Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-390-5
Edição: Friedrich
Engels
Tradução: Rubens
Enderle
Opinião: ★★☆☆☆
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Páginas: 760
Sinopse: Ver Parte
I
(Em
negrito são interpolações de Friedrich Engels)
“Uma das peculiaridades mais tangíveis do processo cíclico do capital
industrial e, portanto, também da produção capitalista é a circunstância de
que, por um lado, os elementos constitutivos do capital produtivo provêm do
mercado de mercadorias e precisam ser constantemente recomprados, como
mercadorias, nesse mesmo mercado; por outro lado, o produto do processo de
trabalho provém dele como mercadoria e tem de ser constantemente comprado, uma
vez mais, como mercadoria. Compare-se, por exemplo, um moderno arrendatário da
Baixa Escócia com um antigo pequeno-camponês continental. O primeiro vende seu
produto inteiro e tem, assim, de repor no mercado todos os seus elementos,
mesmo as sementes, ao passo que o outro consome a maior parte de seu produto
diretamente, comprando e vendendo o mínimo necessário e confeccionando ele
mesmo, na medida do possível, suas próprias ferramentas, roupas etc.
Com
base nisso, distinguiram-se a economia natural, a economia monetária e a
economia creditícia como as três formas econômicas características da produção
social[g].
Em
primeiro lugar, essas três formas não representam fases de desenvolvimento
equiparáveis entre si. A assim chamada economia creditícia é, ela mesma, apenas
uma forma da economia monetária, na medida em que ambas expressam funções ou
modos de intercâmbio entre os próprios produtores. Na produção capitalista
desenvolvida, a economia monetária aparece apenas como fundamento da economia
creditícia. Assim, a economia monetária e a economia creditícia correspondem
simplesmente a diferentes fases de desenvolvimento da produção capitalista, mas
de modo algum são formas diferentes e independentes de intercâmbio,
contrapostas à economia natural. Com o mesmo direito, poder-se-iam contrapor a
estas duas formas, como equiparáveis a elas, as formas muito diversas da
economia natural.
Em
segundo lugar, como as categorias “economia monetária” e “economia de crédito”
não acentuam nem destacam como um traço distintivo a economia mesma, isto é, o
processo de produção, mas os modos de intercâmbio correspondentes a essa
economia, entre os diversos agentes de produção ou produtores, o mesmo deveria
ocorrer com a primeira categoria. Em vez de economia natural, dever-se-ia
falar, portanto, de economia de troca. Uma economia natural fechada, como, por
exemplo, a dos incas peruanos[h], não se enquadraria em nenhuma dessas categorias.
Em
terceiro lugar, a economia monetária é comum a toda produção de mercadorias, e
o produto aparece como mercadoria nos mais diversos organismos sociais de
produção. Assim, o que caracteriza a produção capitalista seria simplesmente a
extensão em que o produto se confecciona como artigo comercial, como
mercadoria, e em que, portanto, também seus próprios elementos integrantes
devem entrar na economia, como artigos comerciais, como mercadorias.
Na
realidade, a produção capitalista é a produção de mercadorias como forma geral
da produção, mas o é apenas e cada vez mais à medida de seu desenvolvimento,
porque o próprio trabalho aparece aqui como mercadoria, porque o trabalhador
vende o trabalho, isto é, a função de sua força de trabalho, e o faz, como
pressupomos, pelo valor determinado por seus custos de reprodução. Na medida em
que o trabalho se torna trabalho assalariado, o produtor se torna capitalista
industrial, razão pela qual a produção capitalista (e, portanto, também a
produção de mercadorias) só se revela em toda sua extensão quando o produtor
agrícola direto é também trabalhador assalariado. Na relação entre capitalista
e trabalhador assalariado, a relação monetária, a relação entre comprador e
vendedor torna-se uma relação imanente à própria produção. Porém, tal relação
se baseia, segundo seu fundamento, no caráter social da produção, e não no do
modo de intercâmbio; este resulta, ao contrário, daquele. Ademais, é natural
que ao horizonte burguês, limitado à realização de negócios, escape
inteiramente o fato de que é o caráter do modo de produção que constitui o
fundamento do modo de intercâmbio a ele correspondente, e não o contrário.”
