sábado, 5 de setembro de 2020

Fenomenologia do Espírito (Volume 2, Parte III), de G. W. F. Hegel

Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0772-1
Tradução: Paulo Meneses
Opinião: ★★★☆☆
Sinopse: Ver Parte I

“671 O espírito absoluto só entra no ser-aí no ponto culminante, onde seu puro saber de si mesmo é a oposição e permuta consigo mesmo. Sabendo que seu puro saber é a essência abstrata, ele é esse dever que-sabe: em absoluta oposição com o saber que sabe ser ele próprio a essência, como singularidade absoluta do Si. O primeiro saber é a continuidade pura do universal: ele sabe que a individualidade, sabedora de si como a essência, é o nulo, é o mal. Ao contrário, o segundo saber é a discrição absoluta, que sabe a si mesma absoluta em seu puro Uno, e sabe aquele universal como o inefetivo, como o que é só para Outros. Os dois lados são refinados até essa pureza, onde neles não há mais nenhum ser-aí carente-de-Si, nenhum negativo da consciência; mas um lado, o dever, é o caráter - que permanece igual a si - do seu saber-de-si-mesmo; o outro lado é o mal, que tem igualmente seu fim em seu ser-dentro-de-si, e sua efetividade em seu discurso. O conteúdo desse discurso é a substância do seu subsistir; o discurso é a asseveração da certeza do espírito dentro de si mesmo.
Os dois espíritos certos de si mesmos não têm outro fim que seu puro Si, nem outra realidade e ser-aí a não ser, justamente, esse puro Si. Mas ainda são diversos; e a diversidade é a diversidade absoluta, por estar posta no elemento do puro conceito. Aliás, não é uma diversidade só para nós, senão para os conceitos mesmos que estão nessa oposição. Com efeito, esses conceitos são na verdade reciprocamente determinados, mas ao mesmo tempo universais em si, de sorte que enchem todo o âmbito do Si; e esse Si não tem outro conteúdo senão sua determinidade, que nem vai além dele, nem é mais restrita que ele. Pois uma das determinações, - o absolutamente universal, - é tanto o puro saber-se-a-si-mesmo, quanto a outra é a absoluta discrição da singularidade: e ambas são somente esse puro saber-se. As duas determinidades são, assim, os conceitos puros que-sabem, cuja determinidade mesma é imediatamente saber, ou cujo relacionamento e oposição é o Eu. Por isso elas são, uma para a outra, esses absolutamente Opostos: é o perfeitamente interior, que dessa maneira se contrapõe a si mesmo e entra no ser-aí: as duas determinidades constituem o puro saber que mediante essa oposição é posto como consciência. Mas não é ainda consciência-de-si: obtém essa efetivação no movimento dessa oposição. Com efeito, essa oposição é antes a continuidade indiscreta e igualdade do Eu = Eu, e cada Eu para si, justamente se suprassume em si mesmo, por meio da contradição de sua pura universalidade, que ao mesmo tempo ainda resiste à sua igualdade com o outro, e dali se separa.
Mediante tal extrusão, esse saber cindido em seu ser-aí retorna à unidade do Si; é o Eu efetivo, o saber universal de si mesmo em seu Contrário absoluto, no saber essente-dentro-de-sí, que devido à pureza de seu isolado ser-dentro-de-si é ele mesmo o perfeitamente universal. O sim da reconciliação - no qual os dois Eu abdicam de seu ser-aí oposto - é o ser-aí do Eu expandindo-se em dualidade, e que aí permanece igual a si; e que em sua completa extrusão e em seu perfeito contrário, tem a certeza de si mesmo: é o deus que se manifesta no meio daqueles que se sabem como sendo o puro saber.”


