Editora: Instituto Lukács
ISBN: 978-85-6599-918-2
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 96
Sinopse: O
proletariado não tem comparecido nas lutas de classe como o inimigo da
burguesia o que, de fato, é. Por que? Onde se encontram os operários? Cadê
os operários? explora essa questão, primeiro, expondo como, desde 1500, as
classes trabalhadoras no Brasil têm conhecido uma peculiar evolução histórica.
Depois, mostrando como a “aristocracia operária” é o resultado “natural” do
desenvolvimento do capitalismo. A “República dos sindicalistas” nada mais é do
que a expressão da colaboração de classe da aristocracia operária com o grande
capital. Fenômeno típico dos países imperialistas centrais no século 20, essa
colaboração se instalou entre nós.
Diferente do que ocorre nos países capitalistas
desenvolvidos, a “República dos sindicalistas” exigiu a extinção do
campesinato, tradicional reserva política das classes dominantes, e sua
substituição por um jovem e inexperiente proletariado, localizado nas
periferias dos centros urbanos e em pequenas cidades do interior (Toledo, no
Paraná, Toritama, em Pernambuco, etc.). Um novo conjunto de contradições entre
o capital e o trabalho está amadurecendo em nosso país e novas possibilidades
revolucionárias se anunciam no horizonte. Esse é o objeto de Cadê os
operários?.
“Na aparência, mas apenas nela, é como se
houvéssemos retornado àqueles momentos da Revolução Francesa ou das Revoluções
de 1848-52 (lembram-se de que a história acontece duas vezes, a primeira como
tragédia e a segunda como farsa?), nos quais o que predominava na política nem
eram os bravos e autênticos representantes das classes reacionárias, nem os
legítimos e heroicos representantes dos trabalhadores, mas sim o “pântano”. Ou
seja, aqueles reacionários medíocres o suficiente para não terem sido
exterminados quando do avanço da revolução e aqueles medíocres representantes
dos trabalhadores, tão inofensivos que a reação nem sequer se deu ao trabalho
de liquidá-los. Levando-se em conta uma brutal diminuição da escala, pois de
Revoluções involuímos para eleições, os “no poder”, hoje, nem são autênticos
burgueses (pois destes são servidores) nem são trabalhadores (pois destes são
traidores).”
“O capital monopolista possui uma capacidade
de investimento, de manipulação dos mercados, e um poder de pressão sobre o
Estado incomparável com qualquer fortuna burguesa anterior; os cartéis e
monopólios passam, virtualmente, a controlar a política econômica e a política
externa dos Estados nacionais. Agora, “os negócios do conjunto da burguesia”
têm possibilidade de empregar o “comitê encarregado” de administrá-los (o
Estado) de modo muito mais imediato que no capitalismo concorrencial. Crescem
tanto a intervenção do Estado na economia quanto o emprego do poderio militar
nacional para decidir a concorrência internacional entre os grandes cartéis e
monopólios − a concorrência entre os grandes capitais tende a se converter em
disputas bélicas entre países. Da Partilhada África Negra (a divisão do
continente africano subsaariano entre as potências europeias na virada do
século 19 para o século 20 às duas Grandes Guerras; da Coreia e Vietnã ao
Iraque e Afeganistão, a política externa dos Estados sempre é impulsionada
pelos monopólios e cartéis. É o Imperialismo (Lenin).”
“Essa articulação entre a mais-valia absoluta
e relativa será incrementada pela expansão imperialista. O acesso a fontes mais
baratas de matérias-primas e energias já era, por si só, uma importante nova
fonte de mais-valia absoluta. Todavia, ainda possibilita a produção de bens de
primeira necessidade com menor custo, ampliando assim o poder de compra dos
operários dos países imperialistas. Não apenas a burguesia, mas também uma
parcela dos trabalhadores tira vantagens da brutal exploração dos trabalhadores
das colônias. Quanto mais baratos os produtos coloniais, melhor para eles! Um
setor dos operários e dos trabalhadores, principalmente aquele mais
especializado e com melhores salários, com maior tradição de luta e experiência
política, passou a participar de um mercado consumidor em expansão e se aliou à
burguesia na defesa das políticas imperialistas. O desenvolvimento dessa
aliança aprofundou a cisão no seio do proletariado: de um lado, aquela parcela
que tem acesso ao mercado consumidor, e do outro lado, a massa de operários e
trabalhadores nos países imperialistas e nas colônias que produzem desde as
matérias-primas até os “meios de subsistência costumeiros”. Quanto menor o
custo de produção desses bens (portanto, também quanto menor a remuneração dos operários
e trabalhadores desses setores), maior o acesso ao mercado dos assalariados de
maior poder aquisitivo.
Em todos os países que se industrializaram
surgiu um setor operário mais especializado, com ganhos melhores, maior
capacidade de articulação e ação política devido à sua maior cultura e melhor
formação profissional, ao lado de um outro setor, mais numeroso, composto por
trabalhadores não especializados, muitas vezes por mulheres e crianças, com
menos estabilidade no emprego, menor consciência política e menor capacidade de
organização.
