Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0772-1
Tradução: Paulo Meneses
Opinião: ★★★☆☆
“671 O espírito absoluto só entra no ser-aí
no ponto culminante, onde seu puro saber de si mesmo é a oposição e permuta
consigo mesmo. Sabendo que seu puro saber é a essência abstrata,
ele é esse dever que-sabe: em absoluta oposição com o saber que sabe ser ele
próprio a essência, como singularidade absoluta do Si. O primeiro saber é a
continuidade pura do universal: ele sabe que a individualidade, sabedora de si
como a essência, é o nulo, é o mal. Ao contrário, o segundo saber é a
discrição absoluta, que sabe a si mesma absoluta em seu puro Uno, e sabe aquele
universal como o inefetivo, como o que é só para Outros. Os dois lados
são refinados até essa pureza, onde neles não há mais nenhum ser-aí
carente-de-Si, nenhum negativo da consciência; mas um lado, o dever, é o
caráter - que permanece igual a si - do seu saber-de-si-mesmo; o outro lado é o
mal, que tem igualmente seu fim em seu ser-dentro-de-si, e sua
efetividade em seu discurso. O conteúdo desse discurso é a substância do seu
subsistir; o discurso é a asseveração da certeza do espírito dentro de si
mesmo.
Os dois espíritos certos de si mesmos não têm
outro fim que seu puro Si, nem outra realidade e ser-aí a não ser, justamente,
esse puro Si. Mas ainda são diversos; e a diversidade é a diversidade absoluta,
por estar posta no elemento do puro conceito. Aliás, não é uma diversidade só
para nós, senão para os conceitos mesmos que estão nessa oposição. Com efeito,
esses conceitos são na verdade reciprocamente determinados, mas ao mesmo
tempo universais em si, de sorte que enchem todo o âmbito do Si; e esse Si não
tem outro conteúdo senão sua determinidade, que nem vai além dele, nem é mais
restrita que ele. Pois uma das determinações, - o absolutamente universal, - é
tanto o puro saber-se-a-si-mesmo, quanto a outra é a absoluta discrição da
singularidade: e ambas são somente esse puro saber-se. As duas determinidades
são, assim, os conceitos puros que-sabem, cuja determinidade mesma é
imediatamente saber, ou cujo relacionamento e oposição é o Eu.
Por isso elas são, uma para a outra, esses absolutamente Opostos: é o
perfeitamente interior, que dessa maneira se contrapõe a si mesmo e
entra no ser-aí: as duas determinidades constituem o puro saber que
mediante essa oposição é posto como consciência. Mas não é ainda consciência-de-si:
obtém essa efetivação no movimento dessa oposição. Com efeito, essa
oposição é antes a continuidade indiscreta e igualdade do Eu =
Eu, e cada Eu para si, justamente se suprassume em si mesmo, por meio da
contradição de sua pura universalidade, que ao mesmo tempo ainda resiste à sua
igualdade com o outro, e dali se separa.
Mediante tal extrusão, esse saber cindido em
seu ser-aí retorna à unidade do Si; é o Eu efetivo, o saber universal de
si mesmo em seu Contrário absoluto, no saber essente-dentro-de-sí,
que devido à pureza de seu isolado ser-dentro-de-si é ele mesmo o perfeitamente
universal. O sim da reconciliação - no qual os dois Eu abdicam de seu ser-aí
oposto - é o ser-aí do Eu expandindo-se em dualidade, e que aí
permanece igual a si; e que em sua completa extrusão e em seu perfeito
contrário, tem a certeza de si mesmo: é o deus que se manifesta no meio
daqueles que se sabem como sendo o puro saber.”
“677 Na religião, o espírito sabedor de si
mesmo é imediatamente sua própria consciência-de-si pura. As figuras do
espírito que foram consideradas, [A] - o espírito verdadeiro, [B] - o espírito
alienado de si mesmo, e [C] - o espírito certo de si mesmo, - constituem, em
conjunto, o espírito em sua consciência o qual, confrontando-se ao seu
mundo, nele não se reconhece. Mas na boa-consciência, o espírito submete a si
tanto seu mundo objetivo em geral quanto também sua representação e seus
conceitos determinados; e é consciência-de-si essente junto de si. Nela o
espírito, representado como objeto, tem para si a significação de ser o
espírito universal, que em si contém toda a essência e toda a efetividade.
