Editora: Abril Cultural
Tradução: Helda Barraco
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 108
Sinopse: Obra
escrita e publicada por Bruno durante sua permanência na Inglaterra. Nela o
pensador expõe, sob forma de diálogos, algumas de suas teses principais,
opostas à ciência oficial de seu tempo: a infinitude do universo, a existência
de uma infinidade de mundos, a rejeição da noção aristotélica de
quinta-essência, a infinitude do movimento.
“Detesto o vulgo, a multidão não me
contenta.”
“Considero inimigas de Deus, abjetas e sem
motivo de honra todas as reputações e vitórias, quando não fundamentadas na
verdade.”
“No eterno não são diferentes o ser e o poder
ser.”
“É necessário afirmar o infinito, porque
nenhuma coisa nos ocorre que não seja terminada por outra, e não temos
experiência de nenhuma que seja terminada por si mesma.”
“O primeiro eficiente não pode fazer senão
aquilo que quer fazer; não quer fazer nada além daquilo que faz; logo, não pode
fazer nada além daquilo que faz. Por conseguinte, aquele que nega o efeito
infinito nega a potência infinita.”
“Afirmo que, se no primeiro eficiente existe
potência infinita, existe também operação, da qual depende o universo de
grandeza infinita e mundos numericamente infinitos.”
“ELPINO — Muito bem. Mas, por favor, proceda
de outro modo; faça-me entender que diferença há entre mundo e universo.
FILOTEO — A diferença é muito conhecida fora
da escola peripatética. Os estoicos fazem distinção entre o mundo e o universo,
porque o mundo é tudo o que existe de pleno e consta de corpo sólido; o
universo não é somente o mundo, mas também o vácuo, o inane e o espaço fora
dele: por isso consideram o mundo como finito e o universo infinito. De forma
semelhante, Epicuro chama ao todo e ao universo mistura de corpos e de inane; e
nesta mistura afirma consistir a natureza do mundo, que é infinito, na
capacidade do inane e do vácuo, e também na multidão de corpos que nele
existem. Nós não consideramos vácuo o que é simplesmente o nada, mas, segundo
aquele conceito, tudo o que não possua corpo que resista sensivelmente, sempre que
tenha dimensão, é considerado vácuo: pois, comumente, não se concebe o corpo
senão com a propriedade de resistência. Daí afirmarem que, como não é carne
aquilo que não é vulnerável, assim não é corpo aquilo que não resiste. Desta
forma dizemos existir um infinito, isto é, uma etérea região imensa, na qual
existem inúmeros e infinitos corpos, como a terra, o sol, a lua, que são
chamados por nós de mundos compostos de pleno e vácuo: porque este espírito,
este ar, este éter não estão somente à volta destes corpos, mas ainda os
penetram e estão ínsitos em todas as coisas. Consideramos ainda o vácuo segundo
a mesma razão que nos permite responder a quem perguntasse onde se encontram o
éter infinito e os mundos, e nos respondesse: num espaço infinito, num ambiente
determinado, no qual tudo existe e se compreende, e nem se poderia compreender
como existindo em outra parte. Neste ponto, Aristóteles, tomando confusamente o
vácuo segundo esses dois conceitos e mais um terceiro, que ele imaginou mas não
soube denominar nem definir, vai-se debatendo para eliminar o vácuo e pensa
destruir, com a mesma argumentação, todas as opiniões acerca dele. Contudo, não
toca nelas mais do que alguém que, por ter eliminado o nome de alguma coisa,
pensasse ter eliminado a coisa mesma, porque destrói o vácuo, se acaso o
destrói, por um raciocínio que, provavelmente, nunca foi apresentado por
ninguém: considerando que os antigos e nós tomamos o vácuo por aquilo que pode
conter um corpo e que pode conter qualquer coisa, inclusive átomos e corpos, e
só ele define o vácuo como sendo o nada, no qual nada está e nada pode estar.
Daí, tomando o vácuo segundo um nome e significação que ninguém lhe deu, fez
castelos no ar e destruiu o seu vácuo, mas não o de todos os outros que falaram
de vácuo e se utilizaram deste nome: vácuo. Este sofista não procede de outro modo
no tocante a outros assuntos, tais como movimento, infinito, matéria, forma,
demonstração, ente, edificando sempre sobre a fé da sua própria definição e
sobre o nome tomado segundo novo significado. De modo que todo aquele que não é
completamente desprovido de juízo pode facilmente perceber quanto este homem é
superficial na consideração da natureza das coisas e quanto está apegado às
suas suposições, nem confirmadas nem dignas de serem confirmadas, suposições
ainda mais vãs em sua filosofia natural do que se possa imaginar na matemática.
E vocês podem observar que tanto se gloriou desta vaidade e tanto se enalteceu
que, a propósito da especulação sobre a natureza das coisas, ambicionou tanto
ser considerado raciocinador ou, como queremos dizer, lógico que, por desprezo,
chama de físicos aqueles que mais se ocuparam da natureza, realidade e
verdade.”
“Embora seja de pouca importância o equívoco
em que se cai no começo, aumenta dez mil vezes com a continuação; da mesma
forma, o engano que se comete ao início de qualquer caminho tanto mais se
avoluma quanto mais se procede, afastando-se do princípio, de maneira que no
fim acaba por levar a um termo contrário àquele que era proposto. A razão de
tudo isso é que os princípios são pequenos em tamanho e enormes em eficácia.”
“Temos que suportar Aristóteles devido à
reputação que ele alcançou, mais por não ser bem compreendido que por outra
coisa.”
“ALBERTINO — Ser solícito contra as opiniões
tolas e estúpidas é próprio das pessoas tolas e estúpidas, diz o príncipe
Aristóteles.
