressa apenas o processo de
valorização e acumulação. Nele, o consumo é expresso apenas como consumo
produtivo, por meio de D-M<TMp, a única operação incluída
nesse ciclo do capital individual D-T, que, do lado do trabalhador, é T-D ou
M-D; ele é, portanto, a primeira fase da circulação, que serve de mediação para
seu consumo individual: T-D-M (meios de subsistência). A segunda fase D-M não
integra o ciclo do capital individual, mas é introduzida e pressuposta por ele,
já que o trabalhador, para poder se manter no mercado, sempre como matéria
explorável pelo capitalista, necessita, antes de tudo, viver, isto é,
sustentar-se mediante seu consumo individual. Mas esse consumo é aqui apenas
pressuposto como condição do consumo produtivo da força de trabalho pelo
capital; ou seja, apenas na medida em que o trabalhador se conserva e reproduz
como força de trabalho por meio de seu consumo individual. Mas Mp, as verdadeiras
mercadorias que entram no ciclo, constituem apenas o alimento do consumo
produtivo. A operação T-D serve de mediação ao consumo individual do
trabalhador, possibilitando a transformação dos meios de subsistência em sua
carne e em seu sangue. Certamente, o capitalista também precisa estar presente,
ou seja, também precisa comer e consumir para atuar como capitalista. Para
isso, ele só precisaria, a rigor, consumir como qualquer trabalhador, e mais do
que isso não é exigido por essa forma do processo de circulação. E, considerado
do ponto de vista formal, nem mesmo isso, uma vez que a fórmula se conclui com
D’, isto é, com um resultado que pode voltar a funcionar imediatamente como
capital monetário aumentado.
Em
M’-D’ está diretamente incluída a venda de M’; mas M’-D’, venda de um lado, é
D-M, compra de outro, e a mercadoria, ao final, é comprada apenas em razão de
seu valor de uso, a fim de entrar (desconsiderando as vendas intermediárias) no
processo de consumo, seja este individual ou produtivo, de acordo com a
natureza do artigo comprado. Mas esse consumo não entra no ciclo do capital
individual, cujo produto é M’; este produto é, pelo contrário, expelido do
ciclo como mercadoria a ser vendida. M’ é expressamente destinada ao consumo
alheio. É por isso que, em porta-vozes do sistema mercantilista (que se baseia
na fórmula D-M…P…M’-D’), encontramos prolixos sermões sobre a necessidade de o
capitalista individual consumir como um trabalhador, do mesmo modo como as
nações capitalistas devem deixar que outras nações ineptas consumam suas
mercadorias e se entreguem exclusivamente ao processo de consumo, enquanto as
primeiras, ao contrário, devem fazer do consumo produtivo a missão de sua vida.
Tais sermões lembram com frequência, por sua forma e conteúdo, as pregações
ascéticas dos padres da Igreja[q].”
[q] Nos quatro primeiros séculos
cristãos, a maioria dos padres da Igreja – título criado no século IV e
conferido a doutrinadores e teóricos da Igreja do século II ao VII – condenava
o gozo de bens mundanos e a ambição por propriedade e conforto. Em vez disso,
recomendava-se o uso comum de propriedades coletivas. (N. E. A.)
“Como formas e modos de existência particulares e distintos, que
correspondem a funções específicas do capital industrial, o capital monetário
só pode exercer funções de dinheiro, e o capital-mercadoria, funções de
mercadoria, havendo entre eles apenas a diferença de mercadoria e dinheiro. Do
mesmo modo, o capital industrial, em sua forma de capital produtivo, só pode
consistir dos mesmos elementos de qualquer outro processo de trabalho que gera
produtos: de um lado, condições objetivas de trabalho (meios de produção); de
outro, força de trabalho produtivamente empregada (orientada a uma finalidade).
Assim como, na esfera da produção, o capital industrial só pode existir na
articulação que corresponde ao processo de produção em geral e, portanto,
também ao processo não-capitalista de produção, na esfera da circulação ele só
pode existir sob as duas formas correspondentes de mercadoria e dinheiro. Mas
como a soma dos elementos de produção se manifesta desde o início como capital
produtivo pelo fato de a força de trabalho ser força de trabalho alheia que o
capitalista comprou de seu próprio possuidor, assim como comprou os meios de
produção de outros possuidores de mercadorias; como, portanto, o próprio
processo de produção se manifesta também como função produtiva do capital
industrial, o dinheiro e a mercadoria aparecem como formas de circulação do
mesmo capital industrial, suas funções como funções de circulação deste último,
que ou introduzem as funções do capital produtivo ou dele derivam. É apenas
mediante sua articulação como formas funcionais que o capital industrial deve
assumir nos diferentes estágios de seu processo cíclico que as funções de
dinheiro e de mercadoria são aqui, ao mesmo tempo, funções de capital monetário
e capital-mercadoria. É um erro, portanto, querer derivar as propriedades e
funções características e específicas do dinheiro e da mercadoria enquanto tais
de seu caráter de capital, como também é um erro, inversamente, querer deduzir
as propriedades do capital produtivo de seu modo de existência como meios de
produção.”
