Editora: Boitempo
Edição: Friedrich Engels
ISBN: 978-85-7559-390-5
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 984
Sinopse: Ver Parte
I
“Enquanto tudo corre bem, a concorrência, tal como se revela no nivelamento
da taxa geral de lucro, atua como uma confraria da classe capitalista, que
reparte o butim coletivo comunitariamente e em proporção à grandeza da
participação de cada um de seus membros. Quando já não se trata de dividir o
lucro, e sim as perdas, cada um procura reduzir o máximo possível sua
participação e transferi-las a outrem. As perdas são inevitáveis para a classe.
Mas a parte que cabe a cada indivíduo nessas perdas, a participação de cada um
no cômputo geral, torna-se uma questão de poder e astúcia, e aqui a
concorrência converte-se numa luta entre irmãos inimigos. Deflagra-se, então, o
antagonismo entre o interesse de cada capitalista individual e o da classe
capitalista, do mesmo modo como antes se impunha praticamente a identidade
desses interesses por meio da concorrência.
Como
reequilibrar as partes em conflito e restabelecer as condições correspondentes
ao movimento “saudável” da produção capitalista? A maneira de chegar a esse
equilíbrio já está contida na simples enunciação do conflito que se trata de
dirimir. Ela inclui uma inativação, até mesmo uma destruição parcial de
capital, no montante de valor de todo o capital adicional ΔC ou de uma parcela
dele. Ainda que, como já se depreende da exposição do conflito, a distribuição
dessas perdas não se estenda de modo nenhum de maneira uniforme aos diversos
capitais particulares, mas seja decidida numa luta concorrencial, distribuindo-se
de forma muito desigual e diversa conforme as vantagens particulares ou as
posições já conquistadas, de modo que um capital se vê inativado, outro
destruído, um terceiro experimenta apenas uma perda relativa ou sofre apenas
uma desvalorização transitória etc.
Sob
qualquer circunstância, o equilíbrio se estabeleceria por inativação e, em
maior ou menor medida, mesmo por aniquilação de capital. Isso se estenderia, em
parte, à substância material do capital; isto é, uma parte dos meios de
produção, capital fixo e circulante, não funcionaria, não atuaria como capital;
uma parte dos empreendimentos produtivos iniciados ficaria paralisada. Ainda
que, sob esse aspecto, o tempo ataque e deteriore todos os meios de produção
(com exceção do solo), teríamos aqui, em decorrência da paralisação das
funções, uma destruição real muito mais intensa de meios de produção. No
entanto, o efeito principal, sob esse aspecto, seria o de que esses meios de
produção deixariam de atuar como tais; uma destruição mais breve ou mais
prolongada de sua função como meios de produção.
A
destruição principal, com o caráter mais agudo, teria lugar com relação ao
capital e, na medida em que este possui atributo de valor, com relação aos valores
de capital. A parte do valor de capital que só se encontra na forma de
indicações de futuras participações no mais-valor, no lucro – de fato, como
meros títulos de dívida sobre a produção sob diversas formas –, é imediatamente
desvalorizada com a diminuição das entradas sobre as quais está calculada. Uma
parte do ouro e da prata cunhados encontra-se inativa, não funciona como
capital. Uma parte das mercadorias que se encontram no mercado só pode
completar seu processo de circulação e reprodução por meio de uma enorme contração
de seus preços, isto é, da desvalorização do capital que essa parte representa.
Também os elementos do capital resultam mais ou menos desvalorizados. A isso se
acrescenta que determinadas relações pressupostas de preços condicionam o
processo de reprodução e que, em virtude disso, esse processo, devido à baixa
geral dos preços, entra num estado de paralisação e desequilíbrio. Essa
perturbação e esse estancamento paralisam a função do dinheiro como meio de
pagamento – função dada simultaneamente com o desenvolvimento do capital e
baseada naquelas relações pressupostas de preços –, interrompem em inúmeros
pontos a cadeia das obrigações de pagamento em determinados prazos e são
intensificados pelo conseguinte colapso do sistema de crédito desenvolvido
simultaneamente ao capital, o que conduz a violentas e agudas crises, a súbitas
desvalorizações forçadas, a um estancamento e uma perturbação reais do processo
de reprodução e, com isso, a uma redução efetiva da reprodução.
Ao
mesmo tempo, porém, outros agentes teriam entrado em jogo. A paralisação da
produção teria inativado uma parte da classe trabalhadora e, com isso, colocado
a parte ocupada numa situação em que ela teria de tolerar uma queda do salário,
mesmo que abaixo da média; uma operação cujo efeito, para o capital, é
exatamente o mesmo que se obteria se, mantendo-se o salário médio, o mais-valor
relativo ou absoluto tivesse sido aumentado. (...)
Por
outro lado, a queda de preços e a luta concorrencial teriam estimulado todo
capitalista a reduzir o valor individual de seu produto total abaixo de seu
valor geral mediante o emprego de novas máquinas, de novos métodos
aperfeiçoados de trabalho, de novas combinações, isto é, a incrementar a força
produtiva de dada quantidade de trabalho, diminuir a relação entre o capital
variável e o constante e, com isso, liberar trabalhadores; em suma, a criar uma
superpopulação artificial. Além disso, a desvalorização dos elementos do
capital constante seria ela mesma um elemento a implicar a elevação da taxa de
lucro. A massa do capital constante empregado teria aumentado em relação à
massa do capital variável, mas o valor daquela massa poderia ter diminuído. A
paralisação verificada na produção teria preparado uma ulterior ampliação desta
última, dentro dos limites capitalistas.
E
assim se percorreria novamente o círculo. Uma parte do capital, desvalorizada
pela paralisação de suas funções, recuperaria seu antigo valor. Além disso, o
mesmo círculo vicioso seria outra vez percorrido com condições de produção
ampliadas, um mercado expandido e uma força produtiva aumentada.
Porém,
mesmo sob o pressuposto extremo do qual partimos, a superprodução absoluta de
capital não é uma superprodução absoluta em geral, uma superprodução absoluta
de meios de produção. É uma superprodução de meios de produção somente na
medida em que eles funcionam como capital e, por conseguinte, devem
implicar – em proporção a seu valor, que aumenta ao aumentar sua massa – uma
valorização desse valor, isto é, devem gerar um valor adicional.
