terça-feira, 11 de agosto de 2020

Fenomenologia do Espírito (Volume I, Parte IV) – Georg Wilhelm Friedrich Hegel

Editora: Vozes

ISBN: 85-326-0687-3

Tradução: Paulo Meneses

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 272

Sinopse: Ver Parte I



“341 - Lançando um olhar retrospectivo sobre a série de relações consideradas até agora, e que constituem o conteúdo e o objeto da observação, vemos que:

[1] - No primeiro modo, o ser sensível desvanece já na observação das relações da natureza inorgânica. Os momentos de suas relações apresentam-se como puras abstrações e como conceitos simples, que deveriam estar firmemente unidos ao ser-aí das coisas; mas esse se perdeu, de forma que o momento se mostra como puro movimento ou como universal. Esse processo livre, completo em si mesmo, conserva a significação de algo objetivo: mas agora vem à cena como um Uno. No processo do inorgânico, o Uno é o interior inexistente; e inversamente, o processo existente como Uno é o orgânico.

[2] - O Uno, enquanto ser para si ou essência negativa, defronta o universal, esquiva-se dele, e permanece livre para si. Desse modo o conceito, realizado somente no elemento da singularização absoluta, não encontra na existência do orgânico sua expressão autêntica, que seria a de estar ali como universal; porém permanece um exterior, ou, - o que é o mesmo - um interior da natureza orgânica.

[3] - O processo orgânico é livre somente em si, mas não para si mesmo; o ser para si de sua liberdade emerge no fim; existe como outra essência, como uma sabedoria sua consciente de si que está fora desse processo. Volta-se pois a razão observadora para essa sabedoria, para o espírito, para o conceito existindo como universalidade ou fim existindo como fim; de agora em diante sua própria essência é seu objeto.

342 - Volta-se primeiro a razão observadora para a pureza do objeto; mas sendo ela o apreender desse objeto como um objeto essente, movendo-se em suas diferenças - suas leis do pensamento se tornam relações do permanente com o permanente. Ora, como o conteúdo dessas leis são apenas momentos, elas se perdem no Uno da consciência de si.

Esse novo objeto, tomado igualmente como algo essente, é a consciência-de-si singular e contingente; mantém-se, pois, a observação dentro do espírito visado e da relação contingente entre uma efetividade consciente e uma efetividade inconsciente. Em si mesmo, o objeto em questão é só a necessidade desse relacionamento; a observação, portanto, ainda o abraça mais estreitamente, e compara sua efetividade querente e operante com sua efetividade em si mesma refletida e contemplativa que por sua vez é também objetiva.

Embora esse exterior seja na verdade uma linguagem do indivíduo, que ele possui em si mesmo, é ao mesmo tempo, enquanto signo, algo indiferente ao conteúdo que deveria significar; como o que põe para si mesmo o signo é indiferente quanto a ele.

343 - Por isso a observação retrocede dessa linguagem mutável ao ser fixo e enuncia, segundo seu conceito próprio, que exterioridade - não como órgão, nem como linguagem, ou signo, mas como coisa morta - é a efetividade exterior e imediata do espírito. O que fora suprassumido pela primeiríssima observação da natureza inorgânica - a saber, que o conceito deveria estar presente como coisa - é restaurado por essa última modalidade da observação, que assim faz da efetividade do próprio espírito uma coisa, ou, exprimindo inversamente, dá ao ser morto a significação do espírito.

Sendo assim, a observação chegou ao ponto em que enuncia o que era nosso conceito sobre ela - a saber, que a certeza da razão busca a si mesma como efetividade objetiva.”

 

 

“A consciência-de-si encontra a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é para ela que essa consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a certeza imediata de ser toda a realidade; mas é uma certeza tal, que o imediato tem para ela a forma de um suprassumido, de modo que sua objetividade só vale como superfície, cujo interior e essência é a própria consciência-de-si.