“677 Na religião, o espírito sabedor de si mesmo é imediatamente sua própria consciência-de-si pura. As figuras do espírito que foram consideradas, [A] - o espírito verdadeiro, [B] - o espírito alienado de si mesmo, e [C] - o espírito certo de si mesmo, - constituem, em conjunto, o espírito em sua consciência o qual, confrontando-se ao seu mundo, nele não se reconhece. Mas na boa-consciência, o espírito submete a si tanto seu mundo objetivo em geral quanto também sua representação e seus conceitos determinados; e é consciência-de-si essente junto de si. Nela o espírito, representado como objeto, tem para si a significação de ser o espírito universal, que em si contém toda a essência e toda a efetividade. Contudo, o espírito não está na forma de livre efetividade ou da natureza que se manifesta de modo independente.
Tem, sem dúvida, figura ou a forma do ser, enquanto é objeto da sua consciência; mas como esta na religião está posta na determinação essencial de ser consciência-de-si, é a figura perfeitamente translúcida para si mesma; e a efetividade que o espírito contém está nele encerrada - ou está suprassumida nele -justamente na maneira como dizemos toda a efetividade: trata-se da efetividade universal pensada.
678 Assim, enquanto na religião a determinação da consciência peculiar do espírito não tem a forma do livre ser-outro, seu ser-aí distinto de sua consciência-de-si, e sua efetividade peculiar incide fora da religião. É, na verdade, um só o espírito de ambas, mas sua consciência não abarca a ambas de uma vez; - e a religião aparece como uma parte do ser-aí, e do agir e ocupar-se - sendo sua outra parte a vida em seu mundo efetivo.
Como nós agora sabemos que o espírito no seu mundo, e o espírito consciente de si como espírito - ou o espírito na religião - são o mesmo, a perfeição da religião consiste em que os dois espíritos se tornem iguais um ao outro; não apenas que a efetividade seja compreendida pela religião, mas inversamente, que o espírito - como espírito consciente de si - se tome efetivo e objeto de sua consciência.
Na medida em que o espírito na religião se representa para ele mesmo, ele é certamente consciência, e a efetividade incluída na religião é a figura e a roupagem de sua representação. Mas nessa representação não se atribui à efetividade seu pleno direito, - a saber, o direito de não ser roupagem apenas, e sim um ser-aí livre independente. Inversamente, por lhe faltar sua perfeição em si mesma, é uma figura determinada, que não atinge o que deve apresentar: isto é, o espírito consciente de si mesmo.”


“Portanto, se a religião é a perfeição do espírito, ao qual seus momentos singulares - consciência, consciência-de-si, razão e espírito - retornam e retornaram como ao seu fundamento, eles em conjunto constituem a efetividade aí-essente do espírito total, que é somente como o movimento que diferencia esses seus lados e a si retorna. O vir-a-ser da religião em geral está contido no movimento dos momentos universais.”


“681 (...) Sobre esse ponto precisa antes fazer notar brevemente o indispensável. Na série considerada, cada momento aprofundando-se em si mesmo se modelava, dentro de seu princípio peculiar, em um todo; e o conhecer era a profundeza - ou o espírito - em que possuíam sua substância os momentos que para si não tinham subsistência alguma.
No entanto, a partir de agora, essa substância se fez patente: ela é a profundeza do espírito certo de si mesmo, que não permite ao princípio singular isolar-se e fazer-se um todo dentro de si mesmo: ao contrário, reunindo e mantendo juntos todos esses momentos dentro de si, avança em toda essa riqueza de seu espírito efetivo, e todos os seus momentos particulares tomam e recebem em comum dentro de si a igual determinidade do todo. Esse espírito certo de si mesmo, e seu movimento, é sua verdadeira efetividade e o ser em si e para si que a cada Singular corresponde.
Se assim a serie única até aqui considerada, no seu desenrolar marcava nela com nós os retrocessos, mas retomava desses nós a marcha única para a frente, agora é como se estivesse quebrada nesses nós - os momentos universais, - e rompida em muitas linhas. Essas linhas, reunidas em um único feixe, se juntam simetricamente, de modo que coincidam as diferenças homólogas em que se moldou, dentro de si, cada linha particular.
Aliás é por si mesmo evidente, do conjunto da exposição, segundo a qual se há de entender aqui a coordenação das direções gerais, que se torna supérfluo fazer a observação de que essas diferenças essencialmente só devem ser tomadas como momentos do vir-a-ser, e não como partes. No espírito efetivo, são atributos de sua substância; mas na religião são antes somente predicados do sujeito. Igualmente, em si ou para nós, certamente estão contidas todas as formas em geral no espírito e em cada espírito; mas no que se refere à efetividade do espírito, só se importa saber qual é, em sua consciência, a determinidade na qual ele exprime o seu Si; ou em que figura o espírito sabe sua essência.
682 A distinção que foi feita entre o espírito efetivo e o que se sabe como espírito, ou entre si mesmo como consciência e como consciência-de-si, está suprassumida no espírito que se sabe segundo sua verdade: sua consciência e sua consciência-de-si estão igualadas. Como porém a religião é aqui somente imediata, essa diferença ainda não retornou ao espírito. O que está posto é só o conceito da religião; conceito em que a essência é a consciência-de-si, que é para si toda a verdade e contém nessa verdade toda a efetividade. Essa consciência-de-si tem, como consciência, a si mesma por objeto. O espírito, que só se sabe imediatamente, é assim para si o espírito na forma da imediatez; e a determinidade da figura em que aparece para si, é a do ser.