Apesar
disso, ela seria superprodução, porque o capital seria incapaz de explorar o
trabalho num grau de exploração condicionado pelo desenvolvimento “saudável”,
“normal”, do processo de produção capitalista, num grau de exploração que
aumenta pelo menos a massa de lucro ao aumentar a massa do capital empregado,
isto é, que exclui o fato de que a taxa de lucro decresce na mesma medida em
que cresce o capital ou mesmo que a taxa de lucro decresce mais rapidamente do
que cresce o capital.
A
superprodução de capital não significa outra coisa senão a superprodução de
meios de produção – meios de trabalho e de subsistência – que podem atuar como
capital, isto é, que podem ser empregados para a exploração do trabalho em dado
grau de exploração, uma vez que a queda desse grau de exploração abaixo de
certo ponto provoca perturbações e paralisações do processo de produção
capitalista, crises e destruição de capital. Não constitui uma contradição o
fato de essa superprodução de capital ser acompanhada de uma superpopulação relativa
maior ou menor. As mesmas circunstâncias que elevaram a força produtiva do trabalho
aumentaram a massa dos produtos-mercadorias, expandiram os mercados, aceleraram
a acumulação do capital, em relação tanto a sua massa como a seu valor, e
rebaixaram a taxa de lucro; essas mesmas circunstâncias geraram e geram
constantemente uma superpopulação relativa, uma superpopulação de trabalhadores
que o capital excedente deixa de empregar em virtude do baixo grau de
exploração do trabalho, único grau em que ela poderia ser empregada, ao menos
em virtude da baixa taxa de lucro que ela proporcionaria como grau dado de
exploração.
Se
capital é mandado para o exterior, isso não ocorre por ser impossível ocupá-lo
no interior, mas porque no exterior pode-se investi-lo com uma taxa de lucro
mais alta. Mas esse é um capital absolutamente excedente para a população trabalhadora
ocupada e para o país em geral. Ele existe como tal junto à população
relativamente excedente, e isso é um exemplo de como ambos coexistem e se condicionam
de maneira recíproca.
Por
outro lado, a queda da taxa de lucro, vinculada à acumulação, provoca
necessariamente uma luta concorrencial. A compensação da queda da taxa de lucro
mediante o aumento da massa do lucro vale apenas para o capital total da
sociedade e para os grandes capitalistas já consolidados. O novo capital
adicional, de funcionamento autônomo, não encontra dada nenhuma dessas
condições compensatórias; deve lutar por conquistá-las e, desse modo, a queda
na taxa de lucro suscita a luta concorrencial entre os capitais, e não o
inverso. No entanto, essa luta concorrencial é acompanhada de um aumento
transitório dos salários e, como consequência desse aumento, de uma diminuição
temporária da taxa de lucro. O mesmo se manifesta na superprodução de
mercadorias, no abarrotamento dos mercados. Como o fim do capital não é a satisfação
das necessidades, mas a produção de lucro, e como ele só alcança esse objetivo
em virtude de métodos que regulam o volume da produção com relação à escala da
produção, e não o inverso, deve produzir-se constantemente uma cisão entre as
dimensões restritas do consumo sobre a base capitalista e uma produção que
tende constantemente a superar essa barreira que lhe é imanente. Além disso, o
capital se compõe de mercadorias, razão pela qual a superprodução de capital
implica a superprodução de mercadorias. Daí o curioso fenômeno de os mesmos
economistas que negam a superprodução de mercadorias admitirem a de capital.
Quando se diz que nos diversos ramos da produção não ocorre uma superprodução
geral, mas uma desproporção, isso significa apenas que, no interior da produção
capitalista, a proporcionalidade entre os diversos ramos da produção se
estabelece como um processo constante a partir da desproporcionalidade, na
medida em que aqui a relação da produção total se impõe aos agentes da produção
como uma lei cega, e não como uma lei compreendida e, portanto, dominada por
sua inteligência associada, que submeta o processo de produção a seu controle
coletivo. Além disso, exige-se que países onde o modo de produção capitalista
não está desenvolvido consumam e produzam numa medida adequada aos países do
modo de produção capitalista. Quando se diz que a superprodução é relativa,
isso é totalmente correto; mas o modo de produção capitalista inteiro é apenas
um modo de produção relativo, cujos limites não são absolutos, mas que o são
para ele, sobre sua base. De outro modo, como poderia faltar a demanda das
mesmas mercadorias das quais carece a massa do povo e como seria possível buscar
essa demanda no exterior, em mercados mais distantes, para poder pagar aos trabalhadores
do próprio país a média dos meios de subsistência? Porque é somente nesse
contexto específico, capitalista, que o produto excedente assume uma forma em
que seu possuidor só pode colocá-lo à disposição do consumo enquanto esse
produto se reconverter para ele em capital. Por fim, ao se afirmar que os
capitalistas têm apenas de intercambiar entre si suas mercadorias e
consumi-las, esquece-se de todo o caráter da produção capitalista e também de
que se trata da valorização do capital, não de seu consumo. Em suma, todas as
objeções contra os fenômenos palpáveis da superprodução (fenômenos que não se
preocupam com tais objeções) tendem a indicar que os limites da produção capitalista
não são limites da produção em geral e que, por isso, tampouco são limites
desse modo específico de produção, o capitalista. Mas a contradição desse modo
de produção capitalista consiste precisamente em sua tendência ao
desenvolvimento absoluto das forças produtivas, em permanente conflito com as
condições específicas de produção em que o capital se move e tem
necessariamente de se mover.
Não
se produzem demasiados meios de subsistência em proporção à população
existente. Pelo contrário. Produzem-se muito poucos para satisfazer a massa da
população de maneira digna e humana.
Não
se produzem demasiados meios de produção para ocupar a parte da população capaz
de trabalhar. Pelo contrário. Em primeiro lugar, produz-se uma parte
excessivamente grande da população que, na realidade, não se encontra em
condições de trabalhar e que, pelas circunstâncias, depende da exploração do
trabalho alheio ou de atividades que só se podem considerar como trabalho
dentro de um modo miserável de produção. Em segundo lugar, não se produzem
meios de produção suficientes para que toda a população em condições de trabalhar
possa fazê-lo sob as condições mais produtivas, isto é, para que seu tempo
absoluto de trabalho seja abreviado pela massa e pela eficácia do capital constante
que se emprega durante esse tempo de trabalho.
