Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0772-1
Tradução: Paulo Meneses
Opinião: ★★★☆☆
“A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva
à verdade, e quando é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de
si mesma. O vir a ser do espírito, mostrou-o o movimento imediatamente anterior,
no qual o objeto da consciência - a categoria pura - se elevou ao conceito da razão.”
“Essa determinação, ainda abstrata, que
constitui a Coisa mesma, é só a essência espiritual; e sua consciência
é um saber formal a seu respeito, vagueando em torno do conteúdo diversificado dessa
essência. De fato, essa consciência difere ainda da substância como algo singular;
ora estatui leis arbitrárias, ora acredita ter em seu saber as leis tais quais são
em si e para si; e se tem como potência que as julga. Ou então, considerada do lado
da substância, é a essência espiritual em-si e para-si-essente que
ainda não é a consciência de si mesma. Entretanto, a essência em-si-e-para-si-essente,
que ao mesmo tempo é para si efetiva como consciência, e que se representa a
si mesma para si, é o espírito.
Sua essência espiritual já foi designada
como substância ética; o espírito, porém, é a efetividade ética. O
espírito é o Si da consciência efetiva, à qual o espírito se contrapõe, -
ou melhor, que se contrapõe a si mesma, - como mundo efetivo objetivo. Mas
esse mundo perdeu também para o Si toda a significação de algo estranho, assim como
o Si perdeu toda a significação de um ser-para-si separado do mundo, - fosse dependente
ou independente dele. O espírito é a substância e a essência universal, igual
a si mesma e permanente: o inabalável e irredutível fundamento e ponto
de partida do agir de todos, seu fim e sua meto, como também o Em-si
pensado de toda a consciência-de-si.
Essa substância é igualmente a obra universal
que, mediante o agir de todos e de cada um, se engendra como sua unidade
e igualdade, pois ela é o ser-para-si, o Si, o agir. Como substância,
o espírito é igualdade-consigo-mesmo, justa e imutável; mas como ser-para-si,
é a essência que se dissolveu, a essência bondosa que se sacrifica. Nela cada
um executa sua própria obra, despedaça o ser universal e dele toma para si sua parte.
Tal dissolução e singularização da essência é precisamente o momento do agir
e do Si de todos. E o movimento e a alma da substância, e a essência universal efetuada.
Ora, justamente por isso - porque é o ser dissolvido no Si - não é a essência morta,
mas a essência efetiva e viva.
Por conseguinte, o espírito é a essência absoluta
real que a si mesma se sustém. São abstrações suas, todas as figuras da consciência
até aqui consideradas; elas consistem em que o espírito se analisa, distingue seus
momentos, e se demora nos momentos singulares. Esse ato de isolar tais momentos
tem o espírito por pressuposto e por subsistência; ou seja, só existe
no espírito, que é a existência. Assim isolados, têm a aparência de serem, como
tais: mas são apenas momentos ou grandezas evanescentes, - como mostrou sua
processão e retorno a seu fundamento e essência; essência que é justamente esse
movimento de dissolução desses momentos.
Aqui, onde se põe o espírito, - ou a reflexão
dos momentos sobre si mesmos, - pode nossa reflexão a seu respeito recordar brevemente
que, por esse lado, eram eles: consciência, consciência-de-si e razão. [1] O espírito
é, pois, consciência em geral, - que em si compreende certeza sensível,
percepção e o entendimento, - quando na análise de si mesmo retém o momento segundo
o qual é a efetividade essente objetiva, e abstrai de que essa efetividade
seja seu próprio ser-para-si. [2[ Ao contrário, quando fixa o outro momento da análise,
segundo o qual seu objeto é seu ser-para-si, então o espírito é consciência-de-si.
[3] Mas, como consciência imediata do ser-em-si-e-para-si, -como unidade
da consciência e da consciência-de-si, - o espírito é a consciência que tem razão;
que, como o ter indica, possui o objeto como determinado em si racionalmente,
ou seja, pelo valor da categoria; porém de tal modo que o objeto ainda não tem para
a consciência o valor da categoria. O espírito é a consciência tal como acabamos
de considerar. [4] Essa razão, que o espírito tem, é enfim intuída por ele
como razão que é; ou como a razão que no espírito é efetiva, e que
é seu mundo, assim o espírito é em sua verdade; ele é o espírito, é a essência
ética efetiva.
O espírito é a vida ética de um povo,
enquanto é a verdade imediata: o indivíduo que é um mundo. O espírito
deve avançar até à consciência do que ele é imediatamente; deve suprassumir a bela
vida ética, e atingir, através de uma série de figuras, o saber de si mesmo. São
figuras, porém, que diferem das anteriores por serem os espíritos reais, efetividades
propriamente ditas; e serem em vez de figuras apenas da consciência, figuras de
um mundo.