[g] Referência aos principais
representantes da Escola Histórica alemã, sobretudo a Bruno Hildebrand, que
defendia essa tripartição no sentido de estágios históricos de desenvolvimento.
A teoria dos estágios da Escola Histórica é desenvolvida plenamente no artigo
de Bruno Hildebrand “Naturalwirthschaft, Geldwirthschaft und
Creditwirthschaft”, de 1864, que provavelmente serviu de base à referência de
Marx. Mas é igualmente possível que Marx tenha se baseado aqui no artigo
“National-Oekonomisches. III”, de Joseph Dietzgen, publicado no nono número de Vorwärts,
de 21 de janeiro de 1877, p. 1-2. Nele, Dietzgen estabelece a distinção entre
economia natural, economia monetária e economia contábil, e considera esta
última – como Marx o fez com a economia de crédito – a forma mais desenvolvida
da economia monetária. (N. E. A.)
[h] No Livro
I de O capital, Marx já utilizara o Império Inca como modelo de
comunidade desenvolvida de modo natural-espontâneo e economicamente fechada
(cf. Livro I, p. 162). Já no início dos anos 1850, ele se ocupara com a
história das sociedades primitivas das Américas Central e do Sul (cf. Karl
Marx. Exzerpte aus William
Hickery Prescott: History of the Conquest of Peru, MEGA-2 IV/9 [(Berlim, Dietz, 1991)], p.
416-34). Nos séculos XV e XVI,
o Império Inca, altamente desenvolvido, abrangia a região do sul da Colômbia
até a metade do Chile. A capital era Cuzco, e aos governantes prestavam-se
honras divinas. A unidade social básica no império era o ayllu, que
reunia indivíduos com um antepassado comum ou o mesmo lugar de origem. Nessa
comunidade, a propriedade do solo e do gado era comum, sem que se pudesse
definir nitidamente a forma concreta do direito à terra. Um ou mais ayllu
constituíam assentamentos esparsos, que providenciavam por sua própria conta os
bens de que necessitavam. Em todo o Império Inca, mercadorias e mão de obra
eram intercambiadas, não precisando ser vendidas. Por conseguinte, quase não
havia comércio e dinheiro. Em 1532-1533, deu-se a conquista pelos espanhóis,
comandada por Francisco Pizarro. (N. E. A.)
“Qualquer que seja a razão pela qual o tempo de produção torne-se superior
ao tempo de trabalho – seja porque os meios de produção constituam apenas
capital produtivo latente, isto é, encontrem-se ainda numa fase preparatória do
verdadeiro processo de produção, seja porque sua função se interrompa no
interior desse processo devido às suas pausas ou, finalmente, porque o próprio
processo de produção provoque interrupções no processo de trabalho –, em nenhum
desses casos os meios de produção atuam como absorvedores de trabalho. E como
não absorvem trabalho, tampouco absorvem mais-trabalho. Desse modo, não se
produz valorização alguma do capital produtivo enquanto este se encontra na
parte de seu tempo de produção que excede o tempo de trabalho, por mais
inseparável que a plena consumação do processo de valorização possa ser dessas
suas pausas. É evidente que quanto maior for a coincidência entre o tempo de
produção e o tempo de trabalho, maiores serão a produtividade e a valorização
de um determinado capital produtivo num dado intervalo de tempo. Daí a
tendência da produção capitalista de encurtar o máximo possível o excedente do
tempo de produção sobre o tempo de trabalho. No entanto, ainda que o tempo de
produção do capital possa diferir de seu tempo de trabalho, este está sempre
contido naquele, e o próprio excedente é condição do processo de produção. O
tempo de produção é sempre, portanto, o tempo durante o qual o capital produz
valor de uso e valoriza a si mesmo, ou seja, o tempo em que ele funciona como
capital produtivo, embora durante parte desse tempo permaneça latente ou
produza sem se valorizar.
