sexta-feira, 8 de maio de 2020

A sagrada família (Parte II), de Karl Marx e Friedrich Engels

Título completo: A sagrada família ou Crítica da Crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes
Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-032-4
Tradução e notas: Marcelo Backes
Opinião: ★★☆☆☆
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Páginas: 288
Sinopse: Ver Parte I



“O senhor Bauer acredita suspender o objeto do privilégio com a simples suspensão do privilégio. Referindo-se à manifestação do senhor Martin (du Nord) ele diz:
Quando já não há mais religião privilegiada, deixa de existir qualquer religião. Tomai à religião sua força excludente e ela deixará de existir.
Porém, assim como a atividade industrial não é superada imediatamente depois de serem superados os privilégios das indústrias, das agremiações e corporações, mas, ao contrário, só depois da superação desses privilégios é que começa a indústria real; assim como a propriedade da terra não é superada imediatamente depois de a posse privilegiada da terra ter sido superada, mas, ao contrário, seu movimento universal começa de fato com a superação de seus privilégios, através do livre parcelamento e da livre alienação; assim como o comércio não é superado com a superação dos privilégios comerciais, mas, ao contrário, passa a se realizar verdadeiramente no livre comércio; assim também a religião apenas se desdobra em sua universalidade prática (basta pensar nos Estados livres da América do Norte) justamente ali onde não existe uma religião privilegiada.
O “estado de coisas público” moderno, o Estado acabado moderno, não se baseia, conforme entende a Crítica, na sociedade dos privilégios, mas sim na sociedade dos privilégios suspensos e dissolvidos, na sociedade burguesa desenvolvida, naquela que deixa em liberdade os elementos vitais que nos privilégios ainda se achavam politicamente vinculados. Nenhuma “determinação privilegiada” se opõe aqui nem à outra coisa nem ao estado de coisas público. Assim como a livre indústria e o livre comércio superam a determinação privilegiada e, com ela, superam a luta das determinações privilegiadas entre si, substituindo-as pelo homem isento de privilégios – do privilégio que isola da coletividade geral, tendendo ao mesmo tempo a constituir uma coletividade exclusiva mais reduzida –, não vinculado aos outros homens nem sequer através da aparência de um nexo geral e criando a luta geral do homem contra o homem, do indivíduo contra o indivíduo, assim a sociedade burguesa em sua totalidade é essa guerra de todos os indivíduos, uns contra os outros, já apenas delimitados entre si por sua individualidade, e o movimento geral e desenfreado das potências elementares da vida, livres das travas dos privilégios. A antítese entre o Estado representativo democrático e a sociedade burguesa é a culminação da antítese clássica entre a comunidade pública e a escravidão. No mundo moderno, todos são, a um só tempo, membros da escravidão e da comunidade. Precisamente a escravidão da sociedade burguesa é, em aparência, a maior liberdade, por ser a independência aparentemente perfeita do indivíduo, que toma o movimento desenfreado dos elementos estranhados de sua vida, já não mais vinculados pelos nexos gerais nem pelo homem, por exemplo, o movimento da propriedade, da indústria, da religião etc., por sua própria liberdade, quando na verdade é, muito antes, sua servidão e sua falta de humanidade completas e acabadas. O privilégio é substituído aqui pelo direito.
Apenas aqui, portanto, onde já não há mais a mediação de contradição alguma entre a teoria livre e a vigência política, mas, ao contrário, a aniquilação prática dos privilégios, da livre indústria, do livre comércio etc., correspondem à “teoria livre”, onde não se contrapõe nenhuma conclusão privilegiada ao estado de coisas públicas, onde se superou a contradição desenvolvida pela Crítica, é que a essência do Estado moderno acabado está à mão.”


“O Estado declara que a religião, assim como os demais elementos burgueses da vida, apenas começaram a existir em toda a sua extensão no mesmo instante em que os esclarece como apolíticos, deixando-os largados a si mesmos, portanto. A dissolução de sua existência política, como por exemplo à dissolução da propriedade mediante a abolição do censo eleitoral, ou à supressão da religião mediante a dissolução da Igreja estatal, a essa proclamação de sua morte civil dentro do Estado, corresponde sua vida mais poderosa, que agora obedece a suas próprias leis sem que ninguém a estorve, e pode estender sua própria existência em toda a sua extensão.
A anarquia é a lei da sociedade burguesa emancipada dos privilégios que distinguem, e a anarquia da sociedade burguesa é a base do estado de coisas público moderno, assim como o estado de coisas público é, por sua vez, o que garante essa anarquia. Na mesma medida em que ambos se contrapõem, ambos se condicionam mutuamente.”


“A limitação da massa havia obrigado o “Espírito”, o senhor Bauer, a considerar a Revolução Francesa não como aquela época de tentativas revolucionárias dos franceses em um “sentido prosaico”, mas “apenas” como o “símbolo” e a “expressão fantástica” de suas próprias quimeras críticas. A Crítica faz penitência por seu “descuido”, submetendo a Revolução a um novo exame. E, ao mesmo tempo, castiga o sedutor de sua inocência, “a massa”, ao comunicar-lhe os resultados desse “novo exame”.
A Revolução Francesa foi um experimento, que ainda faz parte, em seu todo, do espírito do século XVIII.
Que um experimento do século XVIII, como a Revolução Francesa, “ainda faça parta, em seu todo” do século XVIII, e não seja, por exemplo, um experimento do século XIX, é uma verdade cronológica que parece figurar “em seu todo” entre as verdades que “de antemão são compreendidas por si mesmas”. Uma verdade dessas, todavia, passa a se chamar, na terminologia da Crítica – que tantas vezes tende a se posicionar contra a verdade “clara como a luz do sol” –, de “exame”, e por isso encontra seu lugar natural em um “novo exame da Revolução”.
Mas as ideias que a Revolução Francesa havia trazido à baila não conduziram além do estado de coisas que ela pretendia superar através da violência.
Ideias não podem conduzir jamais além de um velho estado universal das coisas, mas sempre apenas além das ideias do velho estado universal das coisas. Ideias não podem executar absolutamente nada. Para a execução das ideias são necessários homens que ponham em ação uma força prática.”