Assim sendo, o objeto a que ela se refere positivamente é uma consciência-de-si; um objeto que está na forma da coisidade, isto é, um objeto independente. No entanto, a consciência-de-si tem a certeza de que esse objeto independente não lhe é nada de estranho, pois sabe que por ele é reconhecida em si. Ela então é o espírito, que tem a certeza, de ter sua unidade consigo mesmo na duplicação de sua consciência-de-si e na independência das duas consciências-de-si daí resultantes. Essa certeza agora tem de elevar-se à verdade, para a consciência-de-si: o que para ela vale como sendo em si, e em sua certeza interior, deve entrar na sua consciência e vir-a-ser para ela.

348 - Comparando o caminho até aqui percorrido, já se pode caracterizar as estações universais dessa efetivação em geral. A saber: assim como a razão observadora repetira no elemento da categoria o movimento da consciência, isto é, a certeza sensível, a percepção e o entendimento, - assim também esta razão ativa percorrerá de novo o duplo movimento da consciência-de-si, e da independência passará à sua liberdade.

De início, essa razão ativa só está consciente de si mesma como de um indivíduo, e enquanto tal deve exigir e produzir sua efetividade em outro. Mas depois, ao elevar sua consciência à universalidade, torna-se razão universal, e o indivíduo é consciente de si como razão, como algo já reconhecido em si e para si, que unifica em sua pura consciência toda a consciência de si. É a essência espiritual simples que, ao chegar à consciência é, ao mesmo tempo, substância real; para dentro dela retomam, como a seu fundamento, todas as formas anteriores, que assim, em relação a ela, são momentos singulares simples de seu vir a ser. Os momentos se desprendem, sem dúvida, e aparentam formas próprias; mas de fato só têm ser-aí e efetividade sustidos pelo fundamento; e só têm verdade na medida que neles estão e permanecem.

349 - Tomemos em sua realidade essa meta alcançada: o conceito, que já surgiu para nós - isto é, a consciência de si reconhecida, que tem em outra consciência de si livre a certeza de si mesma, e aí precisamente encontra sua verdade. Destaquemos esse espírito ainda interior como substância já amadurecida em seu ser-aí, O que vemos patentear-se nesse conceito é o reino da eticidade.

Com efeito, esse reino não é outra coisa que a absoluta unidade espiritual dos indivíduos em sua efetividade independente. É uma consciência-de-si universal em si, que é tão efetiva em uma outra consciência, que essa tem perfeita independência - ou seja, é uma coisa para ela. Tão efetiva que justamente nessa independência está cônscia da sua unidade com a outra, e só nessa unidade com tal essência objetiva é consciência-de-si.

Essa substância ética, na abstração da universalidade, é apenas lei pensada; mas, não menos imediatamente, é a consciência-de-si efetiva ou o etos. Inversamente, a consciência singular só é esse Uno essente porque em sua própria singularidade está cônscia da consciência universal, como de seu próprio ser: porque seu agir e seu ser aí são o etos universal.

350 - É na vida de um povo que o conceito tem de fato, a efetivação da razão consciente-de-si e sua realidade consumada: ao intuir, na independência do Outro, a perfeita unidade com ele; ou seja, ao ter por objeto, como meu ser-para-mim, essa livre coisidade de um outro, por mim descoberta - que é o negativo de mim mesmo.

A razão está presente como fluida substância universal, como imutável coisidade simples, que igualmente se refrata em múltiplas essências completamente independentes, como a luz nas estrelas, em seus inúmeros pontos rutilantes. Em seu absoluto ser-para-si, tais essências não só em si se dissolvem na substância independente simples, mas ainda são para si mesmas; cônscias de serem tais essências simples singulares, porque sacrificam sua singularidade e porque essa substância universal é sua alma e essência. Do mesmo modo, esse universal é, por sua vez, o agir dessas essências como singulares; ou a obra por elas produzida.