Dentro
da esfera da circulação, o capital encontra-se na forma de capital-mercadoria e
capital monetário. Seus dois processos de circulação consistem em se
transformar de forma-mercadoria em forma-dinheiro e de forma-dinheiro em
forma-mercadoria. A circunstância de que a transformação da mercadoria em
dinheiro seja aqui, ao mesmo tempo, a realização do mais-valor incorporado na
mercadoria e que a conversão do dinheiro em mercadoria seja simultaneamente a
conversão ou a reconversão do valor de capital na forma de seus elementos de
produção não altera em nada o fato de que esses processos, como processos de
circulação, são processos de metamorfose simples das mercadorias.
Tempo
de curso e tempo de produção excluem-se mutuamente. Durante seu tempo de curso,
o capital não atua como capital produtivo e, por isso, não produz mercadoria nem
mais-valor. Se considerarmos o ciclo em sua forma mais simples, em que o valor
de capital passa inteiramente e de uma só vez de uma fase a outra, é então
palpável que o processo de produção – e, com ele, a autovalorização do capital
– é interrompido enquanto dura seu tempo de circulação e que a duração deste
último determina a velocidade da renovação do primeiro. Ao contrário, se as
diferentes partes do capital percorrem o ciclo umas depois das outras, de modo
que o ciclo do valor de capital inteiro se realiza sucessivamente no ciclo de
suas diferentes porções, é evidente que quanto mais longa for a permanência de
suas partes alíquotas na esfera da circulação, menor terá de ser sua parte que
atua constantemente na esfera da produção. Assim, a expansão e a contração do
tempo de curso agem como limite negativo à contração e à expansão do tempo de
produção, ou da extensão na qual um capital de dada grandeza pode funcionar
como capital produtivo. Quanto mais as metamorfoses da circulação do capital
são apenas ideais, isto é, quanto mais o tempo de curso é = 0 ou próximo de
zero, tanto mais atua o capital e tanto maior se torna sua produtividade e
autovalorização. Se, por exemplo, um capitalista trabalha por encomenda,
recebendo o pagamento na entrega do produto, e o pagamento se efetua com seus
próprios meios de produção, então seu tempo de circulação se aproxima de zero.
Portanto,
o tempo de curso do capital limita, em geral, seu tempo de produção e, por
conseguinte, seu processo de valorização. E os limita, decerto, em relação à
sua duração. Mas esta pode aumentar ou diminuir de modos muito diversos e,
assim, limitar em graus muito diversos o tempo de produção do capital. Mas o
que a economia política vê é a aparência, a saber, o efeito que o tempo
de circulação exerce sobre o processo de valorização do capital em geral. Ela
toma esse efeito negativo como positivo, porque suas consequências são
positivas. Ela se agarra tanto mais a essa aparência porque nela crê encontrar
a prova de que o capital contém em si uma fonte mística de autovalorização, que
flui na esfera da circulação, independentemente de seu processo de produção e,
portanto, da exploração do trabalho. (...)
A
circulação é tão necessária à produção de mercadorias quanto a própria
produção, ou seja, os agentes da circulação são tão necessários quanto os
agentes da produção. O processo de reprodução engloba ambas as funções do
capital e, portanto, também implica a necessidade da representação dessas
funções, seja pelos próprios capitalistas, seja por seus agentes, os
trabalhadores assalariados. Mas isso não é razão para confundir os agentes da
circulação com os agentes da produção, e tampouco as funções do
capital-mercadoria e do capital monetário com as do capital produtivo. Os
agentes da circulação têm de ser pagos pelos agentes da produção. Mas se os
capitalistas, ao comprarem e venderem entre si, não criam com esse ato qualquer
produto ou valor, isso não se altera em nada quando o volume de seu negócio
lhes permite e exige que transfiram essa função a outrem. Em muitos negócios,
compradores e vendedores são pagos com uma porcentagem do lucro. Dizer que eles
são pagos pelos consumidores não ajuda em nada. Os consumidores só podem pagar
na medida em que eles mesmos, como agentes da produção, produzem um equivalente
em mercadorias ou se apropriam de tal equivalente dos agentes do produção, seja
com base num título jurídico (como seus associés [sócios] etc.), seja
por meio da prestação de serviços pessoais.
