“O que, afinal, é o capital para Marx? Começo
com sua definição preferida, de capital como “valor em movimento” (...). O
significado que Marx lhe dá é bastante especial, então esse é o primeiro de
seus termos que exige certa elaboração. Tentarei desdobrar seu significado
completo à medida que avançarmos. Mas a definição inicial é: o trabalho
social que realizamos para os outros tal como ele é organizado por meio de
trocas de mercadorias em mercados competitivos, com seus mecanismos de
determinação de preços. Parece um bocado complicado, mas não é tão difícil
de entender. Tenho sapatos, mas fabrico sapatos para vender aos outros e uso o
dinheiro que recebo por eles para comprar de outras pessoas as camisas de que
preciso. Numa troca desse tipo, estou efetivamente trocando o tempo de trabalho
que gasto fabricando os sapatos pelo tempo de trabalho que outra pessoa gastou
fabricando camisas. Numa economia competitiva, em que muitas pessoas fabricam
camisas e sapatos, faz sentido pensar que, se mais tempo de trabalho é gasto em
média com a fabricação de sapatos (em comparação com a fabricação de camisas),
então os sapatos devem custar mais do que as camisas. O preço dos sapatos
convergiria em torno de uma média e o preço das camisas em torno de outra
média. O valor sublinha a diferença entre essas médias. Ele pode revelar, por
exemplo, que um par de sapatos é equivalente a duas camisas. Mas repare que o
que importa é o tempo de trabalho médio. Se eu gastasse um tempo excessivo de
trabalho nos sapatos que faço, não receberia o equivalente em troca. Isso seria
recompensar a ineficiência. Eu receberia apenas o equivalente ao tempo de
trabalho médio para aquela mercadoria.
Marx define o valor como tempo de trabalho
socialmente necessário. O tempo de trabalho que gasto fabricando bens para
outros comprarem e usarem é uma relação social. Como tal, ela é, assim como a
gravidade, uma força imaterial, mas objetiva. Não importa quanto eu disse que custa uma camisa, jamais encontrarei nela átomos de valor, da mesma forma como jamais
poderei dissecar uma pedra e encontrar nela átomos de gravidade. Tanto a
gravidade quanto o valor são relações imateriais que têm consequências
materiais objetivas. É impossível enfatizar o suficiente a importância dessa
concepção. O materialismo físico, particularmente em sua modalidade
empiricista, tende a não reconhecer as coisas ou os processos que não podem ser
fisicamente documentados e diretamente mensurados. Mas usamos conceitos
imateriais, porém objetivos, como o “valor” o tempo todo. Se digo que “o poder
político é altamente descentralizado na China”, a maioria das pessoas
compreenderá o que quero dizer, mesmo que não possamos ir às ruas mensurá-lo
diretamente. O materialismo histórico reconhece a importância desses poderes
imateriais, porém objetivos. Em geral, recorremos a eles para explicar
fenômenos como a queda do Muro de Berlim, a eleição de Donald Trump,
sentimentos de identidade nacional ou o desejo das populações indígenas de
viver conforme suas normas culturais. Descrevemos noções como poder,
influência, crença, status, lealdade e solidariedade social em termos
imateriais. O valor, para Marx, é precisamente um conceito desse tipo.
“Elementos materiais não convertem o capital em capital”, escreve ele. Pelo
contrário, eles relembram que “o capital, de um lado, é valor, portanto,
algo imaterial, indiferente ante a sua existência material”2.
Dada essa condição, surge uma necessidade
gritante de algum tipo de representação material — algo que se possa tocar,
segurar e mensurar — do que seja o valor. Essa necessidade é satisfeita pela
existência do dinheiro como expressão ou representação do valor. O valor é a
relação social, e todas as relações sociais escapam à investigação material
direta. O dinheiro é a representação e expressão dessa relação social3.”
2 Karl Marx, Grundrisse: manuscritos
econômicos de 1857-1858 — Esboços da crítica da economia política (trad.
Mario Duayer e Nelio Schneider, São Paulo/Rio de Janeiro, Boitempo/UFRJ, 2011),
p. 242.