O mundo ético vivo é o espírito em sua
verdade; assim que o espírito chega ao saber abstrato de sua essência,
a eticidade decai na universalidade formal do direito. O espírito, doravante cindido
em si mesmo, inscreve em seu elemento objetivo, como em uma efetividade rígida,
um dos seus mundos - o reino da cultura - e, em contraste com ele, no elemento
do pensamento, o mundo da fé - o reino da essência.
No entanto, os dois mundos, apreendidos pelo espírito,
que dessa perda retorna a si mesmo - apreendidos pelo conceito – são embaralhados
e revolucionados pela pura inteligência e por sua difusão, o iluminismo.
O reino dividido e distendido entre o aquém e o além retorna à
consciência-de-si, que agora na moralidade se apreende como essencialidade,
e apreende a essência como Si efetivo. Já não coloca fora de si seu mundo e
o fundamento dele, mas faz que dentro de si tudo se extinga; e, como boa-consciência,
é o espírito certo de si mesmo.
443 O mundo ético, - o
mundo cindido entre o aquém e o além - bem como a cosmovisão moral - são assim os
espíritos, cujo movimento e retorno ao simples Si para-si-essente do espírito vai
desenvolver-se. Surgirá, como meta e resultado deles, a consciência-de-si efetiva
do espírito absoluto.”
“A efetividade, pois, guarda oculto nela o outro
lado, estranho ao saber, e não se mostra à consciência tal como é em si e para si.
Ao filho, o pai não se mostra no ofensor que ele fere, nem a mãe na rainha que toma
por esposa. Desse modo, está à espreita da consciência-de-si ética uma potência
avessa-à-luz que, quando o fato ocorreu, irrompe, e a colhe em flagrante. Com efeito,
o ato consumado é a oposição suprassumida do Si que-sabe e da efetividade que
se lhe contrapõe. Quem opera, Édipo, não pode renegar o delito e sua culpa. O ato
é isto: mover o imóvel, e produzir o que antes só estava encerrado na possibilidade;
e com isso, unir o inconsciente ao consciente, o não-essente ao ser. Nessa verdade,
o ato surge assim à luz do dia, - como algo em que está unido um elemento consciente
a um inconsciente, o próprio a um estranho: como a essência dividida; a consciência
lhe experimenta o outro lado, e o experimenta também como lado seu, mas como potência
violada por ela e feita sua inimiga.
470 Pode ser que o direito,
que se mantinha à espreita, não esteja presente para a consciência operante
em sua figura peculiar; mas somente esteja em si, na culpa interior da decisão
e do operar. Porém a consciência ética é mais completa, sua culpa mais pura, quando
conhece antecipadamente a lei e a potência que se lhe opõem, quando as toma
por violência e injustiça, por uma contingência ética; e como Antígona, comete o
delito sabendo o que faz.
O ato consumado inverte o ponto de vista da consciência;
a implementação enuncia, por si mesma, que o que é ético deve ser
efetivo, pois a efetividade do fim é o fim do agir. O agir enuncia
justamente a unidade da efetividade e da substância; que a
efetividade não é contingente para a essência, mas que, em união com ela, não é
assignada a nenhum direito que não seja o direito verdadeiro. Devido a essa efetividade,
e em virtude do seu agir, a consciência ética deve reconhecer seu oposto como efetividade
sua; deve reconhecer sua culpa: "Porque sofremos, reconhecemos ter errado"
[Sófocles, ANTÍGONA, V, 926].
471 Esse reconhecer exprime
a cisão suprassumida do fim ético e da efetividade; exprime o retorno
à disposição ética, que sabe nada ter valor a não ser o justo. Desse modo,
porém, a ação abandona seu caráter e a efetividade do seu Si, e foi
à ruína. Seu ser consiste nisto: em pertencer à sua lei ética como à sua
substância. Ora, no reconhecer do oposto, deixou essa lei de ser sua substância;
e em lugar de sua efetividade, o que alcançou foi a inefetividade, a disposição.”
“477 (...) Nós vimos as potências e as figuras
do mundo ético naufragarem na necessidade simples do destino vazio. Essa
potência do mundo ético é a substância refletindo-se em sua simplicidade; porém
a essência absoluta que reflete sobre si mesma – justamente aquela necessidade do
destino vazio - não é outra coisa que o Eu da consciência-de-si.
478 Esse Eu, por isso,
agora tem valor como essência em si e para si essente. Esse Ser-reconhecido
é sua substancialidade, que por sua vez é a universalidade abstrata, pois
seu conteúdo é esse Si rígido, e não o Si que se dissolveu na substância.