Há
uma diferença entre M-D e D-M que não guarda relação com a diferença de forma
entre mercadoria e dinheiro, mas que deriva do caráter capitalista da produção.
Em si mesmos, tanto M-D como D-M são meras transposições de um dado valor de
uma forma em outra. Porém, M’-D’ é, ao mesmo tempo, a realização do mais-valor
contido em M’. O mesmo não ocorre em D-M. Daí a venda ser mais importante do
que a compra. Sob condições normais, D-M é um ato necessário para a valorização
do valor expresso em D, mas não é realização de mais-valor; ele é o prelúdio,
não o apêndice de sua produção.”
“As
metamorfoses M-D e D-M são, contudo, operações comerciais que se realizam entre
compradores e vendedores; eles precisam de tempo para entrar em acordo, tanto
mais que aqui se trata de uma luta em que cada lado procura levar vantagem à
custa do outro, de um confronto entre homens de negócios, como diz o provérbio:
“when Greek meets Greek, then comes the tug of war”[a]. A mudança de estado custa tempo
e força de trabalho, mas não para criar valor, e sim para transferir o valor de
uma forma a outra, sem alterar em nada essa tentativa mútua de apropriação de
uma quantidade adicional de valor. Esse trabalho, aumentado pelas intenções
malignas de ambas as partes, cria tão pouco valor quanto o trabalho despendido
num processo judicial aumenta o valor do objeto em litígio. (...) Assim, se os
possuidores de mercadorias não são capitalistas, mas produtores diretos
independentes, o tempo empregado por eles para comprar e vender deve ser
descontado de seu tempo de trabalho, razão pela qual eles sempre procuraram (da
Antiguidade à Idade Média) realizar tais operações em dias festivos.”
[a] “Quando
dois gregos se encontram, começa o cabo de guerra”. Citação modificada de Nathaniel Lee, The
Rival Queens; or the Death of Alexander the Great. A Tragedy, ato 4. (N. E. A.)
“Os
custos de circulação, que derivam da simples variação de forma do valor, da
circulação idealmente considerada, não entram no valor das mercadorias. As
partes do capital que cobrem esses custos constituem, do lado do capitalista,
meros descontos do capital produtivamente gasto. De outra natureza são os
custos de circulação que ora examinamos. Eles podem ter origem em processos de
produção que ganham continuidade apenas na circulação e cujo caráter produtivo
permanece oculto sob a forma desta última. Por outro lado, quando considerados
socialmente, eles podem ser simples custos, gasto improdutivo, seja de trabalho
vivo, seja de trabalho pretérito, e no entanto, justamente por isso, atuar na
criação de valor para o capitalista individual, constituir um acréscimo ao
preço de venda de sua mercadoria. Isso já está dado no fato de que esses custos
são diferentes nas diferentes esferas da produção e, eventualmente, para os
diferentes capitais individuais no interior da mesma esfera da produção. Ao
agregar-se ao preço das mercadorias, esses custos se repartem de acordo com os
capitalistas individuais correspondentes. Mas todo trabalho que adiciona valor
pode adicionar também mais-valor e, sobre uma base capitalista, adicionará
sempre mais-valor, pois o valor que ele cria depende de sua própria grandeza, e
o mais-valor que ele cria depende de quanto o capitalista paga pelo trabalho.
