sábado, 3 de julho de 2021

O Capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista (Parte II), de Karl Marx

Editora: Boitempo

Edição: Friedrich Engels

ISBN: 978-85-7559-390-5

Tradução: Rubens Enderle

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 984

Sinopse: Ver Parte I


 

Enquanto tudo corre bem, a concorrência, tal como se revela no nivelamento da taxa geral de lucro, atua como uma confraria da classe capitalista, que reparte o butim coletivo comunitariamente e em proporção à grandeza da participação de cada um de seus membros. Quando já não se trata de dividir o lucro, e sim as perdas, cada um procura reduzir o máximo possível sua participação e transferi-las a outrem. As perdas são inevitáveis para a classe. Mas a parte que cabe a cada indivíduo nessas perdas, a participação de cada um no cômputo geral, torna-se uma questão de poder e astúcia, e aqui a concorrência converte-se numa luta entre irmãos inimigos. Deflagra-se, então, o antagonismo entre o interesse de cada capitalista individual e o da classe capitalista, do mesmo modo como antes se impunha praticamente a identidade desses interesses por meio da concorrência.

Como reequilibrar as partes em conflito e restabelecer as condições correspondentes ao movimento “saudável” da produção capitalista? A maneira de chegar a esse equilíbrio já está contida na simples enunciação do conflito que se trata de dirimir. Ela inclui uma inativação, até mesmo uma destruição parcial de capital, no montante de valor de todo o capital adicional ΔC ou de uma parcela dele. Ainda que, como já se depreende da exposição do conflito, a distribuição dessas perdas não se estenda de modo nenhum de maneira uniforme aos diversos capitais particulares, mas seja decidida numa luta concorrencial, distribuindo-se de forma muito desigual e diversa conforme as vantagens particulares ou as posições já conquistadas, de modo que um capital se vê inativado, outro destruído, um terceiro experimenta apenas uma perda relativa ou sofre apenas uma desvalorização transitória etc.

Sob qualquer circunstância, o equilíbrio se estabeleceria por inativação e, em maior ou menor medida, mesmo por aniquilação de capital. Isso se estenderia, em parte, à substância material do capital; isto é, uma parte dos meios de produção, capital fixo e circulante, não funcionaria, não atuaria como capital; uma parte dos empreendimentos produtivos iniciados ficaria paralisada. Ainda que, sob esse aspecto, o tempo ataque e deteriore todos os meios de produção (com exceção do solo), teríamos aqui, em decorrência da paralisação das funções, uma destruição real muito mais intensa de meios de produção. No entanto, o efeito principal, sob esse aspecto, seria o de que esses meios de produção deixariam de atuar como tais; uma destruição mais breve ou mais prolongada de sua função como meios de produção.

A destruição principal, com o caráter mais agudo, teria lugar com relação ao capital e, na medida em que este possui atributo de valor, com relação aos valores de capital. A parte do valor de capital que só se encontra na forma de indicações de futuras participações no mais-valor, no lucro – de fato, como meros títulos de dívida sobre a produção sob diversas formas –, é imediatamente desvalorizada com a diminuição das entradas sobre as quais está calculada. Uma parte do ouro e da prata cunhados encontra-se inativa, não funciona como capital. Uma parte das mercadorias que se encontram no mercado só pode completar seu processo de circulação e reprodução por meio de uma enorme contração de seus preços, isto é, da desvalorização do capital que essa parte representa. Também os elementos do capital resultam mais ou menos desvalorizados. A isso se acrescenta que determinadas relações pressupostas de preços condicionam o processo de reprodução e que, em virtude disso, esse processo, devido à baixa geral dos preços, entra num estado de paralisação e desequilíbrio. Essa perturbação e esse estancamento paralisam a função do dinheiro como meio de pagamento – função dada simultaneamente com o desenvolvimento do capital e baseada naquelas relações pressupostas de preços –, interrompem em inúmeros pontos a cadeia das obrigações de pagamento em determinados prazos e são intensificados pelo conseguinte colapso do sistema de crédito desenvolvido simultaneamente ao capital, o que conduz a violentas e agudas crises, a súbitas desvalorizações forçadas, a um estancamento e uma perturbação reais do processo de reprodução e, com isso, a uma redução efetiva da reprodução.

Ao mesmo tempo, porém, outros agentes teriam entrado em jogo. A paralisação da produção teria inativado uma parte da classe trabalhadora e, com isso, colocado a parte ocupada numa situação em que ela teria de tolerar uma queda do salário, mesmo que abaixo da média; uma operação cujo efeito, para o capital, é exatamente o mesmo que se obteria se, mantendo-se o salário médio, o mais-valor relativo ou absoluto tivesse sido aumentado. (...)

Por outro lado, a queda de preços e a luta concorrencial teriam estimulado todo capitalista a reduzir o valor individual de seu produto total abaixo de seu valor geral mediante o emprego de novas máquinas, de novos métodos aperfeiçoados de trabalho, de novas combinações, isto é, a incrementar a força produtiva de dada quantidade de trabalho, diminuir a relação entre o capital variável e o constante e, com isso, liberar trabalhadores; em suma, a criar uma superpopulação artificial. Além disso, a desvalorização dos elementos do capital constante seria ela mesma um elemento a implicar a elevação da taxa de lucro. A massa do capital constante empregado teria aumentado em relação à massa do capital variável, mas o valor daquela massa poderia ter diminuído. A paralisação verificada na produção teria preparado uma ulterior ampliação desta última, dentro dos limites capitalistas.

E assim se percorreria novamente o círculo. Uma parte do capital, desvalorizada pela paralisação de suas funções, recuperaria seu antigo valor. Além disso, o mesmo círculo vicioso seria outra vez percorrido com condições de produção ampliadas, um mercado expandido e uma força produtiva aumentada.

Porém, mesmo sob o pressuposto extremo do qual partimos, a superprodução absoluta de capital não é uma superprodução absoluta em geral, uma superprodução absoluta de meios de produção. É uma superprodução de meios de produção somente na medida em que eles funcionam como capital e, por conseguinte, devem implicar – em proporção a seu valor, que aumenta ao aumentar sua massa – uma valorização desse valor, isto é, devem gerar um valor adicional.

Apesar disso, ela seria superprodução, porque o capital seria incapaz de explorar o trabalho num grau de exploração condicionado pelo desenvolvimento “saudável”, “normal”, do processo de produção capitalista, num grau de exploração que aumenta pelo menos a massa de lucro ao aumentar a massa do capital empregado, isto é, que exclui o fato de que a taxa de lucro decresce na mesma medida em que cresce o capital ou mesmo que a taxa de lucro decresce mais rapidamente do que cresce o capital.

A superprodução de capital não significa outra coisa senão a superprodução de meios de produção – meios de trabalho e de subsistência – que podem atuar como capital, isto é, que podem ser empregados para a exploração do trabalho em dado grau de exploração, uma vez que a queda desse grau de exploração abaixo de certo ponto provoca perturbações e paralisações do processo de produção capitalista, crises e destruição de capital. Não constitui uma contradição o fato de essa superprodução de capital ser acompanhada de uma superpopulação relativa maior ou menor. As mesmas circunstâncias que elevaram a força produtiva do trabalho aumentaram a massa dos produtos-mercadorias, expandiram os mercados, aceleraram a acumulação do capital, em relação tanto a sua massa como a seu valor, e rebaixaram a taxa de lucro; essas mesmas circunstâncias geraram e geram constantemente uma superpopulação relativa, uma superpopulação de trabalhadores que o capital excedente deixa de empregar em virtude do baixo grau de exploração do trabalho, único grau em que ela poderia ser empregada, ao menos em virtude da baixa taxa de lucro que ela proporcionaria como grau dado de exploração.

Se capital é mandado para o exterior, isso não ocorre por ser impossível ocupá-lo no interior, mas porque no exterior pode-se investi-lo com uma taxa de lucro mais alta. Mas esse é um capital absolutamente excedente para a população trabalhadora ocupada e para o país em geral. Ele existe como tal junto à população relativamente excedente, e isso é um exemplo de como ambos coexistem e se condicionam de maneira recíproca.

Por outro lado, a queda da taxa de lucro, vinculada à acumulação, provoca necessariamente uma luta concorrencial. A compensação da queda da taxa de lucro mediante o aumento da massa do lucro vale apenas para o capital total da sociedade e para os grandes capitalistas já consolidados. O novo capital adicional, de funcionamento autônomo, não encontra dada nenhuma dessas condições compensatórias; deve lutar por conquistá-las e, desse modo, a queda na taxa de lucro suscita a luta concorrencial entre os capitais, e não o inverso. No entanto, essa luta concorrencial é acompanhada de um aumento transitório dos salários e, como consequência desse aumento, de uma diminuição temporária da taxa de lucro. O mesmo se manifesta na superprodução de mercadorias, no abarrotamento dos mercados. Como o fim do capital não é a satisfação das necessidades, mas a produção de lucro, e como ele só alcança esse objetivo em virtude de métodos que regulam o volume da produção com relação à escala da produção, e não o inverso, deve produzir-se constantemente uma cisão entre as dimensões restritas do consumo sobre a base capitalista e uma produção que tende constantemente a superar essa barreira que lhe é imanente. Além disso, o capital se compõe de mercadorias, razão pela qual a superprodução de capital implica a superprodução de mercadorias. Daí o curioso fenômeno de os mesmos economistas que negam a superprodução de mercadorias admitirem a de capital. Quando se diz que nos diversos ramos da produção não ocorre uma superprodução geral, mas uma desproporção, isso significa apenas que, no interior da produção capitalista, a proporcionalidade entre os diversos ramos da produção se estabelece como um processo constante a partir da desproporcionalidade, na medida em que aqui a relação da produção total se impõe aos agentes da produção como uma lei cega, e não como uma lei compreendida e, portanto, dominada por sua inteligência associada, que submeta o processo de produção a seu controle coletivo. Além disso, exige-se que países onde o modo de produção capitalista não está desenvolvido consumam e produzam numa medida adequada aos países do modo de produção capitalista. Quando se diz que a superprodução é relativa, isso é totalmente correto; mas o modo de produção capitalista inteiro é apenas um modo de produção relativo, cujos limites não são absolutos, mas que o são para ele, sobre sua base. De outro modo, como poderia faltar a demanda das mesmas mercadorias das quais carece a massa do povo e como seria possível buscar essa demanda no exterior, em mercados mais distantes, para poder pagar aos trabalhadores do próprio país a média dos meios de subsistência? Porque é somente nesse contexto específico, capitalista, que o produto excedente assume uma forma em que seu possuidor só pode colocá-lo à disposição do consumo enquanto esse produto se reconverter para ele em capital. Por fim, ao se afirmar que os capitalistas têm apenas de intercambiar entre si suas mercadorias e consumi-las, esquece-se de todo o caráter da produção capitalista e também de que se trata da valorização do capital, não de seu consumo. Em suma, todas as objeções contra os fenômenos palpáveis da superprodução (fenômenos que não se preocupam com tais objeções) tendem a indicar que os limites da produção capitalista não são limites da produção em geral e que, por isso, tampouco são limites desse modo específico de produção, o capitalista. Mas a contradição desse modo de produção capitalista consiste precisamente em sua tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, em permanente conflito com as condições específicas de produção em que o capital se move e tem necessariamente de se mover.

Não se produzem demasiados meios de subsistência em proporção à população existente. Pelo contrário. Produzem-se muito poucos para satisfazer a massa da população de maneira digna e humana.