479 Assim, a personalidade
saiu, nessa altura, da vida da substância ética: é a independência, efetivamente
em vigor, da consciência. O pensamento inefetivo da independência, que
vem-a-ser para si mediante a renúncia à efetividade, foi anteriormente
encontrado como consciência-de-si estoica. Como ela procedia da dominação
e Servidão, entendida como ser-aí imediato da consciência-de-si, assim também
a personalidade provinha do espírito imediato, que é a vontade universal
dominadora de todos, e igualmente sua obediência servidora.”
“Mas aquele espírito, cujo Si é o absolutamente
discreto, tem seu conteúdo como uma efetividade igualmente rígida, frente a ele;
e o mundo tem aqui a determinação de ser algo exterior, o negativo da consciência
de si. Contudo, esse mundo é essência espiritual, é em si a compenetração do ser
e da individualidade. Seu ser-aí é a obra
da consciência de si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente, e
estranha a ela; tem um ser peculiar e a consciência de si ali não se reconhece.
Esse mundo é a essência exterior e o livre conteúdo
do direito; mas essa efetividade exterior, que o senhor do mundo do direito abrange
dentro de si, não é só essa essência elementar que está presente, de maneira contingente,
ao Si; mas é seu trabalho, - não trabalho positivo, e sim negativo. Adquire seu
ser-aí pela própria extrusão e desessenciamento da consciência-de-si, que
na devastação imperante no mundo do direito parece impor-lhe a violência externa
dos elementos desencadeados. Esses elementos são, para si, somente o puro devastar
e a dissolução deles mesmos; e contudo, essa dissolução - essa sua essência negativa
- é precisamente o Si: que é seu sujeito, seu agir e vir-a-ser. Ora, esse agir e
vir-a-ser, mediante os quais a substância se torna efetiva, é a alienação da personalidade;
com efeito, o Si vigente em si e para si, imediatamente, isto é, sem alienação,
é um Si sem substância, e joguete daqueles elementos tumultuosos. Sua substância,
é pois, sua extrusão mesma, e a extrusão é a substância, - ou seja, as potências
espirituais que se ordenam para constituírem um mundo e por isso se mantêm.
485 A substância, dessa
maneira, é espírito, unidade consciente-de-si do Si e da essência; mas os
dois têm também, um para o outro, o significado da alienação. O espírito é consciência
de uma efetividade objetiva e livre para si. Contrapõe-se porém a essa consciência
aquela unidade do Si e da essência; - à consciência efetiva se contrapõe
a consciência pura.
De um lado, graças a sua extrusão, a consciência-de-si
efetiva passa ao mundo efetivo; e vice-versa, o mundo efetivo a ela. Mas, de outro
lado, suprassume-se justamente essa efetividade, - tanto a pessoa quanto a objetividade:
elas são assim puramente universais. Essa sua alienação é a consciência pura
ou a essência. A presença tem imediatamente a oposição em seu além,
que é seu pensar e ser-pensado; como o além tem seu oposto no aquém, que é sua
efetividade, alienada dele.
486 Portanto, esse espírito
não constrói para si apenas um mundo mas um mundo duplo, separado e oposto.
O mundo do espírito ético é sua própria presença; e por isso cada potência
dele está nessa unidade, e na medida em que as duas potências se distinguem, está
em equilíbrio com o todo. Nada tem ali a significação de um negativo da consciência-de-si;
mesmo o espírito que partiu está presente no sangue dos parentes, no Si
da família; e a potência universal do Governo é a vontade, o Si
do povo.
Aqui porém o presente significa apenas uma efetividade
puramente objetiva, que tem sua consciência além. Cada momento singular, como
essência, recebe de um Outro essa consciência, e com isto a efetividade;
e na medida em que é efetivo, sua essência é algo Outro que sua efetividade. Não
há nada que tenha um espírito nele mesmo fundado e imanente, mas tudo está fora
de si em um estranho: o equilíbrio do todo não é a unidade em si mesma permanente,
ou a placidez dessa unidade em si mesma retornada, senão que repousa na alienação
do seu oposto. Por conseguinte o todo, como cada momento singular, é uma realidade
alienada de si mesma; ele se rompe em um reino onde a consciência-de-si é efetiva,
como também seu objeto; e em outro reino, o da pura consciência, que
está além do primeiro, não tem presença efetiva, mas reside na fé.
Assim como agora o mundo ético, a partir da separação
entre lei divina e lei humana, e de suas figuras e sua consciência, a partir de
sua separação entre saber e ignorância - retornam a seu destino, ao Si enquanto
potência negativa dessa oposição, assim também vão retornar ao Si esses
dois reinos do espírito alienado de si mesmo. Mas se aquele era o primeiro Si
imediatamente em vigor, - a pessoa singular, - este segundo que a si retorna
de sua extrusão, será o Si universal, a consciência que capta o conceito;
e esses mundos espirituais, cujos momentos se afirmam todos como uma efetividade
fixa e uma subsistência não-espiritual, vão dissolver-se na pura inteligência.