Assim, custos que encarecem a mercadoria sem nada adicionar ao seu valor de uso
e que, do ponto de vista da sociedade, pertencem, portanto, aos faux frais
[gastos fortuitos] da produção, podem constituir uma fonte de enriquecimento
para o capitalista individual. Por outro lado, na medida em que o valor que
agregam ao preço da mercadoria não é mais do que a distribuição equitativa
desses custos de circulação, estes não perdem seu caráter improdutivo. Por
exemplo, as sociedades de seguros distribuem entre a classe capitalista as
perdas dos capitalistas individuais. Mas isso não impede que as perdas assim
niveladas continuem a ser perdas quando se considera o capital social total.”
“O quanto a produção capitalista revolucionou a construção de casas em
Londres nos informam as declarações de um empreiteiro perante a comissão de
bancos de 1857. Em sua juventude, diz ele, as casas eram sempre construídas por
encomenda, e o investimento era pago ao empresário em parcelas, durante a
construção, à medida que certos estágios desta última eram concluídos.
Construía-se pouco para fins de especulação; essencialmente os empresários só
entravam nesse negócio para manter os trabalhadores regularmente ocupados e,
assim, unidos. Nos últimos quarenta anos, tudo isso mudou. Atualmente
constrói-se muito pouco por encomenda. Quem precisa de uma casa nova procura
uma entre aquelas construídas para especulação ou que ainda estão em
construção. O empresário já não trabalha mais para o cliente, mas para o
mercado; como qualquer outro industrial, ele é obrigado a ter mercadorias
prontas no mercado. Se antes um empresário construía três ou quatro casas
simultaneamente para a especulação, agora ele tem de comprar um terreno de
grandes dimensões (o que, em termos continentais, significa que tem de
arrendá-lo, na maioria das vezes, por 99 anos), nele construir até cem ou
duzentas casas e, assim, engajar-se num empreendimento que ultrapassa seu
patrimônio em vinte ou até cinquenta vezes. Os fundos são obtidos mediante
hipotecas, e o dinheiro é posto à disposição do empresário à medida que
progride a construção das diversas casas. Se irrompe uma crise que paralisa o
pagamento das prestações, é comum que o empreendimento inteiro fracasse; no
melhor dos casos, a construção das casas permanece inconclusa até que advenham
tempos melhores; no pior, elas são postas a leilão e liquidadas pela metade do
preço. Atualmente, nenhum empresário pode progredir sem construir com fins especulativos
e em grande escala. O lucro obtido com a construção propriamente dita é
extremamente pequeno; seu ganho principal consiste na alta da renda fundiária,
na escolha e aproveitamento corretos do terreno para a construção. Foi por esse
método de se antecipar a demanda de casas por meio da especulação que foram
construídos quase toda a Belgravia, a Tyburnia[e] e os incontáveis milhares de
casas de campo ao redor de Londres. (Abreviado do “Report from the Select
Committee on Bank Acts”, parte I, 1857, evidence [testemunhos],
perguntas 5.413-5.418, 5.435-5.436.)”
[e] Belgravia designa um bairro
municipal, não uma região administrativa, surgido em 1820 e situado na área a
sudoeste do Palácio de Buckingham, em Londres. Desde o início, foi uma das mais
modernas áreas residenciais. Tyburnia, uma antiga aldeia situada na região do
atual distrito londrino de City of Westminster, era a parte sudeste do distrito
de Paddington. Até 1783, a localidade era mais conhecida por ser praça de
execuções públicas de Londres. (N. E. A.)
“Se pensarmos numa sociedade não capitalista, mas comunista, em primeiro
lugar desaparece completamente o capital monetário e, assim, também os
disfarces das transações que se realizam por meio desse capital. A questão se
reduz simplesmente ao fato de que essa sociedade deve calcular antecipadamente
a quantidade de trabalho, os meios de produção e os meios de subsistência que
ela pode empregar sem quaisquer prejuízos em ramos da indústria que – por
exemplo, a construção de ferrovias – por um período prolongado, de um ano ou
mais, não fornecem nem meios de produção, nem meios de subsistência, nem
qualquer efeito útil, mas retiram trabalho, meios de produção e meios de
subsistência da produção total anual. Na sociedade capitalista, ao contrário,
na qual o entendimento social se afirma apenas e invariavelmente post festum,
grandes perturbações podem e têm de ocorrer constantemente. Por um lado, uma
pressão sobre o mercado monetário, ao mesmo tempo que, inversamente, a
facilidade proporcionada por este último provoca o surgimento de um grande
número de tais empresas, ou seja, precisamente as circunstâncias que, mais
tarde, pressionarão o mercado monetário. Tal mercado é pressionado porque aqui
se faz necessário o adiantamento constante de capital monetário em grande
escala e durante longos períodos. Aqui, desconsideramos inteiramente o fato de
que industriais e comerciantes aplicam em especulações ferroviárias etc. o
capital monetário requerido para o funcionamento de seus negócios e o repõem
mediante empréstimos no mercado monetário.