3 Ibidem, p. 179.
“O dinheiro que flui para o trabalho na forma
de salário retorna à circulação total do capital na forma de uma demanda
efetiva por aquelas mercadorias produzidas na forma de bens salariais. A força
dessa demanda efetiva depende do nível salarial e do tamanho da força de
trabalho assalariada. Nesse retorno do dinheiro à circulação, no entanto, o
trabalhador assume a persona de comprador, não de operário, e o
capitalista se torna o vendedor. Há, portanto, certo grau de escolha do
consumidor na forma como é expressa a demanda efetiva que emana dos
trabalhadores. Se os trabalhadores têm o hábito do tabaco, diz Marx, então o
tabaco é um bem salarial! Há aqui uma margem considerável para a expressão
cultural e o exercício de preferências socialmente cultivadas na população, as
quais o capital poderá atender, se considerar vantajoso e rentável.
Os bens salariais sustentam a reprodução
social. A ascensão do capitalismo realizou uma separação entre a produção de
valor e mais-valor na forma de mercadorias, por um lado, e atividades de
reprodução social, do outro. Efetivamente, o capital depende dos trabalhadores
e de suas famílias para cuidar de seus processos de reprodução (talvez com
alguma assistência do Estado). Marx acompanha o capital e trata a reprodução
social como uma esfera de atividade separada e autônoma que fornece uma dádiva
gratuita ao capital na figura do trabalhador, que retorna ao local de trabalho
tão capaz e disposto quanto possível. As relações sociais no interior da esfera
de reprodução social e as formas de luta social que ocorrem em seu interior são
um tanto diferentes daquelas envolvidas na valorização (na qual impera a
relação de classe) e na realização (na qual se confrontam compradores e
vendedores). Questões de gênero, patriarcado, parentesco, família, sexualidade
etc. tornam-se mais patentes. As relações sociais na reprodução se estendem
também à política da vida cotidiana, conforme orquestrada por uma série de
arranjos institucionais como a Igreja, a política, a educação e várias formas
de organização coletiva em bairros e comunidades. Embora trabalho assalariado
seja contratado para fins domésticos e de cuidado, parte do trabalho feito aqui
é voluntario e não remunerado5.”
5 Nancy Fraser, “Behind Marx’s Hidden Abode: For an Expanded Conception
of Capitalism”, New Left Review, 86, 2014.
“Banco e finanças têm diversas funções. Eles
absorvem bolsões de dinheiro inativo onde quer que estejam e os convertem em
capital-dinheiro ao emprestá-los a qualquer um que esteja interessado em
aproveitar oportunidades lucrativas de investimento. Na posição de intermediárias,
as instituições financeiras agem como o “capital comum de uma classe [a
capitalista]”10. Elas desempenham um papel decisivo na aceleração da
equalização da taxa de lucro, retirando fundos daqueles que trabalham com
setores econômicos de baixa rentabilidade e redirecionando-os para onde quer
que a taxa de lucro seja mais alta. Também têm certo poder de criação de
dinheiro, independentemente de qualquer aumento na vazão de valor. A
independência e a autonomia do sistema financeiro, além do poder inerente de
criação de dinheiro, podem ser subsumidas no processo de circulação de capital
como valor em movimento, mas não sem impactos importantes.
Bancos e instituições financeiras trabalham
com dinheiro como mercadoria, e não com produção de valor. Emprestam para o que
dê uma taxa de lucro maior, não necessariamente para atividades produtivas: se
for possível obter lucro da especulação imobiliária, os bancos concederão
empréstimos para a compra de terrenos e imóveis (como fizeram no atacado entre
2001 e 2007 nos Estados Unidos). “Aqui se completam a forma fetichista do
capital e a ideia do fetichismo do capital.”11 O que Marx quer dizer
com isso é que o sistema financeiro responde necessariamente aos sinais de
dinheiro e lucro nos diferentes campos de distribuição que podem desviar a
atividade capitalista da criação de valor e orientá-la para canais não
produtivos. Bancos podem emprestar para outros bancos, para empresas
imobiliárias ou fundiárias, capitalistas comerciais e consumidores (burgueses
ou classe trabalhadora, não importa), bem como ao Estado (a dívida pública é
enorme).
O resultado é um mundo daquilo que Marx
denomina circulação de “capital fictício”12. Bancos alavancam
financeiramente seus depósitos para emprestar ativos que eles de fato possuem.