Essa, como o Si que se aprende a si mesmo, consuma a cultura: nada apreende
senão o Si, e tudo apreende como o Si, quer dizer, tudo conceitua; suprime
toda a objetividade e transmuda todo o ser-em-si em um ser-para-si. Voltada contra a fé, como reino
da essência estranho e situado além, é o Iluminismo. O Iluminismo
leva a cabo a alienação, inclusive naquele reino onde se refugia o espírito alienado
de si, como na consciência da quietude igual a si mesma. Perturba-lhe a ordem doméstica
que o espírito administra no mundo da fé, introduzindo ali instrumentos do mundo
do aquém, - que o espírito não pode renegar como propriedade sua, já que sua consciência
igualmente lhe pertence.
Nessa tarefa negativa, a pura inteligência se
realiza a si mesma, ao mesmo tempo, e produz seu objeto próprio, - a essência
absoluta incognoscível e o útil. Como a efetividade perdeu assim toda a substancialidade,
e nela nada mais é em si, então ruiu tanto o reino da fé quanto o do mundo
real. Essa revolução produz a liberdade absoluta; com ela, o espírito, antes
alienado, retornou completamente a si; abandona essa terra da cultura e passa para
outra, - para a terra da consciência moral.”
“488 O espírito desse mundo é a essência
espiritual, impregnada de uma consciência-de-si, que se sabe imediatamente presente
como esta consciência-de-si para si essente, e que sabe a essência
como uma efetividade contraposta a si. Mas o ser-aí desse mundo, como também
a efetividade da consciência-de-si, descansa no movimento pelo qual a consciência-de-si
se extrusa de sua personalidade e assim produz o seu mundo; frente a ele se comporta
como se fosse um mundo estranho, do qual devesse agora apoderar-se. Mas a renúncia
de seu ser-para-si é ela mesma a produção da efetividade, da qual assim se apodera
imediatamente pela renúncia.
Em outras palavras, a consciência-de-si só é algo,
só tem realidade, na medida em que se aliena a si mesma: com isso se
põe como universal, e essa sua universalidade é sua vigência e efetividade. Essa
igualdade com todos não é, portanto, aquela igualdade do direito; não é aquele
imediato ser-reconhecido e estar-em-vigor da consciência-de-si, pelo simples
fato de que ela é; mas se ela vigora, é por se ter tornado igual ao universal através
da mediação alienadora. A universalidade carente-de-espírito, do direito, acolhe
dentro de si e legitima qualquer modalidade do caráter como também do ser-aí; mas
a universalidade que aqui vigora é a universalidade que-veio-a-ser, e que
é, por isso, efetiva.
489 E portanto mediante
a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A verdadeira natureza
originária do indivíduo, e sua substância, é o espírito da alienação do
ser natural. Essa extrusão é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí
do indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a passagem, seja da
substância pensada para a efetividade, como inversamente da individualidade
determinada para a essencialidade. Essa individualidade se forma para
ser o que é em si, e só desse modo é em si e tem um ser-aí efetivo;
tanto tem de cultura, quanto tem de efetividade e poder. Embora o Si se saiba aqui
efetivo como este Si, contudo sua efetividade consiste somente no suprassumir
do Si natural: a natureza determinada originária se reduz, portanto, à diferença
inessencial de grandeza, a uma maior ou menor energia da vontade. Mas o fim
e conteúdo da vontade pertencem unicamente à substância universal mesma e só podem
ser um universal. A particularidade de uma natureza, que se torna fim e conteúdo,
é algo impotente e inefetivo: é uma espécie que se esfalfa, vã e ridiculamente,
para pôr-se à obra: é a contradição de atribuir ao particular a efetividade que
é imediatamente o universal. Portanto, se a individualidade for posta erroneamente
na particularidade da natureza e do caráter, não se encontram neste mundo
real nem individualidades nem caracteres, mas indivíduos que têm um ser-aí igual,
uns em relação aos outros. Aquela suposta individualidade só é justamente o ser-aí
visado, que não logra estabilidade neste mundo, onde só alcança efetividade
o que-se-extrusa-a-si-mesmo, e, portanto, só o universal.”
“490 (...) O que se manifesta aqui como a força
do indivíduo - que tem a substância subjugada e por isso suprassumida - é o mesmo
que a efetivação da substância. Com efeito, a força do indivíduo consiste em ajustar-se
à substância, quer dizer, em extrusar-se de seu si, e pôr-se assim como substância
essente objetiva. A cultura e a efetividade própria do indivíduo é portanto a efetivação
da substância mesma.