“A rigor, e falando em sentido prosaico, os membros da sociedade burguesa não são átomos. A qualidade característica do átomo consiste em não ter nenhuma qualidade e, portanto, nenhuma classe de relações, condicionadas por sua própria necessidade natural, com outros entes fora dele. O átomo carece de necessidades, basta-se a si mesmo; o mundo fora dele é o vazio absoluto; quer dizer, esse mundo carece de conteúdo e de sentido, não diz nada, precisamente porque possui em si mesmo toda a plenitude. O indivíduo egoísta da sociedade burguesa pode, em sua representação insensível e em sua abstração sem vida, enfunar-se até converter-se em átomo, quer dizer, em um ente bem-aventurado, carente de relações e de necessidades, que se basta a si mesmo e é dotado de plenitude absoluta. Mas a desditada realidade sensível faz pouco caso de sua representação; cada um de seus sentidos o obriga a acreditar no sentido do mundo e dos indivíduos fora dele, e inclusive seu estômago profano faz com que ele recorde diariamente que o mundo fora dele não é um mundo vazio, mas sim aquilo que ele na verdade preenche. Cada uma de suas atividades essenciais se converte em necessidade, em imperativo, que incita o seu egoísmo a buscar outras coisas e outros homens, fora de si mesmo. Todavia, como a necessidade de um determinado indivíduo não tem, para um outro indivíduo egoísta que possui os meios de satisfazer essa necessidade, um sentido que possa ser compreendido por si mesmo, como a necessidade não tem, portanto, relação imediata com sua satisfação, cada indivíduo tem de criar necessariamente essa relação, convertendo-se também em mediador entre a necessidade alheia e os objetos dessa necessidade. Por conseguinte, a necessidade natural, as qualidades essencialmente humanas, por estranhas que possam parecer umas às outras, e o interesse mantêm a coesão entre os membros da sociedade burguesa; e a vida burguesa e não a vida política é o seu vínculo real. Não é, pois, o Estado que mantém coesos os átomos da sociedade burguesa, mas eles são átomos apenas na representação, no céu de sua própria imaginação... na realidade, no entanto, eles são seres completa e enormemente diferentes dos átomos, ou seja, nenhuns egoístas divinos, mas apenas homens egoístas. Somente a superstição política ainda pode ser capaz de imaginar que nos dias de hoje a vida burguesa deve ser mantida em coesão pelo Estado, quando na realidade o que ocorre é o contrário, ou seja, é o Estado quem se acha mantido em coesão pela vida burguesa.”


“Robespierre, Saint-Just e seu partido sucumbiram por terem confundido a antiga comunidade realista-democrática, baseada na real escravidão, com o moderno Estado representativo espiritualista-democrático, que descansa sobre a escravidão emancipada, sobre a sociedade burguesa. Que ilusão gigantesca ter de reconhecer e sancionar nos direitos humanos a moderna sociedade burguesa, a sociedade da indústria, da concorrência geral, dos interesses privados que perseguem com liberdade seus próprios fins, da anarquia, da individualidade natural e espiritual alienada de si mesma e, ao mesmo tempo, anular a posteriori em alguns indivíduos concretos as manifestações de vida dessa sociedade, e ao mesmo tempo formar a cabeça política dessa sociedade à maneira antiga!
Parece trágica essa ilusão, quando Saint-Just, no dia de sua execução, apontando para a grande tabela pendurada na sala da Conciergerie, exclama com orgulhoso amor-próprio: “C’est pourtant moi que ai fait cela”33. E justo aquela tabela proclamava o direito de um homem, que já não pode ser o homem da comunidade antiga, do mesmo modo que suas relações econômicas e industriais já não são as da Antiguidade.
Mas não é aqui o lugar em que devem ser justificadas historicamente as ilusões dos terroristas.
Depois da derrubada de Robespierre, o iluminismo político e o movimento se precipitaram para o ponto em que haviam de se converter em butim de Napoleão, que não demoraria a dizer, depois do 18 Brumário34: “Com meus prefeitos, meus gendarmes e meus sacerdotes posso fazer da França o que bem me aprouver”.
A História profana noticia, ao contrário: precisamente depois da derrubada de Robespierre é que começa a se realizar prosaicamente o iluminismo político, que havia querido exceder-se a si mesmo, que havia sido superabundante. Sob o governo do Diretório35 a sociedade burguesa – a própria Revolução a havia libertado das amarras feudais e reconhecido oficialmente, por mais que o terrorismo tivesse tentado sacrificá-la a uma vida política antiga – irrompe em formidáveis correntes de vida. Tempestade e ímpeto em busca de empresas comerciais, febre de enriquecimento, a vertigem da nova vida burguesa, cujo autogozo inicial ainda é insolente, leviano, frívolo e embriagado; esclarecimento real da propriedade territorial francesa, cuja ordem feudal havia sido destruída pelo martelo da Revolução e que o primeiro ardor febril dos muitos novos proprietários submete agora a um cultivo total; primeiros movimentos da indústria liberada: esses são alguns dos sinais de vida da sociedade burguesa recém-nascida. A sociedade civil é representada positivamente pela burguesia. A burguesia começa, pois, a governar. Os direitos humanos deixam de existir tão só na teoria.
O que se tornou butim de Napoleão no 18 Brumário não foi – conforme a Crítica acredita, dando ouvidos submissos a um tal senhor Von Rotteck e a Welcker – o movimento revolucionário em geral, mas sim a burguesia liberal. Para convencer-se disso, basta ler os discursos dos legisladores daquele tempo. A gente parece ser transportado da Convenção nacional a uma câmara de deputados atual.
Napoleão foi a última batalha do terrorismo revolucionário contra a sociedade burguesa, também proclamada pela Revolução, e sua política. É certo que Napoleão já possuía também o conhecimento da essência do Estado moderno, e compreendia que este tem como base o desenvolvimento desenfreado da sociedade burguesa, o livre jogo dos interesses privados etc. Ele decidiu-se a reconhecer esses fundamentos e a protegê-los. Não era nenhum terrorista fanático e sonhador. Porém, ao mesmo tempo, Napoleão seguia considerando o Estado como um fim em si e via na vida burguesa apenas um tesoureiro e um subalterno seu, que não tinha o direito de possuir uma vontade própria. E levou a cabo o terrorismo ao pôr no lugar da revolução permanente a guerra permanente. Satisfez até a saciedade o egoísmo do nacionalismo francês, mas reclamou também o sacrifício dos negócios, o desfrute, a riqueza etc. da burguesia, sempre que assim o exigisse a finalidade política da conquista. E, se reprimiu despoticamente o liberalismo da sociedade burguesa – o idealismo político de sua prática cotidiana –, não poupou também seus interesses materiais essenciais, o comércio e a indústria, quando estes se chocavam com seus interesses políticos. Seu desprezo pelos hommes d’affaires36 industriais era o complemento de seu desprezo pelos ideólogos. Também em direção ao interior combatia o inimigo do Estado na sociedade burguesa, Estado que ele considerava como um fim em si absoluto. Em uma sessão do Conselho de Estado, por exemplo, declarou que não toleraria que o possuidor de grandes extensões de terra se resignasse a cultivá-las, ou não, segundo seus caprichos. E concebeu, assim, o plano de submeter o comércio ao Estado, mediante a apropriação do roulage37. Os comerciantes franceses prepararam o acontecimento que fez estremecer pela vez primeira o poder de Napoleão. Os agiotas de Paris obrigaram-no, mediante uma situação de penúria artificialmente provocada, a retardar em cerca de dois meses o início da campanha contra a Rússia, o que fez com que essa fosse encaminhada em uma época do ano demasiado tardia.
E, assim como o terrorismo revolucionário fez frente mais uma vez à burguesia liberal através de Napoleão, assim também na Restauração, com os Bourbons, mais uma vez a contrarrevolução fez frente a ela. Em 1830, ela realizou enfim seus desejos do ano de 1789, mas com a diferença de que, agora, seu esclarecimento político já havia chegado a seu término, pois já não via no Estado representativo constitucional o ideal de Estado, não acreditava mais na aspiração de salvar o mundo, nem pensava mais em alcançar fins humanos de caráter geral, mas já havia reconhecido, muito antes, que o Estado era a expressão oficial de seu poder exclusivo e o reconhecimento político de seu interesse particular.”
33 “E, no entanto, fui eu quem fiz aquilo lá.” (N.E.A.)
34 Golpe de estado encaminhado por Napoleão Bonaparte em 9 de novembro de 1799 (18 Brumário, segundo o novo calendário da revolução), que derrubou o Diretório e entregou o governo a um consulado provisório, instituindo a ditadura de Napoleão e pondo fim à Revolução Francesa. (N.T.)
35 Governo colegiado – formado por membros da alta burguesia – que vigorou na França de 26 de outubro de 1795 (4 Brumário, ano IV, pelo calendário revolucionário) a 9 de novembro de 1799 (18 Brumário, ano VIII), ou seja, entre a Convenção e o golpe que instituiu a ditadura napoleônica. O principal objetivo desse governo corrupto e difuso foi alijar do poder as classes populares e a antiga aristocracia, a fim de garantir o funcionamento de uma república moderada e liberal, depois de seis anos e meio de práticas revolucionárias. (N.T.)
36 Homens de negócios. (N. E. A.)
37 Tráfego de cargas. (N. E. A.)