Próximo do final do século 19, Engels já
constatava como esse setor da classe operária tendia a ser um aliado da
burguesia, e o denominou de aristocracia operária. Lenin, no Prefácio às
edições francesa e alemã de Imperialismo,
etapa superior do capitalismo, definiria deste modo a aristocracia
operária:
Essa camada de operários aburguesados ou de
“aristocracia operária”, inteiramente pequeno-burgueses pelo seu gênero de
vida, pelos seus vencimentos e por toda a sua concepção do mundo, constitui o
principal apoio da II Internacional e, hoje em dia, o principal apoio social
(não militar) da burguesia. Porque são verdadeiros agentes da burguesia no seio
do movimento operário, lugar-tenentes operários da classe capitalista,
verdadeiros veículos do reformismo e do chauvinismo. Na guerra civil entre o
proletariado e a burguesia colocam-se inevitavelmente, em número considerável,
ao lado da burguesia, ao lado dos “versalheses” contra os “communards”.
Na França, por exemplo, entre as duas Guerras
Mundiais, o fordismo e o taylorismo foram introduzidos e a aristocracia
operária se destacou do restante do operariado. As contradições desse
desenvolvimento industrial conduziram a grandes embates entre os trabalhadores
e os burgueses, embates nos quais a disposição ao compromisso da aristocracia
operária vai separando-a do restante dos trabalhadores. O ponto culminante foi
o Governo da Frente Popular e a onda grevista que seguiu à sua posse, em 1936.
A direção reformista tanto do PCF quando do PS, apoiada pela aristocracia
operária, conduziu a greve a uma histórica derrota e ao fortalecimento dos
organismos de controle do Estado e do patronato sobre os trabalhadores. A
aristocracia operária recebeu como recompensa uma maior presença nos órgãos do
Estado e nos mecanismos institucionais de negociação trabalhista. O resultado
foi que, terminada a II Grande Guerra, o governo De Gaulle pôde entregar a
administração dos fundos para a previdência social às grandes centrais
sindicais, que se transformaram em administradoras da força de trabalho para o
capital. Converteram-se, como dirá Alan Bihr, em “cães de guarda” do grande
capital.
Na Inglaterra, essa aliança da aristocracia
operária com a burguesia teve início no final do século 19.
Pelo terceiro quarto do século [19] o Labour Movement havia se convertido
eminentemente em um movimento da Labour
Aristocracy. As mais importantes e estáveis instituições trabalhistas
estavam constituídas de tal modo a excluir a vasta maioria dos trabalhadores.
(…) Este profundo abismo entre a “aristocracia” e os “plebeus”, entre os
organizados e os desorganizados, não impediu que os porta-vozes destes últimos
supusessem que falavam em nome de todas as classes trabalhadoras. Socialmente e
nas indústrias, a aristocracia do trabalho tomava as precauções para se separar
da enorme maioria dos que trabalham, mas, na política, algumas vezes achou
conveniente posar como autêntica porta-voz da classe trabalhadora como um todo.
Nesse contexto, continua Harrison, “(…) não
há dúvidas de que nos anos de 1860 e 1870 um número de grandes empregadores
adotou uma nova e positiva postura para com as Trade Unions em particular e com o Labour Movement em geral”.
Arghiri Emmanuel, ao analisar a divisão
internacional de trabalho após a Segunda Guerra, demonstrou como um de facto unido front dos trabalhadores e capitalistas dos países que se deram bem
(well-to-do countries), dirigido
diretamente contra as nações pobres, coexiste com uma luta trade-unionista
interna sobre a divisão do butim. Nessas circunstâncias, as lutas sindicais
necessariamente se tornam mais e mais um tipo de acerto de contas entre sócios,
e não é acidental que nos países mais ricos, tal como os Estados Unidos – com
tendências similares já aparentes nos outros grandes países capitalistas –, a
luta sindical militante esteja degenerando primeiro em um tradeunionismo de
tipo britânico clássico, em seguida em corporativismo e, finalmente, em
gangsterismo.
Emmanuel prossegue relatando casos:
estivadores estadunidenses que não entraram
em greve para colaborar com a agressão americana contra o Vietnã, mas que entraram em greve para não carregar navios que iam a Cuba;
Kennedy considerando como “pressão da minha direita” os encontros mantidos com
sindicalistas etc.”
“Sendo breve: o desenvolvimento do
capitalismo monopolista deu origem a um setor da classe operária que se
distingue do conjunto do operariado pela sua maior disposição à aliança com o
grande capital, a aristocracia operária. Foi essa aristocracia operária que
forneceu parte significativa da base social do reformismo contemporâneo. O
capitalismo encarregou-se de fornecer a outra porção da base social do
reformismo: o gigantesco deslocamento da força de trabalho, das indústrias,
para o setor de serviços. Uma camada de trabalhadores − tipicamente mais
estável, com salários melhores e menores jornadas de trabalho − engrossou o
mercado de consumo de produtos fabricados em série, contribuindo para a queda
de seus preços pelo aumento da produção. Com isso, o círculo se realimentou:
queda do valor dos bens que entram na reprodução da força de trabalho,
consequente queda do valor da força de trabalho. Essa situação prosseguiu, com
muitas flutuações, até o início da crise estrutural, em meados da década de
1970.
Para o nosso tema: a aliança da aristocracia
operária com o capital conduziu a um fenômeno típico do pós-guerra: o aumento
do peso das grandes estruturas sindicais na vida social. Na Europa, onde essas
estruturas já existiam, elas passaram por transformações importantes e se
adaptaram à nova qualidade da sua relação com os “poderes estabelecidos”. Em
linhas gerais, aumentaram seu peso político ao preço da domesticação do seu
horizonte estratégico, fizeram diminuir a influência dos organismos de base nas
decisões da cúpula dirigente e converteram os dirigentes em “membros
remunerados inamovíveis dos sindicatos”, formando uma casta com “interesses
próprios distintos dos de sua base”. Aumento do peso social da aristocracia
operária, burocratização dos sindicatos e integração destes ao Estado são
tendências que se potencializam mutuamente. Já mencionamos como De Gaulle pôde
entregar às grandes centrais sindicais, que já atuavam como “cães de guarda do
capital”, a administração da previdência social.”