351 - O agir e o atarefar-se puramente singulares do indivíduo referem-se às necessidades que possui como ser-natural, quer dizer, como singularidade essente. Graças ao meio universal que sustem o indivíduo, graças à força de todo o povo, sucede que suas funções inferiores não sejam anuladas, mas tenham efetividade.

Na substância universal, porém, o indivíduo não só tem essa forma da subsistência de seu agir em geral, mas também seu conteúdo. O que ele faz, é o gênio universal, o etos de todos. Esse conteúdo, enquanto se singulariza completamente, está em sua efetividade encerrada nos limites do agir de todos. O trabalho do indivíduo para prover a suas necessidades, é tanto satisfação das necessidades alheias quanto das próprias; e o indivíduo só obtém a satisfação de suas necessidades mediante o trabalho dos outros.

Assim como o singular, em seu trabalho singular, já realiza inconscientemente um trabalho universal, assim também realiza agora o trabalho universal como seu objeto consciente: torna-se sua obra o todo como todo, pelo qual se sacrifica, e por isso mesmo dele se recebe de volta. Nada há aqui que não seja recíproco, nada em que a independência do indivíduo não se atribua sua significação positiva - a de ser para si - na dissolução de seu ser-para-si e na negação de si mesmo. Essa unidade do ser para outro - ou do fazer-se coisa - com o ser-para-si, essa substância universal fala sua linguagem universal nos costumes e nas leis de seu povo.

No entanto, essa imutável essência não é outra coisa que a expressão da individualidade singular que aparenta ser-lhe oposta. As leis exprimem o que cada indivíduo é e faz; o indivíduo não as conhece somente como sua coisidade objetiva universal, mas também nela se reconhece, ou: conhece-a como singularizada em sua própria individualidade, e na de cada um de seus concidadãos. Assim, no espírito universal, tem cada um a certeza de si mesmo - a certeza de não encontrar, na efetividade essente, outra coisa que a si mesmo. Cada um está tão certo dos outros quanto de si mesmo.

Vejo em todos eles que, para si mesmos, são apenas esta essência independente, como Eu sou. Neles vejo a livre unidade com os outros, de modo que essa unidade é através dos Outros como é através de mim.

Vejo-os como me vejo, e me vejo como os vejo.

352 - Por conseguinte, em um povo livre, a razão em verdade está efetivada: é o espírito vivo presente.

Nela, o indivíduo não apenas encontra sua determinação, isto é, sua essência universal e singular expressa e dada como coisidade, senão que ele mesmo é tal essência e alcançou também sua determinação. Por isso os homens mais sábios da Antiguidade fizeram esta máxima: que a sabedoria e a virtude consistem em viver de acordo com os costumes de seu povo.”

 

 

“365 - Essa passagem de seu ser vivo para a necessidade sem-vida se lhe manifesta, pois, como uma inversão, que por nada é mediatizada. O mediador deveria ser algo em que os dois lados fossem um só - portanto, a consciência que conhecesse um momento no outro: - seu fim e agir no destino, e seu destino no seu fim a agir; sua essência própria nessa necessidade. Porém essa unidade é para essa consciência justamente o prazer mesmo, ou o sentimento singular simples. A passagem do momento desse seu fim ao momento de sua essência verdadeira é para ela um puro salto no oposto, pois esses momentos não estão contidos e ligados no sentimento, mas só no puro Si, que é um universal ou o pensar.

Assim, por meio da experiência - em que sua verdade deveria vir-a-ser para ela - a consciência tomou-se, antes, um enigma para si mesma: as consequências de seus atos não são, para ela, atos seus; o que lhe acontece não é, para ela, a experiência do que é em si; a passagem não é uma simples mudança-de-forma do mesmo conteúdo e essência, ora representado como essência e conteúdo da consciência, ora como objeto ou essência intuída de si mesma. A necessidade abstrata vale portanto como potência da universalidade, uma potência apenas negativa e não-concebida, contra a qual a individualidade se despedaça.