“O teísmo não é, pelo menos para o materialista, mais do que um modo cômodo e indolente de desfazer-se da religião.”


“Não é preciso ter grande perspicácia para dar-se conta do nexo necessário que as doutrinas materialistas sobre a bondade originária e a capacidade intelectiva igual dos homens, sobre a força onipotente da experiência, do hábito, da educação, da influência das circunstâncias sobre os homens, do alto significado da indústria, do direito ao gozo etc. guardam com o socialismo e o comunismo. Se o homem forma todos seus conhecimentos, suas sensações etc. do mundo sensível e da experiência dentro desse mundo, o que importa, portanto, é organizar o mundo do espírito de tal modo que o homem faça aí a experiência, e assimile aí o hábito daquilo que é humano de verdade, que se experimente a si mesmo enquanto homem. Se o interesse bem-entendido é o princípio de toda moral, o que importa é que o interesse privado do homem coincida com o interesse humano. Se o homem não goza de liberdade em sentido materialista, quer dizer, se é livre não pela força negativa de poder evitar isso e aquilo, mas pelo poder positivo de fazer valer sua verdadeira individualidade, os crimes não deverão ser castigados no indivíduo, mas [devem-se] sim destruir as raízes antissociais do crime e dar a todos a margem social necessária para exteriorizar de um modo essencial sua vida. Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente. Se o homem é social por natureza, desenvolverá sua verdadeira natureza no seio da sociedade e somente ali, razão pela qual devemos medir o poder de sua natureza não através do poder do indivíduo concreto, mas sim através do poder da sociedade.”



“Não é na caridade tal como ela é que a jovem marquesa deve encontrar uma satisfação para seu ser moral, um conteúdo e um objetivo humanos para a atividade, e por isso também um entretenimento. A caridade oferece, muito antes, apenas o motivo externo, apenas o pretexto, apenas a matéria para uma espécie de entretenimento, que poderia muito bem apresentar outra matéria como seu conteúdo. A miséria é explorada conscientemente a fim de proporcionar “o aspecto picante do romance, satisfação da curiosidade, aventura, disfarces, gozo da própria excelência, estremecimentos nervosos” àquele que pratica a beneficência.
Com isso Rodolfo proclama, sem o saber, o mistério há muito tempo descoberto de que a miséria humana em si, a abjeção infinita – que é obrigada a esmolar – servem à aristocracia do dinheiro e da cultura como um joguinho para a satisfação de seu amor-próprio, para fazer cócegas em sua soberba, para diverti-la.
As várias sociedades beneficentes que funcionam na Alemanha, as várias ligas de caridade existentes na França, as numerosas quixoterias beneficentes na Inglaterra, os concertos, bailes, comédias, comida para os pobres, até mesmo as subscrições públicas destinadas a socorrer as vítimas dos acidentes não têm outra finalidade a não ser essa. Nesse sentido, aliás, poderíamos dizer que há muito tempo a beneficência está organizada como um entretenimento.”


“A mudança de uma época histórica pode ser sempre determinada pela atitude de progresso da mulher perante a liberdade, já que é aqui, na relação entre a mulher e o homem, entre o fraco e o forte, onde a vitória da natureza humana sobre a brutalidade, que ela aparece de modo mais evidente. O grau da emancipação feminina constitui a pauta natural da emancipação geral.
A humilhação do sexo feminino é uma característica essencial tanto da civilização quanto da barbárie, porém com a diferença de que a ordem civilizada eleva todos os vícios que a barbárie comete de um modo simples a um modo de pensar bem mais complexo, de duplo sentido, equívoco e hipócrita... A pena por manter a mulher na escravidão não atinge a ninguém de um modo mais profundo do que ao próprio homem. (Charles Fourier)”

A sagrada família (Parte I), de Karl Marx e Friedrich Engels

Título completo: A sagrada família ou Crítica da Crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes
Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-032-4
Tradução e notas: Marcelo Backes
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Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 288
Sinopse (orelha): Depois de ter tido certa desconfiança em relação a Engels, Marx tornou-se seu amigo. E juntos eles escreveram, em Paris, de setembro a novembro de 1844, A sagrada família. Na Alemanha, liderado por Bruno Bauer, emergia um grupo de intelectuais ambiciosos, hipercríticos, que se consideravam críticos dos críticos, ou Críticos críticos. Marx e Engels deram ao livro um título que aludia ironicamente à família Bauer e um subtítulo não menos irônico: “A crítica da Crítica crítica”.
As qualidades literárias do texto de Marx e Engels, as estocadas sarcásticas, contribuíram muito para a repercussão da obra. Eles precisavam acertar contas com os pretensos “herdeiros” de Hegel.
O mais importante, porém, é a elaboração pioneira – feita por eles durante a polêmica – de conceitos novos, que viriam a esclarecer a dialética da concepção materialista da História.
O conceito de “consciência de classe”, por exemplo, distingue o que os trabalhadores acham que querem, num dado momento, daquilo que os trabalhadores vão sendo levados a querer, necessariamente, em função de seu próprio ser.
O conceito de ideologia ajuda a desmascarar o superdimensionamento do poder das ideias, advertindo que elas só se traduzem em ação transformadora quando os homens se empenham em usar a força prática que possuem.
E a nascente concepção materialista da história nos previne que a história não é um sujeito metafísico que manipula os indivíduos como se fossem marionetes; na realidade, são as pessoas vivas que, agindo, lutando, perseguindo os seus objetivos, fazem a história.
Felizes os leitores brasileiros que podem agora se divertir vendo Marx e Engels debocharem da família dos Críticos críticos e, ao mesmo tempo, podem acompanhar a gênese de concepções que vieram a ter tanta importância na história das ideias. (Leandro Konder)
  


“O humanismo real não tem, na Alemanha, inimigo mais perigoso do que o espiritualismo – ou idealismo especulativo –, que, no lugar do ser humano individual e verdadeiro, coloca a “autoconsciência” ou o “espírito” e ensina, conforme o evangelista: “O espírito é quem vivifica, a carne não presta”. Resta dizer que esse espírito desencarnado só tem espírito em sua própria imaginação.”