“O desenvolvimento da articulação entre as
mais-valias absoluta e relativa, com a consequente gênese e desenvolvimento da
aristocracia operária, é o fundamento do que Marx, em O Capital, denomina de “subsunção real do trabalho ao capital”.
Parte da classe operária converte-se em aliada da burguesia na exploração do
restante dos trabalhadores (e, a história tem sua ironia, também na exploração
de si própria). Isso não significa que a aristocracia operária não seja
explorada pelo capital com o qual se aliou, nem significa a gênese de uma nova
classe social. Significa, apenas, que algumas das vantagens da aristocracia
operária, se comparada ao restante da classe, podem ser ampliadas, dentro de
limites, pela maior exploração do restante dos trabalhadores.”
“A eclosão da I Guerra Mundial (1914-18)
colocou a oligarquia brasileira em uma situação caótica. Com a guerra, a
exportação de produtos primários e a importação dos industrializados (o cerne
da economia brasileira) foram subitamente interrompidas. Os portos, Santos
sobretudo, ficaram abarrotados de produtos primários não mais exportáveis – e
faltavam os produtos industrializados. Logo, contudo, novas possibilidades
surgiram. A própria necessidade da economia de guerra dos países beligerantes
restabeleceu e ampliou a exportação de bens primários brasileiros. Ao mesmo
tempo, faltavam produtos industrializados para importarmos, já que para o
capital imperialista era mais lucrativo produzir para a guerra do que para o
consumo dos nossos oligarcas. Os preços dos produtos industrializados em nosso
país subiram e estimularam o investimento na sua produção. Por essa via
transversa e meramente conjuntural, o país começou a se industrializar.
Pequenas indústrias para abastecer o mercado interno pipocaram por todo o país
e, na cidade de São Paulo, já na época o principal centro consumidor, algumas
indústrias começaram a surgir. Nada semelhante à Revolução Industrial na
Inglaterra entre 1776 e 1830, evidentemente. Não nos industrializávamos
impulsionados por um mercado mundial nem com base em um acúmulo secular de
capital que foi o essencial da Acumulação Primitiva; nossas indústrias surgiram
para atender ao consumo, em pequena escala, difuso pelo enorme território, de
uma classe dominante muito pequena e em um país que nem sequer contava com um
significativo setor de assalariados não proletários (as “classes médias”).”
“Getúlio encarna, em sua pessoa, muito das
contradições mais importantes do que seria o Brasil entre a Revolução de 1930 e
o Golpe de 1964. Era um oligarca, da periferia do país (São Borja, Rio Grande
do Sul). Sem deixar de ser oligarca, foi o principal representante dos
interesses dos industriais, banqueiros e comerciantes que surgiram e se
desenvolveram naquelas décadas. Representante do capital e dos oligarcas, foi
também o “pai dos pobres”, o político em quem as massas trabalhadoras
depositavam seus anseios e suas esperanças. Em poucas palavras, Getúlio
personificou as debilidades, atrasos e insuficiências do capitalismo
brasileiro. A industrialização acontecia, mas sem forças para destruir o
latifúndio exportador; a oligarquia agroexportadora, que dominava o país desde
Cabral, também não conseguia se livrar dos industriais e comerciantes – e,
depois, banqueiros – que com ela disputavam o poder político e as benesses do
governo federal. Os trabalhadores não conseguiram se constituir em alternativa
às classes dominantes e necessitavam da figura carismática de Getúlio como
proteção contra os “tubarões”.
O que explica essa situação histórica são as
potencialidades limitadas, mas reais, do desenvolvimento da indústria e do
mercado interno que dão origem a uma burguesia, a um conjunto de assalariados
urbanos e a um proletariado que fizeram a sociedade brasileira bem distinta do
passado, mas que, contudo, não conseguiram romper com o “destino” de uma
sociedade produtora de riqueza a ser acumulada nos centros da economia mundial
e, secundariamente, pelos seus sócios brasileiros.
A crise de 1929 se prolongou até 1939, quando
teve início a II Grande Guerra (1939-45). Ainda que a situação econômica não
fosse a mesma durante todos esses 16 anos, teve o efeito de impossibilitar a
manutenção do modelo agroexportador que predominava desde a colônia. Nos
primeiros anos, não era mais possível exportar os bens primários nem importar
os produtos industrializados: estava paralisado o centro que absorvia nossa
mais-valia absoluta e fornecia ao país os produtos industrializados. Tal como
durante a I Grande Guerra, logo restabeleceu-se e mesmo se ampliou a exportação
de bens primários para os países em guerra. E, também, a elevação dos preços
dos produtos industrializados estimulou a sua produção e foi retomada a
industrialização com capitais locais, voltada ao mercado local e produzindo
bens de consumo. Surgiram pelo país afora fabriquetas e oficinas de fundo de
quintal, cuja lucratividade logo passou a atrair a atenção de capitais mais
vultosos. Começou a se formar uma jovem classe operária, recém-deslocada do
campo pela paralisia da agricultura de exportação e – diferentemente da geração
anterior – sem a experiência anarquista e combativa dos italianos da jornada
gloriosa de 1917 em São Paulo. Esparramada pelo país em pequenas e médias
indústrias, oficinas etc., sem uma organização nacional, ainda marcada pelas
atrasadas condições rurais de vida e trabalho, foi surgindo uma classe operária
com um baixo nível de consciência e capacidade de luta. Tipicamente, não
conhecemos nesse período o fordismo. Os operários se aproximavam, em seus
conhecimentos e em suas habilidades, nos seus processos de trabalho, dos
artesãos das pequenas oficinas que se desenvolveram no país desde o início do
século 20. Ao final de década de 1950, a entrada das multinacionais
(automobilísticas, principalmente) começou a alterar este quadro, com o
fordismo e o taylorismo sendo adaptados às condições extremamente favoráveis
para se explorar a força de trabalho local. Todavia, apenas na década de 1970,
com o “Milagre Brasileiro”, a classe operária no país ganhou uma verdadeira
feição fordista e os processos de trabalho se aproximaram dos centros
capitalistas mais avançados.