O que
ocorre é que se produzem periodicamente meios de trabalho e meios de
subsistência numa quantidade excessiva para ser empregados como meios de
exploração dos trabalhadores a uma taxa de lucro determinada. Produzem-se
demasiadas mercadorias para realizar o valor e o mais-valor nelas contidos sob
as condições de distribuição e consumo dadas pela produção capitalista e
reconvertê-los em novo capital, isto é, para efetuar esse processo sem
explosões sempre recorrentes.
Não é
que se produza demasiada riqueza. O que ocorre é que se produz periodicamente
demasiada riqueza sob suas formas capitalistas antagônicas.
O
limite do modo de produção capitalista se manifesta:
1.
No fato de que o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gera,
com a queda da taxa de lucro, uma lei que, em certo ponto, opõe-se do modo mais
hostil ao desenvolvimento dessa força produtiva e que, por isso, tem de ser
constantemente superada por meio de crises.
2.
No fato de que é a apropriação de trabalho não pago e a proporção entre
este último e o trabalho objetivado em geral – dito em termos capitalistas, o
lucro e sua proporção entre esse lucro e o capital empregado, ou seja, certo
nível da taxa de lucro – que decidem se a produção deve ser expandida ou
restringida, e não a relação entre a produção e as necessidades sociais, as
necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isso, a produção,
ao atingir determinado grau de expansão, encontra limitações que, sob outros
pressupostos, seriam absolutamente insuficientes. Ela fica paralisada não no
ponto em que isso se impõe pela satisfação das necessidades, mas naquele em que
isso é exigido pela produção e pela realização de lucros.
Se a
taxa de lucro diminui, vemos que, de um lado, o capital é tensionado para que o
capitalista individual possa comprimir o valor individual de suas distintas
mercadorias abaixo de seu valor social médio mediante a utilização de melhores
métodos etc. e, desse modo, com um preço de mercado dado, obter um lucro extra;
de outro lado, há um movimento de especulação e um estímulo geral à
especulação, mediante apaixonados ensaios de novos métodos de produção, novos
investimentos de capital e novas aventuras para garantir um lucro extra que
seja independente da média geral e se eleva acima dessa média.
A
taxa de lucro, isto é, o incremento proporcional de capital, é especialmente
importante para todas as novas ramificações do capital que se agrupam de
maneira autônoma. Tão logo a formação de capital caísse exclusivamente nas mãos
de uns poucos grandes capitais já estruturados, para os quais a massa do lucro
compensa a taxa deste último, o fogo que anima a produção se extinguiria por
completo. A produção adormeceria. A taxa de lucro é a força motriz na produção capitalista,
na qual só se produz aquilo que se pode produzir com lucro e na medida em que
se possa produzi-lo com lucro. Daí o medo dos economistas ingleses diante da
diminuição da taxa de lucro. O fato de que a mera possibilidade de tal
diminuição inquiete Ricardo demonstra precisamente sua profunda compreensão das
condições da produção capitalista. Aquilo que nele se reprova, a saber, o fato
de que, ao tratar da produção capitalista, ele não se preocupa com os “seres
humanos” e leva em conta apenas o desenvolvimento das forças produtivas – não
se importando com o custo desse desenvolvimento em termos de sacrifícios de
seres humanos e de valores de capital –, é justamente o que esse autor
tem de importante. O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é
a missão histórica e a justificação do capital. É precisamente com esse
desenvolvimento que o capital cria inconscientemente as condições materiais
para uma forma superior de produção. O que inquieta Ricardo é que a taxa de
lucro, estímulo da produção capitalista, condição e força motriz da acumulação,
seja posta em perigo pelo próprio desenvolvimento da produção. Aqui, a
proporção quantitativa é o essencial. Na realidade, isso se baseia em algo mais
profundo, que Ricardo mal vislumbra. Aqui se mostra de maneira puramente
econômica, isto é, do ponto de vista burguês, dentro dos limites do entendimento
capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista, sua limitação,
sua relatividade, o fato de não ser um modo de produção absoluto, mas apenas um
modo de produção histórico, correspondente a certa época de desenvolvimento
limitado das condições materiais de produção.”
“{O
valor da mercadoria está determinado pelo tempo total de trabalho, pretérito e
vivo, que é nela incorporado. O incremento da produtividade do trabalho
consiste precisamente em diminuir a parte do trabalho vivo e aumentar a do
trabalho pretérito, mas de tal modo que diminua a soma total do trabalho
contido na mercadoria, isto é, de modo que o trabalho vivo diminua mais do que
aumenta o trabalho pretérito. O trabalho pretérito contido no valor de uma mercadoria
– a parcela do capital constante – consiste, em parte, no desgaste do capital
constante fixo e, em parte, no capital constante circulante, incorporado por
completo na mercadoria sob a forma de matérias-primas e materiais auxiliares. A
parcela de valor proveniente das matérias-primas e dos materiais auxiliares tem
de sofrer uma redução com [o aumento d]a produtividade do trabalho, uma vez
que, no que diz respeito a esses materiais, essa produtividade revela-se
precisamente no decréscimo do valor destes últimos. Em contrapartida, o que
caracteriza o aumento da força produtiva do trabalho é justamente o fato de que
a parte fixa do capital constante experimenta um forte aumento – o mesmo ocorre
com a parcela de valor desse capital constante que se transfere às mercadorias
por meio do desgaste. Ora, para que um novo método de produção possa significar
um aumento real da produtividade, a parcela adicional de valor que ele transfere
à mercadoria individual por meio do desgaste de capital fixo tem de ser menor
que a parcela de valor que se economiza em consequência da diminuição de
trabalho vivo; em outras palavras, ele tem de reduzir o valor da mercadoria. E
tem de fazê-lo, evidentemente, ainda que – como ocorre em alguns casos – entre
na formação de valor da mercadoria, além da parte adicional de desgaste do capital
fixo, uma parcela adicional de valor relativa ao aumento ou encarecimento das
matérias-primas ou dos materiais auxiliares. Todos esses acréscimos de valor
precisam ser mais do que compensados pelo decréscimo de valor resultante da
redução do trabalho vivo.