Não se produzem demasiados meios de produção para ocupar a parte da população capaz de trabalhar. Pelo contrário. Em primeiro lugar, produz-se uma parte excessivamente grande da população que, na realidade, não se encontra em condições de trabalhar e que, pelas circunstâncias, depende da exploração do trabalho alheio ou de atividades que só se podem considerar como trabalho dentro de um modo miserável de produção. Em segundo lugar, não se produzem meios de produção suficientes para que toda a população em condições de trabalhar possa fazê-lo sob as condições mais produtivas, isto é, para que seu tempo absoluto de trabalho seja abreviado pela massa e pela eficácia do capital constante que se emprega durante esse tempo de trabalho.

O que ocorre é que se produzem periodicamente meios de trabalho e meios de subsistência numa quantidade excessiva para ser empregados como meios de exploração dos trabalhadores a uma taxa de lucro determinada. Produzem-se demasiadas mercadorias para realizar o valor e o mais-valor nelas contidos sob as condições de distribuição e consumo dadas pela produção capitalista e reconvertê-los em novo capital, isto é, para efetuar esse processo sem explosões sempre recorrentes.

Não é que se produza demasiada riqueza. O que ocorre é que se produz periodicamente demasiada riqueza sob suas formas capitalistas antagônicas.

O limite do modo de produção capitalista se manifesta:

1.      No fato de que o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gera, com a queda da taxa de lucro, uma lei que, em certo ponto, opõe-se do modo mais hostil ao desenvolvimento dessa força produtiva e que, por isso, tem de ser constantemente superada por meio de crises.

2.     No fato de que é a apropriação de trabalho não pago e a proporção entre este último e o trabalho objetivado em geral – dito em termos capitalistas, o lucro e sua proporção entre esse lucro e o capital empregado, ou seja, certo nível da taxa de lucro – que decidem se a produção deve ser expandida ou restringida, e não a relação entre a produção e as necessidades sociais, as necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isso, a produção, ao atingir determinado grau de expansão, encontra limitações que, sob outros pressupostos, seriam absolutamente insuficientes. Ela fica paralisada não no ponto em que isso se impõe pela satisfação das necessidades, mas naquele em que isso é exigido pela produção e pela realização de lucros.

Se a taxa de lucro diminui, vemos que, de um lado, o capital é tensionado para que o capitalista individual possa comprimir o valor individual de suas distintas mercadorias abaixo de seu valor social médio mediante a utilização de melhores métodos etc. e, desse modo, com um preço de mercado dado, obter um lucro extra; de outro lado, há um movimento de especulação e um estímulo geral à especulação, mediante apaixonados ensaios de novos métodos de produção, novos investimentos de capital e novas aventuras para garantir um lucro extra que seja independente da média geral e se eleva acima dessa média.

A taxa de lucro, isto é, o incremento proporcional de capital, é especialmente importante para todas as novas ramificações do capital que se agrupam de maneira autônoma. Tão logo a formação de capital caísse exclusivamente nas mãos de uns poucos grandes capitais já estruturados, para os quais a massa do lucro compensa a taxa deste último, o fogo que anima a produção se extinguiria por completo. A produção adormeceria. A taxa de lucro é a força motriz na produção capitalista, na qual só se produz aquilo que se pode produzir com lucro e na medida em que se possa produzi-lo com lucro. Daí o medo dos economistas ingleses diante da diminuição da taxa de lucro. O fato de que a mera possibilidade de tal diminuição inquiete Ricardo demonstra precisamente sua profunda compreensão das condições da produção capitalista. Aquilo que nele se reprova, a saber, o fato de que, ao tratar da produção capitalista, ele não se preocupa com os “seres humanos” e leva em conta apenas o desenvolvimento das forças produtivas – não se importando com o custo desse desenvolvimento em termos de sacrifícios de seres humanos e de valores de capital –, é justamente o que esse autor tem de importante. O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é a missão histórica e a justificação do capital. É precisamente com esse desenvolvimento que o capital cria inconscientemente as condições materiais para uma forma superior de produção. O que inquieta Ricardo é que a taxa de lucro, estímulo da produção capitalista, condição e força motriz da acumulação, seja posta em perigo pelo próprio desenvolvimento da produção. Aqui, a proporção quantitativa é o essencial. Na realidade, isso se baseia em algo mais profundo, que Ricardo mal vislumbra. Aqui se mostra de maneira puramente econômica, isto é, do ponto de vista burguês, dentro dos limites do entendimento capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista, sua limitação, sua relatividade, o fato de não ser um modo de produção absoluto, mas apenas um modo de produção histórico, correspondente a certa época de desenvolvimento limitado das condições materiais de produção.”

 

 

“{O valor da mercadoria está determinado pelo tempo total de trabalho, pretérito e vivo, que é nela incorporado. O incremento da produtividade do trabalho consiste precisamente em diminuir a parte do trabalho vivo e aumentar a do trabalho pretérito, mas de tal modo que diminua a soma total do trabalho contido na mercadoria, isto é, de modo que o trabalho vivo diminua mais do que aumenta o trabalho pretérito. O trabalho pretérito contido no valor de uma mercadoria – a parcela do capital constante – consiste, em parte, no desgaste do capital constante fixo e, em parte, no capital constante circulante, incorporado por completo na mercadoria sob a forma de matérias-primas e materiais auxiliares. A parcela de valor proveniente das matérias-primas e dos materiais auxiliares tem de sofrer uma redução com [o aumento d]a produtividade do trabalho, uma vez que, no que diz respeito a esses materiais, essa produtividade revela-se precisamente no decréscimo do valor destes últimos. Em contrapartida, o que caracteriza o aumento da força produtiva do trabalho é justamente o fato de que a parte fixa do capital constante experimenta um forte aumento – o mesmo ocorre com a parcela de valor desse capital constante que se transfere às mercadorias por meio do desgaste. Ora, para que um novo método de produção possa significar um aumento real da produtividade, a parcela adicional de valor que ele transfere à mercadoria individual por meio do desgaste de capital fixo tem de ser menor que a parcela de valor que se economiza em consequên­cia da diminuição de trabalho vivo; em outras palavras, ele tem de reduzir o valor da mercadoria. E tem de fazê-lo, evidentemente, ainda que – como ocorre em alguns casos – entre na formação de valor da mercadoria, além da parte adicional de desgaste do capital fixo, uma parcela adicional de valor relativa ao aumento ou encarecimento das matérias-primas ou dos materiais auxiliares. Todos esses acréscimos de valor precisam ser mais do que compensados pelo decréscimo de valor resultante da redução do trabalho vivo.

Desse modo, a redução da quantidade total de trabalho que entra na mercadoria parece ser a marca essencial do aumento da força produtiva do trabalho, sejam quais forem as condições sociais sob as quais essa redução se produz. Numa sociedade em que os produtores regulassem sua produção segundo um plano traçado de antemão, nele incluída até mesmo a produção simples de mercadorias, a produtividade do trabalho também seria medida incondicionalmente segundo esse padrão. Mas o que ocorre na produção capitalista?”

 

 

Um desenvolvimento das forças produtivas que reduzisse o número absoluto dos trabalhadores, isto é, que, de fato, capacitasse a nação inteira a efetuar sua produção total num intervalo de tempo menor, provocaria uma revolução, pois deixaria fora de atividade a maior parte da população. Nisso se manifesta, uma vez mais, a limitação específica da produção capitalista e o fato de que ela não é de modo nenhum uma forma absoluta para o desenvolvimento das forças produtivas e a geração de riqueza, mas uma forma que, ao contrário, tão logo atinge certo ponto, entra em colisão com esse desenvolvimento. Essa colisão se manifesta parcialmente em crises periódicas, que decorrem do fato de tornar-se supérflua, ora esta parte da população trabalhadora, ora aquela, em seu antigo modo de ocupação. A limitação da produção capitalista é o tempo excedente dos trabalhadores. O tempo excedente absoluto que a sociedade ganha não lhe importa de modo nenhum. O desenvolvimento da força produtiva só é importante para ela na medida em que aumenta o tempo de mais-trabalho da classe trabalhadora, e não na medida em que reduz em geral o tempo de trabalho para a produção material; a produção capitalista se move, assim, no interior de uma antítese.

Vimos que a crescente acumulação do capital implica uma crescente concentração deste último. Assim cresce o poder do capital, a autonomização das condições sociais da produção, personificadas no capitalista em face dos produtores reais. O capital se mostra cada vez mais como um poder social, cujo funcionário é o capitalista, e que já não guarda nenhuma relação com o que o trabalho de um indivíduo isolado possa criar – mas se apresenta como um poder social estranhado, autonomizado, que se opõe à sociedade como uma coisa, e como poder do capitalista através dessa coisa. A contradição entre o poder social geral em que se converte o capital e o poder privado dos capitalistas individuais sobre essas condições sociais de produção desenvolve-se de maneira cada vez mais gritante e implica a dissolução dessa relação, na medida em que implica ao mesmo tempo a transformação das condições de produção em gerais, coletivas, sociais. Essa transformação está dada pelo desenvolvimento das forças produtivas sob a produção capitalista e pela maneira como se opera esse desenvolvimento.”

 

 

O capital comercial não é senão aquele que atua dentro da esfera da circulação. O processo de circulação constitui uma fase do processo global da reprodução. Mas no processo da circulação não se produz nenhum valor, por conseguinte, tampouco mais-valor. Nele ocorrem apenas alterações de forma da mesma massa de valor. Com efeito, nele não ocorre mais do que a metamorfose das mercadorias, que, como tal, não guarda qualquer relação com a criação ou a modificação de valor. Se na venda da mercadoria produzida se realiza um mais-valor, é porque esse mais-valor já existia nessa mercadoria; no segundo ato, portanto, em que se volta a intercambiar o capital monetário por mercadoria (elementos de produção), tampouco o comprador realiza um mais-valor; esse ato não faz mais do que iniciar a produção de mais-valor mediante o intercâmbio de dinheiro por meios de produção e força de trabalho. Pelo contrário, na medida em que essas metamorfoses consomem tempo de circulação – tempo no qual o capital não produz absolutamente nada, tampouco mais-valor –, o que esse tempo faz é limitar a criação de valor, e o mais-valor, enquanto taxa de lucro, se expressa precisamente na proporção inversa da duração do tempo de circulação. Por conseguinte, o capital comercial não cria valor nem mais-valor, não diretamente. Na medida em que contribui para a abreviação do tempo de circulação, ele pode ajudar indiretamente a aumentar o mais-valor produzido pelo capitalista industrial. Na medida em que ajuda a expandir o mercado e em que medeia a divisão do trabalho entre os capitais, isto é, em que capacita o capital a trabalhar em maior escala, sua função promove a produtividade do capital industrial e sua acumulação. Na medida em que abrevia o tempo de curso, ele eleva a proporção entre o mais-valor e o capital adiantado, isto é, a taxa de lucro. Na medida em que coloca na esfera da circulação uma parte menor do capital como capital monetário, ele aumenta a parte do capital diretamente investida na produção.”

 

 

Está claro, então, que o lucro do capitalista industrial equivale ao excedente do preço de produção da mercadoria acima de seu preço de custo e que, diferentemente desse lucro industrial, o lucro comercial equivale ao excedente do preço de venda acima do preço de produção da mercadoria, o que constitui seu preço de compra para o comerciante; que, no entanto, o preço real da mercadoria é = seu preço de produção + o lucro mercantil (comercial). Assim como o capital industrial só realiza lucro que já está incorporado como mais-valor no valor da mercadoria, o capital comercial o realiza tão somente porque o mais-valor ou o lucro no preço da mercadoria realizado pelo capitalista industrial ainda não está realizado no mais-valor ou no lucro em sua totalidade[39]. O preço de venda do comerciante não é, portanto, superior ao preço de compra porque está acima do valor total, mas sim porque se encontra abaixo dele.