366 - Até este ponto chega a manifestação dessa figura da consciência-de-si; o último momento de sua existência é o pensamento de sua perda na necessidade, ou o pensamento dela mesma como uma essência absolutamente estranha a si. A consciência-de-si porém sobreviveu, em si, a essa perda: pois essa necessidade ou a universalidade pura é sua essência própria. Essa reflexão da consciência sobre si mesma, que faz saber a necessidade como Si, é uma nova figura sua.”

 

 

“372 - (...) O indivíduo, através de seu ato, põe-se no elemento - melhor, como o elemento - universal da efetividade essente. Seu ato deve, até mesmo pelo sentido que lhe confere, ter o valor de uma ordem universal. Mas assim, o indivíduo libertou-se de si mesmo, cresce para si como universalidade, e se purifica da singularidade. O indivíduo - que só quer conhecer a universalidade sob a forma de seu imediato ser-para-si - não se reconhece nessa universalidade livre; e contudo, ao mesmo tempo, lhe pertence, pois ela é seu agir; agir que tem, pois, a significação pervertida de contradizer a ordem universal, já que seu ato deve ser ato de seu coração singular, e não efetividade universal livre. Mas, ao mesmo tempo, o indivíduo a reconheceu no ato, pois o agir tem o sentido de pôr sua essência como efetividade livre, quer dizer, reconhecer a efetividade como sua essência.

373 – Por meio do conceito de seu agir, o indivíduo determinou de maneira mais exata como é que se volta contra ele a universalidade efetiva - da qual ele se fez propriedade. Seu agir, como efetividade, pertence ao universal; mas seu conteúdo é a própria individualidade, querendo manter-se como este singular, oposto ao universal. Não se trata aqui do estabelecimento de qualquer lei determinada; porém a unidade imediata do coração singular com a universalidade, é o pensamento que deve valer e ser erigido em lei: "que todo coração deve reconhecer-se a si mesmo no que é lei".

Mas o coração deste indivíduo apenas pôs sua efetividade no seu ato, que exprime seu ser-para-si ou seu prazer. O ato deve valer imediatamente como universal, quer dizer, é na verdade algo particular: da universalidade tem apenas a forma; seu conteúdo particular deve, como tal, valer por universal. Por isso os outros não encontram realizada nesse conteúdo a lei de seu coração, e sim a de um outro. Ora, de acordo com a lei universal, justamente - de que "cada um deve encontrar seu coração no que é lei" -, voltam-se contra a efetividade que este indivíduo propunha, assim como ele se voltava contra a dos outros. Por conseguinte, o indivíduo, como antes abominava somente a lei rígida, agora acha os corações dos próprios homens, contrários a suas excelentes intenções e dignos de abominação.

374 - Para essa consciência, a natureza da efetivação e da eficiência lhe é desconhecida, porque só conhece a universalidade como imediata, e a necessidade como necessidade do coração. Não sabe que essa efetivação como essente é antes, em sua verdade, o universal em si - no qual some a singularidade da consciência que a ele se confia, para ser esta singularidade imediata. Portanto, em lugar desse Ser seu, o que ela consegue é a alienação de si mesma no ser.

Mas aquilo em que a consciência não se reconhece já não é a necessidade morta, e sim a necessidade enquanto vivificada por meio da individualidade universal. Essa ordem divina e humana, que encontrou vigente, a consciência a tomou por uma efetividade morta. Nela, não teriam consciência de si mesmos, não somente ela - que se fixa como este coração para si essente oposto ao universal -, mas também os outros que a tal ordem pertencem. Mas antes, ela encontra essa ordem vivificada pela consciência de todos, e como lei de todos os corações. Faz a experiência de que a efetividade é uma ordem vivificada; e isso justamente porque ao mesmo tempo torna efetiva a lei de seu coração. Isso significa apenas que a individualidade se torna para si objeto como universal; um objeto, aliás, em que não se reconhece.”