As novidades trazidas pela crise de 1929 e
pela II Guerra Mundial, claro está, não foram poucas. Passamos a contar com uma
balança comercial favorável, chegamos em 1945 (o ano final da II Grande Guerra)
sem dívida externa e com “dinheiro em caixa”. Nossas exportações continuavam
sendo amplamente de bens primários. Mas, agora, os minérios, algodão e outros
produtos concorriam com o café, ainda nosso principal produto de exportação. As
cidades cresceram e as primeiras rodovias foram construídas. A insanidade de
Brasília é o símbolo do “novo” e “moderno” país, cujo destino manifesto seria o
de crescer “50 anos em 5” (slogan da
campanha eleitoral de Juscelino Kubitschek). Um heterogêneo setor de
assalariados não proletários – funcionários públicos, mas também empregados no
comércio e nos serviços – engrossou os centros urbanos ao lado dos operários
das novas indústrias. Banqueiros e industriais se juntaram à oligarquia como
parte das classes dominantes (muitos deles, tanto por ligação familiar como
pela origem de seus capitais, vieram da oligarquia); o “moderno” e o “arcaico”
encontraram um modo de conviver, não sem conflitos, em uma mesma estrutura de
poder. O sonho de um capitalismo nacional, que distribuísse renda pelo desenvolvimento
do mercado interno – a CEPAL –, é a expressão ideológica desse novo setor da
classe dominante e dos assalariados não proletários. O “desenvolvimentismo”, na
sua ala esquerda, ganhou acento moderadamente anti-imperialista e democrático
um pouco mais radical. A SUDENE, Celso Furtado etc. conhecem seus dias de
glória. O PCB e, depois, também o PC do B, compuseram a ala à esquerda desse
projeto verdadeiramente nacionalista, e pretensamente popular.
Tais novidades, contudo, não alteraram a
essência da nossa formação. Desde 1500 nossa função no “concerto das nações”
foi a de fornecedor de riqueza (quase sempre, sob a forma de mais-valia
absoluta) para a acumulação do capital na Europa e, depois, também nos EUA. Com
a Revolução Industrial, essa divisão internacional consolidou a especialização
de países exportadores de industrializados versus
exportadores de produtos primários. Esse nosso lugar, decorrente do
desenvolvimento do sistema mundial do capital, não foi alterado pela I Grande
Guerra e pelos anos entre a crise de 1929 e o final da II Grande Guerra. Já
mencionamos ao menos as alterações mais importantes que o país conheceu nesses
momentos: surgiu uma burguesia, um setor assalariado de serviços (funcionários
públicos etc.) e o proletariado − o país se urbanizava. Contudo, a ruptura com
nosso passado colonial – com nosso lugar no mercado mundial – é um aspecto que
nem sequer foi tocado. Desenvolvemos as indústrias, as cidades e classes
sociais mais “modernas” não porque rompemos com o grande capital internacional
e seus aliados internos. Justamente, o contrário: foi a crise do capital
mundial que abriu tais possibilidades e, com a superação da crise, todas elas
foram fechadas.”
“A entrada do capital estrangeiro, por meio
das multinacionais, desde o governo JK (1956-1961), era sinal inequívoco de que
o lugar ocupado pelo país no “concerto internacional” era essencialmente o
mesmo do passado. Nossa função, no sistema do capital, continuava sendo a de
produzir riquezas para serem acumuladas pelos grandes capitais internacionais.
Depois da II Grande Guerra, tornou-se ainda mais forte a tendência, que já
podemos encontrar em anos anteriores, de os países imperialistas montarem
estruturas produtivas para se apropriar diretamente, através das multinacionais,
da mais-valia absoluta produzida nos países da periferia do sistema. O Brasil
foi um dos países preferidos pelo grande capital: politicamente, era
“confiável”. Nossas classes dominantes nunca tiveram arroubos mais elevados e
sempre se contentaram com o lugar de lambe-botas dos imperialistas. Contava com
centros urbanos e estruturas de transporte e comunicação adequadas à
industrialização, as matérias-primas e energias eram abundantes e baratas – e,
além disso, possuía uma classe operária sem tradição de luta revolucionária.