Por conseguinte, o capital comercial entra na equalização de mais-valor para formar o lucro médio, apesar de não entrar na produção desse mais-valor. Daí que a taxa geral de lucro já contenha a dedução do mais-valor correspondente ao capital comercial, ou seja, uma dedução do lucro do capital industrial.”

[39] John Bellers.

 

 

As rotações do capital comercial são mais longas ou mais breves; seu número anual é, portanto, maior ou menor em diferentes ramos comerciais. Dentro do mesmo ramo, a rotação é mais rápida ou mais lenta em diversas fases do ciclo econômico. No entanto, verifica-se um número médio de rotações, o qual é encontrado por meio da experiência.

Vimos anteriormente que a rotação do capital comercial é distinta daquela do capital industrial. Isso decorre da natureza da coisa: uma fase isolada na rotação do capital industrial aparece como a rotação completa de um capital comercial próprio ou como parte dela. Além disso, ela também se relaciona de maneira diferente com a determinação do lucro e do preço.

No caso do capital industrial, a rotação expressa, por um lado, a periodicidade da reprodução, e disso depende, portanto, a massa de mercadorias que se lançam no mercado num período determinado. Por outro lado, o tempo de circulação constitui um limite, certamente elástico, que, ao influir no volume do processo de produção, influi também de maneira mais ou menos restritiva na formação do valor e do mais-valor. Por isso, a rotação entra de maneira decisiva, não como elemento positivo, mas restritivo, na massa do mais-valor anualmente produzido e, portanto, na formação da taxa geral de lucro. Em contrapartida, a taxa média de lucro constitui uma grandeza dada para o capital comercial. Este não contribui diretamente para a criação do lucro ou do mais-valor e só exerce uma influência determinante na formação da taxa geral de lucro na medida em que, de acordo com sua participação no capital total, ele extrai seus dividendos da massa do lucro produzido pelo capital industrial.”

 

 

Se – como o leitor terá descoberto, para seu desapontamento – a análise das conexões internas e efetivas do processo de produção capitalista é uma questão muito intricada e um trabalho extremamente minucioso e se compete à ciência reduzir o movimento visível, meramente aparente, ao movimento real interno, é evidente que na mente dos agentes da produção e da circulação capitalistas terão necessariamente de se formar ideias sobre as leis da produção que divirjam inteiramente dessas leis e que sejam apenas a expressão consciente do movimento aparente. As ideias de um comerciante, de um especulador da Bolsa ou de um banqueiro são necessariamente falsas por completo. As dos fabricantes foram falseadas pelos atos de circulação, aos quais está submetido seu capital, e pelo nivelamento da taxa geral de lucro[41]. Na mente desses indivíduos, a concorrência também assume necessariamente um papel equivocado por completo. Se os limites do valor e do mais-valor estão dados, é fácil vislumbrar como a concorrência dos capitais transforma valores em preços de produção e, mais ainda, em preços comerciais, e o mais-valor em lucro médio. Sem esses limites, porém, é absolutamente impossível vislumbrar por que a concorrência reduz a taxa geral de lucro a esse limite, em vez de àquele outro – a 15%, em vez de a 1.500%. No máximo, ela pode reduzi-la a certo nível. Mas nela não há absolutamente nenhum elemento que permita determinar esse nível.”

[41] Uma afirmação muito ingênua, mas ao mesmo tempo bastante exata: “Sem dúvida, também o fato de que a mesma mercadoria possa ser obtida de diferentes vendedores a preços bastante divergentes se deve muito frequentemente a um cálculo incorreto” ([Friedrich Ernst] Feller e [Carl Gustav] Odermann, Das Ganze der kaufmännischen Arithmetik, [7. ed., Leipzig, O. A. Schulz,], 1859) [p. 451]. O que demonstra até que ponto a determinação dos preços é algo puramente teórico, abstrato.

 

 

Em seus primórdios, o capital comercial é meramente o movimento mediador entre extremos que ele não domina e entre pressupostos que ele não cria.

Assim como o dinheiro surge da mera forma da circulação de mercadorias – M-D-M – não só como medida do valor e meio de circulação, mas como forma absoluta da mercadoria e, com isso, da riqueza, como tesouro, de tal maneira que sua conservação e seu crescimento como dinheiro se transformam num fim em si mesmo, assim também o dinheiro, o tesouro, surge da mera forma de circulação do capital comercial – D-M-D’ – como algo que se conserva e se multiplica por mera alienação.

Os povos comerciantes da Antiguidade existiam nos intermúndios, como os deuses de Epicuro* ou, seria possível dizer ainda, como os judeus nos poros da sociedade polonesa. O comércio das primeiras cidades e dos povos comerciais independentes e altamente desenvolvidos se baseava, como puro comércio de transporte de mercadorias, na barbárie dos povos produtores, entre os quais atuavam como intermediários.

Nos estágios iniciais da sociedade capitalista, o comércio domina a indústria; na sociedade moderna, ocorre o inverso. Naturalmente, o comércio exercerá um efeito retroativo maior ou menor sobre as comunidades entre as quais ele se desenvolve e submeterá cada vez mais a produção ao valor de troca, fazendo com que os desfrutes e a subsistência dependam mais da venda que do uso direto do produto. Desse modo, ele dissolve as antigas relações e incrementa a circulação monetária. Ele não se limita mais a apoderar-se do excedente da produção, mas devora paulatinamente a própria produção, fazendo com que ramos inteiros desta última passem a estar sujeitos a ele. No entanto, esse efeito dissolvente depende muito da natureza da comunidade produtora.

Por todo o tempo em que o capital comercial medeia a troca de produtos de comunidades não desenvolvidas, o lucro comercial não só aparece como logro e vantagem abusiva, mas, em grande parte, resulta realmente destes últimos. Além de explorar a diferença entre os preços de produção de diferentes países (contribuindo, assim, para nivelar e fixar os valores das mercadorias), aqueles modos de produção contam com o fato de que o capital comercial se apropria de uma parte predominante do mais-produto, por um lado, como intermediário entre comunidades cuja produção ainda se encontra fundamentalmente orientada para o valor de uso e para cuja organização econômica a venda da parte do produto que entra realmente na circulação – isto é, em geral, a venda dos produtos por seu valor – tem uma importância secundária; por outro lado, pelo fato de que naqueles modos de produção mais antigos os principais possuidores do mais-produto, com os quais o comerciante negocia – o proprietário de escravos, o senhor feudal e o Estado (por exemplo, o déspota oriental) –, representam a riqueza fruitiva que o comerciante busca abocanhar, como já pressentira corretamente Adam Smith com relação à época feudal, na passagem citada. Portanto, onde quer que o capital comercial exerça um poder preponderante, ele constitui um sistema de saqueio[48], do mesmo modo que seu desenvolvimento nos povos comerciantes, tanto dos tempos antigos como dos mais recentes, vincula-se diretamente à pilhagem violenta, à pirataria, ao roubo de escravos e ao subjugamento nas colônias; assim foi em Cartago, em Roma e, mais tarde, entre venezianos, portugueses, holandeses etc.

A evolução do comércio e do capital comercial desenvolve por toda parte a orientação da produção para o valor de troca, aumenta seu volume, multiplica-a e cosmopolitiza-a, desenvolvendo o dinheiro em dinheiro mundial. Por isso, o comércio tem, em toda parte, uma ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações preexistentes da produção, as quais, em todas as formas distintas, estão orientadas principalmente para o valor de uso. Em que medida ele provoca a dissolução do antigo modo de produção depende, antes de mais nada, da firmeza e da estrutura interna deste último. E onde esse processo de dissolução desembocará, isto é, que novo modo de produção ocupará o lugar do antigo, é algo que não depende do comércio, mas do caráter do próprio modo de produção antigo. No mundo antigo, o desenvolvimento do comércio e do capital comercial sempre resultou na economia escravista; dependendo do ponto de partida, seu resultado foi apenas a transformação de um sistema escravista patriarcal, voltado à produção de meios diretos de subsistência, num sistema voltado à produção de mais-valor. No mundo moderno, em contrapartida, esse desenvolvimento desemboca no modo de produção capitalista. Depreende-se daí que esses mesmos resultados foram condicionados ainda por circunstâncias totalmente distintas do que pelo desenvolvimento do capital comercial.

Reside na natureza das coisas que, tão logo a indústria urbana se separa da agrícola, seus produtos sejam, desde já, mercadorias, cuja venda requer, pois, a mediação do comércio. Nessa medida, compreende-se que o comércio se apoie no desenvolvimento urbano e que, por sua vez, este último seja condicionado pelo comércio. No entanto, saber até onde o desenvolvimento industrial mantém o mesmo ritmo do desenvolvimento do comércio é algo que depende inteiramente de outras circunstâncias. Na Roma Antiga, na época republicana tardia, o capital comercial foi desenvolvido num grau maior do que jamais havia sido em todo o mundo antigo, sem que tenha ocorrido nenhum progresso no desenvolvimento da indústria, ao passo que, em Corinto e em outras cidades gregas da Europa e da Ásia Menor, uma indústria altamente desenvolvida acompanhou o desenvolvimento do comércio. Por outro lado, inversamente ao desenvolvimento das cidades e de suas condições, o espírito comercial e o desenvolvimento do capital comercial costumam ser características de povos nômades, não sedentários.

Não resta dúvida – e precisamente esse fato gerou pontos de vista totalmente falsos – de que nos séculos XVI e XVII as grandes revoluções ocorridas no comércio graças aos descobrimentos geográficos e que incrementaram rapidamente o desenvolvimento do capital comercial constituem um fator fundamental no favorecimento da transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. A súbita expansão do mercado mundial, a diversificação das mercadorias em circulação, a disputa entre as nações europeias por apoderar-se dos produtos asiáticos e dos tesouros americanos, o sistema colonial, tudo isso contribuiu de maneira essencial para derrubar as barreiras feudais da produção. No entanto, em seu primeiro período, o da manufatura, o modo de produção moderno só se desenvolveu onde as condições para isso haviam surgido durante a Idade Média. Comparemos, por exemplo, Holanda com Portugal[49]. Se no século XVI e, em parte, ainda no século XVII, a súbita expansão do comércio e a criação de um novo mercado mundial contribuíram de maneira preponderante para o declínio do antigo modo de produção e a ascensão do modo de produção capitalista, isso ocorreu, inversamente, sobre a base do modo de produção capitalista, uma vez que este havia sido criado. O próprio mercado mundial constitui a base desse modo de produção. Por outro lado, a necessidade imanente que este último possui de produzir em escala cada vez maior gera um impulso à constante expansão do mercado mundial, de modo que, nesse caso, não é o comércio que revoluciona a indústria, mas é ela que revoluciona constantemente o comércio. Também o domínio comercial encontra-se agora vinculado ao maior ou ao menor predomínio das condições da grande indústria. Comparemos, por exemplo, Inglaterra e Holanda. A história do declínio da Holanda como nação comercial dominante é a história da subordinação do capital comercial ao capital industrial. Os obstáculos que a firmeza e a estruturação internas dos modos de produção nacionais pré-capitalistas impõem à ação dissolvente do comércio mostram-se decisivos no tráfico dos ingleses com a Índia e a China. A ampla base do modo de produção é aqui formada pela unidade da pequena agricultura e da indústria doméstica, às quais, na Índia, acrescenta-se ainda a forma das comunas aldeãs – que também na China constituíam a forma primitiva – baseadas na propriedade comum do solo. Na Índia, os ingleses também empregaram seu poder político e econômico direto, como governantes e rentistas da terra, para aniquilar essas pequenas comunidades econômicas[50]. Se aqui se pode falar em um efeito revolucionador de seu comércio sobre o modo de produção, é apenas na medida em que, por meio do baixo preço de suas mercadorias, eles aniquilam as atividades de fiação e de tecelagem, que constituem, desde tempos antiquíssimos, uma parte integrante dessa unidade da produção agrícola-industrial e, com isso, desagregam essas comunidades. Mesmo nesse caso eles só conseguem realizar esse trabalho de dissolução muito paulatinamente – em especial na China, onde não recebem o auxílio do poder político direto. A grande economia de tempo que resulta da combinação direta de agricultura e manufatura oferece aqui a mais obstinada resistência aos produtos da grande indústria, em cujo preço entram os faux frais [custos mortos] do processo de circulação que os atravessa por toda parte. Já o comércio russo, diferentemente do inglês, deixa intactos os fundamentos econômicos da produção asiática[51].