Desse
modo, a redução da quantidade total de trabalho que entra na mercadoria parece
ser a marca essencial do aumento da força produtiva do trabalho, sejam quais
forem as condições sociais sob as quais essa redução se produz. Numa sociedade
em que os produtores regulassem sua produção segundo um plano traçado de
antemão, nele incluída até mesmo a produção simples de mercadorias, a
produtividade do trabalho também seria medida incondicionalmente segundo esse
padrão. Mas o que ocorre na produção capitalista?”
“Um desenvolvimento das forças produtivas que reduzisse o número absoluto
dos trabalhadores, isto é, que, de fato, capacitasse a nação inteira a efetuar
sua produção total num intervalo de tempo menor, provocaria uma revolução, pois
deixaria fora de atividade a maior parte da população. Nisso se manifesta, uma
vez mais, a limitação específica da produção capitalista e o fato de que ela
não é de modo nenhum uma forma absoluta para o desenvolvimento das forças
produtivas e a geração de riqueza, mas uma forma que, ao contrário, tão logo
atinge certo ponto, entra em colisão com esse desenvolvimento. Essa colisão se
manifesta parcialmente em crises periódicas, que decorrem do fato de tornar-se
supérflua, ora esta parte da população trabalhadora, ora aquela, em seu antigo
modo de ocupação. A limitação da produção capitalista é o tempo excedente dos
trabalhadores. O tempo excedente absoluto que a sociedade ganha não lhe importa
de modo nenhum. O desenvolvimento da força produtiva só é importante para ela
na medida em que aumenta o tempo de mais-trabalho da classe trabalhadora, e não
na medida em que reduz em geral o tempo de trabalho para a produção material; a
produção capitalista se move, assim, no interior de uma antítese.
Vimos
que a crescente acumulação do capital implica uma crescente concentração deste
último. Assim cresce o poder do capital, a autonomização das condições sociais
da produção, personificadas no capitalista em face dos produtores reais. O
capital se mostra cada vez mais como um poder social, cujo funcionário é o
capitalista, e que já não guarda nenhuma relação com o que o trabalho de um
indivíduo isolado possa criar – mas se apresenta como um poder social estranhado,
autonomizado, que se opõe à sociedade como uma coisa, e como poder do
capitalista através dessa coisa. A contradição entre o poder social geral em
que se converte o capital e o poder privado dos capitalistas individuais sobre
essas condições sociais de produção desenvolve-se de maneira cada vez mais
gritante e implica a dissolução dessa relação, na medida em que implica ao
mesmo tempo a transformação das condições de produção em gerais, coletivas,
sociais. Essa transformação está dada pelo desenvolvimento das forças
produtivas sob a produção capitalista e pela maneira como se opera esse
desenvolvimento.”
“O capital comercial não é senão aquele que atua dentro da esfera da
circulação. O processo de circulação constitui uma fase do processo global da
reprodução. Mas no processo da circulação não se produz nenhum valor, por
conseguinte, tampouco mais-valor. Nele ocorrem apenas alterações de forma da
mesma massa de valor. Com efeito, nele não ocorre mais do que a metamorfose das
mercadorias, que, como tal, não guarda qualquer relação com a criação ou a
modificação de valor. Se na venda da mercadoria produzida se realiza um mais-valor,
é porque esse mais-valor já existia nessa mercadoria; no segundo ato, portanto,
em que se volta a intercambiar o capital monetário por mercadoria (elementos de
produção), tampouco o comprador realiza um mais-valor; esse ato não faz mais do
que iniciar a produção de mais-valor mediante o intercâmbio de dinheiro por
meios de produção e força de trabalho. Pelo contrário, na medida em que essas
metamorfoses consomem tempo de circulação – tempo no qual o capital não produz
absolutamente nada, tampouco mais-valor –, o que esse tempo faz é limitar a
criação de valor, e o mais-valor, enquanto taxa de lucro, se expressa
precisamente na proporção inversa da duração do tempo de circulação. Por conseguinte,
o capital comercial não cria valor nem mais-valor, não diretamente. Na medida
em que contribui para a abreviação do tempo de circulação, ele pode ajudar
indiretamente a aumentar o mais-valor produzido pelo capitalista industrial. Na
medida em que ajuda a expandir o mercado e em que medeia a divisão do trabalho
entre os capitais, isto é, em que capacita o capital a trabalhar em maior escala,
sua função promove a produtividade do capital industrial e sua acumulação. Na
medida em que abrevia o tempo de curso, ele eleva a proporção entre o mais-valor
e o capital adiantado, isto é, a taxa de lucro. Na medida em que coloca na
esfera da circulação uma parte menor do capital como capital monetário, ele
aumenta a parte do capital diretamente investida na produção.”
“Está claro, então, que o lucro do capitalista industrial equivale ao
excedente do preço de produção da mercadoria acima de seu preço de custo e que,
diferentemente desse lucro industrial, o lucro comercial equivale ao excedente
do preço de venda acima do preço de produção da mercadoria, o que constitui seu
preço de compra para o comerciante; que, no entanto, o preço real da mercadoria
é = seu preço de produção + o lucro mercantil (comercial). Assim como o capital
industrial só realiza lucro que já está incorporado como mais-valor no valor da
mercadoria, o capital comercial o realiza tão somente porque o mais-valor ou o
lucro no preço da mercadoria realizado pelo capitalista industrial ainda não
está realizado no mais-valor ou no lucro em sua totalidade[39]. O
preço de venda do comerciante não é, portanto, superior ao preço de compra
porque está acima do valor total, mas sim porque se encontra abaixo dele.
Por
conseguinte, o capital comercial entra na equalização de mais-valor para formar
o lucro médio, apesar de não entrar na produção desse mais-valor. Daí que a
taxa geral de lucro já contenha a dedução do mais-valor correspondente ao
capital comercial, ou seja, uma dedução do lucro do capital industrial.”
[39]
John Bellers.
“As rotações do capital comercial são mais longas ou mais breves; seu
número anual é, portanto, maior ou menor em diferentes ramos comerciais. Dentro
do mesmo ramo, a rotação é mais rápida ou mais lenta em diversas fases do ciclo
econômico. No entanto, verifica-se um número médio de rotações, o qual é encontrado
por meio da experiência.