“As três figuras podem ser expostas da seguinte forma, com Pc designando
o processo inteiro de circulação:
1.
D-M…P…M’-D’
2.
P…Pc…P
3.
Pc…P (M’)
Resumindo
as três formas, todos os pressupostos do processo aparecem como seu resultado,
como um pressuposto produzido pelo próprio processo. Cada momento aparece como
ponto de partida, ponto de transição e ponto de retorno. O processo inteiro
apresenta-se como unidade do processo de produção e do processo de circulação;
o processo de produção torna-se mediador do processo de circulação, e
vice-versa.
Os
três ciclos têm em comum a valorização do valor como seu escopo determinado
como mola propulsora. Em I, isso está expresso na forma. A forma II começa com
P, com o próprio processo de valorização. Em III, o ciclo começa com o valor
valorizado e termina com o valor novamente valorizado, ainda que o movimento se
repita na mesma fase. (...)
Num
círculo em constante rotação, cada ponto é simultaneamente ponto de partida e
ponto de retorno. Se interrompemos a rotação, isso já não ocorre. Vimos, por
isso, que não apenas cada ciclo particular pressupõe (implicitamente) o outro,
mas também que a repetição do ciclo numa forma implica a descrição do ciclo nas
demais formas. Assim, a diferença inteira apresenta-se como uma diferença
meramente formal, ou também como meramente subjetiva, existente apenas para seu
observador.
Na
medida em que cada um desses ciclos é considerado como forma especial do
movimento no interior do qual se encontram diversos capitais industriais
individuais, também essa diversidade existe apenas como uma diversidade
individual. Na realidade, porém, cada capital industrial individual encontra-se
em todos os três ciclos simultaneamente. Os três ciclos, as formas de
reprodução das três configurações do capital, consumam-se continuamente e lado
a lado. Por exemplo, uma parte do valor de capital que agora funciona como
capital-mercadoria transforma-se em capital monetário, mas, ao mesmo tempo,
outra parte sai do processo de produção e entra na circulação como novo
capital-mercadoria. A forma circular M’…M’ é então constantemente descrita,
assim como as duas outras formas. A reprodução do capital em cada uma de suas
formas e cada um de seus estágios é tão contínua quanto a metamorfose dessas
formas e a passagem sucessiva pelos três estágios. Aqui, portanto, o ciclo
inteiro é a unidade efetiva de suas três formas. (...)
Por
conseguinte, o verdadeiro ciclo do capital industrial, em sua continuidade, não
é apenas a unidade dos processos de circulação e produção, mas a unidade de
todos os seus três ciclos. Mas ele só pode ser tal unidade na medida em que
cada uma das distintas partes do capital possa percorrer sucessivamente as
distintas fases do ciclo, passando de uma fase, de uma forma funcional a outra,
e que o capital industrial, como a totalidade dessas partes, encontre-se
simultaneamente nas diferentes fases e funções, percorrendo, assim, todos os
três ciclos ao mesmo tempo. A sucessão das diferentes partes é, aqui,
condicionada pela justaposição das partes, isto é, pela divisão do capital.
Assim, no sistema fabril encadeado, o produto se apresenta nas diferentes fases
de seu processo de formação de modo tão contínuo quanto na transição de uma
fase de produção a outra. Como o capital industrial individual representa uma
grandeza determinada, que depende dos meios do capitalista e apresenta uma
grandeza mínima determinada para cada ramo da indústria, sua divisão requer a
existência de determinadas cifras proporcionais. A grandeza do capital
existente condiciona o volume do processo de produção e este, por sua vez, o
volume do capital-mercadoria e do capital monetário, na medida em que ambos
funcionam ao lado do processo de produção. Mas a justaposição, que condiciona a
continuidade da produção, só existe por conta do movimento das partes do
capital, no qual elas percorrem sucessivamente os diferentes estágios. A
justaposição é, ela mesma, apenas o resultado da sucessão. Se, por exemplo, o
movimento M’-D’ se estanca numa de suas partes e não se consegue vender a
mercadoria, o ciclo dessa parte é interrompido e a reposição pelo seu meio de
produção não é realizada; as sucessivas partes que resultam do processo de
produção como M’ têm sua mudança de função bloqueada pelas partes anteriores.