A transição do modo de produção feudal se efetua de duas maneiras. O produtor se torna mercador e capitalista, em contraposição à economia natural agrícola e ao artesanato – organizado em corporações – da indústria urbana medieval. Essa é a via de fato revolucionária. Ou, então, o mercador se apodera diretamente da produção. Ainda que esta última via funcione historicamente como transição – como é o caso, por exemplo, do clothier [comerciante têxtil] inglês do século XVII, que coloca sob seu efetivo controle os tecelões nominalmente independentes, vendendo-lhes lã e comprando tecido deles –, ela não produz, por si mesma, a alteração radical [Umwälzung] do antigo modo de produção, mas, antes, o conserva e o mantém como seu pressuposto. Assim, por exemplo, em sua maior parte, e ainda até meados deste século, o fabricante na indústria francesa da seda ou na indústria inglesa de meias e de rendas era apenas nominalmente um fabricante, pois, na realidade, ele era um simples mercador, que mantinha os tecelões trabalhando à antiga maneira fragmentária e exercia apenas o domínio do mercador, para quem, de fato, eles trabalhavam[52]. Esse sistema se apresenta em toda parte como um obstáculo ao modo de produção capitalista e desaparece com o desenvolvimento deste último. Sem revolucionar o modo de produção, ele só faz agravar a situação dos produtores diretos, convertendo-os em meros assalariados e proletários sob condições mais precárias que as dos diretamente subsumidos ao capital, e se apropria de seu mais-trabalho sobre a base do antigo modo de produção. A mesma relação subsiste, um pouco modificada, numa parte da fabricação londrina de móveis, operada de maneira artesanal. Ela é praticada especialmente nos Tower Hamlets[b], em escala muito ampla. A produção inteira está dividida em diversos ramos de atividade independentes entre si. Uma empresa faz somente cadeiras; a outra, somente mesas; a terceira, somente armários etc. Mas essas empresas, embora sejam operadas de maneira mais ou menos artesanal, por um pequeno mestre com uns poucos oficiais, produzem numa quantidade grande demais para que possam trabalhar diretamente para clientes particulares. Seus compradores são os donos de lojas de móveis. Aos sábados, o mestre vai visitá-los e vende seu produto, que tem o preço regateado tal como numa casa de penhores se regateia o valor de tal ou qual objeto. Esses mestres dependem da venda semanal para comprar a matéria-prima que será utilizada na semana seguinte e poder pagar os salários. Sob essas circunstâncias, eles são, na realidade, apenas intermediários entre o mercador e seus próprios trabalhadores. O mercador é o verdadeiro capitalista, que embolsa a maior parte do mais-valor[53]. Semelhante é o que acontece quando transitam para a manufatura aqueles ramos que até então eram operados de forma artesanal ou como ramos acessórios da indústria rural. A depender do desenvolvimento técnico que ostente essa pequena empresa autônoma – onde quer que se utilizem máquinas que permitam uma operação de tipo artesanal –, tem lugar também uma transição para a grande indústria; a máquina não é movida à mão, mas a vapor, tal como ocorre ultimamente, por exemplo, no ramo inglês de fabricação de meias.

Tem-se, assim, uma tripla transição: primeiro, o comerciante converte-se diretamente em industrial; é o que ocorre nas indústrias fundadas no comércio, em especial naquelas de artigos de luxo, os quais os mercadores importam do estrangeiro junto com as matérias-primas e os trabalhadores, como ocorria no século XV, quando se importava de Constantinopla para a Itália. Segundo, o mercador transforma os pequenos mestres em seus intermediários (middlemen) ou compra diretamente do produtor autônomo; este continua a ser nominalmente autônomo, e seu modo de produção fica inalterado. Terceiro, o industrial converte-se em mercador e produz em grande escala, diretamente para o comércio.

Na Idade Média, o mercador, como diz corretamente Poppe[c], é apenas um “contratador” [Verleger] das mercadorias produzidas, seja pelos artesãos reunidos em corporações, seja pelos camponeses. O mercador torna-se industrial ou, antes, faz com que a indústria artesanal – sobretudo a pequena indústria rural – trabalhe para ele. Por outro lado, o produtor torna-se mercador. Em vez de, por exemplo, o mestre tecelão receber lã do mercador, aos poucos e em pequenas porções, e trabalhar com seus oficiais para este último, ele mesmo compra a lã ou o fio e vende tecido ao mercador. Os elementos de produção entram no processo de produção como mercadorias compradas por ele mesmo. Em vez de produzir para o mercador individual ou para determinados clientes, agora o tecelão de pano produz para o mundo do comércio. O produtor é, ele mesmo, mercador. O capital comercial realiza apenas o processo de circulação. Originalmente, o comércio foi o pressuposto para a transformação da indústria corporativa e doméstico-rural e da agricultura feudal em empresas capitalistas. O comércio desenvolve o produto, transforma-o em mercadoria, em parte criando para ele um mercado e em parte introduzindo novos equivalentes-mercadorias [Waarenäquivalente] e agregando novas matérias-primas e materiais auxiliares à produção. Com isso, ele inaugura novos ramos de produção, fundados desde o início no comércio, tanto no que diz respeito à produção para o mercado doméstico e o mercado mundial como no que diz respeito às condições de produção que têm origem no mercado mundial. Tão logo a manufatura se fortalece de alguma maneira – e, mais ainda, a grande indústria –, ela cria um mercado para si mesma, conquista-o por meio de suas mercadorias. Agora o comércio se converte em servidor da produção industrial, para a qual a constante expansão do mercado é condição vital. Uma produção em massa, cada vez mais ampla, inunda o mercado existente e, assim, promove constantemente a expansão desse mercado, a derrubada de suas barreiras. O que limita essa produção em massa não é o comércio (na medida em que ele expressa apenas uma demanda existente), mas a grandeza do capital atuante e a força produtiva desenvolvida do trabalho. O capitalista industrial tem sempre diante de si o mercado mundial; ele confronta e tem de confrontar constantemente seus próprios preços de custo com os preços de mercado, não só aqueles praticados em seu país, mas no mundo inteiro. Na época anterior, realizar essa comparação era algo que competia quase exclusivamente aos mercadores, que assim asseguravam a supremacia do capital comercial sobre o capital industrial.

A primeira abordagem teórica do modo de produção moderno – o sistema mercantilista – teve necessariamente de partir dos fenômenos superficiais do processo da circulação, tais como se apresentam autonomizados no movimento do capital comercial. Por isso, essa abordagem só capturou a aparência, em parte pelo fato de o capital comercial ser o primeiro modo livre de existência do capital em geral, em parte devido a sua preponderância no primeiro período de revolucionamento da produção feudal, o nascimento da produção moderna. A verdadeira ciência da economia moderna só nasce quando a consideração teórica passa do processo de circulação ao processo de produção. É verdade que o capital portador de juros também constitui uma forma extremamente antiga do capital. Adiante, veremos a razão pela qual o mercantilismo não parte dessa forma, mas, ao contrário, polemiza contra ela.”

*: Segundo Epicuro, os deuses habitam os “intramundos”, isto é, os espaços que separam os diferentes mundos uns dos outros; eles não exercem qualquer influência sobre o desenvolvimento do mundo ou sobre a vida dos homens. (N. E. A. MEGA)

[48] “Da parte dos mercadores, ouve-se agora uma grande queixa contra cavaleiros ou ladrões. Reclamam de ser obrigados a comerciar em condições muito perigosas e de, além disso, ser aprisionados, golpeados, despojados e saqueados. Mas, se padecessem tudo isso por amor à justiça, os mercadores certamente seriam gente muito santa […]. Considerando-se que no mundo inteiro grandes injustiças como essas e muitos furtos e roubos anticristãos são cometidos pelos próprios mercadores, inclusive uns contra os outros, quem poderia ficar surpreso se Deus cuidasse que tais e tais bens, tendo sido obtidos com injustiça, voltassem a ser perdidos ou roubados e que, ainda por cima, seus próprios possuidores fossem golpeados nas cabeças ou aprisionados? […] Aos príncipes caberia, pelo uso da legítima violência, castigar e proibir tão injusto comércio, de modo que seus súditos não fossem tão vergonhosamente defraudados pelos mercadores. Como não o fazem, Deus necessita de cavaleiros e ladrões, que Lhe servem como diabos, por meio dos quais Ele castiga a iniquidade dos mercadores. Do mesmo modo como assola com diabos a terra do Egito e o mundo inteiro, ou o destrói com inimigos, Deus faz com que um velhaco aniquile o outro, sem que, com isso, dê a entender que os cavaleiros sejam ladrões de menor monta que os mercadores, porquanto estes roubam diariamente o mundo inteiro, enquanto um cavaleiro o faz uma ou duas vezes ao ano, assaltando uma ou duas pessoas.” “Guiai-vos pelas palavras de Isaías: teus príncipes tornaram-se companheiros dos ladrões. Enquanto mandam enforcar ladrões que roubaram um ou meio florim, os príncipes fazem negócios com aqueles que roubam o mundo inteiro, e roubam com maior segurança que todos os demais, fazendo valer o ditado: os grandes ladrões enforcam os pequenos. Como disse o senador romano Catão: ladrões comuns jazem em masmorras e cadafalsos, mas os ladrões públicos se vestem de ouro e seda. O que dirá Deus, por fim, de tudo isso? Ele fará aquilo que anuncia pela boca de Ezequiel: fundirá príncipes e mercadores, um ladrão ao outro, como o chumbo e o cobre, do mesmo modo como uma cidade se consome em chamas por completo, sem que dela restem príncipes ou mercadores” (Martinho Lutero, Bücher vom Kaufhandel und Wucher. Vom Jahr 1527) [Martin Luther, “Von Kauffshandlung und Wucher”, em Der sechste Teil der Bücher des Ehrwirdigen Herrns Doctoris Martini Lutheri, Wittemberg, 1589, p. 296-7. – N. T.].

[49] O grande predomínio que – abstraindo de todas as outras circunstâncias – teve no desenvolvimento da Holanda a base estabelecida na pesca, na manufatura e na agricultura já foi exposto por alguns escritores do século XVIII. Ver, por exemplo, Massie. Em contraste com a concepção anterior, que subestimava o volume e a importância do comércio asiático, antigo e medieval, tornou-se moda superestimá-los extraordinariamente. A melhor maneira de curar-se dessa concepção é examinar exportações e importações inglesas no início do século XVIII e confrontá-las com as atuais. No entanto, elas eram incomparavelmente maiores que as de qualquer povo comercial anterior. (Ver Anderson, History of Commerce [p. 261 e seg.].)

[50] Mais do que qualquer outro povo, a administração inglesa na Índia oferece a história de experimentos malogrados e realmente ridículos (na prática, infames). Em Bengala, os ingleses criaram uma caricatura da grande propriedade rural inglesa; no sudoeste da Índia, uma caricatura da propriedade parcelária; no noroeste, na medida em que foi possível, transformaram a comuna econômica indiana, com sua propriedade comum da terra, numa caricatura de si mesma.