491 O Si só é efetivo
para si como suprassumido. Portanto, o Si não constitui para ele a unidade
da consciência de si mesmo e do objeto; mas o objeto é para o Si o seu negativo.
Assim, mediante o Si, enquanto alma, a substância é plasmada em seus momentos, de
tal modo que um oposto vivifica o outro; e cada um, através de sua alienação, dá
subsistência ao outro, e dele igualmente a recebe. Ao mesmo tempo, cada momento
tem sua determinidade como uma vigência imutável, e como uma firme efetividade,
frente ao Outro. O pensar fixa essa diferença da maneira mais universal mediante
a oposição absoluta do bom e do mau que, evitando-se mutuamente, não
podem de forma alguma vir-a-ser o mesmo. Porém esse ser fixo tem por sua alma a
passagem imediata ao oposto: o ser-aí é, antes, a inversão de toda a determinidade
na sua oposta, e só essa alienação é a essência e o sustentáculo do todo. Resta
a considerar esse movimento efetivante, e a vivificação dos momentos: a alienação
se alienará a si mesma, e, através dela, o todo se recuperará em seu conceito.”
“529 Essa pura consciência da essência
absoluta é uma consciência alienada. Resta examinar mais de perto como se
determina aquilo de que ela é o Outro, pois a pura consciência só deve ser examinada
em conexão com esse Outro. Primeiro, essa pura consciência parece apenas
ter o mundo da efetividade em contraposição consigo. Mas enquanto é fuga
desse mundo - e portanto é a determinidade da oposição - tem esse
mundo nela: a pura consciência á pois essencialmente alienada de si nela mesma,
e a fé só constitui um de seus lados. O outro lado já surgiu ao mesmo tempo para
nós. A pura consciência é justamente a reflexão a partir do mundo da cultura, de
modo que a substância deste mundo, bem como as massas em que se articula, se mostram
como são em si: como esencialidades espirituais, como movimentos absolutamente
irrequietos, ou determinações que imediatamente se suprassumem em seu contrário.
Sua essência, a consciência simples, é assim a simplicidade da diferença absoluta,
que imediatamente não é diferença nenhuma. Por isso sua essência é o puro ser-para-si;
não como deste singular, mas como o Si universal em si enquanto
movimento irrequieto que toma de assalto e penetra a essência tranquila da
Coisa. Assim, há nele a certeza que se sabe imediatamente como verdade: o
puro pensar como conceito absoluto, presente na potência de sua negatividade,
que elimina toda a essência objetiva - que devesse estar contraposta à consciência
– e faz dela um ser da consciência.
Essa pura consciência é, ao mesmo tempo, igualmente
simples, pois justamente sua diferença não é diferença nenhuma. Mas, como
essa forma da simples reflexão-sobre-si, ela é o elemento da fé em que o espírito
tem a determinidade da universalidade positiva, do ser-em-si em contraposição
àquele ser-para-si da consciência de si. Reprimido de novo para dentro de si, a
partir do mundo carente-de-essência que somente se dissolve, o espírito segundo
sua verdade é, em uma unidade indivisa, tanto o movimento absoluto e a negatividade
de seu aparecer, quanto sua essência satisfeita em si mesma, e sua quietude
positiva [Prefácio § 47].
Entretanto, de modo geral subjazendo à determinidade
da alienação, esses dois movimentos se separam um do outro como uma consciência
duplicada. A primeira consciência é a pura inteligência como o processo
espiritual que se concentra na consciência de si; processo que tem, frente a
si, a consciência do positivo, a forma da objetividade ou do representar, e se lhe
contrapõe; mas seu objeto próprio é só o puro Eu.
Inversamente, a consciência simples do positivo,
ou a quieta igualdade-consigo-mesmo, tem por objeto a essência interior como
essência. Portanto, a pura inteligência, de início não tem conteúdo em si mesma,
porque é o ser-para-si negativo; ao contrário, pertence à fé o conteúdo sem inteligência.
Se a inteligência não sai da consciência-de-si, a fé possui, na verdade, seu conteúdo
igualmente no elemento da pura consciência de si; mas no pensar, não no conceituar:
na pura consciência, não na pura consciência-de-si. Por isso a fé decerto é
pura consciência da essência, isto é, do interior simples, e assim
é pensar: - o momento-principal na natureza da fé, que é habitualmente descurado.
A imediatez, com que a essência está na fé, baseia-se nisto: em que seu objeto
é essência, quer dizer, puro pensamento.
Entretanto, essa imediatez, enquanto o
pensar entra na consciência - ou a pura consciência entra na consciência-de-si -,
adquire a significação de um ser objetivo, que se situa além da consciência-de-si.