Esses empréstimos podem ser três vezes ou, em períodos de “exuberância
irracional”, até trinta vezes maiores do que os ativos depositados. Isso é
criação de dinheiro acima e além da quantia necessária para dar conta da
produção e da realização de valor. Essa criação de dinheiro assume a forma de
dívida, e dívidas são uma reivindicação sobre a produção futura de valor. Uma
acumulação de dívidas ou é liquidada por uma produção futura de valor ou é
desvalorizada no decurso de uma crise. Toda a produção capitalista é
especulativa, é claro, mas no sistema financeiro essa característica é
exacerbada, transformando-se em fetiche supremo. Os financistas, diz Marx,
possuem “o agradável caráter hibrido de vigaristas e profetas”13. O
capital fictício pode ser realizado ou não pela valorização e realização em
data posterior.”
10 Karl Marx, O capital: crítica da
economia política, Livro III: O processo global da produção capitalista (trad.
Rubens Enderle, Sao Paulo, Boitempo, 2017), p. 416.
11 Ibidem, p. 442.
12 Ibidem, cap. 25.
13 Ibidem, p. 500.
“Talvez seja um clichê comum na política
dizer que o coração e a mente das pessoas têm de ser mobilizados, moldados e
capturados antes de se perseguir qualquer projeto político-econômico, porém não
deixa de ser verdade que as lutas políticas em torno do que podemos chamar
talvez de “natureza” da natureza humana estarão certamente na base das
preocupações que surgirão das questões econômicas da circulação do capital.
Mas, como evidencia de forma muito clara, penso eu, a visualização do capital
em movimento, as relações entre o valor que circula como capital e a construção
e reconstrução perpétua dos valores políticos, culturais e estéticos são por si
sós uma questão de grande importância. Contudo, aqueles que priorizam o
pensamento e a luta ativa em torno destas últimas precisam reconhecer que o
fazem no contexto da circulação do capital que tanto constrange quanto facilita
certas formas de pensamento e ação. Na medida em que o capital está perpétua e
necessariamente envolvido na construção e reconstrução de vontades,
necessidades e desejos, ele cria uma ponte vital entre o que pode parecer dois
domínios distintos da ação humana. Margaret Thatcher, no fim das contas,
propôs-se não apenas a mudar a economia como também a “mudar a alma”, e nisso
ela teve certo êxito. Muitas pessoas acabaram aceitando sua máxima: “Não há
alternativa”. Esse mesmo conjunto de preocupações conflituosas se estende ao
vasto campo das lutas políticas e culturais em torno das relações existentes e
futuras com uma “natureza” em perpétua evolução que, em muitos aspectos, foi
reconstituída como uma “segunda natureza” através de uma longa história de
transformações ambientais. O modo como estamos produzindo a natureza é uma
questão altamente contestada que, mais uma vez, não pode ser abordada
independentemente da compreensão do funcionamento da circulação e expansão do
capital.”
“O abandono da base metálica pelo sistema
monetário no início dos anos 1970 permitiu que a circulação de capital portador
de juros assumisse o controle como principal condutor, sem as restrições da
acumulação infindável de capital. A análise desse fenômeno exige um olhar mais
atento à posição do sistema bancário e financeiro no campo da distribuição de
modo geral.
Antes de mais nada, é preciso dizer que há
interações imensamente complicadas no campo da distribuição como um todo.
Financistas podem canalizar dinheiro e investimentos para a especulação
fundiária e imobiliária, dando suporte as atividades das classes proprietárias
à custa de todo o resto. Proprietários fundiários usam suas terras como
garantia para tomar empréstimos. Na Grã-Bretanha, muitos aristocratas se
tornaram banqueiros dessa forma. Com frequência, capitalistas comerciais
crescem e dependem de crédito. Em diversas partes do mundo, os salários dos
trabalhadores são inflados pelo uso de cartões de crédito. Trabalhadores podem
se integrar à circulação de capital portador de juros iniciando um
financiamento com a esperança de adquirir sua casa própria. Isso é algo que,
conforme assegura o Banco Mundial, confere estabilidade social ou, segundo o
velho ditado: “Enquanto não quitar o financiamento, dono de casa própria não
faz greve”. Às vezes os trabalhadores são obrigados a depositar suas economias
em fundos de pensão, que têm de investir em algum lugar para explorar outros
trabalhadores em troca de lucro. Financistas emprestam a governos, enquanto os
governos usam os tributos para garantir e afiançar as atividades de
instituições de crédito. Enquanto isso, bancos superavitários emprestam a
bancos deficitários e, quando preciso, ambos recorrem a bancos centrais. Os
papéis se embaralham e muitas vezes são internamente contraditórios. Empresas
automobilísticas mantêm mecanismos de venda que concedem crédito aos
consumidores para que adquiram seus carros, e muitas vezes é difícil saber se os
lucros da empresa vêm da atividade de valorização, de realização ou de
distribuição. Financistas emprestam aos incorporadores para que construam casas
e aos trabalhadores para que comprem essas casas, internalizando oferta e
demanda numa única operação sob o seu comando. Trabalhadores exigem aumentos
salariais que podem fazer despencar as ações de companhias em que seus fundos
de pensão estão investidos. Sindicatos podem ser compelidos a investir na
dívida das empresas que os empregam. Quando a Enron quebrou, a pensão de sua
força de trabalho escorreu pelo ralo. Na crise fiscal de 1970, em Nova York, os
sindicatos municipais foram forçados a investir seus fundos de pensão na dívida
pública municipal, com consequências previsíveis. Governos armam sistemas de
participação nos lucros para que depois os empregados tenham interesse em
reprimir suas próprias demandas salariais.