[51] Isso também já começa a se modificar, desde o momento em que a Rússia começou a empreender os esforços mais extremos para desenvolver uma produção capitalista própria, orientada exclusivamente ao mercado interno e ao mercado asiático limítrofe. (F. E.)

[52] O mesmo valia para passamanarias e tecelagens de seda na Renânia. Em Krefeld, chegou-se a construir uma ferrovia própria para o intercurso entre esses tecelões manuais rurais e os “fabricantes” urbanos. Mais tarde, porém, essa ferrovia foi desativada, juntamente com os tecelões manuais, pelas tecelagens mecânicas. (F. E.)

[b] Bairro na região leste de Londres. (N. T.)

[53] De 1865 para cá, esse sistema desenvolveu-se numa escala ainda maior. Ver mais detalhes a esse respeito em First Report of the Select Committee of the House of Lords on the Sweating System, Londres, 1888. (F. E.)

[c] Johann Poppe, Geschichte der Technologie seit der Wiederherstellung der Wissenschaften bis an das Ende des achtzehnten Jahrhunderts, t. 1 (Götingen, Bey J. F. Röwer, 1807), p. 70. (N. E. A.)

O Capital: crítica da economia política. Livro III: o processo global da produção capitalista (Parte I), de Karl Marx

Editora: Boitempo

Edição: Friedrich Engels

ISBN: 978-85-7559-390-5

Tradução: Rubens Enderle

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 984

Sinopse: Certamente um dos livros mais aguardados do ano é este volume da obra-prima de crítica da economia política de Marx. Intitulado O processo global da produção capitalista, o texto procura conjugar as análises do Livro I (dedicado ao processo de produção do capital) e do Livro II o (dedicado ao processo de circulação do capital).Embora possa ser considerado em muitos sentidos o ápice da obra de Marx – é nele que está contida, por exemplo, a famosa apresentação do problema da queda tendencial da taxa de lucro, bem como toda a discussão sobre capital de comércio financeiro –, o Livro III de O capital é também um texto muito delicado, porque não chegou a ser finalizado em vida pelo autor, sendo editado posteriormente por Friedrich Engels. Por isso é tão importante o fato de a edição da Boitempo ser a primeira realizada a partir dos documentos da MEGA-2 (Marx-Engels-Gesamtausgabe), que traz a mais completa e minuciosa apuração dos manuscritos, notas e apontamentos de Marx e das opções de Friedrich Engels para a publicação.



Quando as coisas e suas relações recíprocas não são concebidas como fixas, mas como mutáveis, também seus reflexos mentais, os conceitos, estão igualmente submetidos a modificação e renovação; que estes não se encontram enclausurados em definições rígidas, mas desenvolvidos em seu processo de formação histórico ou, a depender do caso, lógico.” (Friedrich Engels)

 

 

A fórmula geral do capital é D-M-D’; isto é, uma soma de valor é posta em circulação para dela se extrair uma soma de valor maior. O processo que cria essa soma de valor maior é a produção capitalista; o processo que a realiza é a circulação do capital. O capitalista produz a mercadoria não em razão dela mesma, não em razão de seu valor de uso ou para consumo próprio. O produto que o capitalista tem realmente em vista não é o produto palpável em si, mas o excedente de valor do produto, acima do valor do capital nele consumido. O capitalista adianta o capital total sem levar em consideração os diferentes papéis que seus componentes desempenham na produção do mais-valor. Ele adianta todos esses componentes em igual medida, não só para reproduzir o capital adiantado, mas para produzir um excedente de valor sobre esse capital. Transformar o valor do capital variável por ele adiantado num valor maior é algo que ele só pode fazer por meio de seu intercâmbio com trabalho vivo, da exploração de trabalho vivo. E ele só pode explorar o trabalho na medida em que adianta as condições para a realização desse trabalho – os meios e os objetos de trabalho, a maquinaria e a matéria-prima –, isto é, na medida em que utiliza, na forma de condições de produção, uma soma de valor de que dispõe; do mesmo modo, ele só é capitalista, só é capaz de promover o processo de exploração do trabalho, porque, como proprietário das condições de trabalho, ele se confronta com o trabalhador como mero proprietário da força de trabalho. No Livro I[a], já mostramos que é precisamente a posse desses meios de produção pelo não trabalhador que transforma os trabalhadores em assalariados e os não trabalhadores em capitalistas.”

[a] Cf. Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 244. (N. T.)

 

 

A produção capitalista, quando a consideramos de forma isolada, abstraindo do processo da circulação e dos excessos da concorrência, lida de modo extremamente parcimonioso com o trabalho efetivado, objetivado em mercadorias. Em contrapartida, ela é, num grau muito maior que qualquer outro modo de produção, uma dissipadora de seres humanos, de trabalho vivo, uma dissipadora não só de carne e sangue, mas também de nervos e cérebro. Com efeito, é apenas por meio do mais gigantesco desperdício de desenvolvimento individual que o desenvolvimento da humanidade em geral é assegurado e conduzido na época histórica que precede imediatamente à reconstituição consciente da sociedade humana. Como toda essa economia, da qual se trata aqui, resulta do caráter social do trabalho, conclui-se que é esse caráter imediatamente social do trabalho que gera essa dissipação de vida e de saúde dos trabalhadores. Característica, nesse sentido, é a pergunta lançada pelo inspetor de fábricas R. Baker: “A questão inteira é digna de uma séria consideração: qual é a melhor maneira de evitar esse sacrifício da vida infantil ocasionado pelo trabalho em massas aglomeradas?” (Rep.[orts of the Inspectors of] Fact.[ories], Oct.[ober] 1863, p. 157).”

 

 

Como quer que estejam regulados os preços, o resultado é o seguinte:

1.      A lei do valor rege seu movimento, uma vez que a alta ou a baixa dos preços de produção decorrem do aumento ou diminuição do tempo de trabalho requerido para a produção. É nesse sentido que Ricardo (que, sem dúvida, percebe que seus preços de produção diferem dos valores das mercadorias) diz que the inquiry to which he wishes to draw the reader’s attention, relates to the effect of the variations in the relative value of commodities, and not in their absolute value[d].

2.     O lucro médio, que determina os preços de produção, tem de ser sempre aproximadamente igual à quantidade de mais-valor que corresponde a um capital dado como alíquota do capital social total. Suponhamos que a taxa geral de lucro e, por conseguinte, o lucro médio estejam expressos num valor monetário mais elevado que o mais-valor médio real, calculado segundo seu valor monetário. Para os capitalistas, é indiferente que cada um deles cobre do outro um lucro de 10% ou 15%. Nenhuma dessas porcentagens corresponde a um valor-mercadoria real maior que a outra, já que o exagero na expressão monetária é recíproco. Mas, no que diz respeito aos trabalhadores (estando pressuposto que eles recebem o salário normal, de modo que o aumento do lucro médio não expressa uma dedução real do salário, isto é, expressa uma coisa inteiramente distinta do mais-valor normal do capitalista), o aumento dos preços das mercadorias, que resulta do aumento do lucro médio, precisa corresponder a uma elevação na expressão monetária do capital variável. Na realidade, essa elevação nominal geral da taxa de lucro e do lucro médio acima da taxa dada pela relação entre o mais-valor real e o capital total adiantado não é possível sem produzir uma alta do salário e, do mesmo modo, uma alta dos preços das mercadorias que formam o capital constante. O mesmo ocorre, de maneira inversa, no caso de uma redução. Como o valor total das mercadorias regula o mais-valor total, que, por sua vez, regula o grau do lucro médio e, assim, da taxa geral de lucro – seja como norma geral, seja regulando as flutuações –, então a lei do valor regula os preços de produção.

O que a concorrência realiza, começando por uma esfera individual da produção, é a criação de um valor de mercado e um preço de mercado iguais a partir dos diversos valores individuais das mercadorias. E é a concorrência dos capitais nas diversas esferas que primeiro fixa o preço de produção, equalizando as taxas de lucro nas distintas esferas. Este último processo requer um grau mais elevado de desenvolvimento do modo de produção capitalista do que o anterior.

Para que as mercadorias da mesma esfera de produção, do mesmo tipo e aproximadamente da mesma qualidade, possam ser vendidas a seus valores, são necessárias duas coisas:

Primeiramente, que os diversos valores individuais se equalizem num só valor social, o valor de mercado a que nos referimos anteriormente; para isso, requer-se uma concorrência entre os produtores do mesmo tipo de mercadorias, bem como a existência de um mercado no qual eles ofertem conjuntamente suas mercadorias. Para que o preço de mercado de mercadorias idênticas, porém produzidas, cada uma delas, sob circunstâncias ligeiramente distintas, corresponda ao valor de mercado, não divergindo dele, seja com uma elevação acima, seja com uma redução abaixo de seu valor, é necessário que a pressão que os diversos vendedores exercem uns sobre os outros seja grande o suficiente para lançar no mercado a massa de mercadorias requerida para a satisfação das necessidades sociais, isto é, a quantidade pela qual a sociedade pode pagar o valor de mercado. Se a massa de produtos lançada no mercado excede essas necessidades, as mercadorias terão de ser necessariamente vendidas abaixo de seu valor de mercado; no caso contrário, precisarão ser vendidas acima de seu valor de mercado, caso a massa de produtos não seja suficiente ou, o que dá no mesmo, a pressão da concorrência entre os vendedores não seja suficientemente forte para obrigá-los a levar ao mercado essa massa de mercadorias. Se varia o valor de mercado, variam também as condições nas quais a massa total de mercadorias pode ser vendida. Caindo o valor de mercado, crescem, em média, as necessidades sociais (que, nesse caso, são sempre necessidades solventes), que podem então absorver massas maiores de mercadorias. Subindo o valor de mercado, contraem-se as necessidades sociais com relação a essas mercadorias, de modo que apenas massas menores destas últimas podem ser absorvidas. Assim, se a oferta e a demanda regulam o preço de mercado ou, melhor dizendo, os desvios dos preços de mercado com relação ao valor de mercado, temos que, por outro lado, este regula a relação entre oferta e demanda ou é o centro em torno do qual as flutuações da oferta e da demanda fazem oscilar os preços de mercado.

Se observamos a questão mais de perto, percebemos que as condições que regem o valor da mercadoria individual se reproduzem aqui como condições para o valor da soma total de um tipo[e]; que a produção capitalista é, em si mesma, produção em massa e que, pelo menos quanto às mercadorias principais, outros modos de produção menos desenvolvidos concentram, acumulam e põem a venda no mercado, em grandes massas e nas mãos de relativamente poucos comerciantes, o produto fabricado em pequena quantidade como produto coletivo – ainda que fruto do trabalho de um grande número de produtores de pequeno porte – de um ramo inteiro da produção ou de um contingente maior ou menor deste último.

Observemos aqui, apenas de passagem, que as “necessidades sociais”, isto é, aquilo que regula o princípio da demanda, encontram-se essencialmente condicionadas pela relação das diversas classes entre si e por sua respectiva posição econômica, ou seja, em primeiro lugar, pela proporção entre o mais-valor total e o salário; em segundo lugar, pela proporção entre as diversas partes nas quais se decompõe o mais-valor (lucro, juros, renda fundiária, impostos etc.). De modo que aqui novamente se demonstra que não se pode explicar absolutamente nada a partir da relação entre a oferta e a demanda, antes de estar desenvolvida a base sobre a qual opera essa relação.