Por
outro lado, ocorre uma pressão sobre o capital produtivo disponível da
sociedade. Como elementos do capital produtivo são constantemente retirados do
mercado e apenas um equivalente em dinheiro é lançado no mercado em seu lugar,
aumenta a demanda solvente, sem fornecer, por si mesma, qualquer elemento de
oferta. Por conseguinte, aumentam os preços, tanto dos meios de vida quanto dos
materiais de produção. A isso se agrega o fato de que, durante esse tempo,
especula-se regularmente e opera-se uma grande transferência de capital. Um
bando de especuladores, empreiteiros, engenheiros, advogados etc. enriquece,
provocando uma forte demanda de consumo no mercado. Além disso, os salários
aumentam. Quanto aos meios alimentares, isso fornece um estímulo à agricultura,
mas como esses meios alimentares não podem ser aumentados subitamente, no curso
do ano, cresce sua importação, assim como, em geral, a importação de meios
alimentares exóticos (café, açúcar, vinho etc.) e de objetos de luxo. Isso
provoca a importação excessiva e a especulação nesse ramo de negócio. Por outro
lado, nos ramos da indústria em que a produção pode ser rapidamente
incrementada (mais propriamente, a manufatura, a mineração etc.), o aumento dos
preços provoca uma expansão repentina, logo seguida do colapso. O mesmo efeito
se produz sobre o mercado de trabalho, a fim de atrair para os novos ramos de
negócio grandes massas da superpopulação relativa latente, inclusive dos
trabalhadores ocupados. Em geral, tais empresas em grande escala, como
ferrovias, retiram do mercado de trabalho determinada quantidade de força de
trabalho, que só pode proceder de certos ramos, como a agricultura etc., nos
quais se empregam apenas indivíduos de grande vigor. Isso continua a ocorrer
mesmo depois de novas empresas terem se convertido em ramos permanentes da
indústria e, assim, já esteja formada a classe trabalhadora nômade por elas
requerida, como, por exemplo, nos casos em que a construção de ferrovias é
realizada temporariamente numa escala acima da média. Uma parte do exército
operário de reserva [Arbeiterreservearmee], que pressionava os preços
para baixo, é absorvida. Os salários sobem em geral, mesmo nas áreas do mercado
de trabalho que até então apresentavam um bom nível de ocupação. Isso dura até
que o inevitável colapso volta a liberar o exército operário de reserva e os
salários são novamente pressionados para baixo, até atingir seu patamar mínimo[1].
Na
medida em que a duração maior ou menor do período de rotação depende do período
de trabalho em sentido estrito, isto é, do período necessário para que o
produto esteja pronto para ser colocado no mercado, ela repousa sobre as
condições materiais [sachlichen] da produção dadas em cada caso nos
diversos investimentos de capital, condições que, na agricultura, possuem mais
o caráter de condições naturais da produção e que, na manufatura e na maior
parte da indústria extrativa, variam com o desenvolvimento social do próprio processo
de produção.
Na
medida em que a duração do período de trabalho repousa sobre a grandeza dos
fornecimentos (do volume quantitativo em que o produto é regularmente lançado
como mercadoria no mercado), isso possui um caráter convencional. Mas a própria
convenção tem como base material a escala da produção e, por conseguinte, só é
acidental se considerada individualmente.