“682 (...) Na verdade, esse ser não é preenchido nem com a sensação nem com a matéria multiforme, nem com quaisquer outros unilaterais momentos, fins e determinações; senão que é preenchido com o espírito e é conhecido de si mesmo como sendo toda a verdade e efetividade. Tal preenchimento, dessa maneira, não é igual à sua figura: o espírito, como essência, não é igual à sua consciência. Só como espírito absoluto ele é efetivo, enquanto para si está também em sua verdade, como está na certeza de si mesmo, ou seja: os extremos em que se divide como consciência estão um para o outro na figura-de-espírito.
A figuração, que o espírito assume como objeto de sua consciência, fica preenchida pela certeza do espírito como pela sua substância; mediante esse conteúdo desvanece o degradar-se do objeto na pura objetividade, na forma da negatividade da consciência-de-si. A unidade imediata do espírito consigo mesmo é a base, ou pura consciência, no interior da qual a consciência se dissocia em sujeito e objeto. Dessa maneira encerrado em sua pura consciência-de-si, o espírito não existe na religião como o criador de uma natureza em gemi; mas o que produz nesse movimento são suas figuras como espíritos, que em conjunto constituem a plenitude de sua manifestação. Esse movimento mesmo é o vir-a-ser de sua completa efetividade, através de seus lados singulares, ou seja, através de suas efetividades incompletas.
683 A primeira efetividade do espírito é o conceito da religião mesma, ou a religião como imediata, e, portento, natural; nela o espírito se sabe como seu próprio objeto em figura natural ou imediata. Mas a segunda efetividade é necessariamente aquela em que o espírito se sabe na figura da naturalidade suprassumida, ou seja, na figura do Si. Assim, essa efetividade é a religião da arte; pois a figura se eleva à forma do Si, por meio do produzir da consciência, de modo que essa contempla em seu objeto o seu agir ou o Si. A terceira efetividade, enfim, suprassume a unilateralidade das duas primeiras: o Si é tanto um imediato quanto a imediatez é Si. Se na primeira efetividade o espírito está, em geral, na forma da consciência; na segunda, na forma da consciência-de-si; então na terceira está na forma da unidade de ambas: tem a figura do ser-em-si-e-para-si; e assim, enquanto está representado como é em si e para si, é a religião revelada.
Mas embora o espírito certamente alcance na religião revelada sua figura verdadeira, justamente sua figura mesma e a representação ainda são o lado não-superado, do qual o espírito deve passar ao conceito, para nele dissolver totalmente a forma da objetividade: - nele que inclui dentro de si igualmente esse seu contrário. É então que o espírito abarcou o conceito de si mesmo, como nós somente o tínhamos inicialmente captado; e sua figura - ou o elemento de seu ser-aí - enquanto é o conceito, é o espírito mesmo.”