 

 

“Na primeira figura da razão ativa, a consciência de si era, para si, pura individualidade, e frente a ela se postava a universalidade vazia. Na segunda figura, cada uma das duas partes continha os dois momentos - lei e individualidade: uma das partes, o coração, era sua unidade imediata, e a outra, sua oposição. Aqui, na relação entre a virtude e o curso do mundo, os dois membros são, cada um, unidade e oposição desses momentos, ou seja, são um movimento da lei e da individualidade - um em relação ao outro, mas em sentido oposto.

Para a consciência da virtude, a lei é o essencial, enquanto a individualidade é o que deve ser suprassumido, tanto na sua consciência mesma quanto no curso do mundo. Nela, a individualidade própria deve disciplinar-se sob o universal, o verdadeiro e o bem em si. Porém, mesmo assim, fica ainda sendo consciência pessoal: a verdadeira disciplina é só o sacrifício da personalidade toda, como garantia de que a consciência de fato já não está presa a singularidades. Ao mesmo tempo, nesse sacrifício singular, é extirpada no curso-do-mundo a individualidade, por ser também um momento simples, comum aos dois termos.

A individualidade se comporta no curso do mundo de maneira inversa da que tinha na consciência virtuosa, a saber: ela se faz essência, e em contrapartida subordina a si o que em si é bom e verdadeiro. Além do que, para a virtude, o curso do mundo não é somente esse universal pervertido pela individualidade; mas a ordem absoluta é igualmente um momento comum aos dois termos; só que no curso do mundo não está presente, para a consciência como efetividade essente, mas é sua essência interior. Portanto, essa ordem não tem de ser produzida só pela virtude, já que o produzir, enquanto agir, é consciência da individualidade; a qual deve, antes, ser suprassumida. Porém com esse suprassumir, somente se dá espaço ao Em-si do curso do mundo, para que possa entrar na existência em si e para si.

382 - O conteúdo universal do efetivo curso do mundo já se deu a ver: examinado mais de perto, não é outra coisa que os dois movimentos anteriores da consciência de si. Deles brotou a figura da virtude; posto que são sua origem, elas os têm diante de si; porém empreende suprassumir sua origem, realizar-se ou vir a ser para si. O curso do mundo é, pois, de um lado, a individualidade singular que busca seu prazer e gozo; assim agindo, encontra sua ruína, e desse modo satisfaz o universal. Mas essa satisfação mesma - como aliás os outros momentos dessa relação - é uma figura e um movimento pervertidos do universal. A efetividade é somente a singularidade do prazer e do gozo, enquanto o universal é o seu oposto: uma necessidade que é apenas a figura vazia do universal, uma reação puramente negativa e um agir carente de conteúdo.

O outro momento do curso do mundo é o da individualidade que pretende ser lei em si e para si, e que nessa pretensão perturba a ordem estabelecida. Na verdade, a lei universal se mantém contra essa enfatuação, e não surge mais como algo oposto à consciência e vazio; nem como necessidade morta, mas sim como necessidade na consciência mesma. Porém essa lei universal, quando existe como relação consciente da efetividade absolutamente contraditória, é o desvario; e quando é como efetividade objetiva, então é a perversidade em geral. Portanto o universal se apresenta, decerto, nos dois lados, como a potência de seu movimento; mas a existência dessa potência é apenas a perversão universal.

383 - Agora deve o universal receber da virtude sua verdadeira efetividade, mediante o suprassumir da individualidade - do princípio da perversão. O fim da virtude é, pois, reverter de novo o curso pervertido do mundo, e trazer à luz sua verdadeira essência. Primeiro, essa essência verdadeira está no curso do mundo somente como seu Em si; não é ainda efetiva. Por isso a virtude nela crê, apenas. Procede a elevar essa fé ao contemplar, mas sem gozar dos frutos de seu trabalho e sacrifício. Com efeito: na medida em que a virtude é individualidade, ela é o agir da luta que trava com o curso do mundo; seu fim e sua verdadeira essência são o triunfo sobre a efetividade do curso do mundo: a existência assim efetuada do bem é desse modo a cessação de seu agir, ou da consciência da individualidade.”