Contudo, o espírito não está na forma de livre efetividade ou da natureza que se
manifesta de modo independente.
Tem, sem dúvida, figura ou a forma do
ser, enquanto é objeto da sua consciência; mas como esta na religião
está posta na determinação essencial de ser consciência-de-si, é a figura
perfeitamente translúcida para si mesma; e a efetividade que o espírito contém
está nele encerrada - ou está suprassumida nele -justamente na maneira como
dizemos toda a efetividade: trata-se da efetividade universal pensada.
678 Assim, enquanto
na religião a determinação da consciência peculiar do espírito não tem a forma
do livre ser-outro, seu ser-aí distinto de sua consciência-de-si,
e sua efetividade peculiar incide fora da religião. É, na verdade, um só
o espírito de ambas, mas sua consciência não abarca a ambas de uma vez; - e a
religião aparece como uma parte do ser-aí, e do agir e ocupar-se - sendo sua
outra parte a vida em seu mundo efetivo.
Como nós agora sabemos que o espírito no seu
mundo, e o espírito consciente de si como espírito - ou o espírito na religião
- são o mesmo, a perfeição da religião consiste em que os dois espíritos se
tornem iguais um ao outro; não apenas que a efetividade seja compreendida pela
religião, mas inversamente, que o espírito - como espírito consciente de si -
se tome efetivo e objeto de sua consciência.
Na medida em que o espírito na religião se
representa para ele mesmo, ele é certamente consciência, e a efetividade
incluída na religião é a figura e a roupagem de sua representação. Mas nessa
representação não se atribui à efetividade seu pleno direito, - a saber, o
direito de não ser roupagem apenas, e sim um ser-aí livre independente.
Inversamente, por lhe faltar sua perfeição em si mesma, é uma figura determinada,
que não atinge o que deve apresentar: isto é, o espírito consciente de si
mesmo.”
“Portanto, se a religião é a perfeição do
espírito, ao qual seus momentos singulares - consciência, consciência-de-si,
razão e espírito - retornam e retornaram como ao seu fundamento,
eles em conjunto constituem a efetividade aí-essente do espírito
total, que é somente como o movimento que diferencia esses seus lados e
a si retorna. O vir-a-ser da religião em geral está contido no movimento
dos momentos universais.”
“681 (...) Sobre esse ponto precisa antes
fazer notar brevemente o indispensável. Na série considerada, cada momento
aprofundando-se em si mesmo se modelava, dentro de seu princípio peculiar, em
um todo; e o conhecer era a profundeza - ou o espírito - em que possuíam sua
substância os momentos que para si não tinham subsistência alguma.
No entanto, a partir de agora, essa
substância se fez patente: ela é a profundeza do espírito certo de si mesmo,
que não permite ao princípio singular isolar-se e fazer-se um todo dentro de si
mesmo: ao contrário, reunindo e mantendo juntos todos esses momentos dentro de si,
avança em toda essa riqueza de seu espírito efetivo, e todos os seus momentos
particulares tomam e recebem em comum dentro de si a igual determinidade do
todo. Esse espírito certo de si mesmo, e seu movimento, é sua verdadeira
efetividade e o ser em si e para si que a cada Singular corresponde.
Se assim a serie única até aqui
considerada, no seu desenrolar marcava nela com nós os retrocessos, mas
retomava desses nós a marcha única para a frente, agora é como se estivesse
quebrada nesses nós - os momentos universais, - e rompida em muitas linhas.
Essas linhas, reunidas em um único feixe, se juntam simetricamente, de modo que
coincidam as diferenças homólogas em que se moldou, dentro de si, cada linha
particular.
Aliás é por si mesmo evidente, do conjunto da
exposição, segundo a qual se há de entender aqui a coordenação das direções
gerais, que se torna supérfluo fazer a observação de que essas diferenças
essencialmente só devem ser tomadas como momentos do vir-a-ser, e não como
partes. No espírito efetivo, são atributos de sua substância; mas na religião
são antes somente predicados do sujeito. Igualmente, em si ou para
nós, certamente estão contidas todas as formas em geral no espírito e em
cada espírito; mas no que se refere à efetividade do espírito, só se importa
saber qual é, em sua consciência, a determinidade na qual ele exprime o
seu Si; ou em que figura o espírito sabe sua essência.