“A economia política que aceita as relações da propriedade privada como se fossem relações humanas e racionais move-se em uma constante contradição contra sua premissa fundamental, a propriedade privada, numa contradição análoga à do teólogo que interpreta constantemente as noções religiosas a partir de um ponto de vista humano e justamente através disso atenta sem cessar contra sua premissa fundamental, o caráter sobre-humano da religião. Assim, na economia política o salário se apresenta no princípio como a parte proporcional que corresponde ao trabalho gasto no produto. O salário e o lucro do capital mantêm relações mútuas de amizade, aparentemente humanas, condicionado-se mutuamente. Mais tarde, porém, fica claro que a relação entre ambos é a mais hostil que possa existir, que se acham em relação inversa um com o outro. O valor parece ser determinado racionalmente no princípio, através dos custos de produção de uma coisa e através de sua utilidade social. Mais tarde, todavia, fica claro que o valor é uma determinação puramente casual, que não precisa guardar a menor relação nem com os custos da produção nem com a utilidade social da coisa produzida. O tamanho do salário é determinado no início através do acordo livre entre o trabalhador livre e o capitalista livre. Mais tarde fica claro que o trabalhador é obrigado a deixar que determinem o salário como quiserem, assim como o capitalista é obrigado a estipulá-lo em um patamar tão baixo quanto possível. O lugar da liberdade das partes contratantes é ocupado pela coação. E o mesmo ocorre com o comércio e com todas as outras relações da economia política. Os economistas políticos por vezes se dão conta, eles mesmos, dessas contradições, e o desenvolvimento delas constitui o conteúdo fundamental de suas lutas recíprocas. Mas, quando tomam consciência dessas contradições, eles próprios atacam a propriedade privada sob uma forma parcial qualquer, declarando-a falseadora do salário racional em si – ou seja, conforme a sua noção de salário racional em si, de valor racional em si e de comércio racional em si. Dessa maneira, Adam Smith polemiza com os capitalistas de quando em vez, Destutt de Tracy com os banqueiros, Simonde Sismondi contra o sistema fabril, Ricardo contra a propriedade do solo e quase todos os economistas políticos modernos contra os capitalistas não industriais, para os quais a propriedade se manifesta como simples consumidora.
Os economistas fazem valer, portanto, ora – ainda que em momentos de exceção, nomeadamente quando atacam um abuso específico qualquer – a aparência do humano nas relações econômicas, ora – e essa é a regra geral – concebem essas relações justamente no aspecto em que se diferenciam aberta e declaradamente do humano, ou seja, em seu sentido estritamente econômico. Nessa contradição eles cambaleiam por aí, inconscientes.
Proudhon pôs, de uma vez por todas, um fim a essa inconsciência. Ele levou a sério a aparência humana das relações econômico-políticas e confrontou-as abruptamente com sua realidade desumana. Obrigou-as a ser na realidade o que eram nas concepções que tinham a respeito de si mesmas ou, muito antes, obrigou-as a deixar de lado as concepções que tinham a respeito de si e a confessarem sua desumanidade real32. Consequentemente, ele não atacou este ou aquele modo da propriedade privada, conforme o fizeram os outros economistas políticos – de modo parcial –, mas simplesmente tomou a propriedade privada em seu modo universal, apresentando-a na condição de falsificadora das relações econômicas. Proudhon desempenhou tudo aquilo que a crítica da economia política podia desempenhar do ponto de vista econômico-político.”
32 Para Marx, o escrito de Proudhon é a prova definitiva da inconciliabilidade entre humanidade e economia política. A maneira como Marx pretende superar – e supera – Proudhon é absolutamente diferente da de Bauer, aliás. Enquanto Bauer ideologiza até mesmo as questões econômicas de Proudhon, Marx transforma até mesmo as questões ideológicas do pensador francês em problemas socioeconômicos. Se Bauer é incapaz de ver o mérito de Proudhon por ter criticado a economia política do ponto de vista da economia política, Marx supera inclusive o ponto de vista limitado da economia política. (N.T.)


“Proletariado e riqueza são antíteses. E nessa condição formam um todo. Ambos são formas do mundo da propriedade privada. Do que aqui se trata é da posição determinada que um e outra ocupam na antítese. Não basta esclarecê-los como os dois lados – ou extremos – de um todo.
A propriedade privada na condição de propriedade privada, enquanto riqueza, é obrigada a manter sua própria existência e com ela a existência de sua antítese, o proletariado. Esse é o lado positivo da antítese, a propriedade privada que se satisfaz a si mesma.
O proletariado na condição de proletariado, de outra parte, é obrigado a suprassumir a si mesmo e com isso à sua antítese condicionante, aquela que o transforma em proletariado: a propriedade privada. Esse é o lado negativo da antítese, sua inquietude em si, a propriedade privada que dissolve e se dissolve.
A classe possuinte e a classe do proletariado representam a mesma autoalienação humana. Mas a primeira das classes se sente bem e aprovada nessa autoalienação, sabe que a alienação é seu próprio poder e nela possui a aparência de uma existência humana; a segunda, por sua vez, sente-se aniquilada nessa alienação, vislumbra nela sua impotência e a realidade de uma existência desumana. Ela é, para fazer uso de uma expressão de Hegel, no interior da abjeção, a revolta contra essa abjeção, uma revolta que se vê impulsionada necessariamente pela contradição entre sua natureza humana e sua situação de vida, que é a negação franca e aberta, resoluta e ampla dessa mesma natureza.
Dentro dessa antítese o proprietário privado é, portanto, o partido conservador, e o proletário o partido destruidor. Daquele parte a ação que visa a manter a antítese, desse a ação de seu aniquilamento.
Em seu movimento econômico-político, a propriedade privada se impulsiona a si mesma, em todo caso, à sua própria dissolução; contudo, apenas através de um desenvolvimento independente dela, inconsciente, contrário a sua vontade, condicionado pela própria natureza da coisa: apenas enquanto engendra o proletariado enquanto proletariado, enquanto engendra a miséria consciente de sua miséria espiritual e física, enquanto engendra a desumanização consciente – e portanto suprassunsora – de sua própria desumanização31. O proletariado executa a sentença que a propriedade privada pronuncia sobre si mesma ao engendrar o proletariado, do mesmo modo que executa a sentença que o trabalho assalariado pronuncia sobre si mesmo ao engendrar a riqueza alheia e a miséria própria. Se o proletariado vence, nem por isso se converte, de modo nenhum, no lado absoluto da sociedade, pois ele vence de fato apenas quando suprassume a si mesmo e à sua antítese. Aí sim tanto o proletariado quanto sua antítese condicionante, a propriedade privada, terão desaparecido.
Se os escritores socialistas atribuem ao proletariado esse papel histórico-mundial, isso não acontece, de nenhuma maneira, conforme a Crítica crítica pretexta dizer que acontece, ou seja, pelo fato de eles terem os proletários na condição de deuses. Muito pelo contrário. Porque a abstração de toda humanidade, até mesmo da aparência de humanidade, praticamente já é completa entre o proletariado instruído; porque nas condições de vida do proletariado estão resumidas as condições de vida da sociedade de hoje, agudizadas do modo mais desumano; porque o homem se perdeu a si mesmo no proletariado, mas ao mesmo tempo ganhou com isso não apenas a consciência teórica dessa perda, como também, sob a ação de uma penúria absolutamente imperiosa – a expressão prática da necessidade –, que já não pode mais ser evitada nem embelezada, foi obrigado à revolta contra essas desumanidades; por causa disso o proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Mas ele não pode libertar-se a si mesmo sem suprassumir suas próprias condições de vida. Ele não pode suprassumir suas próprias condições de vida sem suprassumir todas as condições de vida desumana da sociedade atual, que se resumem em sua própria situação. Não é por acaso que ele passa pela escola do trabalho, que é dura mas forja resistência. Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que o proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua própria situação de vida e por toda a organização da sociedade burguesa atual.”