“Mas essa diferença não está suprassumida já pelo fato de que as figuras, que aquela consciência contém, tenham também nelas o momento do Si, e o deus seja representado como consciência-de-si. O Si representado não é o efetivo. Para que o Si, como qualquer determinação mais precisa da figura, pertença na verdade a essa forma da consciência de si, por uma parte deve ser posta nela mediante o agir da consciência-de-si; por outra parte, a determinação inferior deve mostrar-se suprassumida e conceituada pela determinação superior. Com efeito, o representado só deixa de ser representado e de ser estranho a seu saber, quando o Si o produziu, e assim contempla a determinação do objeto como a sua determinação; - portanto, se contempla no objeto.”
Por meio dessa atividade, a determinação inferior ao mesmo tempo se desvaneceu; porque o agir é o negativo, que se realiza às custas de um outro. Na medida em que a determinação inferior ainda ocorre, é que se retirou para a inessencialidade; assim como, inversamente, onde a inferior ainda predomina, e contudo a superior também ocorre, uma determinação carente de si ocupa o lugar junto da outra. Quando, pois, as diversas representações, dentro de uma religião singular, apresentam na verdade o movimento completo de suas formas, o caráter de cada uma é determinado pela unidade peculiar da consciência e da consciência de si; isto é, porque a consciência de si abarca dentro de si a determinação do objeto da consciência, ela através do seu agir se apropria completamente dessa determinação, e a sabe como a essencial, em contraste com as outras determinações.”


“700 Se indagamos por conseguinte qual é o espírito efetivo que na religião da arte tem a consciência de sua essência absoluta, resulta que é o espírito ético ou o espírito verdadeiro. Ele não é só a substância universal de todos os Singulares; mas enquanto esta tem para a consciência efetiva a figura da consciência, isso significa que a substância, que tem individualização, é conhecida pelos Singulares como sendo sua própria essência e obra. A substância não é desse modo, para eles, a luminosidade, em cuja unidade o ser-para-si da consciência-de-si só está contido negativamente, só de maneira transitória, e nela contempla o senhor de sua efetividade; nem é o incessante entredevorar-se de povos que se odeiam; nem sua subjugação a um sistema de castas, constituindo em conjunto a aparência da organização de um todo perfeito, mas a que falta a liberdade universal dos indivíduos. Ao contrário, esse espírito ético é o povo livre, no qual os costumes constituem a substância de todos, e cuja efetividade e ser-aí, todo e cada Singular sabe como sua vontade e seu ato.
701 No entanto, a religião do espírito ético é a elevação desse espírito por sobre sua efetividade, o retornar desde sua verdade ao puro saber de si mesmo. Enquanto o povo ético vive na imediata unidade com sua substância, e não tem nele o princípio da singularidade pura da consciência-de-si, sua religião só aparece em sua perfeição no separar-se de sua subsistência. Com efeito, a efetividade da substância ética repousa, por um lado, em sua tranquila imutabilidade, em contraste com o movimento absoluto da consciência-de-si; e por isso, no fato de que esta ainda não retornou a si de seus costumes imperturbados, e de sua sólida confiança. Por outro lado, na organização da consciência-de-si repousa em uma pluralidade de direitos e deveres, como também na repartição nas massas dos estamentos, e do agir particular deles que coopera para formar o todo. Por isso a substância ética repousa em que o Singular esteja satisfeito com a limitação de seu ser-aí, e ainda não tenha captado o pensamento sem-limites de seu livre Si. Mas aquela tranquila confiança imediata da substância retrocede à confiança em si e à certeza de si mesmo. E a pluralidade de direitos e deveres, assim como o agir limitado, são o mesmo movimento dialético do ético que a pluralidade das coisas e de suas determinações. E um movimento que só encontra sua quietude e estabilidade na simplicidade do espírito certo de si.
A consumação da eticidade ao converter-se na livre-consciência-de-si, e o destino do mundo ético são, portanto, a individualidade que se adentrou em si, a absoluta leveza do espírito ético, que dissolve dentro de si todas as diferenças fixas de sua subsistência, e as massas de sua articulação orgânica; espírito que plenamente seguro de si chegou à alegria sem-limites e ao mais livre gozo de si mesmo. Essa certeza simples do espírito dentro de si é algo ambíguo, por ser tanto calma subsistência e verdade firme, quanto inquietude absoluta e o perecer da eticidade. Mas é nessa última alternativa que ela se converte, pois a verdade do espírito ético ainda é, somente, essa substancial essência e confiança, na qual o Si não se sabe como singularidade livre, e que assim perece nessa interioridade - ou no libertar-se - do Si.
Assim, ao romper-se a confiança, ao quebrar-se por dentro a substância do povo, o espírito, que era o meio-termo dos extremos inconsistentes, passa agora para o extremo da consciência-de-si que se apreende como essência. Essa consciência-de-si é o espírito certo dentro de si, que chora a perda de seu mundo; e agora, da pureza do Si, produz sua essência, elevada acima da efetividade.”