Ainda que ambos os elementos, a mercadoria e o dinheiro, sejam unidades de valor de troca e de valor de uso, já vimos (Livro I, capítulo 1, item 3) que, nas operações de compra e venda, essas duas funções aparecem distribuídas como polos extremos, de modo que a mercadoria (vendedor) representa o valor de uso, e o dinheiro (comprador), o valor de troca. A mercadoria tem um valor de uso, ou seja, satisfaz uma necessidade social, e isso constitui precisamente um dos requisitos da venda. O outro requisito é, como vimos, que a quantidade de trabalho contida na mercadoria represente trabalho socialmente necessário, ou seja, que o valor individual (e, o que sob esse pressuposto é sinônimo, o preço de venda) da mercadoria coincida com seu valor social[28].”

[d] “A investigação para a qual ele deseja chamar a atenção do leitor refere-se ao efeito das variações no valor relativo das mercadorias, não em seu valor absoluto.” (N. T.)

[e] Leia-se: de um tipo de mercadorias. (N. T.)

[28] Karl Marx, Zur Kritik der pol.[itischen] Ök.[onomie] (Berlim, 1859) [ed. bras.: Contribuição à crítica da economia política, trad. Florestan Fernandes, São Paulo, Expressão Popular, 2008].

 

 

Embora cada artigo ou cada quantidade determinada de um tipo de mercadoria possa conter somente o trabalho social requerido para sua produção e embora, considerado sob esse aspecto, o valor de mercado de toda essa classe de mercadoria represente apenas trabalho necessário, quando a mercadoria determinada tiver sido produzida numa medida que, em dado momento, ultrapasse a necessidade social, uma parte do tempo de trabalho social terá sido desperdiçada, e a massa de mercadorias representará então, no mercado, uma quantidade de trabalho social muito menor que a quantidade nela efetivamente contida. (É somente onde a produção está submetida a um controle preestabelecido da sociedade que esta última pode estabelecer a coordenação necessária entre o tempo de trabalho social aplicado na produção de determinados artigos e o volume da necessidade social que esse artigo deve satisfazer.) Por conseguinte, essas mercadorias têm de ser vendidas abaixo de seu valor de mercado, e uma parte delas pode até tornar-se invendável. Já quando o volume do trabalho social empregado para a produção de uma classe determinada de mercadorias é pequeno demais para o volume da necessidade social particular que esse produto deve satisfazer, o resultado é o inverso. Em contrapartida, se o volume do trabalho social empregado para a produção de um artigo determinado corresponde ao volume da necessidade social a ser satisfeita, de modo que, mantendo-se inalterada a demanda, a massa produzida corresponda à escala habitual da reprodução, então a mercadoria será vendida por seu valor de mercado. O intercâmbio ou a venda das mercadorias por seu valor é o racional [das Rationelle], a lei natural de seu equilíbrio; dela devemos partir para explicar os desvios – e não o inverso, partir dos desvios para explicar a lei.”

 

 

Com um salário e uma jornada de trabalho dados, um capital variável, por exemplo, de 100, representa um número determinado de trabalhadores postos em movimento; ele é o índice desse número. Seja de £100 o salário de 100 trabalhadores, digamos, por 1 semana. Se esses 100 trabalhadores efetuam tanto trabalho necessário quanto mais-trabalho, ou seja, se trabalham diariamente tanto tempo para si mesmos, isto é, para a reprodução de seu salário, quanto para o capitalista, quer dizer, para a produção de mais-valor, seu produto de valor total seria = £200, e o mais-valor por eles gerado seria de £100. A taxa do mais-valor m/v seria = 100%. No entanto, ela se expressaria, como vimos, em taxas de lucro muito diversas segundo os vários volumes do capital constante c e, por conseguinte, do capital total C, uma vez que a taxa de lucro = C. Sendo a taxa de mais valor 100%,

se c = 50 e v = 100, então l’ = 100/150 = 66%

se c = 100 e v = 100, então l’ = 100/200 = 50%

se c = 200 e v = 100, então l’ = 100/300 = 33%

se c = 300 e v = 100, então l’ = 100/400 = 25%

se c = 400 e v = 100, então l’ = 100/500 = 20%

A mesma taxa de mais-valor, com um grau de exploração constante do trabalho, seria expressa assim numa taxa decrescente de lucro, porque, com seu volume material, também aumenta, ainda que não na mesma proporção, o volume de valor do capital constante e, com isso, do capital total.

Se, além disso, partirmos do pressuposto de que essa alteração gradual na composição do capital não se opera simplesmente em esferas isoladas da produção, mas, em maior ou menor grau, em todas ou pelo menos nas esferas decisivas da produção e que, portanto, essas alterações afetam a composição orgânica média do capital total existente numa determinada sociedade, chegaremos necessariamente à conclusão de que crescimento gradual do capital constante em proporção ao variável tem necessariamente como resultado uma queda gradual na taxa geral de lucro, mantendo-se constante a taxa do mais-valor, ou seja, o grau de exploração do trabalho pelo capital. Porém, vimos que constitui uma lei do modo de produção capitalista que, conforme este se desenvolve, opera-se uma diminuição relativa do capital variável em relação ao capital constante e, assim, em proporção ao capital total mobilizado. Isso significa apenas que o mesmo número de trabalhadores, a mesma quantidade de força de trabalho tornada disponível por um capital variável de volume de valor dado, mobiliza – elabora, consome produtivamente –, em consequência dos métodos de produção peculiares que se desenvolvem no interior da produção capitalista, uma massa sempre crescente de meios de trabalho, maquinaria e capital fixo de todo tipo, matérias-primas e materiais auxiliares, no mesmo intervalo de tempo e, por conseguinte, também um capital constante de volume de valor sempre crescente. Essa diminuição relativa crescente do capital variável em relação ao capital constante e, assim, ao capital total, é idêntica ao aumento progressivo da composição orgânica do capital social em sua média. E, do mesmo modo, não é mais que outro modo de expressar o desenvolvimento progressivo da força produtiva social do trabalho, que se revela precisamente no fato de que, graças ao emprego crescente de maquinaria e de capital fixo em geral, o mesmo número de trabalhadores transforma em produtos uma quantidade maior de matérias-primas e materiais auxiliares no mesmo tempo, ou seja, com menos trabalho. A esse crescente volume de valor do capital constante – embora ele só represente de forma longínqua o crescimento da massa real dos valores de uso, das quais o capital constante é materialmente constituído – corresponde um crescente barateamento do produto. Cada produto, considerado em si mesmo, contém uma soma de trabalho menor que nos estágios inferiores da produção, nos quais o capital desembolsado em trabalho se encontra em proporção incomparavelmente maior em relação ao capital desembolsado em meios de produção. Portanto, a série hipoteticamente formulada no início expressa a tendência efetiva da produção capitalista. Com a queda progressiva do capital variável em relação ao capital constante, a produção capitalista gera uma composição orgânica cada vez mais alta do capital total, que tem como consequência imediata o fato de que a taxa do mais-valor, mantendo-se constante e inclusive aumentando o grau de exploração do trabalho, se expressa numa taxa geral de lucro sempre decrescente. (Adiante mostraremos por que esse decréscimo aparece não nessa forma absoluta, mas, antes, tendendo a uma queda progressiva.) A tendência progressiva da taxa geral de lucro à queda é, portanto, apenas uma expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento progressivo da força produtiva social do trabalho. Não dizemos, com isso, que a taxa de lucro não possa cair provisoriamente por outras razões, mas demonstramos como uma necessidade evidente, com base na própria essência do modo de produção capitalista, que no progresso deste último a taxa média geral do mais-valor tem necessariamente de se expressar numa taxa geral decrescente de lucro. Assim como a massa do trabalho vivo empregado sempre decresce em relação à massa do trabalho objetivado que o trabalho vivo mobiliza, isto é, em relação aos meios de produção produtivamente consumidos, também a parte desse trabalho vivo que não é paga e que se objetiva em mais-valor tem de encontrar-se numa proporção sempre decrescente em relação ao volume de valor do capital total empregado. E essa proporção entre a massa de mais-valor e o valor do capital total empregado constitui a taxa de lucro, que tem, portanto, de diminuir constantemente.

Ainda que, de acordo com o que foi exposto até aqui, essa lei pareça muito simples, toda a economia política não conseguiu descobri-la até o momento atual, como veremos numa seção posterior. Ela vislumbrou o fenômeno e supliciou-se em contraditórias tentativas de interpretá-lo. Porém, dada a grande importância que possui para a produção capitalista, pode-se dizer que essa lei constitui o mistério de toda a economia política desde Adam Smith e que a diferença entre as diversas escolas desde Adam Smith consiste nas tentativas de lhe dar uma solução. Se, por outro lado, menciona-se o fato de que a economia política até o presente tateava às cegas a diferença entre capital constante e capital variável, sem jamais conseguir formulá-la com exatidão; que ela jamais apresentou o mais-valor separado do lucro, tampouco este último em forma pura, em contraste com seus diversos componentes reciprocamente autonomizados como lucro industrial, lucro comercial, juros, renda fundiária; que ela jamais analisou profundamente a diferença na composição orgânica do capital e, por isso, tampouco o fez com a formação da taxa geral de lucro – então deixa de ser enigmático o fato de que ela jamais tenha encontrado a solução desse enigma. (...)

A lei da taxa decrescente de lucro, na qual se expressa a mesma taxa ou inclusive uma taxa superior de mais-valor, quer dizer, em outras palavras, que, partindo de uma quantidade determinada qualquer do capital social médio, por exemplo, de um capital de 100, a parte destinada a meios de trabalho tende sempre a aumentar, ao passo que a destinada ao trabalho vivo tende a diminuir. Como a massa total do trabalho vivo agregado aos meios de produção diminui em relação ao valor desses meios de produção, diminui também o trabalho não pago e a parcela de valor na qual ele se representa, em relação ao valor do capital total adiantado. Ou: uma alíquota sempre menor do capital total desembolsado converte-se em trabalho vivo, e esse capital total suga, assim, cada vez menos mais-trabalho em relação a sua grandeza, embora a proporção entre a parte não paga do trabalho empregado e a parte paga deste último possa crescer simultaneamente. O decréscimo relativo do capital variável e o acréscimo do capital constante, apesar de ambos crescerem em termos absolutos, é, como já vimos, apenas outra expressão da produtividade aumentada do trabalho. (...)

A lei da queda progressiva da taxa de lucro ou da diminuição relativa do mais-trabalho apropriado em comparação com a massa de trabalho objetivado posta em movimento pelo trabalho vivo não exclui de modo nenhum a possibilidade de crescer a massa absoluta do trabalho posto em movimento e explorado pelo capital social e, por conseguinte, também a massa absoluta do mais-trabalho por ele apropriado; tampouco exclui o fato de que os capitais que se encontram nas mãos de diversos capitalistas movimentem uma massa crescente de trabalho e, assim, de mais-trabalho, ainda que não aumente o número dos trabalhadores por eles empregados.”

 

 

Aqui se mostra a lei já exposta[b], segundo a qual, na medida em que diminui relativamente o capital variável, isto é, na medida em que se desenvolve a força produtiva social do trabalho, uma massa maior de capital total é necessária para pôr em movimento a mesma quantidade de força de trabalho e absorver a mesma massa de mais-trabalho. Por isso, na mesma proporção em que se desenvolve a produção capitalista, desenvolve-se a possibilidade de uma população trabalhadora relativamente supranumerária, não porque a força produtiva do trabalho social diminui, mas porque aumenta, isto é, não por uma desproporção absoluta entre trabalho e meios de existência ou meios para a produção desses meios de existência, mas por uma desproporção decorrente da exploração capitalista do trabalho, da desproporção entre o crescimento progressivo do capital e sua necessidade relativamente decrescente de uma população cada vez maior.