682 A distinção que
foi feita entre o espírito efetivo e o que se sabe como espírito, ou
entre si mesmo como consciência e como consciência-de-si, está suprassumida no
espírito que se sabe segundo sua verdade: sua consciência e sua
consciência-de-si estão igualadas. Como porém a religião é aqui somente imediata,
essa diferença ainda não retornou ao espírito. O que está posto é só o conceito
da religião; conceito em que a essência é a consciência-de-si, que é
para si toda a verdade e contém nessa verdade toda a efetividade. Essa
consciência-de-si tem, como consciência, a si mesma por objeto. O espírito, que
só se sabe imediatamente, é assim para si o espírito na forma da
imediatez; e a determinidade da figura em que aparece para si, é a do ser.”
“682 (...) Na verdade, esse ser não é preenchido
nem com a sensação nem com a matéria multiforme, nem com quaisquer outros
unilaterais momentos, fins e determinações; senão que é preenchido com o
espírito e é conhecido de si mesmo como sendo toda a verdade e efetividade. Tal
preenchimento, dessa maneira, não é igual à sua figura: o espírito,
como essência, não é igual à sua consciência. Só como espírito absoluto ele é
efetivo, enquanto para si está também em sua verdade, como está na certeza
de si mesmo, ou seja: os extremos em que se divide como consciência estão
um para o outro na figura-de-espírito.
A figuração, que o espírito assume como
objeto de sua consciência, fica preenchida pela certeza do espírito como pela
sua substância; mediante esse conteúdo desvanece o degradar-se do objeto na
pura objetividade, na forma da negatividade da consciência-de-si. A unidade
imediata do espírito consigo mesmo é a base, ou pura consciência, no interior
da qual a consciência se dissocia em sujeito e objeto. Dessa maneira
encerrado em sua pura consciência-de-si, o espírito não existe na religião como
o criador de uma natureza em gemi; mas o que produz nesse movimento são
suas figuras como espíritos, que em conjunto constituem a plenitude de sua
manifestação. Esse movimento mesmo é o vir-a-ser de sua completa efetividade,
através de seus lados singulares, ou seja, através de suas efetividades
incompletas.
683 A primeira efetividade do espírito é o conceito da religião mesma, ou a religião
como imediata, e, portento, natural; nela o espírito se sabe
como seu próprio objeto em figura natural ou imediata. Mas a segunda efetividade
é necessariamente aquela em que o espírito se sabe na figura da naturalidade
suprassumida, ou seja, na figura do Si. Assim, essa efetividade é a religião
da arte; pois a figura se eleva à forma do Si, por meio do produzir
da consciência, de modo que essa contempla em seu objeto o seu agir ou o
Si. A terceira efetividade, enfim, suprassume a unilateralidade das duas
primeiras: o Si é tanto um imediato quanto a imediatez é Si.
Se na primeira efetividade o espírito está, em geral, na forma da
consciência; na segunda, na forma da consciência-de-si; então na terceira está
na forma da unidade de ambas: tem a figura do ser-em-si-e-para-si; e
assim, enquanto está representado como é em si e para si, é a religião
revelada.
Mas embora o espírito certamente alcance na
religião revelada sua figura verdadeira, justamente sua figura mesma
e a representação ainda são o lado não-superado, do qual o espírito deve
passar ao conceito, para nele dissolver totalmente a forma da
objetividade: - nele que inclui dentro de si igualmente esse seu contrário. É
então que o espírito abarcou o conceito de si mesmo, como nós somente o
tínhamos inicialmente captado; e sua figura - ou o elemento de seu ser-aí -
enquanto é o conceito, é o espírito mesmo.”
“Mas essa diferença não está suprassumida já
pelo fato de que as figuras, que aquela consciência contém, tenham também nelas
o momento do Si, e o deus seja representado como consciência-de-si. O
Si representado não é o efetivo. Para que o Si, como qualquer
determinação mais precisa da figura, pertença na verdade a essa forma da
consciência de si, por uma parte deve ser posta nela mediante o agir da
consciência-de-si; por outra parte, a determinação inferior deve mostrar-se
suprassumida e conceituada pela determinação superior. Com efeito, o
representado só deixa de ser representado e de ser estranho a seu saber, quando
o Si o produziu, e assim contempla a determinação do objeto como a sua determinação;
- portanto, se contempla no objeto.”