Nos dez anos entre 1965 e 1975, o país se
converteu em uma economia industrializada. O “milagre brasileiro” (1969-73) é a
marca da virada. O grande capital internacional se aliou com setores da
burguesia nacional e com o latifúndio (que, então, se transformava em agrobusiness), resultando em uma
“mistura” que não poderia ser mais palatável para o grande capital: uma
agricultura exportadora, monocultora e capaz de converter rapidamente nossas
riquezas naturais em enormes massas de mais-valia absoluta se articulou,
política e economicamente, com uma economia urbana industrializada que gera uma
adicional massa de mais-valia absoluta a ser apropriada pelos centros
capitalistas. A burguesia brasileira, surgida tão tardiamente, finalmente encontrou
um rentável lugar subordinado ao capitalismo internacional e que, além disso,
lhe possibilitou manter e fortalecer a aliança com a classe dominante do campo.
Os trabalhadores brasileiros, principalmente os operários do campo e das
cidades, encontram pela frente as classes dominantes articuladas em um projeto
comum sob os auspícios do grande capital internacional e sob o tacão da
ditadura militar.”
“Nos anos de 1950 e 1960, a principal
mediação para incrementar a extração de mais-valia absoluta em nosso país (não
apenas aqui, nisso não fomos exceção no mundo) eram as multinacionais. A
indústria nacional (local, produzindo em pequena escala, tecnologicamente
atrasada, débil) foi eliminada com a entrada das multinacionais; a classe
operária teria de ser “reciclada” aos novos padrões e os sindicatos e partidos
ligados aos interesses, mesmo que economicistas e reformistas, dos
trabalhadores, deveriam ser retirados do caminho. JK foi o governo que tentou
conciliar o desenvolvimento de um capitalismo “nacional” (Brasília,
principalmente) com o capital internacional (a entrada das multinacionais no
setor automobilístico, mas não apenas). A impossibilidade histórica de
compatibilizar esses interesses levou ao Golpe de 1964. Da burguesia nacional
sobre- viveria aquela parcela que conseguisse se internacionalizar enquanto
parceira do grande capital na exploração, no campo e na cidade, da classe
operária, agora mais disciplinada e desorganizada pela repressão. Dos partidos
de esquerda, nenhum sobreviveria para ser o representante do “novo”
proletariado: além das organizações menores, tanto o PCB quanto o PC do B
perderiam a corrida para o PT.”
“Este é um fenômeno muito comum quando da
decadência de impérios: alguns locais da periferia conhecem um súbito e
surpreendente crescimento econômico que, aparentemente, é uma contraposição à
própria decadência, quando, na verdade, não passa de uma sua expressão. É a
desorganização da economia no centro do império que torna mais lucrativas
algumas das periferias.”
“(Na década de 70), excetuando a escala,
tecnicamente as condições de trabalho em São Paulo não eram muito distintas das
de Detroit, socialmente as condições eram muito diversas. Nos EUA e na Europa,
além de produzir mais-valia relativa a partir da mais-valia absoluta produzida
nas regiões mais atrasadas (o sul dos EUA, por exemplo) e em países como o
Brasil, os trabalhadores também deveriam participar do mercado consumidor, o
que exigiu maciças políticas públicas e o aumento da massa salarial. Nos
centros imperialistas, a abundância era, até então, enfrentada com a ampliação
do mercado consumidor, o aumento da produção e o barateamento dos produtos. A
expropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores do “Terceiro Mundo” era
peça decisiva nesse mecanismo. Eram o chamado “círculo virtuoso”, de Keynes, e
o Imperialismo, de Lenin.
A função dos operários de São Bernardo e São
Paulo era inteiramente distinta. As multinacionais vieram porque eram o modo
mais lucrativo de se levar a riqueza aqui produzida para ser acumulada nos
centros do capitalismo mundial. A força de trabalho deveria ser a mais barata,
sua reprodução deveria ocorrer da forma a mais precária. As jornadas de
trabalho deveriam ser exaustivas, a segurança nos locais de trabalho não seria
preocupação e, fundamentalmente, os salários deveriam ser os mais baixos que os
capitalistas conseguissem. Sob a ditadura militar e com uma classe operária que
não tinha experiência de luta mais significativa, os conflitos inerentes à
situação deram origem a um sistema sindical atrelado ao Estado, vendido aos
patrões e dominado pelos “pelegos”.”
“Como resultado de certo “desenvolvimento
desigual e combinado”, a partir dos anos de 1970, a crise estrutural do capital
fez do Brasil um paraíso das multinacionais, passando por um crescimento
econômico e modernização industrial muito rápidos. Enquanto a economia mundial
dava seus primeiros passos na crise, o Brasil se desenvolvia. Nenhuma surpresa:
a riqueza concentrou-se predominantemente no grande capital e, secundariamente,
nos assalariados mais ricos. Massas novas de trabalhadores urbanos foram
geradas pelo êxodo rural, e a industrialização “subordinada” foi acompanhada
por uma concentração sem paralelo da propriedade da terra, mais uma das
determinações do nosso passado colonial. Na periferia das grandes cidades
concentrou-se uma massa de trabalhadores cujos salários conheceram o menor
poder aquisitivo desde os anos Vargas (o valor real mais baixo do salário
mínimo ocorreu em 1975).”