Se a taxa de lucro cai em 50%, então ela cai pela metade. Portanto, para que a massa de lucro permaneça constante, o capital terá de duplicar-se. Para que a massa do lucro continue a mesma ao diminuir a taxa de lucro, o multiplicador que indica o crescimento do capital total tem de ser igual ao divisor que indica a queda da taxa de lucro. Se a taxa de lucro cai de 40 para 20, o capital total tem de aumentar inversamente na proporção de 20 : 40, a fim de que o resultado permaneça o mesmo. Se a taxa de lucro tivesse diminuído de 40 para 8, então o capital precisaria aumentar na relação de 8 : 40, isto é, o quíntuplo. Um capital de 1.000.000 a 40% produz 400.000, e um capital de 5.000.000 a 8% produz igualmente 400.000. Isso tem validade para que o resultado permaneça o mesmo. Se, pelo contrário, o resultado deve aumentar, então o capital terá de crescer numa proporção maior que aquela em que diminui a taxa de lucro. Em outros termos, para que o componente variável do capital total não só permaneça invariável em termos absolutos, mas para que aumente, ainda que diminua sua porcentagem do capital total, é necessário que este último cresça numa proporção maior que a queda percentual do capital variável. Ele tem de aumentar tanto que, em sua nova composição, necessite não só da antiga parte variável do capital, mas de uma quantidade ainda maior desta última para a compra de força de trabalho. Se a parte variável de um capital = 100 diminui de 40 para 20, então o capital total terá de aumentar a mais de 200 para poder empregar um capital variável maior que 40.

Ainda que a massa explorada da população trabalhadora permanecesse constante e só aumentassem a duração e a intensidade da jornada de trabalho, a massa do capital empregado teria de aumentar, inclusive para que, ao mudar a composição modificada do capital, ela pudesse empregar a mesma massa de trabalho sob as antigas condições de exploração.

Portanto, com o progresso do modo de produção capitalista, o mesmo desenvolvimento da força produtiva social do trabalho se expressa, por um lado, numa tendência à queda progressiva da taxa de lucro e, por outro, no aumento constante da massa absoluta do mais-valor ou do lucro apropriado; de modo que, em geral, ao decréscimo relativo do capital variável e do lucro corresponde um aumento absoluto de ambos. Como já demonstramos, esse efeito dúplice só se pode representar num aumento do capital total em progressão mais acelerada que aquela na qual diminui a taxa de lucro. No caso de uma composição mais alta ou um aumento relativo mais intenso do capital constante, o emprego de um capital variável acrescido em termos absolutos requer que o capital total aumente não só na proporção da composição mais alta, mas com rapidez ainda maior. Disso se segue que, quanto mais se desenvolve o modo de produção capitalista, uma quantidade cada vez maior de capital é requerida para ocupar a mesma força de trabalho e, mais ainda, para ocupar uma força de trabalho crescente.”

[b] Cf. Karl Marx, O capital, Livro I, cit., p. 699-700 e 719-20. (N. T.)

 

 

A massa de mais-valor gerada por um capital de dada grandeza é produto de dois fatores: da taxa do mais-valor, multiplicada pelo número de trabalhadores empregados com a taxa dada. Portanto, dada a taxa do mais-valor, ela depende do número de trabalhadores, e dado o número de trabalhadores, depende da taxa do mais-valor, ou seja, depende em geral da relação composta entre a grandeza absoluta do capital variável e a taxa do mais-valor. Ora, ficou demonstrado que, via de regra, as causas que elevam a taxa do mais-valor relativo são as mesmas que reduzem a massa da força de trabalho empregada, mas está claro que, nesse caso, produz-se mais ou menos, conforme a proporção determinada em que se realiza esse movimento antitético, e que a tendência de diminuição da taxa de lucro é especialmente enfraquecida pela elevação da taxa do mais-valor absoluto, gerado graças ao prolongamento da jornada de trabalho.

No caso da taxa de lucro, descobrimos, em geral, que o crescimento da massa de lucro corresponde à diminuição da taxa ocasionada pelo aumento da massa do capital total empregado. Considerando o capital variável total da sociedade, o mais-valor que ele gera é igual ao lucro produzido. Além da massa absoluta, cresceu também a taxa de mais-valor – a primeira, devido ao aumento da massa da força de trabalho empregada pela sociedade; a segunda, devido ao aumento do grau de exploração desse trabalho. Porém, com relação a um capital de dada grandeza, por exemplo, de 100, a taxa do mais-valor pode aumentar enquanto diminui a média de sua massa, uma vez que a taxa está determinada pela proporção em que a parte variável do capital se valoriza, ao passo que a massa se determina pela parte proporcional do capital total que constitui o capital variável.

O aumento da taxa de mais-valor – porquanto ele também ocorre especialmente em circunstâncias em que, como indicado, não se verifica um aumento do capital constante nem um aumento relativo deste último com relação ao capital variável – é um fator por meio do qual se determinam a massa do mais-valor e, por conseguinte, também a taxa de lucro. Ele não derroga a lei geral, mas faz com que esta atue mais como tendência, isto é, como uma lei cuja aplicação absoluta é contida, refreada e enfraquecida por circunstâncias contra-arrestantes. Considerando que as mesmas causas que elevam a taxa do mais-valor (o prolongamento do tempo de trabalho é um resultado da grande indústria) tendem a diminuir a força de trabalho empregada por dado capital, essas mesmas causas tendem a diminuir a taxa de lucro e a frear o movimento dessa diminuição. Se um trabalhador é forçado a efetuar o trabalho que racionalmente só poderia ser executado por dois trabalhadores e se isso ocorre em circunstâncias nas quais ele poderia substituir outros três, esse trabalhador produzirá tanto mais-trabalho quanto antes o forneciam dois trabalhadores e, em tal medida, terá aumentado a taxa do mais-valor. Mas ele não produzirá tanto quanto antes produziam três, e desse modo a massa do mais-valor terá diminuído. Sua queda estará compensada ou limitada pelo aumento da taxa do mais-valor. Se a população inteira for ocupada com a taxa do mais-valor aumentada, aumentará a massa do mais-valor, ainda que a população permaneça a mesma. E aumentará ainda mais se a população crescer – embora isso esteja ligado a uma queda relativa do número de trabalhadores ocupados em relação com a grandeza de capital total, tal queda se verá moderada ou freada pelo aumento na taxa de mais-valor.

Antes de finalizar esse ponto, cabe sublinhar uma vez mais que, com uma grandeza dada do capital, pode ocorrer um aumento da taxa do mais-valor, embora sua massa diminua, e vice-versa. A massa do mais-valor é igual à taxa multiplicada pelo número de trabalhadores; a taxa jamais é calculada sobre o capital total, mas sobre o capital variável e, com efeito, apenas sobre uma jornada de trabalho em cada caso. Ao contrário, com uma grandeza dada do valor de capital, a taxa de lucro jamais pode aumentar ou diminuir sem que também aumente ou diminua a massa do mais-valor.”

 

 

“O pressuposto de Ricardo, de que o lucro industrial (mais os juros) embolsa originalmente todo o mais-valor, é histórica e conceitualmente falso. Pelo contrário, é apenas o progresso da produção capitalista que 1) dá aos capitalistas industriais e comerciais todo o lucro para sua ulterior distribuição e 2) reduz a renda ao excedente acima do lucro. Sobre essa base capitalista cresce, por sua vez, a renda (que é uma parte do lucro, isto é, do mais-valor considerado produto do capital total), mas não a parte específica do produto que o capitalista embolsa.

Estando pressuposta a existência dos meios de produção necessários, isto é, de uma acumulação suficiente de capital, a criação de mais-valor pode encontrar apenas dois obstáculos: a população trabalhadora, se está dada a taxa de mais-valor, isto é, o grau de exploração do trabalho; e o grau de exploração do trabalho, se está dada a população trabalhadora. O processo de produção capitalista consiste essencialmente na produção de mais-valor, representado pelo mais-produto, ou na alíquota das mercadorias produzidas, na qual o trabalho não pago está objetivado. Não se pode jamais esquecer que a produção desse mais-valor – e a reconversão de parte dele em capital (ou seja, a acumulação) constitui parcela integrante dessa produção do mais-valor – é a finalidade direta e o motivo determinante da produção capitalista. Razão pela qual não se deve apresentá-la como o que ela não é, a saber, como uma produção que tem por finalidade direta o desfrute ou a criação de meios de desfrute para o capitalista. Com isso, abstraímos inteiramente de seu caráter específico, que se apresenta em toda sua configuração nuclear interna.

A obtenção desse mais-valor constitui o processo direto de produção, que, como já dissemos, não encontra outros obstáculos senão os já indicados. O mais-valor estará produzido tão logo a quantidade espoliável de mais-trabalho estiver objetivada. Mas com essa produção do mais-valor está consumado apenas o primeiro ato do processo de produção capitalista, o processo direto de produção. O capital absorveu certa quantidade de trabalho não pago. Com o desenvolvimento do processo que se expressa na queda da taxa de lucro, a massa do mais-valor assim produzido aumenta monstruosamente. Tem-se, então, o segundo ato do processo. É preciso vender a massa inteira das mercadorias, o produto total, tanto a parte que repõe o capital constante e variável como a que representa o mais-valor. Se não se conseguir vendê-la ou se conseguir apenas em parte ou a preços inferiores aos de produção, o trabalhador terá sido explorado, certamente, mas sua exploração não se terá realizado como tal para o capitalista, não terá alcançado em absoluto a realização do mais-valor espoliado ou o terá alcançado apenas parcialmente, podendo inclusive acarretar a perda parcial ou total de seu capital. As condições da exploração direta e as de sua realização não são idênticas. Elas divergem não só quanto ao tempo e ao lugar, mas também conceitualmente. Umas estão limitadas pela força produtiva da sociedade; outras, pela proporcionalidade entre os diversos ramos de produção e pela capacidade de consumo da sociedade. Essa capacidade não é determinada pela força absoluta de produção nem pela capacidade absoluta de consumo, mas pela capacidade de consumo sobre a base de relações antagônicas de distribuição, que reduzem o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo só suscetível de variação dentro de limites mais ou menos estreitos. Além disso, ela está limitada pelo impulso de acumulação, de aumento do capital e da produção de mais-valor em escala ampliada. Essa é uma lei da produção capitalista, lei dada pelas constantes revoluções nos próprios métodos de produção, pela constante desvalorização do capital existente acarretada por essas revoluções, pela luta concorrencial generalizada e a necessidade de melhorar a produção e ampliar sua escala, apenas como meio de autoconservação e sob pena de sucumbir. Por isso, o mercado precisa ser constantemente expandido, de modo que seus nexos e as condições que os regulam assumam cada vez mais a forma de uma lei natural independente dos produtores, tornem-se cada vez mais incontroláveis. A contradição interna procura ser compensada pela expansão do campo externo da produção. Quanto mais se desenvolve a força produtiva, mais ela entra em conflito com a base estreita sobre a qual repousam as relações de consumo. Sobre essa base plena de contradições não é em absoluto uma contradição que o excesso de capital esteja ligado a um excesso crescente de população, pois, se os fatores combinados fazem aumentar a massa do mais-valor produzido, justamente com isso se acentua a contradição entre as condições nas quais esse mais-valor é produzido e as condições nas quais ele é realizado.

Partindo de dada taxa de lucro, a massa do lucro dependerá sempre da grandeza do capital adiantado. A acumulação se determina, então, pela parte dessa massa que volta a se converter em capital. Porém, essa parte, por ser igual ao lucro menos a renda consumida pelo capitalista, dependerá não só do valor de tal massa, como também do baixo preço das mercadorias que o capitalista pode comprar com ela – mercadorias destinadas em parte a seu consumo, sua renda, em parte a seu capital constante. (Nesse caso, o salário é pressuposto como dado.)