“A essência do deus é aliás a unidade do ser-aí universal da natureza e do espírito consciente-de-si, que em sua efetividade se manifesta contrapondo-se ao primeiro. Ao mesmo tempo, é antes de tudo uma figura singular; seu ser-aí é um dos elementos na natureza, como sua efetividade consciente-de-si é um singular espírito-de-pouo. Mas o ser-aí universal da natureza é nessa unidade o elemento refletido no espírito, a natureza transfigurada pelo pensamento, unida com a vida consciente-de-si. A figura dos deuses tem, pois, o seu elemento-de-natureza como um elemento suprassumido, como uma obscura reminiscência dentro dela. A essência caótica e a luta confusa do livre ser-aí dos elementos - o reino a-ético dos Titãs - são vencidos e expulsos para a orla da efetividade que se tomou clara a si mesma, para os turvos confins do mundo que no espírito se encontra e se acalma.
Essas divindades antigas, em que primeiro se particulariza a luminosidade acasalando-se com as trevas, - o Céu, a Terra, o Oceano, o Sol, o Fogo cego e tifônico da Terra, etc, - são suplantadas por figuras que nelas ainda possuem apenas o eco apagado que recorda aqueles Titãs; mas já não são essências-da-natureza, e sim claros espíritos éticos dos povos conscientes-de-si mesmos.
708 Assim, essa figura simples aboliu em si e recolheu, na individualidade tranquila, a inquietude da singularização infinita: tanto da figura enquanto elemento da natureza - o qual só se comporta de modo necessário como essência universal, mas se comporta de modo contingente em seu ser-aí e movimento - quanto dela enquanto povo que, disperso nas massas particulares do agir e nos pontos individuais da consciência-de-si, tem um ser-aí multiforme de sentido e de agir. Portanto, o momento da inquietude se contrapõe a essa individualidade tranquila: a ela - que é a essência - se contrapõe a consciência-de-si que, como lugar de nascimento da mesma, nada reteve para si senão o fato de ser atividade pura.


“710 (...) Assim o deus, que tem a linguagem por elemento de sua figura, é a obra de arte nela mesma inspirada, que tem imediatamente dentro de seu ser-aí a pura atividade que se lhe contrapunha; - a ele que existia como coisa. Ou seja, a consciência-de-si permanece imediatamente junto a si no objetivar-se de sua essência. Estando assim, dentro de sua essência, junto a si mesma, é puro pensar; ou é a devoção cuja interioridade tem ao mesmo tempo seu ser-aí no hino. O hino conserva dentro dele a singularidade da consciência-de-si; e essa singularidade, ao ser escutada, é-aí ao mesmo tempo como universal. A devoção, que em todos se acende, é a correnteza espiritual, que na multiplicidade das consciências-de-si é cônscia de si como de um igual agir de todos, e como de um ser simples. O espírito, como essa consciência-de-si universal de todos, tem em uma unidade sua pura interioridade, como também o ser para Outros e o ser-para-si dos Singulares.
711 Essa linguagem se distingue de uma outra linguagem do deus que não é a linguagem da consciência universal. O oráculo, seja do deus da religião-da-arte, seja do deus das religiões anteriores, é a sua primeira linguagem necessária. Com efeito, reside em seu conceito que o deus é tanto a essência da natureza quanto a do espírito, e portanto tem um ser-aí não só natural, mas também espiritual. Na medida em que esse momento reside somente em seu conceito e ainda não está realizado na religião, a linguagem para a consciência-de-si religiosa é linguagem de uma consciência-de-si estranha. A consciência-de-si alheia à sua comunidade ainda não é-aí, tal como o exige seu conceito. O Si é o ser-para-si simples, e por isso é pura e simplesmente ser-para-si universal, mas aquele, que se separou da consciência-de-si da comunidade, é apenas um Si singular.
O conteúdo dessa linguagem própria e singular resulta da universal determinidade, em que o espírito absoluto é posto em sua religião em geral. Assim o espírito universal do raiar-do-sol, que ainda não particularizou seu ser-aí, enuncia sobre a essência proposições igualmente simples e universais, cujo conteúdo substancial é sublime em sua verdade simples; mas graças a essa universalidade, parece ao mesmo tempo trivial para a consciência-de-si que se desenvolve ainda mais.
712 O Si mais amplamente cultivado, que se eleva ao ser-para-si, é o senhor que impera sobre o puro pathos da substância, sobre a objetividade da luminosidade do sol nascente. E sabe aquela simplicidade da verdade como o em-si-essente, que não tem a forma do ser-aí contingente por meio de uma linguagem estranha; sabe-a, ao contrário como a lei segura e não escrita dos deuses, que vive eternamente, e da qual ninguém sabe quando apareceu. [Sófocles, ANTÍGONA].
Como a verdade universal, que foi revelada pela luminosidade, aqui se retirou ao interior ou ao mundo inferior, e por isso se subtraiu à forma do fenômeno contingente, assim ao contrário na religião-da-arte - porque a figura do deus assumiu a consciência e com isso a singularidade em geral - a linguagem própria do deus, que é o espírito do povo ético, é o oráculo, o qual conhece a situação particular desse povo e dá a conhecer o que é útil a respeito. Contudo, as verdades universais por serem conhecidas como o em-si-essente, reivindica-as para si o pensar que-sabe, e a linguagem delas não lhe é mais uma linguagem estranha, mas a sua própria.”