“Na opinião do senhor Edgar, ter e não ter são, para Proudhon, categorias absolutas. A Crítica crítica vislumbra por tudo apenas categorias. Desse modo, o ter e o não ter, o salário e o soldo, a penúria e a necessidade, o trabalho por necessidade são, segundo o senhor Edgar, nada mais do que categorias.
Se a sociedade tivesse que se livrar apenas das categorias do ter e do não ter, quão fácil não seria a qualquer dialético, mesmo que fosse ainda mais fraco do que o senhor Edgar, alcançar a “superação” e a “suprassunção” dessas categorias! O senhor Edgar considera isso de uma pequenez tamanha que julga abaixo de sua dignidade dedicar esforço para dar a Proudhon um esclarecimento que fosse a respeito das categorias do ter e do não ter. Mas como o não ter não é apenas uma categoria, mas também uma realidade totalmente desconsoladora – uma vez que o homem que não tem nada não é nada hoje em dia, já que se acha à margem da existência de um modo geral e, mais ainda, à margem de uma existência humana, pois o estado de não ter é o estado de completo divórcio entre o homem e sua objetividade –, está perfeitamente justificado que o não ter constitua, para Proudhon, o mais alto tema de meditação, tanto mais pelo fato de ter sido meditado tão pouco acerca desse tema antes dele e dos escritores socialistas em geral. O não ter é o espiritualismo mais desesperado, uma irrealidade total do humano, uma realidade total do desumano, um ter assaz positivo, um ter fome, ter frio, ter doenças, crimes, humilhações, hebetismo, um ter todas as coisas desumanas e antinaturais.”


“A verdade é, tanto para o senhor Bauer quanto para Hegel, um autômato que se prova a si mesmo. O homem deve apenas segui-la. E, assim como em Hegel, o resultado da argumentação real no senhor Bauer não é outro que não a verdade demonstrada, quer dizer, a verdade levada à consciência. Por isso, a Crítica absoluta pode perguntar-se, conforme faz o mais tapado dos teólogos:
Para que serviria a História se não tivesse por missão demonstrar precisamente essas verdades, as mais simples de todas (como por exemplo o movimento da Terra em volta do Sol)?
Assim como os antigos teólogos estipularam que as plantas se encontravam na terra para servir de alimento aos animais, e os animais para servir de alimento ao homem, assim também a História existe para servir ao ato de consumo do alimento teórico, da demonstração. O homem existe para que exista a História, e a História existe para que exista a demonstração da verdade. Sob essa forma trivializada criticamente se repete a sabedoria especulativa de que o homem e a História existem para que a verdade chegue à autoconsciência.
A História torna-se, assim, uma persona à parte, um sujeito metafísico, do qual os indivíduos humanos reais não são mais do que simples suportes.”



A História não faz nada, “não possui nenhuma riqueza imensa”, “não luta nenhum tipo de luta”! Quem faz tudo isso, quem possui e luta é, muito antes, o homem, o homem real, que vive; não é, por certo, a “História”, que utiliza o homem como meio para alcançar seus fins – como se se tratasse de uma pessoa à parte –, pois a História não é senão a atividade do homem que persegue seus objetivos.”


Reconhecimento da humanidade livre? A “humanidade livre”, cujo reconhecimento os judeus não pensavam ambicionar, mas de fato ambicionavam, é a mesma “humanidade livre” que encontrou seu reconhecimento clássico nos assim chamados direitos gerais do homem. O próprio senhor Bauer tratou da aspiração dos judeus pelo reconhecimento de sua humanidade livre de maneira expressa como sua aspiração a receber os direitos gerais do homem.
Nos “Anais franco-alemães” desenvolveu-se para o senhor Bauer a prova de que essa “humanidade livre” e seu “reconhecimento’ não são nada mais do que o reconhecimento do indivíduo burguês egoísta e do movimento desenfreado dos elementos materiais e espirituais que formam o conteúdo de sua situação de vida, o conteúdo da vida burguesa atual; que, portanto, os direitos humanos não liberam o homem da religião, mas apenas lhe outorgam a liberdade religiosa, não o liberam da propriedade, mas apenas lhe conferem a liberdade da propriedade, não o liberam da sujeira do lucro, mas, muito antes, lhe outorgam a liberdade para lucrar.
Demonstrou-se como o reconhecimento dos direitos humanos por parte do Estado moderno tem o mesmo sentido que o reconhecimento da escravatura pelo Estado antigo. Com efeito, assim como o Estado antigo tinha como fundamento natural a escravidão, o Estado moderno tem como base natural a sociedade burguesa e o homem da sociedade burguesa, quer dizer, o homem independente, entrelaçado com o homem apenas pelo vínculo do interesse privado e da necessidade natural inconsciente, o escravo do trabalho lucrativo e da necessidade egoísta, tanto da própria quanto da alheia. O Estado moderno reconhece essa sua base natural, enquanto tal, nos direitos gerais do homem. Mas não os criou. Sendo como é, o produto da sociedade burguesa, impulsionada por seu próprio desenvolvimento até mais além dos velhos vínculos políticos, ele mesmo reconhece, por sua vez, seu próprio local de nascimento e sua própria base mediante a proclamação dos direitos humanos. Portanto, a emancipação política dos judeus e a concessão a estes dos “direitos humanos” constitui um ato mutuamente condicionante. O senhor Riesser expressa acertadamente o sentido que encerra a aspiração dos judeus ao reconhecimento da humanidade livre, quando postula, entre outras coisas, a liberdade de movimentos e de residência, a liberdade de viajar, de exercer o comércio e a indústria etc. Essas manifestações da “humanidade livre” foram reconhecidas expressamente como tais na proclamação francesa dos direitos do homem. E o judeu tem, mesmo assim, mais direito a esse reconhecimento de sua “humanidade livre”, posto que a “sociedade burguesa livre” encerra uma essência absolutamente comercial e judaica e ele é, de antemão, parte necessária dela. E nos “Anais franco-alemães” desenvolveu-se, mais além, por que o membro par exellence da sociedade burguesa se chama “o homem” e por que os direitos humanos recebem o nome de “direitos inatos”.”