Através dessa significação, que recebe na consciência a imediatez
e a simplicidade do puro pensar, é que a essência da fé decai do pensar
para a representação e se torna um mundo suprassensível, que seja essencialmente
um Outro da consciência de si. Inversamente, na pura inteligência, a passagem
do puro pensar para a consciência, tem a determinação oposta: a objetividade possui
a significação de um conteúdo, somente negativo, que se suprassume e que retorna
ao ser. Quer dizer: só o Si é propriamente o objeto para si mesmo; ou seja, o objeto
só tem verdade na medida em que tem a forma do Si.
530 Como a fé e a pura
inteligência pertencem conjuntamente ao elemento da forma pura, as duas são também
conjuntamente o retomo a partir do mundo efetivo da cultura. Apresentam-se, por
isso, segundo três aspectos: 1º: cada uma delas, fora de toda a relação, é em
si e para si, 2º: cada qual se refere ao mundo efetivo, oposto à pura
consciência; 3º cada uma delas se refere à outra, no interior da pura consciência.
531 1º O aspecto do ser-em-si-e-para-si
na consciência crente é seu objeto absoluto, cujo conteúdo e determinação
já se deram a conhecer. Com efeito, segundo o conceito da fé, o objeto absoluto
não é outra coisa que o mundo real elevado à universalidade da pura consciência.
Portanto a articulação do mundo real também constitui a organização do mundo da
fé, - só que neste último as partes em sua espiritualização não se alienam, mas
são essências em si e para si essentes: são espíritos que a si retornaram e junto
a si mesmos permanecem. Por conseguinte, só para nós o movimento de seu transitar
é uma alienação da determinidade em que essas partes existem em sua diferença; só
para nós são uma série necessária. Para a fé, ao contrário, sua diferença
é uma tranquila diversidade; e seu movimento, um acontecer.”
“A pura inteligência enreda-se nessa contradição,
porque se empenha na luta supondo combater algo outro. Não passa de uma suposição;
pois sua essência, como negatividade absoluta, consiste em ter o ser-outro nela
mesma. O conceito absoluto é a categoria; o que significa que o saber e o objeto
do saber são o mesmo. Assim, o que a pura inteligência enuncia como o seu Outro,
- como erro ou mentira - não pode ser outra coisa que ela mesma: só pode condenar
o que ela é. O que não é racional não tem verdade; ou seja, o que
não é concebido, não é. Portanto, quando a razão fala de um Outro que
ela, de fato só fala de si mesma; assim não sai de si.
Por conseguinte, essa luta com o oposto assume
em si a significação de ser sua própria efetivação. Essa, com efeito, consiste
precisamente no movimento de desenvolver os momentos e de recuperá-los em si mesma.
Uma parte desse movimento é a diferenciação, em que a inteligência conceituante
se contrapõe a si mesma como objeto; enquanto se demora nesse momento, aliena-se
de si mesma. Como pura inteligência, carece de qualquer conteúdo; o movimento
de sua realização consiste em que ela mesma venha a ser para si como conteúdo,
- já que um outro não pode tornar-se seu conteúdo, pois ela é a consciência-de-si
da categoria. Mas enquanto ela no seu oposto sabe o conteúdo só como conteúdo
- e não ainda como si mesma - está se desconhecendo nele. Sua implementação
tem pois o sentido de reconhecer como seu o conteúdo que inicialmente para ela era
objetivo. Mas assim, seu resultado não será nem restabelecimento dos erros que combate,
nem apenas seu conceito primeiro, e sim uma inteligência que reconhece a absoluta
negação de si mesma como sua própria efetividade, - e que a reconhece como a si
mesma, ou seja, como seu conceito reconhecedor de si mesmo.”
“574 (...) A pura inteligência, como conceito
absoluto, é um diferenciar de diferenças que já não são tais; de abstrações ou puros
conceitos, que já não se sustentam a si mesmos, mas que só têm apoio e diferenciação
mediante o todo do movimento. Esse diferenciar do não-diferente consiste
precisamente em que o conceito absoluto faz de si mesmo seu objeto, e se
contrapõe como a essência àquele movimento. Por isso lhe falta o lado em
que as abstrações ou diferenças se mantém-separadas-umas-das-outras e assim
se torna o puro pensar como pura coisa.
Portanto é isso justamente aquele tecer do espírito
dentro de si mesmo, - tecer surdo e carente-de-consciência em que afundou a fé ao
perder seu conteúdo diferenciado. E ao mesmo tempo, é aquele movimento da
consciência-de-si, para o qual ela deve ser o além absolutamente estranho. Com efeito,
uma vez que essa pura consciência-de-si é o movimento em conceitos puros, em diferenças
que não são tais, ela de fato colapsa no tecer carente-de-consciência, isto é, no
puro sentir ou na pura coisidade.