Vimos
anteriormente que a rotação do capital comercial é distinta daquela do capital
industrial. Isso decorre da natureza da coisa: uma fase isolada na rotação do
capital industrial aparece como a rotação completa de um capital comercial
próprio ou como parte dela. Além disso, ela também se relaciona de maneira
diferente com a determinação do lucro e do preço.
No caso
do capital industrial, a rotação expressa, por um lado, a periodicidade da
reprodução, e disso depende, portanto, a massa de mercadorias que se lançam no
mercado num período determinado. Por outro lado, o tempo de circulação
constitui um limite, certamente elástico, que, ao influir no volume do processo
de produção, influi também de maneira mais ou menos restritiva na formação do
valor e do mais-valor. Por isso, a rotação entra de maneira decisiva, não como
elemento positivo, mas restritivo, na massa do mais-valor anualmente produzido
e, portanto, na formação da taxa geral de lucro. Em contrapartida, a taxa média
de lucro constitui uma grandeza dada para o capital comercial. Este não
contribui diretamente para a criação do lucro ou do mais-valor e só exerce uma
influência determinante na formação da taxa geral de lucro na medida em que, de
acordo com sua participação no capital total, ele extrai seus dividendos da
massa do lucro produzido pelo capital industrial.”
“Se – como o leitor terá descoberto, para seu desapontamento – a análise
das conexões internas e efetivas do processo de produção capitalista é uma
questão muito intricada e um trabalho extremamente minucioso e se compete à
ciência reduzir o movimento visível, meramente aparente, ao movimento real
interno, é evidente que na mente dos agentes da produção e da circulação
capitalistas terão necessariamente de se formar ideias sobre as leis da
produção que divirjam inteiramente dessas leis e que sejam apenas a expressão
consciente do movimento aparente. As ideias de um comerciante, de um
especulador da Bolsa ou de um banqueiro são necessariamente falsas por
completo. As dos fabricantes foram falseadas pelos atos de circulação, aos
quais está submetido seu capital, e pelo nivelamento da taxa geral de lucro[41].
Na mente desses indivíduos, a concorrência também assume necessariamente um
papel equivocado por completo. Se os limites do valor e do mais-valor estão
dados, é fácil vislumbrar como a concorrência dos capitais transforma valores
em preços de produção e, mais ainda, em preços comerciais, e o mais-valor em
lucro médio. Sem esses limites, porém, é absolutamente impossível vislumbrar por
que a concorrência reduz a taxa geral de lucro a esse limite, em vez de àquele
outro – a 15%, em vez de a 1.500%. No máximo, ela pode reduzi-la a certo
nível. Mas nela não há absolutamente nenhum elemento que permita determinar
esse nível.”
[41]
Uma afirmação muito ingênua, mas ao mesmo tempo bastante exata: “Sem dúvida,
também o fato de que a mesma mercadoria possa ser obtida de diferentes
vendedores a preços bastante divergentes se deve muito frequentemente a um
cálculo incorreto” ([Friedrich Ernst] Feller e [Carl Gustav] Odermann, Das
Ganze der kaufmännischen Arithmetik, [7. ed., Leipzig, O. A. Schulz,],
1859) [p. 451]. O que demonstra até que ponto a determinação dos preços é algo
puramente teórico, abstrato.
“Em seus primórdios, o capital comercial é meramente o movimento mediador
entre extremos que ele não domina e entre pressupostos que ele não cria.
Assim como o dinheiro surge da
mera forma da circulação de mercadorias – M-D-M – não só como medida do valor e
meio de circulação, mas como forma absoluta da mercadoria e, com isso, da
riqueza, como tesouro, de tal maneira que sua conservação e seu crescimento
como dinheiro se transformam num fim em si mesmo, assim também o dinheiro, o
tesouro, surge da mera forma de circulação do capital comercial – D-M-D’ – como
algo que se conserva e se multiplica por mera alienação.
Os povos comerciantes da Antiguidade
existiam nos intermúndios, como os deuses de Epicuro* ou, seria possível dizer
ainda, como os judeus nos poros da sociedade polonesa. O comércio das primeiras
cidades e dos povos comerciais independentes e altamente desenvolvidos se
baseava, como puro comércio de transporte de mercadorias, na barbárie dos povos
produtores, entre os quais atuavam como intermediários.
Nos estágios iniciais da
sociedade capitalista, o comércio domina a indústria; na sociedade moderna,
ocorre o inverso. Naturalmente, o comércio exercerá um efeito retroativo maior
ou menor sobre as comunidades entre as quais ele se desenvolve e submeterá cada
vez mais a produção ao valor de troca, fazendo com que os desfrutes e a
subsistência dependam mais da venda que do uso direto do produto. Desse modo,
ele dissolve as antigas relações e incrementa a circulação monetária. Ele não
se limita mais a apoderar-se do excedente da produção, mas devora paulatinamente
a própria produção, fazendo com que ramos inteiros desta última passem a estar
sujeitos a ele. No entanto, esse efeito dissolvente depende muito da natureza
da comunidade produtora.
Por todo o tempo em que o capital
comercial medeia a troca de produtos de comunidades não desenvolvidas, o lucro
comercial não só aparece como logro e vantagem abusiva, mas, em grande parte,
resulta realmente destes últimos. Além de explorar a diferença entre os preços
de produção de diferentes países (contribuindo, assim, para nivelar e fixar os
valores das mercadorias), aqueles modos de produção contam com o fato de que o
capital comercial se apropria de uma parte predominante do mais-produto, por um
lado, como intermediário entre comunidades cuja produção ainda se encontra fundamentalmente
orientada para o valor de uso e para cuja organização econômica a venda da
parte do produto que entra realmente na circulação – isto é, em geral, a venda
dos produtos por seu valor – tem uma importância secundária; por outro lado,
pelo fato de que naqueles modos de produção mais antigos os principais
possuidores do mais-produto, com os quais o comerciante negocia – o
proprietário de escravos, o senhor feudal e o Estado (por exemplo, o déspota
oriental) –, representam a riqueza fruitiva que o comerciante busca abocanhar,
como já pressentira corretamente Adam Smith com relação à época feudal, na
passagem citada. Portanto, onde quer que o capital comercial exerça um poder
preponderante, ele constitui um sistema de saqueio[48],
do mesmo modo que seu desenvolvimento nos povos comerciantes, tanto dos tempos
antigos como dos mais recentes, vincula-se diretamente à pilhagem violenta, à
pirataria, ao roubo de escravos e ao subjugamento nas colônias; assim foi em
Cartago, em Roma e, mais tarde, entre venezianos, portugueses, holandeses etc.