Se isso persiste por certo tempo, restringe-se a produção e o processo inteiro
é suspenso. Cada estancamento da sucessão provoca uma desorganização da
justaposição; cada estancamento num estágio causa um estancamento maior ou
menor em todo o ciclo, não apenas da parte do capital imobilizado, mas também
do capital individual em sua totalidade. A próxima forma em que o processo se
apresenta é a de uma sucessão de fases tal que a transição do capital a uma
nova fase é condicionada pelo abandono de outra. Por isso, todo ciclo
particular tem como ponto de partida e de retorno uma das formas funcionais do
capital. Por outro lado, o processo inteiro é, na realidade, a unidade dos três
ciclos, que são as diferentes formas nas quais se expressa a continuidade do
processo. O ciclo inteiro se apresenta para cada forma funcional do capital
como seu ciclo específico, e cada um desses ciclos condiciona a continuidade do
processo em seu conjunto; o processo cíclico de uma forma funcional condiciona
o da outra. É uma condição necessária ao processo total de produção,
especialmente para o capital social, que ele seja simultaneamente processo de
reprodução e, assim, ciclo de cada um de seus momentos. Diferentes frações do
capital percorrem sucessivamente os diversos estágios e formas funcionais. Cada
forma funcional, embora nela se expresse sempre outra parte do capital,
percorre seu próprio ciclo ao mesmo tempo que as outras. Uma parte do capital,
que muda e se reproduz sem cessar, existe como capital-mercadoria, que se
converte em dinheiro; outra parte existe como capital monetário, que se
converte em capital produtivo; a terceira, capital produtivo, se converte em
capital-mercadoria. A existência constante dessas três formas é mediada
justamente pelo ciclo do capital total que percorre essas três fases.
Como
totalidade, o capital se encontra, então, simultaneamente e em justaposição
espacial em suas diferentes fases. Mas cada parte passa constantemente, por
turnos, de uma forma funcional a outra, e assim funciona sucessivamente em
todas as formas. As formas são, portanto, fluidas, e sua simultaneidade é
mediada por sua sucessão. Cada forma segue a outra e a antecede, de modo que o
retorno de uma parte do capital a uma forma é condicionado pelo retorno de
outra parte a outra forma. Cada parte percorre continuamente seu próprio curso,
mas é sempre outra parte do capital que se encontra nessa forma, e esses
percursos especiais formam apenas momentos simultâneos e sucessivos do percurso
total.
É
apenas na unidade dos três ciclos que se realiza a continuidade do processo
total, e não na interrupção exposta anteriormente. O capital social total
possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos três
ciclos.
Quanto
aos capitais individuais, a continuidade da reprodução é, em certos pontos,
mais ou menos interrompida. Em primeiro lugar, as massas de valor são
frequentemente distribuídas em épocas distintas e em porções desiguais aos
diferentes estágios e formas funcionais. Em segundo lugar, essas porções podem
se distribuir de modos diferentes, segundo o caráter da mercadoria a ser
produzida, ou seja, segundo a esfera especial de produção na qual o capital é
investido. Em terceiro lugar, a continuidade pode ser mais ou menos
interrompida em ramos da produção que dependem das estações do ano, seja em
razão de condições naturais (agricultura, pesca do arenque etc.), seja por
circunstâncias convencionais – por exemplo, nos assim chamados trabalhos
sazonais. Onde o processo se desenrola com mais regularidade e uniformidade é
nas fábricas e nas minas. Essa diversidade dos ramos de produção, contudo, não
provoca qualquer diversidade nas formas gerais do processo cíclico.
O
capital, como valor que valoriza a si mesmo, não encerra apenas relações de
classes, um caráter social determinado e que repousa sobre a existência do
trabalho como trabalho assalariado. Ele é um movimento, um processo cíclico que
percorre diferentes estágios e, por sua vez, encerra três formas distintas do
processo cíclico. Por isso, ele só pode ser compreendido como movimento, e não
como coisa imóvel. Aqueles que consideram a autonomização do valor uma mera
abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa mesma abstração
in actu [em ato]. O valor percorre aqui diferentes formas, diferentes
movimentos, nos quais ele se conserva e, ao mesmo tempo, se valoriza,
aumentando de tamanho. Como aqui nos ocupamos, por ora, com a simples forma do
movimento, não entram em consideração as revoluções que o valor de capital pode
experimentar em seu processo cíclico; mas é claro que, apesar de todas as
revoluções do valor, a produção capitalista só pode existir e continuar a
existir enquanto o valor de capital se valoriza, isto é, enquanto percorre seu
processo cíclico como valor autonomizado e, portanto, enquanto as revoluções do
valor são de algum modo dominadas e niveladas. Os movimentos do capital
aparecem como ações do capitalista industrial individual na medida em que ele
funciona como comprador de mercadorias e de trabalho, vendedor de mercadorias e
capitalista produtivo, ou seja, na medida em que, por meio de sua atividade,
serve de mediação ao ciclo. Se o valor de capital experimenta uma revolução de
valor, pode ocorrer que seu capital individual seja afetado por ela e pereça,
por não poder satisfazer as condições desse movimento de valor. Quanto mais
agudas e frequentes se tornam as revoluções do valor, mais se impõe o movimento
automático do valor autonomizado, com a força de um processo natural elementar,
diante das previsões e dos cálculos do capitalista individual, e mais o curso
da produção normal é submetido à especulação anormal, maior é o perigo para a
existência dos capitais individuais. Essas revoluções periódicas do valor
confirmam, portanto, o que supostamente deveriam contradizer: a autonomização
que o valor experimenta como capital e que ele conserva e intensifica por meio
de seu movimento.”
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