Mas o conceito alienado de si mesmo, por ainda
se manter aqui no nível dessa alienação, não reconhece essa igual essência dos
dois lados - do movimento da consciência-de-si e de sua essência absoluta; não conhece
a igual essência deles, que é de fato a substância e subsistência desses
lados. E por não reconhecer essa unidade, a essência para ele só conta na forma
do além objetivo; no entanto, a consciência diferenciadora, que tem dessa maneira
o Em-si fora dela, conta como uma consciência finita.
575 A propósito daquela essência absoluta, o próprio
Iluminismo entra consigo mesmo no conflito, que antes tinha com a fé; e divide-se
em dois partidos. Um partido se comprova como vencedor somente porque se decompõe
em dois partidos: pois nisso mostra possuir nele mesmo o princípio que combatia,
e com isso ter suprassumido a unilateralidade em que anteriormente se apresentava.
O interesse que se dividia entre ele e o outro, agora recai nele totalmente; e esquece
o outro, já que encontra nele mesmo a oposição que o preocupava. Mas ao mesmo tempo,
a oposição se elevou ao elemento superior vitorioso, em que se apresenta purificada.
Assim que a divisão nascida em um partido, e que parece uma desgraça, se mostra
antes sua fortuna.
576 A pura essência mesma
não tem diferença nela; por conseguinte, a diferença lhe advém pelo fato de surgirem
para a consciência duas puras essências tais; ou então, uma dupla consciência
da mesma essência. A pura essência absoluta está somente no puro pensar; melhor,
é o puro pensar mesmo. Assim está pura e simplesmente além do finito, da
consciência-de-si, e é só a essência negativa. Mas dessa maneira é precisamente
o ser, o negativo da consciência-de-si. Como negativo seu, é também
relativo a ela: é o ser exterior, que referido à consciência-de-si, dentro
da qual recaem as diferenças e determinações, recebe nela as diferenças de ser saboreado,
visto, etc; - e a relação é a certeza sensível e a percepção.
577 Partindo-se desse ser sensível, para
o qual passa necessariamente aquele além negativo, mas abstraindo desses modos determinados
da relação da consciência, - resta assim a pura matéria como surdo tecer
e mover dentro de si mesmo. É essencial aqui considerar que a pura matéria é
só o que fica de resto se abstraímos do ver, tocar, gostar, etc O
que se enxerga, apalpa e saboreia, etc, não é a matéria, e sim, a cor, uma
pedra, um sal, etc. A matéria é antes a pura abstração; e desse modo está
presente a pura essência do pensar, ou o puro pensar mesmo, como o absoluto
sem-predicados, não diferenciado e não determinado em si.
578 Um dos Iluminismos
denomina essência absoluta esse absoluto sem-predicados que está no pensar, para
além da consciência efetiva e do qual se partiu; o outro, o chama matéria. Se
se distinguissem como natureza e espírito ou Deus, então faltaria
ao tecer carente-de-consciência dentro de si mesmo, para ser natureza, a riqueza
da vida desenvolvida; e faltaria ao espírito ou Deus a consciência que em si mesma
se diferencia. Os dois são pura e simplesmente o mesmo conceito, como vimos. A diferença
não reside na Coisa, mas puramente apenas nos diversos pontos de partida das duas
formações, e no fato de que cada uma se fixa em um ponto próprio no movimento do
pensar. Se fossem mais adiante, teriam de se encontrar, e de reconhecer como o mesmo,
o que para um - como ele pretende - é uma abominação; e para o outro, uma loucura.
Com efeito, para um Iluminismo a essência absoluta
está em seu puro pensar; ou seja, imediatamente para a pura consciência, fora da
consciência finita, está o Além negativo da mesma. Se ele refletisse em que,
de uma parte, aquela imediatez simples do pensar não é outra coisa que o puro
ser, e de outra parte, aquilo que é negativo para a consciência, ao mesmo
tempo a ela se refere; e enfim que no juízo negativo, o "é" - a cópula
- reúne os dois termos separados, então resultaria a relação desse Além na determinação
de um essente exterior à consciência; e assim, como o mesmo que se chama
pura matéria: e seria recuperado o momento, que falta, da presença.