A evolução do comércio e do
capital comercial desenvolve por toda parte a orientação da produção para o
valor de troca, aumenta seu volume, multiplica-a e cosmopolitiza-a,
desenvolvendo o dinheiro em dinheiro mundial. Por isso, o comércio tem, em toda
parte, uma ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações preexistentes
da produção, as quais, em todas as formas distintas, estão orientadas
principalmente para o valor de uso. Em que medida ele provoca a dissolução do
antigo modo de produção depende, antes de mais nada, da firmeza e da estrutura
interna deste último. E onde esse processo de dissolução desembocará, isto é,
que novo modo de produção ocupará o lugar do antigo, é algo que não depende do
comércio, mas do caráter do próprio modo de produção antigo. No mundo antigo, o
desenvolvimento do comércio e do capital comercial sempre resultou na economia
escravista; dependendo do ponto de partida, seu resultado foi apenas a
transformação de um sistema escravista patriarcal, voltado à produção de meios
diretos de subsistência, num sistema voltado à produção de mais-valor. No mundo
moderno, em contrapartida, esse desenvolvimento desemboca no modo de produção
capitalista. Depreende-se daí que esses mesmos resultados foram condicionados
ainda por circunstâncias totalmente distintas do que pelo desenvolvimento do
capital comercial.
Reside na natureza das coisas
que, tão logo a indústria urbana se separa da agrícola, seus produtos sejam,
desde já, mercadorias, cuja venda requer, pois, a mediação do comércio. Nessa
medida, compreende-se que o comércio se apoie no desenvolvimento urbano e que,
por sua vez, este último seja condicionado pelo comércio. No entanto, saber até
onde o desenvolvimento industrial mantém o mesmo ritmo do desenvolvimento do
comércio é algo que depende inteiramente de outras circunstâncias. Na Roma
Antiga, na época republicana tardia, o capital comercial foi desenvolvido num
grau maior do que jamais havia sido em todo o mundo antigo, sem que tenha
ocorrido nenhum progresso no desenvolvimento da indústria, ao passo que, em
Corinto e em outras cidades gregas da Europa e da Ásia Menor, uma indústria
altamente desenvolvida acompanhou o desenvolvimento do comércio. Por outro
lado, inversamente ao desenvolvimento das cidades e de suas condições, o
espírito comercial e o desenvolvimento do capital comercial costumam ser
características de povos nômades, não sedentários.
Não resta dúvida – e precisamente
esse fato gerou pontos de vista totalmente falsos – de que nos séculos XVI e
XVII as grandes revoluções ocorridas no comércio graças aos descobrimentos
geográficos e que incrementaram rapidamente o desenvolvimento do capital
comercial constituem um fator fundamental no favorecimento da transição do modo
de produção feudal para o modo de produção capitalista. A súbita expansão do
mercado mundial, a diversificação das mercadorias em circulação, a disputa
entre as nações europeias por apoderar-se dos produtos asiáticos e dos tesouros
americanos, o sistema colonial, tudo isso contribuiu de maneira essencial para
derrubar as barreiras feudais da produção. No entanto, em seu primeiro período,
o da manufatura, o modo de produção moderno só se desenvolveu onde as condições
para isso haviam surgido durante a Idade Média. Comparemos, por exemplo,
Holanda com Portugal[49]. Se no século XVI e, em
parte, ainda no século XVII, a súbita expansão do comércio e a criação de um
novo mercado mundial contribuíram de maneira preponderante para o declínio do
antigo modo de produção e a ascensão do modo de produção capitalista, isso
ocorreu, inversamente, sobre a base do modo de produção capitalista, uma vez
que este havia sido criado. O próprio mercado mundial constitui a base desse modo
de produção. Por outro lado, a necessidade imanente que este último possui de
produzir em escala cada vez maior gera um impulso à constante expansão do
mercado mundial, de modo que, nesse caso, não é o comércio que revoluciona a
indústria, mas é ela que revoluciona constantemente o comércio. Também o
domínio comercial encontra-se agora vinculado ao maior ou ao menor predomínio
das condições da grande indústria. Comparemos, por exemplo, Inglaterra e
Holanda. A história do declínio da Holanda como nação comercial dominante é a
história da subordinação do capital comercial ao capital industrial. Os
obstáculos que a firmeza e a estruturação internas dos modos de produção
nacionais pré-capitalistas impõem à ação dissolvente do comércio mostram-se
decisivos no tráfico dos ingleses com a Índia e a China. A ampla base do modo
de produção é aqui formada pela unidade da pequena agricultura e da indústria
doméstica, às quais, na Índia, acrescenta-se ainda a forma das comunas aldeãs –
que também na China constituíam a forma primitiva – baseadas na propriedade
comum do solo. Na Índia, os ingleses também empregaram seu poder político e
econômico direto, como governantes e rentistas da terra, para aniquilar essas
pequenas comunidades econômicas[50]. Se aqui se
pode falar em um efeito revolucionador de seu comércio sobre o modo de
produção, é apenas na medida em que, por meio do baixo preço de suas
mercadorias, eles aniquilam as atividades de fiação e de tecelagem, que
constituem, desde tempos antiquíssimos, uma parte integrante dessa unidade da
produção agrícola-industrial e, com isso, desagregam essas comunidades. Mesmo
nesse caso eles só conseguem realizar esse trabalho de dissolução muito
paulatinamente – em especial na China, onde não recebem o auxílio do poder
político direto. A grande economia de tempo que resulta da combinação direta de
agricultura e manufatura oferece aqui a mais obstinada resistência aos produtos
da grande indústria, em cujo preço entram os faux frais [custos mortos]
do processo de circulação que os atravessa por toda parte. Já o comércio russo,
diferentemente do inglês, deixa intactos os fundamentos econômicos da produção
asiática[51].