Grego Instrumental, de José de Godoi Filho

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-912-2
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Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 226
Sinopse: Saber de fato uma língua exige não somente o domínio de seus elementos linguísticos, mas também o conhecimento de sua história e dos processos que influenciaram seu desenvolvimento. Nesta obra, apresentamos o grego antigo desde seu surgimento, indicando os eventos históricos mais relevantes em seu processo de construção e de desenvolvimento, a fim de contextualizar a explicação sobre sua estrutura linguística. Nosso objetivo principal é fornecer os conhecimentos básicos de grego antigo para que você consiga consultar textos filosóficos escritos originalmente nessa língua.

“Enquanto eu puder respirar e exercer minhas faculdades físicas e mentais, jamais deixarei de praticar a filosofia, de elucidar a verdade e de exortar todos que cruzarem meu caminho a buscá-la. […] Portanto, senhores […] seja eu absolvido ou não, saibam que não alterarei minha conduta, mesmo que tenha de morrer cem vezes.” (Sócrates)


“Infelizmente, há casos em que terceiros se apropriam de traduções diretas do grego, modificando-as e dando a elas outros significados que descaracterizam o texto original. Um exemplo disso é a frase de Sócrates “só sei que nada sei”, que, conforme elucida Avrella (2007, p. 3) em seu livro A defesa de Sócrates — diretamente do grego, seria “eu, quando de fato não sei, também não fico pensando que sei”.”


“De acordo com Nicola e Infante (Gramática contemporânea da língua portuguesa, 1995), a língua compreende um código de comunicação utilizado em determinado país. Os dialetos, por sua vez, são “falares regionais que apresentam entre si coincidência de traços linguísticos fundamentais” (Camara Júnior, Dicionário de linguística e gramática, 2009, p. 115). Tratam-se das variedades linguísticas de uma língua (maneira de falar, de escrever, variação de significados) dentro de um território ou país. Geralmente, falantes de dialetos distintos não têm problemas no processo de comunicação. Um país pode ter muitos dialetos. No Brasil, por exemplo, temos os dialetos mineiro, nordestino, gaúcho, caipira, entre outros. O conjunto de todos esses dialetos forma o português do Brasil, que é nossa língua oficial.
Os dialetos também se influenciam mutuamente e pode haver, por diversos fatores, a preponderância de um sobre os demais. Assim, um dialeto pode ganhar status de língua, algo que percebemos, por exemplo, ao avaliar o dialeto comumente falado nos telejornais. Convém salientar que um dialeto não é menos do que uma língua.”


“De acordo com a linguística, ciência que estuda a linguagem humana, a língua grega, assim como outras grandes línguas, como o latim, o armênio e o germânico, provém da grande família de línguas indo-europeias, cujas ramificações se estendem por toda a Europa e parte da Ásia (Wallace, Greek Grammar beyond the basics, 1995)
Sem entrar em detalhes de como se identifica o parentesco entre essas línguas, Rega e Bergmann (Noções do grego bíblico, 2004) exemplificam suas similaridades ao comparar determinadas palavras. Por exemplo, a palavra pai, no grego, é πατέρας (patér); no latim, pater; no sânscrito, Pita; no antigo persa, pitan no gótico, fadar; no inglês, father; e no alemão, vater. Já a palavra mãe, no grego, é (méter); no latim, mater no sânscrito, matar; no báltico, mate; no inglês, mother; e no alemão, mutter. Wallace (1995) também apresenta esse tipo de exemplo, como ao comparar três (latim), τρeïς (treis — grego) e tryas (sânscrito).
De acordo com a linguística, todas essas línguas vieram de uma mesma fonte: uma língua falada por um povo primitivo que habitava a Ásia Ocidental. Esse povo era formado por grandes famílias (tribos) organizadas pelo modelo patriarcal, que exerciam atividades agropecuárias como forma de subsistência. Esse povo, por volta do terceiro milênio, começou a se dispersar, o que teria originado vários dialetos e línguas afins. No segundo milênio, uma dessas tribos se direcionou para a Península Balcânica, dando origem aos primeiros dialetos gregos (Rega; Bergmann, 2004).”


“Diferentemente de outras formas de escrita, como os hieróglifos e os ideogramas (mandarim), a escrita alfabética deu ao povo grego a capacidade de abstração e de generalização (Chaui, Convite à filosofia, 2012).
De acordo com Chaui (2012), a escrita é um dos acontecimentos históricos que motivou o aparecimento da filosofia, visto que permitiu a expressão formal de qualquer tipo de manifestação abstrata. Por isso, costuma-se considerar o surgimento do alfabeto e o período oral e escrito (poesia e prosa) da cultura grega como peças-chave na transição da visão mítica para o pensamento filosófico — embora esses dois tipos de pensamento sempre estivessem, de certa forma, relacionados.
A literatura grega começou a se desenvolver com o aparecimento das obras de Homem (ca. século VIII a.C.), que introduziram o alfabeto grego.
No início, a escrita era utilizada por poucos em razão do analfabetismo generalizado. Seu uso era restrito aos sacerdotes, reis e escribas e às poucas pessoas que tinham acesso à educação. Contudo, o crescimento gradual da alfabetização fez surgir uma nova consciência, uma nova época mental, que prezava a busca da verdade por intermédio da abstração, da reflexão, da argumentação, da lógica e da razão, descartando-se a imposição inquestionada do mito. Isso não significa, porém, que a escrita tenha deixado de veicular conteúdo mítico.”


“Com a evolução do processo escrito, passou-se a registrar, além da prosa, a narração de fatos e pensamentos. Nesse sentido, ideias passaram a ser questionadas, tornando-se objeto de críticas, de discussão e de revisões cada vez mais depurativas, o que ajudou no desenvolvimento do pensamento crítico — conforme demonstraremos a seguir.
Conforme esclarece Alexandre Júnior (Gramática de grego 2003), a língua grega é bastante rica, motivo pelo qual influenciou decisivamente as línguas modernas, especialmente as europeias, tanto como modelo inspirador quanto como permanente veículo de cultura. Dela deriva a maior parte dos vocabulários científicos, técnicos, artísticos e intelectuais construídos ao longo da história. As obras de Platão (ca. 427 a.C.-347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, ajudaram a fundamentar boa parte da civilização ocidental contemporânea.
Além disso, a língua grega contribuiu para o registro e difusão das religiões judaico-cristãs a partir do Período Helenístico (338 a.C.-146 a.C.), tento em vista que a primeira tradução do Antigo Testamento, a Septuaginta, foi realizada para o grego koinê. Além disso, parte do Novo Testamento foi composta em grego, não em hebraico.”