ELPINO — Muito certo. Mas, se você reparar
bem, esta sentença e este conselho virão servir contra as suas próprias
opiniões, quando forem abertamente estúpidas e tolas. Quem quiser julgar
corretamente deve saber despojar-se do costume de acreditar; deve considerar
igualmente possível tanto uma como a outra contraditória, e abandonar de fato
aquela tendência da qual estamos atribuídos desde a infância: tanto a que nos
apresenta a conversação geral como a outra, pela qual renascemos mediante a
filosofia, morrendo para o vulgo entre os estudiosos considerados sábios por
toda a multidão, numa determinada época. Quero dizer, quando acontece haver
controvérsias entre estes e outros considerados sábios por outras multidões e
noutros tempos, se quisermos julgar retamente, devemos lembrar o que afirmou o
próprio Aristóteles, que, talvez pelo fato de só considerarmos poucas coisas,
às vezes emitimos juízos com muita facilidade; e, além disso, que, por força do
costume, uma opinião é muitas vezes aceita de tal forma que coisas impossíveis
nos parecem necessárias; e outras coisas, que são veracíssimas e necessárias,
nos parecem impossíveis. E se isto acontece nas coisas que por si são
evidentes, que será nas dúbias, que dependem de princípios bem postos e de
fundamentos sólidos?
ALBERTINO — É opinião do comentador Averróis,
e de muitos outros, que não se pode saber o que Aristóteles ignorou.
ELPINO — Ele e toda essa multidão tinham uma
inteligência tão mesquinha e sua ignorância era tão profunda, que por mais alto
e mais claro que pudessem enxergar, ali estava Aristóteles. Contudo, se estes e
os outros, quando emitem semelhante sentença, quisessem falar com mais rigor,
deveriam dizer que Aristóteles é um Deus, segundo o parecer deles; e isso não
tanto para enaltecer Aristóteles, quanto para justificar a própria ignorância;
sendo a sua opinião como a da macaca, que julga seus filhos as mais belas
criaturas do mundo e seu macaco o mais lindo macho da terra.
ALBERTINO — Parturient montes...
(Os montes dão à luz...)
ELPINO — Você verá que não é o rato que
nasce.
ALBERTINO — Muitos têm atirado setas e lutado
contra Aristóteles, mas ruíram os castelos, quebraram-se as pontas das flechas
e partiram-se os arcos.
ELPINO — Que acontece quando uma estupidez
luta contra outra? Uma pode ganhar de todas as outras, mas nem por isto deixa
de ser estupidez; e não poderá, no fim, ser descoberta e vencida pela verdade?
ALBERTINO — Afirmo que é impossível
contradizer Aristóteles, demonstrativamente.
ELPINO — Esta é uma afirmação demasiado
precipitada.
ALBERTINO — Eu não o afirmo senão depois de
ter visto bem e considerado ainda melhor o que Aristóteles diz. E não só não
encontro nele erro algum, como em tudo o que disse reconheço o sinal da
divindade. E creio que ninguém possa perceber alguma coisa que eu não tenha
chegado a perceber.
ELPINO — Então você mede o estômago e o
cérebro dos outros pelo seu, e acredita ser impossível para os outros o que é
impossível para você? Existem no mundo alguns tão desafortunados e infelizes que,
além de estarem privados de todos os bens, possuem como companheira eterna, por
fatalidade, tal fúria infernal, que voluntariamente os empolga e lhes ofusca a
vista com o negro véu da inveja corrosiva, para não verem sua nudez, pobreza e
miséria, e para não verem os ornamentos, as riquezas e a felicidade dos outros:
preferem sofrer uma torpe e soberba penúria, e permanecer sepultos embaixo de
uma camada de ignorância pertinaz, a serem vistos orientados para uma nova
teoria, parecendo-lhes confessar terem sido, até aquele momento, ignorantes, e
terem um ignorante por guia.
ALBERTINO — Você quer, então que eu me torne
discípulo deste? Eu, que sou doutor, aprovado por mil academias, e que exerci
publicamente a profissão de filósofo nas primeiras academias do mundo, venha,
agora, renegar Aristóteles e me deixar ensinar filosofia por elementos
semelhantes?
ELPINO — Eu, por mim, gostaria de ser
ensinado, não como doutor, mas como indouto; desejaria aprender, não como
aquele que deveria ser, mas como aquele que não sou. Por isso, aceitaria por
mestre não somente este, mas qualquer outro que os deuses me enviassem, pois
que eles lhe fazem entender aquilo que eu não entendo.
ALBERTINO — Você pretende, então, me fazer
voltar a ser criança?
ELPINO — Pelo contrário, deixar de ser
criança.
ALBERTINO — Muito obrigado pela cortesia,
pois você pretende fazer-me ir para a frente e enaltecer-me, tornando-me
ouvinte deste homem combatido, que todo mundo sabe quanto é odiado pelas
academias, como é adversário das teorias comuns, louvado por poucas pessoas,
aceito por ninguém, perseguido por todo o mundo.
ELPINO — Por todos sim, mas por todos do seu
tipo; por poucos sim, mas ótimos e heroicos. Ele é adversário das doutrinas
comuns, não por serem doutrinas ou por serem comuns, mas por serem falsas.
Odiado pelas academias, porque onde existe dessemelhança não existe harmonia;
homem combatido porque a multidão é contrária àquele que se coloca fora dela; e
quem se põe no alto torna-se alvo de muitos.”
“Como de um erro deriva outro, assim de uma
verdade descoberta sucede outra.”
“É próprio de um intelecto não adormecido
poder considerar e entender muitas coisas, a partir das poucas que vê e ouve.”
Um comentário:
Trechos bem filosóficos.
Postar um comentário