O outro Iluminismo parte do ser sensível, e logo
abstrai da relação sensível do gostar, do ver, etc, e faz disso o puro Em-si,
a matéria absoluta, o que não é tocado nem saboreado. Desse modo, tornou-se
esse ser o Simples sem-predicados, a essência da consciência pura: é o puro
conceito como em si essente, ou o puro pensar dentro de si mesmo. Em
sua consciência, essa inteligência não dá o passo em sentido oposto: do essente
que é puramente essente, ao pensado, que é o mesmo que o puramente
essente; ou seja, não dá o passo do puro Positivo ao puro Negativo. Ora, enquanto
o positivo só é pura e simplesmente por meio da negação, ao invés o puramente
negativo, enquanto puro, é igual a si dentro de si mesmo; e justamente por isso,
é positivo.
Em outras palavras: os dois Iluminismos não chegaram
ao conceito da metafísica cartesiana, de que o ser e o pensar são
em si o mesmo; nem ao pensamento de que o ser, o puro ser, não
é uma efetividade concreta, mas a pura abstração; e inversamente,
o puro pensar, a igualdade consigo mesmo ou a essência, é por uma parte o negativo
da consciência-de-si, e por conseguinte, ser; por outra parte, como simplicidade
imediata, também não é outra coisa que o ser: o pensar é coisidade,
ou coisidade é pensar.
579 A essência tem aqui
a cisão nela de tal modo que se presta a dois tipos de considerações: por
um lado, a essência deve ter nela mesma a diferença; por outro lado, os dois modos
de considerar convergem, justamente nisso, em um só. Com efeito, os momentos abstratos
do puro ser e do negativo, pelos quais eles se distinguem, são reunidos depois no
objeto desses modos de considerar.
O universal, que lhes é comum, é a abstração do
puro estremecer em si mesmo, ou do puro pensar-a-si-mesmo. Esse movimento simples
de rotação deve desdobrar-se, pois ele mesmo só é movimento enquanto diferencia
seus momentos. A diferenciação dos momentos deixa atrás o imóvel, como a casca vazia
do puro ser, que não é mais pensar efetivo, nem vida em si mesmo: porque
essa diferenciação é, enquanto diferença, todo o conteúdo. Mas, ao colocar-se fora
daquela unidade, é por isso a alternância - que a si mesma não retorna
- dos momentos do ser-em-si, do ser-para-um-Outro, e do ser-para-si;
é a efetividade, tal como é objeto para a consciência efetiva da inteligência
pura: - a utilidade.
580 A utilidade, por pior que possa parecer à fé ou à sentimentalidade, ou ainda
à abstração que se denomina especulação e que se fixa o Em-si, mesmo assim
é nela que a pura inteligência consuma sua realização, e é objeto para si
mesma; - objeto que agora não renega mais, e que também não tem para ela o valor
de vazio ou de puro Além. Com efeito, a pura inteligência, como vimos, é o próprio
conceito essente, ou a pura personalidade igual a si mesma, que de tal modo se diferencia
em si, que cada um dos termos distintos é, por sua vez, puro conceito, quer dizer,
que é imediatamente não-diferente. É a simples consciência-de-si pura que tanto
é para si quanto é em si, em uma unidade imediata.
Seu ser-em-si não
é, portanto, ser permanente, mas deixa imediatamente de ser algo, em sua
diferença; ora, um tal ser que imediatamente não tem firmeza, não é em si mas
essencialmente para um Outro, que é a potência que o absorve. Contudo, esse
segundo momento oposto ao primeiro, ao ser-em-si, desvanece tão imediatamente quanto
o primeiro: ou melhor, como ser só para Outro é, antes, o desvanecer mesmo,
e o que está posto é o ser-retornado-a-si-mesmo, o ser-para-si.
Mas esse ser-para-si simples é, antes, como a igualdade-consigo-mesmo, um
ser; ou por isso, um ser para um Outro.
O útil exprime essa
natureza da pura inteligência no desdobramento de seus momentos, ou seja,
exprime-a como objeto. O útil é algo subsistente em si, ou coisa;
esse ser-em-si, ao mesmo tempo, é apenas puro momento; assim ele é absolutamente
para um Outro, mas é tanto para um Outro somente quanto é em si. Esses momentos
opostos retornaram à unidade inseparável do ser-para-si. Mas se o útil exprime bem
o conceito da pura inteligência, não é, contudo, a inteligência como tal,
e sim enquanto representação ou enquanto seu objeto. O útil é apenas
a alternância incessante daqueles momentos, um dos quais, na verdade, é o próprio
ser retornado a si mesmo, mas só como ser para si, isto é, como um momento
abstrato, que aparece de um lado em contraste com os outros momentos. O útil mesmo
não é a essência negativa, de ter em si esses momentos em sua oposição ao mesmo
tempo indivisos sob um só e o mesmo aspecto, ou como um pensar,
como são enquanto pura inteligência. Embora haja no útil o momento do ser
para si, não é de modo que se sobreponha aos outros momentos - ao Em
si e ao ser para outro - e por isso, seja o Si.”
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