“(...) É nesse momento que a geleia geral que
era a ideologia predominante no PT e na CUT nascentes passou a exibir todo o
seu potencial para uma acomodação com a burguesia. Um discurso radical, que
identificava a democracia à participação dos trabalhadores no Estado, era
associado à crítica liberal da experiência “socialista” soviética, ao apoio
incondicional e acrítico ao Sindicato Solidariedade na Polônia, à aliança com a
Igreja Católica e, para extirpar quaisquer dúvidas, à filiação da CUT ao CIOLS
(1992) e aos financiamentos que recebia da socialdemocracia europeia e do
sindicalismo estadunidense. Um discurso radical, que se apresentava como a
experiência mais importante e revolucionária do ponto de vista dos
trabalhadores brasileiros, encobria uma prática de acomodação ao capital. Nada
disso era uma novidade quando se tratava da ideologia típica da burocracia que
brotou da aristocracia operária nos países imperialistas. A novidade é que
acontecia com várias décadas de atraso e em um país como o Brasil. Por baixo da
pele de lobo, a alma de cordeiro: a negociação só seria possível ao redor de
pautas economicistas e corporativas. Esse limite não apenas era aceitável como
ainda era conveniente à aristocracia operária e sua burocracia (aqui, como no
resto do mundo).
A única luta capaz de superar a fragmentação
dos trabalhadores, o confronto geral com o capital, é também a única luta que
ameaça de morte a aliança da aristocracia operária com o capital. A manutenção
do poder da burocracia sindical e partidária, poder fundado na aliança com a
burguesia, requer um discurso radical e uma prática de colaboração de classe.
Os limites economicistas e corporativos não apenas eram aceitos, como ainda
eram convenientes aos nossos burocratas do sindicalismo “autêntico” e do PT. O
corporativismo e as pautas economicistas passaram a ser cada vez mais
claramente defendidos por eles, e as diferenças entre a CUT e a Força Sindical,
por exemplo, foram desaparecendo. Em um movimento análogo ao dos países
imperialistas, a nossa aristocracia encontrou nos burocratas da CUT e do PT (e
seus assemelhados) sua melhor expressão ideológica e política. Já sabemos o
final desse percurso: nossa aristocracia operária, conduzida por seus
burocratas, passou a ser fiadora do “desenvolvimentismo” petista, e a
República, tornou-se a “República dos Sindicalistas.” Não há contradição alguma
no fato de essa “República dos Sindicalistas” ser a continuidade do nosso
“passado colonial”, nem que seja o instrumento especial de repressão dos
trabalhadores a serviço das classes dominantes. Uma vez mais na nossa história,
o novo não passa de um aggiornamento
do velho.
Na ideologia dos movimentos populares e do
“novo sindicalismo,” o fator decisivo para a acomodação ao horizonte burguês
foi o seu caráter democrático. A concepção de que o comunismo é a democracia
levada às suas últimas consequências revela, por si só e desde o primeiro
momento, uma disposição ideológica de forte inclinação burguesa.
A democracia, era o que se afirmava, seria a
entrada das massas na luta política; seria antagônica ao capital e uma mediação
acertada para alcançar o socialismo. A democracia, todavia, é exatamente o
oposto: é a “entrada” das massas como trabalhadores
assalariados na política burguesa.
Tal participação perpetua a condição de assalariamento – isto é, a subordinação
do trabalho ao capital. Seu horizonte mais amplo não vai além da luta em
direção a “um salário justo por uma jornada justa de trabalho”. Há uma razão
profunda – que não passa nem pela decisão política, nem pela vontade da classe
dominante, nem pela consciência dos trabalhadores – para que a democracia não
possa ser outra coisa. Referimo-nos aos seus fundamentos últimos (para sermos
precisos, ontológicos): ela é a forma mais desenvolvida de organização do poder
que brota da forma histórica mais desenvolvida da propriedade privada, o
capital – ela é a forma mais aperfeiçoada da organização política.
Diferentemente das sociedades de classe
pré-capitalistas, nas quais o Estado e a extração do trabalho excedente
mantinham uma relação imediata, no século 19 a exploração do trabalho passará a
ser realizada de forma predominante com a mediação do mercado (pela extração da
mais-valia). Coube às Revoluções burguesas “retirar” o Estado da economia e
limitar sua ação à manutenção da ordem. Pelas revoluções burguesas o capital
realizou sua emancipação do Estado, sua “emancipação política”.
Essa é a gênese do Estado contemporâneo. Ele
é a propriedade privada burguesa elevada à política; é a expressão na esfera da
política da reprodução do capital. As mercadorias fazem com que os seus
guardiões estabeleçam relações entre si e, então, a “vontade” dos indivíduos
passa a residir nas mercadorias de que são “possuidores”. Passamos a conhecer a
plena regência do fetichismo da mercadoria: a criatura envolveu o criador, e a
identidade do último foi cedida à primeira. O indivíduo burguês é a sua
propriedade privada, a sua essência são as relações mercantis: a sociedade se
reduziu a uma arena na qual todos são “lobos” de todos, e o mundo não passa de
uma “enorme coleção de mercadorias”. O lugar dos indivíduos na estrutura
produtiva não é, como antes, mediado pelo Estado, mas pelo mercado. Apenas
assim as leis do mercado (que nada mais são que as leis da reprodução do
capital) podem ter plena vigência. A organização política (o Estado)
imprescindível à sociedade capitalista deve aplicar cotidianamente a violência
de tal modo a assegurar o predomínio do mercado; deve garantir uma ordem na
qual a concorrência de todos contra todos não apenas seja possível, mas, melhor
ainda, seja potencializada.