“O debate também estimulou o desenvolvimento reflexivo em outras áreas, como a política, a poesia, a escultura, a arquitetura, a história, a geografia e a pintura. Por isso, muitos pensadores acabaram desempenhando mais de um papel. Por exemplo, Pitágoras era filósofo e matemático; Heródoto, geógrafo e historiador; Péricles, político, orador e estrategista; e Cleofonte, político e demagogo. Isso revela a riqueza intelectual do período, que estimulou bastante a capacidade criativa.
Dean-Jones (História ilustrada da Grécia Antiga, 2002) atribui essa revolução de pensamento, em um primeiro momento, a dois fatores: lazer e riqueza. Essas duas condições teriam permitido, para alguns jônios, tempo para pensar e refletir, algo que ficou conhecido como ócio criativo. De acordo com esse conceito, quem não precisa trabalhar duro para sobreviver, pode utilizar essa oportunidade para refletir e criar. Poetas, escritores e filósofos precisam desse tempo para conseguir produzir.
Além do ócio criativo, a sabedoria era concebida como um bem democrático, que poderia pertencer a qualquer um, não somente aos sacerdotes, como ocorria na Babilônia. A construção do saber, portanto, ocorria por meio do intercâmbio de informações com outros povos (fator comercial) e do debate aberto e público (fator político), que serviam para legitimar teorias. A isso Dean-Jones (2002) chama de quintessência do espírito grego.
Como mencionado na seção anterior, outro fator muito importante no desenvolvimento da filosofia foi o surgimento da escrita. Aranha e Martins (Filosofando, 2009) somam a esse fator o surgimento da moeda e da lei grega escrita e a fundação das pólis (cidades-estado).
A utilização da escrita democratizou ainda mais o conhecimento, pois permitiu uma abstração maior do pensamento e intensificou mais formalmente o confronto de ideias. Já o surgimento da moeda (século VII a.C.), nascida originariamente na Lídia, trouxe uma nova forma de comercialização, de noção de valor abstrato e de pensamento racional crítico. A lei escrita, por sua vez, inserida por Drácon (século VII a.C.) e, posteriormente, por Sólon e Clístenes (século VI a.C.), originou a noção de justiça para todos, derrubando o cadilho subjetivo de interpretações baseadas na suposta vontade divina e na arbitrariedade dos reis. Por fim, o surgimento das pólis fez a base da organização grega deixar de ser tribal para se tornar pública, democrática e mais justa para seus cidadãos.
Chaui (2012) acrescenta às condições históricas que promoveram o surgimento da filosofia as viagens marítimas, a invenção do calendário e o surgimento da vida urbana e da política.
Antes de a filosofia surgir entre os gregos, havia a predominância do que se chamava de consciência mítica. Tratava-se de um modo de pensar proveniente das sociedades tribais, o qual acabou sendo herdado por muitas civilizações antigas, como a mesopotâmica, a egípcia, a indiana e, claro, a grega.
De acordo com Chaui (2012), o pensamento questionador surgiu quando alguns gregos, não satisfeitos com as explicações de suas tradições, começaram a se perguntar sobre o mundo e as pessoas. Isso motivou a busca por respostas e, consequentemente, a construção do pensamento racional. É válido ressaltar que o mito não desapareceu com o surgimento da filosofia nem deve ser encarado como um mal. Conforme elucidam Aranha e Martins (2009), o pensamento mítico existe até hoje e tem um papel fundamental em várias áreas, como na arte e na religião. Trata-se de uma maneira de explicar a realidade por meio do desejo, do medo e do mistério quando ainda não se tem uma explicação racional dos fatos. As autoras ainda alertam para o perigo de se preterir o mito em favor de um posicionamento exclusivamente positivista, que vê a ciência como a única maneira válida de interpretação da realidade. Essa visão contribui para a construção do mito do cientificismo, um reducionismo que desconsidera as limitações da ciência. Além disso, Francis McDonald (citado por Aranha; Martins, 2009) elucida que a filosofia nascente, a jônica, apresentava vínculos com o mito.
Antes do surgimento da escrita, os antigos mitos gregos eram veiculados oralmente pelos poetas ambulantes. Homero é um ícone dessa época, pois além do registro escrito de suas epopeias Ilíada e Odisseia, acredita-se que ele também tenha sido um poeta oral. Também acredita-se que o poeta Hesíodo (ca. 750 a.C.-650 a.C.) tenha misturado em suas poesias a teogonia* e cosmologia**.
O rompimento dos pensamentos mítico e filosófico ocorreu gradativamente, até surgir, de fato, uma mentalidade com:
• tendência à racionalidade [...];
• tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado um problema, sua solução é submetida à análise, à crítica, à discussão e à demonstração [...];
• exigência de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento [lei universal do pensamento];
• recusa de explicações preestabelecidas [...];
• tendência à generalização [...]. (Chaui, 2012, p. 33)
Nas sociedades gregas, esse rompimento ocorreu mais rapidamente do que em outras civilizações, embora o mito nunca tenha, de fato, desaparecido. Na mesma época da hegemonia da cultura grega, outros povos tinham grandes e famosos sábios (como Confúcio e Buda), mas seus ensinamentos estavam mais ligados à religião do que à reflexão filosófica. Provavelmente essa realidade motivou a concepção da filosofia como milagre grego, não como um processo longo de transição, conforme elucida Aranha e Martins (2009).
Chaui (2012) destaca sete ideias básicas para definir o legado filosófico dos gregos para o mundo ocidental:
• leis e princípios universais;
• ordem necessária à natureza;
• conhecimento das leis;
• operação do pensamento obedecendo princípios, leis, regras e normas universais;
• vontade livre nas práticas humanas;
• necessidade de acontecimentos naturais e humanos;
• aspiração humana pelo conhecimento verdadeiro.
Todo esse legado coincide com os grandes temas com que a filosofia tem se ocupado até a atualidade. Kleinman (2014, Tudo que você precisa saber sobre filosofia, p. 7, grifo do original) resume da seguinte maneira esses temas:
metafísica (o estudo do universo e da realidade), lógica (como criar um argumento válido), epistemologia (estudo do conhecimento e de como o adquirimos), estética (o estudo da arte e da beleza), política (o estudo dos direitos políticos, do governo e o papel dos cidadãos) e ética (o estudo da moralidade e de como cada um deve viver).”
* Explicação mitológica sobre a origem dos deuses.
** Teoria racional sobre a origem do cosmos.