Por meio dessa atividade, a determinação
inferior ao mesmo tempo se desvaneceu; porque o agir é o negativo, que se
realiza às custas de um outro. Na medida em que a determinação inferior ainda
ocorre, é que se retirou para a inessencialidade; assim como, inversamente,
onde a inferior ainda predomina, e contudo a superior também ocorre, uma
determinação carente de si ocupa o lugar junto da outra. Quando, pois, as
diversas representações, dentro de uma religião singular, apresentam na verdade
o movimento completo de suas formas, o caráter de cada uma é determinado pela
unidade peculiar da consciência e da consciência de si; isto é, porque a
consciência de si abarca dentro de si a determinação do objeto da consciência,
ela através do seu agir se apropria completamente dessa determinação, e a sabe
como a essencial, em contraste com as outras determinações.”
“700 Se indagamos por conseguinte qual é o
espírito efetivo que na religião da arte tem a consciência de sua
essência absoluta, resulta que é o espírito ético ou o espírito verdadeiro.
Ele não é só a substância universal de todos os Singulares; mas enquanto
esta tem para a consciência efetiva a figura da consciência, isso significa que
a substância, que tem individualização, é conhecida pelos Singulares como sendo
sua própria essência e obra. A substância não é desse modo, para eles, a
luminosidade, em cuja unidade o ser-para-si da consciência-de-si só está
contido negativamente, só de maneira transitória, e nela contempla o senhor de
sua efetividade; nem é o incessante entredevorar-se de povos que se odeiam; nem
sua subjugação a um sistema de castas, constituindo em conjunto a aparência da
organização de um todo perfeito, mas a que falta a liberdade universal dos
indivíduos. Ao contrário, esse espírito ético é o povo livre, no qual os
costumes constituem a substância de todos, e cuja efetividade e ser-aí, todo e
cada Singular sabe como sua vontade e seu ato.
701 No entanto, a
religião do espírito ético é a elevação desse espírito por sobre sua
efetividade, o retornar desde sua verdade ao puro saber de si mesmo. Enquanto
o povo ético vive na imediata unidade com sua substância, e não tem nele o
princípio da singularidade pura da consciência-de-si, sua religião só aparece
em sua perfeição no separar-se de sua subsistência. Com efeito, a
efetividade da substância ética repousa, por um lado, em sua tranquila imutabilidade,
em contraste com o movimento absoluto da consciência-de-si; e por isso, no
fato de que esta ainda não retornou a si de seus costumes imperturbados, e de sua
sólida confiança. Por outro lado, na organização da consciência-de-si repousa
em uma pluralidade de direitos e deveres, como também na repartição nas massas
dos estamentos, e do agir particular deles que coopera para formar o todo. Por
isso a substância ética repousa em que o Singular esteja satisfeito com a
limitação de seu ser-aí, e ainda não tenha captado o pensamento sem-limites de
seu livre Si. Mas aquela tranquila confiança imediata da substância
retrocede à confiança em si e à certeza de si mesmo. E a
pluralidade de direitos e deveres, assim como o agir limitado, são o mesmo
movimento dialético do ético que a pluralidade das coisas e de suas
determinações. E um movimento que só encontra sua quietude e estabilidade na
simplicidade do espírito certo de si.
A consumação da eticidade ao converter-se na
livre-consciência-de-si, e o destino do mundo ético são, portanto, a
individualidade que se adentrou em si, a absoluta leveza do espírito ético, que
dissolve dentro de si todas as diferenças fixas de sua subsistência, e as
massas de sua articulação orgânica; espírito que plenamente seguro de si chegou
à alegria sem-limites e ao mais livre gozo de si mesmo. Essa certeza simples do
espírito dentro de si é algo ambíguo, por ser tanto calma subsistência e verdade
firme, quanto inquietude absoluta e o perecer da eticidade. Mas é nessa última
alternativa que ela se converte, pois a verdade do espírito ético ainda é,
somente, essa substancial essência e confiança, na qual o Si não se sabe como
singularidade livre, e que assim perece nessa interioridade - ou no libertar-se
- do Si.