O poder deixa de ser hereditário para ser
objeto de disputa; sua posse corresponderá à correlação de forças entre as
diferentes facções dos proprietários privados, que se manifestam e se organizam
principalmente no e pelo mercado. A disputa pelo poder político, por sua vez,
requer que os indivíduos sejam guardiões das mercadorias no preciso sentido de
que são livres para se mover pelas relações mercantis da forma mais apropriada
“aos seus interesses”. Os indivíduos são, então, “livres” – sua liberdade tem
por conteúdo as relações sociais que estabelecem “voluntariamente”, buscando o
que julgam ser a melhor maneira de reproduzir a propriedade de que são
“guardiões”. É o individualismo burguês em seu máximo grau de alienação, e a
sua expressão política é a cidadania. Tal como, na esfera econômica, reduz-se o
trabalho ao trabalho abstrato, na esfera política abstrai-se o indivíduo
concreto no cidadão. A sociabilidade do capital é aquela em que a pessoa real,
concreta, plena de mediações, em sua integralidade mais autêntica, simplesmente
não tem lugar.
A liberdade, de que a burguesia é tão ciosa,
não passa da liberdade de cada um realizar aquilo que julga o melhor negócio
para a propriedade privada da qual é guardião. Ser livre, agora, é não ter a
intervenção do Estado a limitar as possibilidades de ação de cada cidadão no
mercado. Até a relação mais íntima das pessoas consigo próprias passa a ser
dominada pela mercadoria: uma conta bancária que cresce ou que diminui é parte
importante na elevação ou queda do conceito que fazemos de nós mesmos. A
liberdade burguesa, por isso, deve ser sempre e a cada momento especialmente
regrada: ela é a expressão, na esfera dos atos individuais, das relações
concorrenciais – as únicas possíveis entre “guardiões de mercadorias”. Somos,
agora, livres lobos dos próprios homens: esse é o conteúdo que a liberdade
compatível com a emancipação política tem por limite histórico.
A obra revolucionária da burguesia consistiu
em articular o capital, o indivíduo burguês (o “guardião de mercadorias”), a
forma democrática do Estado e a regência do fetichismo da mercadoria em uma
mesma totalidade: a sociedade burguesa desenvolvida. A democracia é obra
histórica da burguesia: a democracia é burguesa ou não tem lugar na história!
Não existe a democracia enquanto uma
ideia platônica fora da história. A democracia é tão datada quanto o foi o
Estado Romano: é fundada pelo trabalho proletário e corresponde, na esfera da
política, à generalização por todo o corpo social das relações mercantis. Ela é
burguesa – ou não existe.”
“Política e ideologicamente, o movimento
popular e o “novo sindicalismo” eram irmãos siameses. Não houve dificuldades
para se articularem em um projeto comum de “aprofundamento da democracia” pela
“maior participação dos trabalhadores” no Estado. A aristocracia operária
recebeu do movimento popular uma legitimação que teve sua importância,
principalmente, nas primeiras eleições da década de 1980. Cada espaço
conseguido pelas lideranças petistas e cutistas em negociações com o patronato
era aclamado como uma vitória dos trabalhadores e da luta – cada vez menos dita
“socialista” e crescentemente caracterizada como uma luta por uma sociedade
“mais justa”. Se esses “espaços” eram conquistados não por um recuo da burguesia,
mas sim das lideranças sindicais; se quem acumulava forças era a burguesia, e
não o proletariado, era algo que nem sequer estava em questão. Pois do que se
tratava era da conquista de um lugar ao sol para a aristocracia operária e sua
burocracia, tal como nos países imperialistas, ou, como se dizia, nos “países
de democracia avançada”.”
“Adotada essa perspectiva, a esquerda estava
desarmada nos seus confrontos com a burocracia sindical “autêntica” e com a
camarilha dirigente do PT. Ao aceitar a tese de que tudo seria decidido pela
eleição à presidência de Lula, a esquerda teve de aceitar como legítimo tudo o
que fosse necessário para ganhar as eleições. O que incluía, entre outras
coisas, a “profissionalização” do PT e da CUT – o aprofundamento da sua
burocratização, do seu autoritarismo e a prática de “recursos não
contabilizados”, como diria Delúbio – e uma disposição, declarada no discurso e
efetivada na prática, de colaboração de classe. De anticapitalistas, o PT e a
CUT preferem agora se apresentar como melhores administradores da ordem
burguesa que os próprios burgueses (no que não estavam mentindo). Ao aderir à
tese de que as “vitórias” na Constituinte só sairiam do papel com a eleição de
Lula, a esquerda estava irremediavelmente derrotada; a partir de então não era
possível questionar, quanto mais se contrapor, ao caminhar à direita das
lideranças da aristocracia operária brasileira. Os resquícios de radicalismo da
estratégia revolucionária democrática dos anos de 1970 deveriam ser enterrados;
um PT “profissional e competente”, corrupto e burocratizado, foi o resultado da
vitória final do cretinismo parlamentar. (...)
Mais uma vez a história fez pouco das nossas
ilusões – agora não mais tão militantes quanto no passado. A vitória do PT é a
vitória, contra o trabalho, da aliança da aristocracia operária com o capital.
Essa é a essência da derrota do projeto democrático dos movimentos populares e
do “sindicalismo autêntico” que se pretendia revolucionário: impulsionou a
colaboração de classes que hoje (em 2014) governa o país. A transição para a
democracia conduziu a uma forma de controle da burguesia sobre os trabalhadores
mais eficiente do que a ditadura. Muitos dos revolucionários do passado
degeneraram em uma nova burocracia, ilustrada e moderna, alojada no Estado, nos
sindicatos (hoje, paraestatais), na imprensa e nas universidades. E, também, na
direção do que restou do movimento popular, com cada vez mais raras exceções. A
derrota da geração dos movimentos populares é também – e essa é uma consequência
que em parte poderia ser evitada por uma consciência mais elevada do processo a
degenerescência dos seus indivíduos. Muitos se converteram de “tribunos do
povo” em “lacaios do capital” (perdoem a recaída nos anos de 1970). Lula,
Genoíno, Delúbio e Zé Dirceu não são fenômenos isolados. Sobre isso,
infelizmente, nem é preciso se estender. (...)