“758 (...) A consciência então não sai do seu interior, do pensamento, concluindo dentro de si o pensamento de Deus juntamente com o ser-aí; ao contrário, sai do ser-aí presente imediato, e reconhece a Deus nele.


“Essa unidade do ser e essência, do pensar que é imediatamente ser-aí, - do mesmo modo que ela é o pensamento dessa consciência religiosa ou seu saber mediatizado, assim também é seu saber imediato. Com efeito, essa unidade do ser e pensar é a consciência-de-si, e ela mesma é-aí; ou seja, a unidade pensada tem ao mesmo tempo essa figura do que ela é.
Deus é assim revelado aqui como ele é: ele é aí assim como ele é em si; ele é-aí como espírito. Deus só é acessível no puro saber especulativo, e é somente nesse saber; e só é esse saber mesmo, porque Deus é o espírito, e esse saber especulativo é o saber da religião revelada. Um saber que sabe Deus como pensar, ou pura essência, e esse pensar como ser e como ser-aí, e o ser-aí como a negatividade de si mesmo; por isso, como Si - este Si, e Si universal. É justamente isso o que sabe a religião revelada.
As esperanças e expectativas do mundo precedente impeliam somente a esta revelação: a contemplar o que é a essência absoluta, e a encontrar-se nela a si mesmo. Essa alegria vem-a-ser para a consciência-de-si, e abrange o mundo inteiro para se contemplar na essência absoluta, pois ela é espírito, - é o movimento simples desses momentos puros, que exprime isto mesmo: que a essência é sabida como espírito somente quando é contemplada como consciência-de-si imediata.
762 Esse conceito do espírito que sabe a si mesmo como espírito, é ele mesmo o conceito imediato, e ainda não desenvolvido. A essência é espírito, ou seja, é aparecida, é revelada. Esse primeiro ser revelado é, por sua vez, imediato; ora, a imediatez é igualmente mediação pura ou pensar; logo, deve apresentar isso nela mesma, como tal.
Considerando este ponto mais precisamente: o espírito, na imediatez da consciência-de-si, é esta consciência-de-si singular oposta à universal; é Uno exclusivo que tem a forma, ainda não dissolvida, de um Outro sensível para a consciência para a qual é-aí. Esse Outro não sabe ainda o espírito como sendo o seu, ou seja: o espírito, enquanto é este Si singular, ainda não é-aí igualmente como Si universal, como todo Si. Em outras palavras, a figura não tem ainda a forma do conceito, isto é, do Si universal, do Si que em sua imediata efetividade é também Si suprassumido, é pensar, é universalidade, sem perder na universalidade a efetividade.
No entanto, a forma mais próxima - e ela mesma imediata - dessa universalidade já não é a forma do pensar mesmo, do conceito como conceito, mas a universalidade da efetividade, a todidade dos Si, e a promoção do ser-aí à representação. Como sempre, e para aduzir um exemplo determinado, o isto sensível suprassumido é primeiro a coisa da percepção; não ainda o universal do entendimento.
763 Este homem singular portanto, como o homem que a essência absoluta se revelou ser, consuma nele enquanto Singular o movimento do ser sensível. Ele é o Deus imediatamente presente: assim, o seu ser passou para o ter sido. A consciência, para a qual ele tem essa presença sensível, deixa de vê-lo, de ouvi-lo; ela o tinha visto e ouvido, - e só porque o tinha visto e ouvido, torna-se ela mesma consciência espiritual. Ou seja: como antes ele nasceu para ela como ser-aí sensível, agora nasce no espírito.
Com efeito, como uma consciência que o vê e ouve sensivelmente, ela mesma é apenas consciência imediata, que não suprassumiu a desigualdade da objetividade, nem a recuperou no puro pensar, senão que sabe como o espírito este Singular objetivo, mas não a si mesma. No desvanecer do ser-aí imediato do que é conhecido como essência absoluta, o imediato recebe seu momento negativo; o espírito permanece o Si imediato da efetividade, mas como a consciência-de-si universal da comunidade; consciência-de-si que em sua própria substância repousa, assim como esta é sujeito universal na consciência-de-si. O que constitui o todo completo desse espírito não é o Singular só, mas sim o Singular junto com a consciência da comunidade e o que ele é para a comunidade.”