Por
último, na medida em que a duração do período de rotação depende da duração do
período de circulação, este é certamente condicionado, em parte, pela variação
constante nas conjunturas do mercado, pela maior ou menor facilidade de vender
e pela necessidade daí derivada de lançar parcialmente o produto no mercado
mais próximo ou mais distante. Abstraindo do volume da demanda em geral, o
movimento dos preços desempenha aqui um papel central, pois, quando os preços
estão em queda, as vendas são intencionalmente restringidas, ao mesmo tempo que
a produção segue seu curso normal; no caso da elevação dos preços, ao
contrário, a produção e as vendas se dão a passo igual, ou os produtos podem
ser vendidos antecipadamente. No entanto, deve-se considerar como verdadeira
base material a distância efetiva que separa o local de produção do mercado de
escoamento dos produtos.
Por
exemplo, tecidos de algodão ou fios ingleses são vendidos para a Índia. O
exportador paga ao fabricante algodoeiro inglês (o exportador só o faz de bom
grado quando é boa a situação do mercado monetário; mas, assim que o próprio
fabricante repõe seu capital monetário por meio de operações de crédito, as
coisas já não se mostram tão boas). Mais tarde, o exportador vende seus
produtos de algodão no mercado indiano, de onde lhe é reemitido o capital por
ele adiantado. Até esse refluxo, as coisas ocorrem exatamente como no caso em
que a duração do período de trabalho requeria o adiantamento de novo capital
monetário para que o processo de produção seguisse seu curso numa dada escala.
O capital monetário, com que o fabricante paga seus trabalhadores e, assim,
renova os demais elementos de seu capital circulante, não é a forma-dinheiro do
fio por ele produzido. Esse só pode ser o caso quando o valor desse fio reflui
à Inglaterra em dinheiro ou produto. Ele é, como antes, capital monetário
adicional. A diferença está apenas no fato de que quem o adianta é não o
fabricante mas o comerciante, que, por sua vez, eventualmente o obteve por meio
de operações de crédito. Do mesmo modo, antes que esse dinheiro seja lançado no
mercado, ou simultaneamente com ele, nenhum produto adicional foi lançado no
mercado inglês que possa ser comprado com esse dinheiro e entrar na esfera do
consumo produtivo ou individual. Caso se estenda por um longo período e em
grande escala, essa situação trará as mesmas consequências anteriormente
produzidas pelo período de trabalho prolongado.
Ora,
é possível que mesmo na Índia o fio seja novamente vendido a crédito. Com esse
crédito, compram-se produtos nesse país que são enviados à Inglaterra, como
retorno pelo fio vendido, ou se reemite uma letra de câmbio pela importação. Se
essa situação se prolonga, o resultado é uma pressão sobre o mercado monetário
indiano, cujo efeito reverso sobre a Inglaterra pode ocasionar aqui uma crise.
Por sua vez, a crise, mesmo que vinculada à exportação de metais preciosos para
a Índia, provoca neste último país uma nova crise em consequência da falência
de firmas inglesas e suas filiais indianas, às quais os bancos indianos
concederam créditos. Assim instala-se uma crise simultânea tanto no mercado
cuja balança comercial é desfavorável, como naquele cuja balança é favorável.
Este fenômeno pode ser ainda mais complicado. Por exemplo, a Inglaterra enviou
lingotes de prata à Índia, mas como os credores ingleses da Índia cobram agora
a quitação dos empréstimos, em breve a Índia terá de reenviar seus lingotes de
prata à Inglaterra.
É
possível que, no comércio com a Índia, a exportação e a importação se compensem
mais ou menos, ainda que, no que diz respeito a seu volume, a última (com
exceção de circunstâncias especiais, como o encarecimento do algodão etc.) seja
determinada e estimulada pela primeira. A balança comercial entre Inglaterra e
Índia pode parecer equilibrada ou registrar apenas leves oscilações favoráveis
a um lado ou outro. Mas tão logo a crise se deflagra na Inglaterra revela-se que
mercadorias de algodão que não foram vendidas permanecem armazenadas na Índia
(não se transformaram, portanto, de capital-mercadoria em capital monetário, o
que significa uma superprodução nesse lado) e que, por outro lado, na
Inglaterra não só existem estoques não vendidos de produtos indianos como uma
grande parte dos estoques vendidos e consumidos ainda não foi paga em absoluto.