Assim, ao romper-se a confiança, ao
quebrar-se por dentro a substância do povo, o espírito, que era o meio-termo
dos extremos inconsistentes, passa agora para o extremo da consciência-de-si
que se apreende como essência. Essa consciência-de-si é o espírito certo dentro
de si, que chora a perda de seu mundo; e agora, da pureza do Si, produz sua
essência, elevada acima da efetividade.”
“A essência do deus é aliás a unidade
do ser-aí universal da natureza e do espírito consciente-de-si, que em sua
efetividade se manifesta contrapondo-se ao primeiro. Ao mesmo tempo, é antes de
tudo uma figura singular; seu ser-aí é um dos elementos na natureza, como sua
efetividade consciente-de-si é um singular espírito-de-pouo. Mas o
ser-aí universal da natureza é nessa unidade o elemento refletido no espírito,
a natureza transfigurada pelo pensamento, unida com a vida consciente-de-si. A
figura dos deuses tem, pois, o seu elemento-de-natureza como um elemento
suprassumido, como uma obscura reminiscência dentro dela. A essência caótica e
a luta confusa do livre ser-aí dos elementos - o reino a-ético dos Titãs - são
vencidos e expulsos para a orla da efetividade que se tomou clara a si mesma,
para os turvos confins do mundo que no espírito se encontra e se acalma.
Essas divindades antigas, em que primeiro se
particulariza a luminosidade acasalando-se com as trevas, - o Céu, a Terra, o
Oceano, o Sol, o Fogo cego e tifônico da Terra, etc, - são suplantadas por figuras
que nelas ainda possuem apenas o eco apagado que recorda aqueles Titãs; mas já
não são essências-da-natureza, e sim claros espíritos éticos dos povos
conscientes-de-si mesmos.
708 Assim, essa
figura simples aboliu em si e recolheu, na individualidade tranquila, a
inquietude da singularização infinita: tanto da figura enquanto elemento da
natureza - o qual só se comporta de modo necessário como essência universal,
mas se comporta de modo contingente em seu ser-aí e movimento - quanto dela
enquanto povo que, disperso nas massas particulares do agir e nos pontos
individuais da consciência-de-si, tem um ser-aí multiforme de sentido e de
agir. Portanto, o momento da inquietude se contrapõe a essa individualidade
tranquila: a ela - que é a essência - se contrapõe a consciência-de-si
que, como lugar de nascimento da mesma, nada reteve para si senão o fato de
ser atividade pura.”
“710 (...) Assim o deus, que tem a linguagem
por elemento de sua figura, é a obra de arte nela mesma inspirada, que tem
imediatamente dentro de seu ser-aí a pura atividade que se lhe contrapunha; - a
ele que existia como coisa. Ou seja, a consciência-de-si permanece
imediatamente junto a si no objetivar-se de sua essência. Estando assim, dentro
de sua essência, junto a si mesma, é puro pensar; ou é a devoção cuja interioridade
tem ao mesmo tempo seu ser-aí no hino. O hino conserva dentro dele a
singularidade da consciência-de-si; e essa singularidade, ao ser escutada, é-aí
ao mesmo tempo como universal. A devoção, que em todos se acende, é a
correnteza espiritual, que na multiplicidade das consciências-de-si é cônscia
de si como de um igual agir de todos, e como de um ser simples. O espírito,
como essa consciência-de-si universal de todos, tem em uma unidade sua
pura interioridade, como também o ser para Outros e o ser-para-si dos
Singulares.
711 Essa linguagem se
distingue de uma outra linguagem do deus que não é a linguagem da consciência
universal. O oráculo, seja do deus da religião-da-arte, seja do deus das
religiões anteriores, é a sua primeira linguagem necessária. Com efeito, reside
em seu conceito que o deus é tanto a essência da natureza quanto a do
espírito, e portanto tem um ser-aí não só natural, mas também espiritual. Na
medida em que esse momento reside somente em seu conceito e ainda não
está realizado na religião, a linguagem para a consciência-de-si religiosa é
linguagem de uma consciência-de-si estranha. A consciência-de-si alheia
à sua comunidade ainda não é-aí, tal como o exige seu conceito. O Si é o
ser-para-si simples, e por isso é pura e simplesmente ser-para-si universal,
mas aquele, que se separou da consciência-de-si da comunidade, é apenas um
Si singular.