 

 

“409 - (...) Assim a consciência reflete dessa maneira em si, a partir de sua obra efêmera, e afirma seu conceito e sua certeza como o essente e o permanente em contraste com a experiência da contingência do agir. Experimenta de fato seu conceito no qual a efetividade é só um momento: algo que é para a consciência, e não o em-si-e-para-si. Experimenta a efetividade como momento evanescente, que portanto só vale para a consciência como ser em geral, cuja universalidade é uma só e a mesma coisa com o agir.

Esta unidade é a obra verdadeira, e a obra verdadeira é a Coisa mesma, a qual pura e simplesmente se afirma e é experimentada como o que permanece, independente da Coisa que é a contingência do agir individual enquanto tal, das circunstâncias, do meio e da efetividade.

410 - A Coisa mesma só se opõe a esses momentos enquanto se supõe que devem ser válidos isoladamente, pois ela é essencialmente sua unidade, como interpenetração da efetividade e da individualidade. Sendo um agir - e como agir, puro agir em geral - é também, por isso mesmo, agir deste indivíduo. E sendo esse agir como ainda lhe pertencendo, em oposição à efetividade, isto é como fim, também é a passagem dessa determinidade à oposta: e enfim, é uma efetividade que está presente para a consciência.

A Coisa mesma exprime, pois, a essencialidade espiritual, em que todos esses momentos estão suprassumidos como válidos para si; nela, portanto, só valem como universais. Ali, a certeza de si mesma é para a consciência uma essência objetiva - uma Coisa, objeto engendrado pela consciência-de-si como seu, mas que nem por isso deixa de ser objeto livre e autêntico. A coisa da certeza sensível e da percepção tem agora, para a consciência-de-si, sua significação unicamente através dela: nisso reside a diferença entre uma coisa e a Coisa. Aqui se fará o percurso de um movimento correspondente ao da certeza sensível e da percepção.

411 - Por conseguinte, na Coisa mesma, enquanto interpenetração que se tornou objetiva da individualidade e da objetividade mesma, veio a ser para a consciência de si seu verdadeiro conceito de si, ou chegou à consciência de sua substância. Ao mesmo tempo a consciência de si, como é aqui, é a consciência de uma substância; consciência que recém veio a ser; é, portanto, imediata.

Essa é a maneira determinada como a essência espiritual aqui se faz presente, sem ter ainda completado seu desenvolvimento de substância verdadeiramente real. A Coisa mesma nessa consciência imediata da substância possui a forma de essência simples, que como universal contém em si seus diferentes momentos, aos quais pertence; mas também é de novo indiferente para com eles, enquanto momentos determinados; é livre para si e vale com esta Coisa mesma simples e abstrata: vale como a essência.

Os diferentes momentos da determinidade originária ou da Coisa deste indivíduo, de seu fim, dos meios, do próprio agir e da efetividade - são para essa consciência momentos singulares os quais pode deixar de lado e abandonar pela Coisa mesma; mas de outro lado, todos só têm por essência a Coisa mesma de modo que se encontre em cada um deles, como universal abstrato, e possa ser seu predicado. Ha mesma ainda não é o sujeito, pois como sujeito valem aqueles momentos por se situarem do lado da singularidade em geral, enquanto a Coisa mesma é por ora apenas o simplesmente Universal. Ela é o gênero que se encontra em todos esses momentos como em suas espécies, e é também livre em relação a eles.”