Por conseguinte, o que aparece como crise no mercado monetário expressa, na
realidade, anomalias nos próprios processos de produção e de reprodução.”
[1] No manuscrito, encontra-se aqui
a seguinte anotação, para desenvolvimento posterior: “Contradição no modo de
produção capitalista: os trabalhadores, como compradores de mercadorias, são
importantes para o mercado. Mas como vendedores de sua mercadoria – a força de
trabalho –, a sociedade capitalista tem a tendência de reduzi-los ao mínimo do
preço.
Contradição
adicional: as épocas em que a produção capitalista desenvolve todas as suas
potencialidades mostram-se regularmente como épocas de superprodução, porquanto
as potências produtivas jamais podem ser empregadas a ponto de, com isso, um
valor maior poder não só ser produzido como realizado; mas a venda das
mercadorias, a realização do capital-mercadoria e, assim, também a do
mais-valor, está limitada não pelas necessidades de consumo da sociedade em
geral, mas pelas necessidades de consumo de uma sociedade cuja grande maioria é
sempre pobre e tem de permanecer pobre. Isso pertence, no entanto, à seção
seguinte”. (F. E.)
“O processo imediato de produção do capital é seu processo de trabalho e
valorização, processo cujo resultado é o produto-mercadoria e cujo motivo
determinante é a produção de mais-valor.
O processo
de reprodução do capital abarca tanto o processo direto de produção como as
duas fases do processo de circulação propriamente dito, isto é, o ciclo
inteiro, que, como processo periódico – processo que se repete sempre de novo
em determinados períodos –, constitui a rotação do capital.”
“Quando se fala do modo social de considerar as coisas, ou seja, quando
se examina o produto total do ponto de vista social, que engloba tanto a
reprodução do capital social como o consumo individual, não se deve incorrer no
modo de proceder de Proudhon, imitado da economia burguesa, e examinar a
questão como se uma sociedade existindo sob um modo de produção capitalista,
uma vez considerada en bloc, como totalidade, perdesse seu caráter
histórico-econômico específico. Pelo contrário. Nesse caso, temos de lidar com
o capitalista coletivo. O capital total aparece como o capital acionário de
todos os capitalistas individuais combinados. Essa sociedade por ações tem em
comum com muitas outras sociedades por ações o fato de que cada um sabe o que
nela coloca, mas não o que dela retira.”
“Uma vez suprimida a forma capitalista da reprodução, a questão se reduz
ao fato de que a grandeza da parte já morta do capital fixo, a qual é preciso,
portanto, repor in natura (nesse caso, a parte que opera na produção dos
meios de consumo), varia de um ano para o outro. Se é muito grande num ano (se
excede a mortalidade média, como no caso dos homens), no ano seguinte ela é,
decerto, ainda menor. Mantendo-se constantes as demais circunstâncias, a massa
necessária de matérias-primas, produtos semielaborados e materiais auxiliares
para a reprodução anual de meios de consumo não diminui; a produção total de
meios de produção terá, pois, de aumentar num caso, decrescer no outro. Isso só
pode ser remediado por uma contínua superprodução relativa: de um lado, certa
quantidade de capital fixo, da qual se produza mais do que o imediatamente
necessário; de outro, e principalmente, um estoque de matérias-primas etc. que
exceda as necessidades anuais imediatas (isso vale particularmente para o caso
dos meios de subsistência). Esse tipo de superprodução é igual ao controle da
sociedade sobre os meios objetivos de sua própria reprodução. No âmbito da
sociedade capitalista, no entanto, ele é um elemento anárquico.”
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