“766 (...) O espírito absoluto é conteúdo: assim é, na figura de sua verdade. Ora, sua verdade é não apenas ser a substância da comunidade ou o em-si da mesma, nem ainda somente sair dessa inferioridade para a objetividade do representar; - mas é tornar-se o Si efetivo, refletir-se dentro de si, e ser sujeito. É isso portanto o movimento que desempenha em sua comunidade, ou seja: é isso a sua vida.
O que seja em si e para si esse espírito que se revela, não se patenteia por desembaraçar, de algum modo, sua rica vida na comunidade, ou por se reduzir a seu fio primitivo, - por exemplo, às representações da comunidade primitiva imperfeita, ou mesmo ao que o homem efetivo tenha dito. Na base dessa volta-às-origens reside o instinto de ir ao conceito; mas ela confunde a origem, como o ser-aí imediato da primeira manifestação, com a simplicidade do conceito. Devido a esse empobrecimento da vida do espírito, devido a esse remover da representação da comunidade e de seu agir sobre sua representação, surge pois, em vez do conceito, antes a mera exterioridade e singularidade, a maneira histórica da revelação imediata, e a recordação, carente-de-espírito, de uma figura singular Visada e de seu passado.
767 O espírito é conteúdo de sua consciência, inicialmente na forma da substância pura; ou, é conteúdo de sua consciência pura. Esse elemento do pensar é o movimento que desce ao ser-aí ou à singularidade. O meio termo entre eles é sua união sintética, - a consciência do tornar-se-Outro, ou o representar como tal.
O terceiro termo é o retorno a partir da representação e do ser-outro, ou o elemento da consciência-de-si mesma. Esses três momentos constituem o espírito: seu dissociar-se dentro da representação consiste em serem de uma maneira determinada; mas essa determinidade não é outra coisa que um dos seus momentos. Seu movimento desenvolvido é, pois, o movimento de expandir sua natureza em cada um de seus momentos, como em um elemento: e enquanto cada um desses círculos se completa dentro de si, essa sua pura reflexão-dentro-de-si é, ao mesmo tempo, a passagem para o outro círculo.
A representação constitui o meio-termo entre o puro pensar e a consciência-de-si como tal, e é somente uma das determinidades. Mas, ao mesmo tempo, como se mostrou, seu caráter de ser a união sintética se estende por todos esses elementos, e é sua determinidade comum.”

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