A transição do modo de produção
feudal se efetua de duas maneiras. O produtor se torna mercador e capitalista,
em contraposição à economia natural agrícola e ao artesanato – organizado em
corporações – da indústria urbana medieval. Essa é a via de fato
revolucionária. Ou, então, o mercador se apodera diretamente da produção. Ainda
que esta última via funcione historicamente como transição – como é o caso, por
exemplo, do clothier [comerciante têxtil] inglês do século XVII, que
coloca sob seu efetivo controle os tecelões nominalmente independentes,
vendendo-lhes lã e comprando tecido deles –, ela não produz, por si mesma, a
alteração radical [Umwälzung] do antigo modo de produção, mas, antes, o
conserva e o mantém como seu pressuposto. Assim, por exemplo, em sua maior
parte, e ainda até meados deste século, o fabricante na indústria francesa da
seda ou na indústria inglesa de meias e de rendas era apenas nominalmente um
fabricante, pois, na realidade, ele era um simples mercador, que mantinha os
tecelões trabalhando à antiga maneira fragmentária e exercia apenas o domínio
do mercador, para quem, de fato, eles trabalhavam[52].
Esse sistema se apresenta em toda parte como um obstáculo ao modo de produção
capitalista e desaparece com o desenvolvimento deste último. Sem revolucionar o
modo de produção, ele só faz agravar a situação dos produtores diretos,
convertendo-os em meros assalariados e proletários sob condições mais precárias
que as dos diretamente subsumidos ao capital, e se apropria de seu
mais-trabalho sobre a base do antigo modo de produção. A mesma relação
subsiste, um pouco modificada, numa parte da fabricação londrina de móveis,
operada de maneira artesanal. Ela é praticada especialmente nos Tower
Hamlets[b], em escala muito ampla. A produção
inteira está dividida em diversos ramos de atividade independentes entre si.
Uma empresa faz somente cadeiras; a outra, somente mesas; a terceira, somente
armários etc. Mas essas empresas, embora sejam operadas de maneira mais ou
menos artesanal, por um pequeno mestre com uns poucos oficiais, produzem numa
quantidade grande demais para que possam trabalhar diretamente para clientes
particulares. Seus compradores são os donos de lojas de móveis. Aos sábados, o
mestre vai visitá-los e vende seu produto, que tem o preço regateado tal como
numa casa de penhores se regateia o valor de tal ou qual objeto. Esses mestres
dependem da venda semanal para comprar a matéria-prima que será utilizada na
semana seguinte e poder pagar os salários. Sob essas circunstâncias, eles são,
na realidade, apenas intermediários entre o mercador e seus próprios
trabalhadores. O mercador é o verdadeiro capitalista, que embolsa a maior parte
do mais-valor[53]. Semelhante é o que acontece
quando transitam para a manufatura aqueles ramos que até então eram operados de
forma artesanal ou como ramos acessórios da indústria rural. A depender do
desenvolvimento técnico que ostente essa pequena empresa autônoma – onde quer
que se utilizem máquinas que permitam uma operação de tipo artesanal –, tem
lugar também uma transição para a grande indústria; a máquina não é movida à
mão, mas a vapor, tal como ocorre ultimamente, por exemplo, no ramo inglês de
fabricação de meias.
Tem-se, assim, uma tripla
transição: primeiro, o comerciante converte-se diretamente em
industrial; é o que ocorre nas indústrias fundadas no comércio, em especial
naquelas de artigos de luxo, os quais os mercadores importam do estrangeiro
junto com as matérias-primas e os trabalhadores, como ocorria no século XV, quando
se importava de Constantinopla para a Itália. Segundo, o mercador
transforma os pequenos mestres em seus intermediários (middlemen) ou
compra diretamente do produtor autônomo; este continua a ser nominalmente
autônomo, e seu modo de produção fica inalterado. Terceiro, o industrial
converte-se em mercador e produz em grande escala, diretamente para o comércio.
Na Idade Média, o mercador, como
diz corretamente Poppe[c], é apenas um
“contratador” [Verleger] das mercadorias produzidas, seja pelos artesãos
reunidos em corporações, seja pelos camponeses. O mercador torna-se industrial
ou, antes, faz com que a indústria artesanal – sobretudo a pequena indústria
rural – trabalhe para ele. Por outro lado, o produtor torna-se mercador. Em vez
de, por exemplo, o mestre tecelão receber lã do mercador, aos poucos e em pequenas
porções, e trabalhar com seus oficiais para este último, ele mesmo compra a lã
ou o fio e vende tecido ao mercador. Os elementos de produção entram no
processo de produção como mercadorias compradas por ele mesmo. Em vez de
produzir para o mercador individual ou para determinados clientes, agora o
tecelão de pano produz para o mundo do comércio. O produtor é, ele mesmo,
mercador. O capital comercial realiza apenas o processo de circulação.
Originalmente, o comércio foi o pressuposto para a transformação da indústria
corporativa e doméstico-rural e da agricultura feudal em empresas capitalistas.
O comércio desenvolve o produto, transforma-o em mercadoria, em parte criando
para ele um mercado e em parte introduzindo novos equivalentes-mercadorias [Waarenäquivalente]
e agregando novas matérias-primas e materiais auxiliares à produção. Com isso,
ele inaugura novos ramos de produção, fundados desde o início no comércio, tanto
no que diz respeito à produção para o mercado doméstico e o mercado mundial como
no que diz respeito às condições de produção que têm origem no mercado mundial.
Tão logo a manufatura se fortalece de alguma maneira – e, mais ainda, a grande
indústria –, ela cria um mercado para si mesma, conquista-o por meio de suas
mercadorias. Agora o comércio se converte em servidor da produção industrial,
para a qual a constante expansão do mercado é condição vital. Uma produção em
massa, cada vez mais ampla, inunda o mercado existente e, assim, promove
constantemente a expansão desse mercado, a derrubada de suas barreiras. O que
limita essa produção em massa não é o comércio (na medida em que ele expressa
apenas uma demanda existente), mas a grandeza do capital atuante e a força
produtiva desenvolvida do trabalho. O capitalista industrial tem sempre diante
de si o mercado mundial; ele confronta e tem de confrontar constantemente seus
próprios preços de custo com os preços de mercado, não só aqueles praticados em
seu país, mas no mundo inteiro. Na época anterior, realizar essa comparação era
algo que competia quase exclusivamente aos mercadores, que assim asseguravam a
supremacia do capital comercial sobre o capital industrial.