Os fluxos e contrafluxos que ocorrem no
interior daquilo que pode ser denominado o “campo distributivo” (terreno do
Livro III d’O capital) têm se tornado, como ilustram os exemplos acima,
cada vez mais complexos e volumosos, ao mesmo tempo que as categorias e os
papéis se embaralham e se sobrepõem uns aos outros. Em algumas partes do mundo,
o volume de transações e a rotação do capital que atravessa e permeia o campo
distribucional ultrapassam consideravelmente as atividades de valorização. O
mercado de câmbio é enorme, se comparado com o reinvestimento em manufatura. O
mais difícil de discernir é quanto dessa atividade é apenas movimentação
especulativa ou ruído transacional, que não tem nada a ver com a criação de
valor.
Marx percebe claramente que a centralização
no sistema financeiro de fundos excedentes na forma-dinheiro implica que o
desembolso desses fundos desempenhará necessariamente um papel-chave na
condução das dinâmicas de reinvestimento do dinheiro como capital. Essa é uma
questão a qual retornaremos à guisa de conclusão. O sistema financeiro forma de
fato um bolsão de ativos líquidos, de modo que bancos e finanças contêm e
representam o capital comum da classe capitalista. Esse capital comum é inflado
algumas vezes por alavancagem — empréstimo de capital fictício. Isso equivale a
criar dinheiro dentro do sistema bancário. Por vezes, essa criação de dinheiro
pode se tornar excessiva (quando os bancos emprestam, digamos, trinta vezes a quantidade
de dinheiro efetivamente depositado que possuem). O sistema financeiro também
funciona como câmara de compensação para toda sorte de transações. É, de fato,
o sistema nervoso central do capital em geral, orquestrando os fluxos de
capital-dinheiro para e por uma vasta gama de atividades, onde quer que a taxa
de rentabilidade seja potencialmente ou realmente mais alta.
Por trás disso, surge uma classe de
investidores — indivíduos, instituições, organizações e corporações — que
buscam desesperadamente taxas de retorno sobre seu capital-dinheiro42.
Trata-se de uma classe particular de proprietários — uma “aristocracia
financeira” — que impulsiona a circulação de capital portador de juros para
receber uma taxa de retorno sem mover um dedo sequer43. Fundos de
pensão querem retorno sobre o seu capital (e, de fato, têm o dever fiduciário
de fazê-lo), assim como instituições sem fins lucrativos (como universidades
privadas) e indivíduos ricos com portfólios de investimento poderosos.
Também sabemos, a partir da brilhante
dissecação que Marx faz da circulação do capital nas formas mercadoria,
dinheiro e produção no Livro II d’O capital, que, do ponto de vista da
circulação do capital-dinheiro, os processos de valorização e realização são
encarados como meras inconveniências no caminho da realização dos lucros. Se o
capital portador de juros conseguisse encontrar um modo de se autovalorizar sem
passar pela valorização e pela realização, ele certamente o faria. É exatamente
isso o que permitem as movimentações especulativas que ocorrem no campo
distributivo. Bancos concedem empréstimos a outros bancos, e o que poderia ser
mais fácil do que tomar emprestado do Federal Reserve a 0,5% e comprar títulos
do tesouro de dez anos que rendem 2%? São muitos os incentivos para que o
capital-dinheiro simplesmente se furte de investir na valorização, em
particular quando a taxa de lucro é baixa ou as dinâmicas trabalhistas são
atribuladas. A esperança é que deixar de investir nesses setores venha a criar
escassez suficiente para elevar preços e taxas de lucro, estimulando o
capital-dinheiro a escoar de volta para a valorização. Mas, no meio dessa
movimentação especulativa, surgem fundos hedge e de participação privada
que lucram diretamente com todo e qualquer tipo de movimento do mercado,
subidas ou descidas, bruscas ou não. A justificativa que dão para as suas
atividades é que elas ajudam os mercados a equilibrar de maneira mais eficiente
a oferta e a demanda; no entanto, quando são bem-sucedidas (o que geralmente é
o caso), elas fazem isso sugando vastos ganhos monetários da circulação do
capital em geral. A tendência de Marx de recorrer a imagens de vampiros em seus
textos parece tão apropriada aqui como o é para se referir à esfera da
produção.