 

 

“418 - (...) A Coisa mesma não é somente uma Coisa oposta ao agir em geral e ao agir singular; nem um agir que se opusesse à subsistência e que fosse o gênero livre de seus momentos - que constituiriam as suas espécies. A Coisa mesma é uma essência cujo ser é o agir do indivíduo singular e de todos os indivíduos e cujo agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa, e que só é Coisa como agir de todos e de cada um. É a essência que é a essência de todas as essências: a essência espiritual.

A consciência experimenta que nenhum daqueles momentos é sujeito; mas que, ao contrário, se dissolvem na Coisa mesma universal. Os momentos da individualidade, que para essa consciência carente-de-pensamento valiam sucessivamente como sujeito, se agrupam na individualidade simples, que sendo esta, é ao mesmo tempo imediatamente universal. A Coisa mesma perde, assim, a condição de predicado e a determinidade de universal abstrato e sem-vida; ela é, antes: a substância impregnada pela individualidade; o sujeito, em que a individualidade está tanto como ela mesma, ou como esta, quanto como de todos os indivíduos; o universal, que só é um ser como este agir de todos e de cada um; uma efetividade, porque esta consciência a sabe como sua efetividade singular e como efetividade de todos.

A pura Coisa mesma é o que acima se determinava como categoria: o ser que é Eu, ou o Eu que é ser, mas como pensar que ainda se distingue da consciência-de-si efetiva. Porém os momentos da consciência-de-si efetiva - enquanto os denominamos conteúdo, fim, agir e efetividade seus - ou os chamamos sua forma e ser-para- si e ser para outro - se põem aqui como um só com a própria categoria simples; que é, portanto, ao mesmo tempo, todo conteúdo.”

 

 

“419 - A essência espiritual no seu ser simples é pura consciência e esta consciência-de-si. A natureza originariamente determinada do indivíduo perdeu seu significado positivo, de ser em-si o elemento e o fim de sua atividade: é apenas um momento suprassumido, e o indivíduo é um Si, como Si universal. Inversamente, a Coisa mesma formal tem sua implementação na individualidade agente que se diferencia em si mesma, pois suas diferenças constituem o conteúdo daquele universal. A categoria é em si, como o universal da pura consciência. E também para si, pois o Si da consciência é também um momento seu. A categoria é o ser absoluto, porquanto aquela universalidade é a simples igualdade-consigo-mesmo do ser.

420 - Assim, o que é objeto para a consciência tem a significação de ser o verdadeiro. O verdadeiro é e vale no sentido de ser, e de valer em-si e para si mesmo: é a Coisa absoluta que já não sofre a oposição entre a certeza e a verdade, entre o universal e o singular, entre o fim e sua realidade. Ao contrário; seu ser-aí é a efetividade e o agir da consciência-de-si; essa Coisa é portanto a substância ética, e sua consciência, consciência ética.

Seu objeto vale também para ela como o verdadeiro, porque reúne a consciência-de-si e o ser em uma unidade. Vale como o absoluto pois a consciência-de-si não pode nem quer mais ultrapassar este objeto, porque ali está junto a si mesma: não pode, porque ele é todo o seu ser e todo o seu poder; não quer, porque ele é o Si ou o querer desse Si. É o objeto real nele mesmo como objeto, por ter nele a diferença da consciência. Divide-se em "massas" que são as leis determinadas da essência absoluta. Porém são massas que não ofuscam o conceito, pois nele permanecem incluídos os momentos do ser e da pura consciência e do Si - uma unidade que constitui a essência dessas "massas", e que nessa diferença faz que os momentos não se separem mais um do outro.”

 

 

“437 - (...) As leis são. Se indago seu nascimento, e as limito ao ponto de sua origem, já passei além delas: pois então sou eu o universal, e elas, o condicionado e o limitado. Se devem legitimar-se dos olhos de minha inteligência, já pus em movimento seu ser em si, inabalável, e as considero como algo que para mim talvez seja verdadeiro, talvez não seja. Ora, a disposição ética consiste precisamente em ater-se firmemente ao que é justo, e em abster-se de tudo o que possa mover, abalar e desviar o justo.”

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