Por fim, ao final da década de 1980, o
fundamental da nossa esquerda já tinha sido cooptada pelo horizonte burguês e
se convertia rapidamente em “parlamentar e eleitoreira”: nenhum acúmulo de
forças para a revolução poderá vir desse horizonte burguês, como a história tem
demonstrado já por décadas.
Em poucas palavras, a redemocratização teve
também o efeito de reconhecer plenamente a cidadania da nossa aristocracia
operária. A aliança de classe que se delineou entre ela e o grande capital se
expressou na chegada de suas principais lideranças aos “altos postos de comando
do Estado”. Os sindicalistas tomaram de assalto a República não porque os
capitalistas perderam o poder, mas porque os sindicalistas são os agentes e
fiadores da colaboração de classe entre a aristocracia operária, os setores
assalariados não proletários e o grande capital. Daí a força do PT-CUT no
governo federal.”
“Sendo assim, por que o proletariado não
entra na luta de classes como o inimigo mortal da burguesia que ele, de fato,
é?
Porque vivemos as consequências de uma
gigantesca derrota do proletariado que o incapacitou por toda uma geração a
reagir revolucionariamente à crise estrutural do capital. Já vimos como o
desemprego, a intensificação do trabalho e a degradação das condições de vida
são as consequências necessárias da crise estrutural. A única resposta possível
e viável aos trabalhadores, nessas circunstâncias históricas, é o confronto
aberto e em toda a linha contra o capital: justamente a forma e o conteúdo da
luta que a burocracia oriunda da aristocracia operária sabe ser sua inimiga
mortal. É a aliança da aristocracia operária com o grande capital, que se
expressa na ação castradora da potência revolucionária dos trabalhadores pelos
sindicatos e partidos de origem operária, que garantiu (e ainda garante) ao
grande capital colher os frutos dessa vitória. Os sindicalistas “tomaram o
Estado”, e a estrutura sindical converteu-se em extensão desse mesmo Estado;
por isso a burocracia oriunda da aristocracia operária pode, em nossos dias,
cumprir melhor sua função cotidiana de coveiro da revolução.”
“O equívoco não poderia ser maior. A luta por
um posto na estrutura sindical, no parlamento ou no Executivo era (e é)
identificada com a disputa pela liderança das “classes trabalhadoras”. Os
atuais burocratas, pelegos em tempos neoliberais, são de fato confundidos com
representantes da totalidade dos operários e trabalhadores. Nem ao menos são
consideradas tarefas tão importantes quanto a organização prática e a luta
ideológica pelas massas proletárias que se multiplicam na base de todo o
sistema: todas as energias são canalizadas para a ocupação de cargos na
estrutura sindical e política do status
quo. Como o uso do cachimbo faz a boca torta, anos dessa prática
converteram em burocratas mesmo aqueles que, antes, eram seus críticos.”
“Pode ser interessante nos lembrarmos do que
ocorreu com o PCB, no passado. Sua forte inserção no aparelho sindical nos anos
de 1950 e 1960 terminou por levá-lo a ser o principal aliado dos pelegos quando
o “sindicalismo autêntico” passou a organizar a CUT e novos sindicatos. O PCB
estava convencido de que a luta deveria ser “por dentro” da estrutura sindical
pelega, pois tomava os pelegos como os representantes dos trabalhadores.
Naqueles anos os pecebistas eram os arautos da “unidade” – ao redor dos
pelegos, bem entendido. Hoje, esse mesmo papel é cumprido por parte da esquerda
vinculada ao PT, além, claro, dos atuais pelegos, os dirigentes sindicais dos
nossos dias. Já que pretendem falar em nome de todos os trabalhadores, suas
organizações deveriam ser o espaço em que a disputa política pela direção das
lutas seria legitimamente travada. O controle desse espaço, contudo (tal como
nos sindicatos pelegos do passado), está tão solidamente nas mãos da burocracia
que é mais prática a criação de novas formas de organização do que reformar as
velhas. Tal como na década de 1980, um novo levante das lutas de massa fará brotar
como cogumelos depois da chuva novas formas, antes imprevistas e, por isso,
impossíveis de ser controladas “pelos de cima”, de organizações de luta dos
operários e trabalhadores. Os pelegos então, tal como no passado, ficarão com
suas organizações, mas sem seguidores, e desaparecerão da história. Sem que ao
menos o proletariado tenha de se dar ao trabalho de cavar a cova dos pelegos,
como será imprescindível fazer com a classe dominante.”
“Há muito mais o que fazer na propaganda e
organização da revolução do que tomar postos nos sindicatos ou eleger
parlamentares. Há todo um proletariado à nossa espera. A ele, contudo, apenas
poderemos chegar se formos capazes de identificar entre os inimigos do
proletariado a burocracia sindical oriunda da aristocracia operária. Enquanto
tivermos ilusões acerca dessa burocracia e de sua estrutura organizativa nos
sindicatos e nos partidos, seremos fáceis presas do capital e de seus aliados.”