A massa do capital que o trabalhador põe em movimento e cujo valor ele conserva e faz reaparecer no produto por meio de seu trabalho é totalmente distinta do valor que esse mesmo trabalhador agrega. Se a massa do capital é = 1.000 e o trabalho agregado é = 100, o capital reproduzido será = 1.100. Se a massa é = 100 e o trabalho agregado é = 20, o capital reproduzido será = 120. A taxa de lucro será, no primeiro caso, = 10%; no segundo, = 20%. No entanto, pode-se acumular mais a partir de 100 do que a partir de 20. Assim o fluxo do capital (abstraindo de sua desvalorização em virtude do aumento da força produtiva), ou sua acumulação, avança em proporção ao peso que ele já possui, e não em proporção ao nível da taxa de lucro. (...)

A taxa de lucro diminui não porque o trabalhador seja menos explorado, mas porque se emprega menos trabalho em proporção ao capital investido em geral.

Se, como demonstramos, a taxa decrescente de lucro coincide com o aumento da massa de lucro, uma parte maior do produto anual do trabalho será apropriada pelo capitalista sob a categoria capital (como reposição do capital consumido), e uma parte proporcionalmente menor, sob a categoria do lucro. Isso explica a fantasia do padre Chalmers de que, quanto menor for a parte do produto anual desembolsada pelos capitalistas como capital, maiores serão os lucros por eles obtidos; e nisso ele recebe a ajuda da Igreja estatal[a], que zela pelo consumo, em vez de pela capitalização, de uma grande parte do mais-produto. O padre confunde a causa e o efeito. Além disso, ainda que o lucro seja menor, a massa do lucro aumenta com a grandeza do capital desembolsado. Isso condiciona ao mesmo tempo a concentração do capital, já que agora as condições de produção exigem o emprego massivo de capital. E condiciona também sua centralização – isto é, que os pequenos capitalistas sejam engolidos pelos grandes – e a descapitalização dos primeiros. Trata-se, uma vez mais, porém elevada à segunda potência, do divórcio entre as condições de trabalho e os produtores, entre os quais ainda se encontram esses pequenos capitalistas, já que, no caso deles, o trabalho próprio ainda desempenha certo papel; em geral, o trabalho do capitalista se encontra em proporção inversa à grandeza de seu capital, isto é, ao grau em que ele é capitalista. Esse divórcio entre as condições de trabalho, de um lado, e os produtores, de outro, é o que forma o conceito de capital; um divórcio que tem início com a acumulação primitiva (Livro I, capítulo 24) aparece em seguida como processo constante na acumulação e na concentração do capital e, por fim, se expressa aqui na centralização de capitais já existentes em poucas mãos e na descapitalização de muitos (fenômeno no qual se converte agora a expropriação). Esse processo logo provocaria o colapso da produção capitalista, se tendências contra-arrestantes não atuassem constantemente com um efeito descentralizador junto à força centrípeta.”

[a] Isto é, a Igreja anglicana. (N. T.)

 

 

O desenvolvimento da força produtiva social do trabalho revela-se duplamente: em primeiro lugar, na grandeza das forças produtivas já produzidas, no volume do valor e da massa das condições de produção sob as quais tem lugar a nova produção e na grandeza absoluta do capital produtivo já acumulado; em segundo lugar, na relativa pequenez da parte de capital desembolsada no salário em relação ao capital total, isto é, na relativa pequenez do trabalho vivo requerido para a reprodução e a valorização de um capital dado, para a produção em massa. Isso supõe, ao mesmo tempo, a concentração do capital.

Com relação à força de trabalho empregada, o desenvolvimento da força produtiva também se revela de dois modos: primeiro, no aumento do mais-trabalho, isto é, na abreviação do tempo de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho. Segundo, na diminuição da quantidade de força de trabalho (número de trabalhadores) que se emprega, em geral, para pôr em movimento um capital dado.

Ambos os movimentos não só transcorrem paralelamente, mas se condicionam de maneira recíproca, são fenômenos nos quais se expressa a mesma lei. No entanto, atuam em sentido contrário sobre a taxa de lucro. A massa total do lucro é igual à massa total do mais-valor, e a taxa de lucro m/C = mais-valor/capital total adiantado. Mas o mais-valor, como soma total, está determinado, em primeiro lugar, por sua taxa e, em segundo lugar, pela massa do trabalho simultaneamente empregado a essa taxa, ou, o que dá no mesmo, pela grandeza do capital variável. Por um lado, aumenta um dos fatores, a taxa de mais-valor; por outro, diminui (relativa ou absolutamente) o outro fator, o número de trabalhadores. Ao diminuir a parte paga do trabalho empregado, o desenvolvimento da força produtiva provoca o aumento do mais-valor, porquanto aumenta sua taxa; porém, ao diminuir a massa total do trabalho empregado por um capital dado, ele diminui o fator do número pelo qual se multiplica a taxa de mais-valor para obter sua massa. Dois trabalhadores que trabalham 12 horas diárias não podem fornecer a mesma massa de mais-valor que 24 trabalhadores que trabalham apenas 2 horas cada, ainda que pudessem viver de ar e, portanto, não tivessem de trabalhar um só minuto para si mesmos. Por isso, aqui a compensação do menor número de trabalhadores mediante o aumento do grau de exploração do trabalho encontra certos limites insuperáveis; ela pode, portanto, frear a queda da taxa de lucro, mas não a anular.

A taxa de lucro diminui, pois, à medida que se desenvolve o modo de produção capitalista, enquanto sua massa aumenta na proporção do crescimento da massa do capital empregado. Partindo de uma taxa dada, a massa absoluta em que cresce o capital depende da grandeza atual deste último. Por outro lado, dada essa grandeza, a proporção na qual ele cresce – a taxa de seu crescimento – depende da taxa de lucro. O incremento da força produtiva (que, além disso, como já indicamos, acompanha sempre a desvalorização do capital existente) só pode aumentar diretamente a grandeza de valor do capital se, elevando a taxa de lucro, ele aumenta a parte de valor do produto anual que se reconverte em capital. Quando se considera a força produtiva do trabalho, isso só pode ocorrer (pois essa força produtiva nada tem a ver diretamente com o valor do capital existente) na medida em que se eleve o mais-valor relativo ou se reduza o valor do capital constante, isto é, na medida em que as mercadorias que entram na reprodução da força de trabalho ou nos elementos do capital constante baratearem. Ambas as coisas implicam uma desvalorização do capital existente, e ambas correm paralelamente à redução do capital variável em relação ao capital constante. Ambas condicionam a queda da taxa de lucro, e ambas freiam essa queda. Além disso, elevação da taxa de lucro, enquanto provoca elevação na demanda de trabalho, influi sobre o aumento da população trabalhadora e, por conseguinte, do material explorável, que faz com que o capital seja capital.

Mas o desenvolvimento da força produtiva do trabalho contribui indiretamente para o aumento do valor de capital existente ao incrementar a massa e a variedade dos valores de uso nos quais se apresenta o mesmo valor de troca e que constituem o substrato material, os elementos materiais do capital, os objetos materiais em que consistem diretamente o capital constante e, ao menos indiretamente, o capital variável. Com o mesmo capital e o mesmo trabalho, criam-se mais coisas a ser transformadas em capital, abstraindo de seu valor de troca. Coisas que podem servir para absorver trabalho adicional – portanto, também mais-trabalho adicional – e, assim, formar capital adicional. A massa de trabalho que pode ser comandada pelo capital não depende de seu valor, mas da massa das matérias-primas e dos materiais auxiliares, da maquinaria e dos elementos do capital fixo, dos meios de subsistência que compõem esse capital, independentemente do valor desses componentes. Ao crescer assim a massa do trabalho empregado – e, consequentemente, do mais-trabalho –, aumenta também o valor do capital reproduzido e o mais-valor novo que lhe foi adicionado.

Mas esses dois fatores compreendidos no processo de acumulação não devem ser considerados apenas na tranquila justaposição em que os trata Ricardo; eles implicam uma contradição que se manifesta em tendências e manifestações contraditórias. As forças antagônicas operam umas contra as outras.

Simultaneamente ao impulso para o aumento real da população trabalhadora, impulso que emana do incremento da parte do produto social total que funciona como capital, atuam as forças que criam uma superpopulação apenas relativa.

Simultaneamente à queda da taxa de lucro cresce a massa dos capitais, e paralelamente a essa queda ocorre uma desvalorização do capital existente, que detém essa queda e imprime um impulso acelerador à acumulação de valor do capital.

Simultaneamente ao desenvolvimento da força produtiva há o aumento progressivo da composição do capital e a diminuição relativa da parte variá­vel em relação à parte constante.

Essas diversas influências se fazem sentir, ora de maneira mais justaposta no espaço, ora de maneira mais sucessiva no tempo; o conflito entre as forças antagônicas desemboca periodicamente em crises. Estas são sempre apenas violentas soluções momentâneas das contradições existentes, erupções violentas que restabelecem por um momento o equilíbrio perturbado.

A contradição, expressa de maneira bem genérica, consiste no fato de que o modo de produção capitalista implica uma tendência ao desenvolvimento absoluto das forças produtivas, abstraindo do valor – e do mais-valor nele incorporado – e também das relações sociais no interior das quais se dá a produção capitalista; por outro lado, esse modo de produção tem como objetivo a conservação do valor de capital existente e sua valorização na máxima medida possível (isto é, o incremento cada vez mais acelerado desse valor). Seu caráter específico orienta-se para o valor de capital existente como meio para a maior valorização possível desse valor. Os métodos pelos quais ela atinge esse objetivo incluem: o decréscimo da taxa de lucro, a desvalorização do capital existente e o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho à custa das forças produtivas já produzidas.

A desvalorização periódica do capital existente, que é um meio imanente ao modo de produção capitalista para conter a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulação do valor de capital mediante a formação de capital novo, perturba as condições dadas nas quais se consuma o processo de circulação e reprodução do capital e é, por isso, acompanhada de paralisações súbitas e crises do processo de produção.

O decréscimo relativo do capital variável em relação ao constante, que ocorre paralelamente ao desenvolvimento das forças produtivas, incentiva o crescimento da população trabalhadora, enquanto cria de modo permanente uma superpopulação artificial. A acumulação do capital, considerada em relação ao valor, é desacelerada pela queda da taxa de lucro a fim de acelerar ainda mais a acumulação do valor de uso, enquanto esta, por sua vez, imprime um movimento acelerado à acumulação em relação ao valor.

A produção capitalista tende constantemente a superar esses limites que lhes são imanentes, porém consegue isso apenas em virtude de meios que voltam a elevar diante dela esses mesmos limites, em escala ainda mais formidável.

O verdadeiro obstáculo à produção capitalista é o próprio capital, isto é, o fato de que o capital e sua autovalorização aparecem como ponto de partida e ponto de chegada, como mola propulsora e escopo da produção; o fato de que a produção é produção apenas para o capital, em vez de, ao contrário, os meios de produção serem simples meios para um desenvolvimento cada vez mais amplo do processo vital, em benefício da sociedade dos produtores. Os limites nos quais unicamente se podem mover a conservação e a valorização do valor de capital, as quais se baseiam na expropriação e no empobrecimento da grande massa dos produtores, entram assim constantemente em contradição com os métodos de produção que o capital tem de empregar para seu objetivo e que apontam para um aumento ilimitado da produção, para a produção como fim em si mesmo, para um desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais do trabalho. O meio – o desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais – entra em conflito constante com o objetivo limitado, que é a valorização do capital existente. Assim, se o modo de produção capitalista é um meio histórico para desenvolver a força produtiva material e criar o mercado mundial que lhe corresponde, ele é, ao mesmo tempo, a constante contradição entre essa sua missão histórica e as relações sociais de produção correspondentes a tal modo de produção.”