Marx tinha de fato algumas coisas relevantes
a dizer sobre a circulação de capital portador de juros, mesmo em sua época.
Com o capital portador de juros, escreveu, o “capital aparece como fonte
misteriosa e autocriadora [...] de seu próprio incremento”. É aqui que a
relação do capital produz “em toda sua pureza esse fetiche automático do valor
que se valoriza a si mesmo, do dinheiro que gera dinheiro”. “Aqui se completam
a forma fetichista do capital e a ideia do fetichismo do capital.” Trata-se da
“‘mistificação capitalista em sua forma mais descarada”44. Essa é a
grande traição do valor por meio de sua monetização. Esse é o ápice da
distorção que o dinheiro inflige a forma-valor, que ele supostamente deveria
representar. (...)
Em certas esferas, [o sistema de crédito] estabelece o monopólio e, com
isso, provoca a ingerência estatal. Produz uma nova aristocracia financeira,
uma nova classe de parasitas sob a forma de projetistas, fundadores e diretores
meramente nominais; todo um sistema de especulação e de fraude no que diz
respeito a fundação de sociedades por ações e ao lançamento e comércio de
ações. É produção privada, sem o controle da propriedade privada.46
Não apenas o capital foi redefinido como
“comando sobre o dinheiro dos outros”, como também criou um espaço totalmente
fora do controle das relações de valor.
Desaparecem aqui todas as bases explicativas mais ou menos justificadas
no interior do modo de produção capitalista. O que o comerciante atacadista
especulador arrisca é a propriedade social, e não a sua própria. Não
menos absurda torna-se a frase segundo a qual o capital tem origem na poupança,
pois o que esse especulador exige é justamente que outros poupem para ele.47
Daí a eterna pressão para transformar o
Sistema de Seguridade Social dos Estados Unidos, baseado na repartição simples [pay
as you go], em fundos de pensão do mercado de ações!! Os efeitos certamente
não seriam benignos nem nos tempos de Marx.
Ideias que numa fase menos desenvolvida da produção ainda podiam ter
algum sentido agora perdem toda sua razão de ser. Os triunfos e os fracassos
levam aqui simultaneamente à centralização dos capitais e, portanto, à
expropriação na escala mais alta. A expropriação se estende, então, desde os
produtores diretos até os próprios capitalistas pequenos e médios. Tal
expropriação forma o ponto de partida do modo de produção capitalista [...]. No
interior do próprio sistema capitalista, porém, essa expropriação se apresenta
como figura antagônica, como apropriação da propriedade social por poucos, e o
crédito confere a esses poucos indivíduos cada vez mais o caráter de simples
aventureiros.48
A economia da expropriação e da acumulação
por espoliação entra nesse quadro de maneira disruptiva, orquestrada por meio
do sistema de dívida e crédito, apenas para se intensificar à medida que
aumentam as dificuldades dos caminhos convencionais da acumulação de capital,
como tem ocorrido desde a década de 1970. Marx percebeu claramente que, de
todos os futuros perigos que a reprodução do capital enfrentava, esse
provavelmente se revelaria fatal. E a ironia é que a contradição central nesse
caso não se dá entre o capital e o trabalho: reside na relação antagonista
entre as diferentes facções de capital.”
41 Ibidem, p. 634.
42 Idem, O capital, Livro III, cit.
43 Idem.
45 Ibidem, p. 496.
46 Idem.
47 Ibidem, p. 497.
48 Ibidem, p. 498.
Um comentário:
Harvey começou este livro de forma desatenta e relapsa, mais parecendo que apenas transcrevia notas de aula.
Mais ou menos a partir do 3º capítulo a coisa embala (e com vigor).
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