O conteúdo dessa linguagem própria e singular
resulta da universal determinidade, em que o espírito absoluto é posto em sua
religião em geral. Assim o espírito universal do raiar-do-sol, que ainda não
particularizou seu ser-aí, enuncia sobre a essência proposições igualmente
simples e universais, cujo conteúdo substancial é sublime em sua verdade
simples; mas graças a essa universalidade, parece ao mesmo tempo trivial para a
consciência-de-si que se desenvolve ainda mais.
712 O Si mais
amplamente cultivado, que se eleva ao ser-para-si, é o senhor que impera
sobre o puro pathos da substância, sobre a objetividade da luminosidade do sol
nascente. E sabe aquela simplicidade da verdade como o em-si-essente, que
não tem a forma do ser-aí contingente por meio de uma linguagem estranha;
sabe-a, ao contrário como a lei segura e não escrita dos deuses, que vive
eternamente, e da qual ninguém sabe quando apareceu. [Sófocles, ANTÍGONA].
Como a verdade universal, que foi revelada
pela luminosidade, aqui se retirou ao interior ou ao mundo inferior, e por isso
se subtraiu à forma do fenômeno contingente, assim ao contrário na religião-da-arte
- porque a figura do deus assumiu a consciência e com isso a singularidade em
geral - a linguagem própria do deus, que é o espírito do povo ético, é o
oráculo, o qual conhece a situação particular desse povo e dá a conhecer o que
é útil a respeito. Contudo, as verdades universais por serem conhecidas como o em-si-essente,
reivindica-as para si o pensar que-sabe, e a linguagem delas não lhe
é mais uma linguagem estranha, mas a sua própria.”
“758 (...) A consciência então não sai do seu interior, do pensamento,
concluindo dentro de si o pensamento de Deus juntamente com o ser-aí; ao
contrário, sai do ser-aí presente imediato, e reconhece a Deus nele. ”
“Essa unidade do ser e essência, do pensar
que é imediatamente ser-aí, - do mesmo modo que ela é o pensamento
dessa consciência religiosa ou seu saber mediatizado, assim também é
seu saber imediato. Com efeito, essa unidade do ser e pensar é a
consciência-de-si, e ela mesma é-aí; ou seja, a unidade pensada tem
ao mesmo tempo essa figura do que ela é.
Deus é assim revelado aqui como ele
é: ele é aí assim como ele é em si; ele é-aí como espírito. Deus só
é acessível no puro saber especulativo, e é somente nesse saber; e só é esse
saber mesmo, porque Deus é o espírito, e esse saber especulativo é o saber da
religião revelada. Um saber que sabe Deus como pensar, ou pura essência,
e esse pensar como ser e como ser-aí, e o ser-aí como a negatividade de si
mesmo; por isso, como Si - este Si, e Si universal. É justamente isso o que
sabe a religião revelada.
As esperanças e expectativas do mundo
precedente impeliam somente a esta revelação: a contemplar o que é a essência
absoluta, e a encontrar-se nela a si mesmo. Essa alegria vem-a-ser para a
consciência-de-si, e abrange o mundo inteiro para se contemplar na essência
absoluta, pois ela é espírito, - é o movimento simples desses momentos puros,
que exprime isto mesmo: que a essência é sabida como espírito somente quando é
contemplada como consciência-de-si imediata.
762 Esse conceito do
espírito que sabe a si mesmo como espírito, é ele mesmo o conceito imediato, e
ainda não desenvolvido. A essência é espírito, ou seja, é aparecida, é
revelada. Esse primeiro ser revelado é, por sua vez, imediato; ora, a
imediatez é igualmente mediação pura ou pensar; logo, deve apresentar isso nela
mesma, como tal.
Considerando este ponto mais precisamente: o
espírito, na imediatez da consciência-de-si, é esta consciência-de-si singular
oposta à universal; é Uno exclusivo que tem a forma, ainda não
dissolvida, de um Outro sensível para a consciência para a qual é-aí.
Esse Outro não sabe ainda o espírito como sendo o seu, ou seja: o espírito,
enquanto é este Si singular, ainda não é-aí igualmente como Si
universal, como todo Si. Em outras palavras, a figura não tem ainda a forma do conceito,
isto é, do Si universal, do Si que em sua imediata efetividade é também Si
suprassumido, é pensar, é universalidade, sem perder na universalidade a
efetividade.