A primeira abordagem teórica do
modo de produção moderno – o sistema mercantilista – teve necessariamente de
partir dos fenômenos superficiais do processo da circulação, tais como se
apresentam autonomizados no movimento do capital comercial. Por isso, essa
abordagem só capturou a aparência, em parte pelo fato de o capital comercial
ser o primeiro modo livre de existência do capital em geral, em parte devido a
sua preponderância no primeiro período de revolucionamento da produção feudal,
o nascimento da produção moderna. A verdadeira ciência da economia moderna só
nasce quando a consideração teórica passa do processo de circulação ao processo
de produção. É verdade que o capital portador de juros também constitui uma
forma extremamente antiga do capital. Adiante, veremos a razão pela qual o
mercantilismo não parte dessa forma, mas, ao contrário, polemiza contra ela.”
*: Segundo Epicuro, os deuses habitam os
“intramundos”, isto é, os espaços que separam os diferentes mundos uns dos
outros; eles não exercem qualquer influência sobre o desenvolvimento do mundo
ou sobre a vida dos homens. (N. E. A. MEGA)
[48] “Da parte dos mercadores, ouve-se agora uma grande queixa contra
cavaleiros ou ladrões. Reclamam de ser obrigados a comerciar em condições muito
perigosas e de, além disso, ser aprisionados, golpeados, despojados e
saqueados. Mas, se padecessem tudo isso por amor à justiça, os mercadores
certamente seriam gente muito santa […]. Considerando-se que no mundo inteiro
grandes injustiças como essas e muitos furtos e roubos anticristãos são
cometidos pelos próprios mercadores, inclusive uns contra os outros, quem
poderia ficar surpreso se Deus cuidasse que tais e tais bens, tendo sido
obtidos com injustiça, voltassem a ser perdidos ou roubados e que, ainda por
cima, seus próprios possuidores fossem golpeados nas cabeças ou aprisionados?
[…] Aos príncipes caberia, pelo uso da legítima violência, castigar e proibir
tão injusto comércio, de modo que seus súditos não fossem tão vergonhosamente
defraudados pelos mercadores. Como não o fazem, Deus necessita de cavaleiros e
ladrões, que Lhe servem como diabos, por meio dos quais Ele castiga a
iniquidade dos mercadores. Do mesmo modo como assola com diabos a terra do
Egito e o mundo inteiro, ou o destrói com inimigos, Deus faz com que um velhaco
aniquile o outro, sem que, com isso, dê a entender que os cavaleiros sejam ladrões
de menor monta que os mercadores, porquanto estes roubam diariamente o mundo
inteiro, enquanto um cavaleiro o faz uma ou duas vezes ao ano, assaltando uma
ou duas pessoas.” “Guiai-vos pelas palavras de Isaías: teus príncipes tornaram-se
companheiros dos ladrões. Enquanto mandam enforcar ladrões que roubaram um ou
meio florim, os príncipes fazem negócios com aqueles que roubam o mundo
inteiro, e roubam com maior segurança que todos os demais, fazendo valer o
ditado: os grandes ladrões enforcam os pequenos. Como disse o senador romano
Catão: ladrões comuns jazem em masmorras e cadafalsos, mas os ladrões públicos
se vestem de ouro e seda. O que dirá Deus, por fim, de tudo isso? Ele fará
aquilo que anuncia pela boca de Ezequiel: fundirá príncipes e mercadores, um
ladrão ao outro, como o chumbo e o cobre, do mesmo modo como uma cidade se
consome em chamas por completo, sem que dela restem príncipes ou mercadores”
(Martinho Lutero, Bücher vom Kaufhandel und Wucher. Vom Jahr 1527) [Martin Luther, “Von Kauffshandlung
und Wucher”, em Der sechste Teil der Bücher des Ehrwirdigen Herrns Doctoris
Martini Lutheri, Wittemberg, 1589, p. 296-7. – N. T.].
[49] O grande predomínio que – abstraindo de todas as outras circunstâncias
– teve no desenvolvimento da Holanda a base estabelecida na pesca, na
manufatura e na agricultura já foi exposto por alguns escritores do século
XVIII. Ver, por exemplo, Massie. Em contraste com a concepção anterior, que
subestimava o volume e a importância do comércio asiático, antigo e medieval,
tornou-se moda superestimá-los extraordinariamente. A melhor maneira de
curar-se dessa concepção é examinar exportações e importações inglesas no
início do século XVIII e confrontá-las com as atuais. No entanto, elas eram
incomparavelmente maiores que as de qualquer povo comercial anterior. (Ver
Anderson, History of Commerce [p. 261 e seg.].)
[50] Mais do que qualquer outro povo, a administração inglesa na Índia
oferece a história de experimentos malogrados e realmente ridículos (na
prática, infames). Em Bengala, os ingleses criaram uma caricatura da grande
propriedade rural inglesa; no sudoeste da Índia, uma caricatura da propriedade
parcelária; no noroeste, na medida em que foi possível, transformaram a comuna
econômica indiana, com sua propriedade comum da terra, numa caricatura de si
mesma.
[51] Isso também já começa a se modificar, desde o momento em que a Rússia
começou a empreender os esforços mais extremos para desenvolver uma produção
capitalista própria, orientada exclusivamente ao mercado interno e ao mercado
asiático limítrofe. (F. E.)
[52] O mesmo valia para passamanarias e tecelagens de seda na Renânia. Em
Krefeld, chegou-se a construir uma ferrovia própria para o intercurso entre
esses tecelões manuais rurais e os “fabricantes” urbanos. Mais tarde, porém,
essa ferrovia foi desativada, juntamente com os tecelões manuais, pelas
tecelagens mecânicas. (F. E.)
[b] Bairro na região leste de Londres. (N. T.)
[53] De 1865 para cá, esse sistema desenvolveu-se numa escala ainda maior. Ver mais detalhes a esse respeito em First Report of the Select
Committee of the House of Lords on the Sweating System, Londres, 1888. (F.
E.)
[c] Johann Poppe, Geschichte der Technologie seit der Wiederherstellung
der Wissenschaften bis an das Ende des achtzehnten Jahrhunderts, t.
1 (Götingen, Bey J. F. Röwer, 1807), p. 70. (N. E. A.)
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