No entanto, a forma mais próxima - e ela
mesma imediata - dessa universalidade já não é a forma do pensar mesmo, do
conceito como conceito, mas a universalidade da efetividade, a todidade dos
Si, e a promoção do ser-aí à representação. Como sempre, e para aduzir um
exemplo determinado, o isto sensível suprassumido é primeiro a coisa da percepção;
não ainda o universal do entendimento.
763 Este homem
singular portanto, como o homem que a essência absoluta se revelou ser, consuma
nele enquanto Singular o movimento do ser sensível. Ele é o Deus imediatamente
presente: assim, o seu ser passou para o ter sido. A
consciência, para a qual ele tem essa presença sensível, deixa de vê-lo, de
ouvi-lo; ela o tinha visto e ouvido, - e só porque o tinha visto
e ouvido, torna-se ela mesma consciência espiritual. Ou seja: como antes ele
nasceu para ela como ser-aí sensível, agora nasce no espírito.
Com efeito, como uma consciência que o vê e
ouve sensivelmente, ela mesma é apenas consciência imediata, que não
suprassumiu a desigualdade da objetividade, nem a recuperou no puro pensar,
senão que sabe como o espírito este Singular objetivo, mas não a si mesma. No
desvanecer do ser-aí imediato do que é conhecido como essência absoluta, o
imediato recebe seu momento negativo; o espírito permanece o Si imediato da
efetividade, mas como a consciência-de-si universal da comunidade;
consciência-de-si que em sua própria substância repousa, assim como esta é
sujeito universal na consciência-de-si. O que constitui o todo completo desse
espírito não é o Singular só, mas sim o Singular junto com a consciência da
comunidade e o que ele é para a comunidade.”
“766 (...) O espírito absoluto é conteúdo:
assim é, na figura de sua verdade. Ora, sua verdade é não apenas ser
a substância da comunidade ou o em-si da mesma, nem ainda somente sair
dessa inferioridade para a objetividade do representar; - mas é tornar-se o Si
efetivo, refletir-se dentro de si, e ser sujeito. É isso portanto o movimento
que desempenha em sua comunidade, ou seja: é isso a sua vida.
O que seja em si e para si esse espírito
que se revela, não se patenteia por desembaraçar, de algum modo, sua rica vida
na comunidade, ou por se reduzir a seu fio primitivo, - por exemplo, às
representações da comunidade primitiva imperfeita, ou mesmo ao que o homem
efetivo tenha dito. Na base dessa volta-às-origens reside o instinto de ir ao
conceito; mas ela confunde a origem, como o ser-aí imediato da primeira
manifestação, com a simplicidade do conceito. Devido a esse
empobrecimento da vida do espírito, devido a esse remover da representação da
comunidade e de seu agir sobre sua representação, surge pois, em vez do
conceito, antes a mera exterioridade e singularidade, a maneira histórica da
revelação imediata, e a recordação, carente-de-espírito, de uma figura singular
Visada e de seu passado.
767 O espírito é
conteúdo de sua consciência, inicialmente na forma da substância pura; ou,
é conteúdo de sua consciência pura. Esse elemento do pensar é o movimento que
desce ao ser-aí ou à singularidade. O meio termo entre eles é sua união
sintética, - a consciência do tornar-se-Outro, ou o representar como tal.
O terceiro termo é o retorno a partir da
representação e do ser-outro, ou o elemento da consciência-de-si mesma. Esses
três momentos constituem o espírito: seu dissociar-se dentro da
representação consiste em serem de uma maneira determinada; mas essa
determinidade não é outra coisa que um dos seus momentos. Seu movimento
desenvolvido é, pois, o movimento de expandir sua natureza em cada um de seus
momentos, como em um elemento: e enquanto cada um desses círculos se completa
dentro de si, essa sua pura reflexão-dentro-de-si é, ao mesmo tempo, a passagem
para o outro círculo.
A representação constitui o meio-termo
entre o puro pensar e a consciência-de-si como tal, e é somente uma das
determinidades. Mas, ao mesmo tempo, como se mostrou, seu caráter de ser a
união sintética se estende por todos esses elementos, e é sua determinidade
comum.”
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