Tales de Mileto, além de ter sido o primeiro filósofo, também é considerado um dos sete sábios da Grécia — visto que também foi matemático e astrônomo. Foi ele que teorizou pela primeira vez a água como elemento que tudo une; que formulou o teorema de que dois triângulos são iguais quando apresentam um lado igual entre dois ângulos iguais, que ficou conhecido como Teorema de Tales; que calculou a altura de uma pirâmide tendo por base a própria sombra; e que previu um eclipse solar.
Pitágoras (ca. 570 a.C.-500 a.C.) também era filósofo e matemático. Em razão de suas contribuições para as ciências exatas, como o Teorema de Pitágoras, o desenvolvimento da tábua de multiplicação, o sistema decimal e de proporções aritméticas e a geometria, é considerado o pai da matemática.
Heródoto (985 a.C.-425 a.C.) foi o historiador que narrou a invasão persa na Grécia (Guerras Médicas — 499 a.C.-449 a.C.), registrada na obra As histórias de Heródoto. Essa obra foi reconhecida como uma nova forma de literatura, diferente das crônicas e obras épicas. Em razão de suas contribuições, é considerado o pai da história.
Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.) foi um médico proveniente de uma família que trabalhou por várias gerações na área da saúde. Apesar de ter praticado a medicina muito tempo depois do egípcio Imhopet, o modo como lidava com a medicina era considerado inovador, visto que se desvinculava da influência do sobrenatural. É considerado o pai da medicina por ter sido o primeiro médico a encarar as doenças de um ponto de vista puramente clínico e cientifico.
Eratóstenes (276 a.C.-194 a.C.) foi um estudioso assíduo, pois dedicou-se à geografia, à matemática, à gramática, à poesia e à astronomia. Exerceu a função de bibliotecário em Alexandria. Seu apelido era Beta (segunda letra do alfabeto grego), pois era considerado o segundo melhor em várias áreas do conhecimento. Ele ficou conhecido por calcular a circunferência da Terra em 39.690 km, incrivelmente perto dos 40.075 km do cálculo atual. É considerado o pai da geografia.
Galeno de Pérgamo (ca. 129-217) foi um filósofo e médico romano, embora de origem grega. É considerado o pai da farmá-cia por seus feitos na área da saúde. Várias de suas teorias sobre o funcionamento do corpo humano (fisiologia) permaneceram até 1543-1628, quando foram superadas por descobertas novas e complementares de outros médicos.”


“Embora outros povos1 da Antiguidade, bem antes dos gregos, já tivessem estabelecido suas ideias sobre a natureza – seus fenômenos e processos naturais – por meio de áreas como a matemática, a astronomia e a medicina, os gregos foram os pioneiros no desenvolvimento do pensamento científico (Marcondes, Iniciação à história da filosofia, 2004).
Assim, podemos afirmar que a grande contribuição dos gregos para a ciência começou a ser delineada quando se passou do pensamento mítico para o pensamento racional. Um exemplo é a própria medicina de Hipócrates, cujo diferencial, conforme mencionado, era exatamente o tratamento de doenças sem levar em consideração o sobrenatural2. Antes de Hipócrates, usava-se na cura de doenças elementos mágicos (encantamentos, amuletos, orações etc.) e procedimentos naturais, como ervas, dietas e regimes. Nessa época, não havia muito interesse em se investigar o corpo humano, a doença em si e por que alguns procedimentos não funcionavam.
De acordo com Dean-Jones (2002), a medicina e a astronomia, ancoradas na filosofia natural de alguns filósofos, foram as primeiras ciências a surgirem no contexto grega De acordo com o autor, foi na medicina grega que o método científico deu seus primeiros passos em direção à observação não passiva do mundo.
A medicina se tornou ciência à medida que foi acumulando conhecimentos sobre cura, procedimentos, funcionamento do corpo e doenças. A filosofia natural, embora tenha contribuído para seu desenvolvimento, era especulativa – não havia como comprovai; naquela época, muitas das hipóteses levantadas por seus filósofos. No entanto, a medicina lidava com o corpo concreto e podia fazer experimentos e observações a respeito do que dava certo ou não. Além disso, a área já contava com alguns elementos para conduzir seus experimentos, visto que já havia dados empíricos na área da cura3. Evidentemente, muitas teorias sobre o funcionamento do corpo humano acabaram se mostrando equivocadas posteriormente, mas isso não invalida o fato de que teorias e experiências estavam sendo colocadas à prova.
A segunda ciência a se desenvolver no contexto grego, conforme mencionado anteriormente, foi a astronomia, que teria surgido no final do século IV a.C., também fundamentada na filosofia natural. Quem se destacou nessa área foi Eudoxo de Cnido (ca. 408 a.C.-355 a.C.), que explicou vários fenômenos astronômicos, como o movimento das estrelas, dos planetas, do Sol e da Lua em volta da Terra. Para chegar a essa conclusão, ele utilizou cálculos matemáticos e geométricos.
Como mencionado anteriormente, outros povos já haviam se aventurado na astronomia. Os babilônicos, por exemplo, já estudavam os fenômenos astronômicos há séculos. Ainda assim, mais uma vez, foram os gregos os primeiros a tentar explicar tais fenômenos por meio da ciência. Os babilônicos tinham interesse na astronomia apenas para efeito de previsões, dentro de um caráter místico-religioso, e não para saber como e por que esses fenômenos aconteciam. Um exemplo desse interesse é a história do nascimento de Jesus (Mateus, 1: 1-12), em que os reis magos (que possivelmente eram babilônicos) vão visitá-lo guiados por uma estrela4
1 É válido ressaltar que os gregos reaproveitaram muitos conhecimentos provenientes de outras civilizações, como a babilônica e a egípcia, tendo em vista o intercâmbio estabelecido entre elas e a civilização grega. No entanto, como destacado, essas civilizações não apresentavam uma abordagem científica, mas mística.
2 Havia uma convicção filosófica de que os deuses só podiam curar por meio das leis naturais e, portanto, as doenças podiam ser compreendidas racionalmente (Dean-Jones, 2002).
3 Com relação ao uso de métodos empíricos para se estudar um objeto de estudo, a medicina grega é a primeira das ciências a despontar.
4 Nesse sentido, é válido ressaltar que, após as diásporas judaicas, na Babilônia se estabeleceu uma das maiores comunidades judaicas do mundo antigo.


“Além das ciências, os gregos também foram pioneiros em outras áreas e atividades, como as Olimpíadas, as artes, o teatro, a arquitetura e a política.
As Olimpíadas nasceram como uma forma de trégua entre as cidades-estado. Foram realizadas de 776 a.C. até 393 d.C., quando foram proibidas pelo imperador romano Teodósio (346-395), em razão de ser um evento politeísta em homenagem a Zeus.
Tratava-se de um evento de competição esportiva realizado de quatro em quatro anos, na cidade de Olímpia. Algumas das modalidades de competição da época foram preservadas, como o arremesso de discos, a corrida, a natação, o boxe, a luta e o salto a distância. Os vencedores eram homenageados e tornavam-se heróis em suas terras natais.
Na política, guardadas as devidas diferenças ideológicas, a grande contribuição dos gregos foi a invenção da democracia (governo do povo), que contemplava os conceitos de cidadania (direitos e deveres do cidadão e do Estado) e de propriedade privada e pública (Batchelor, Os gregos antigos para leigos, 2012).”


“Não há como negar a presença do legado da cultura grega nas civilizações ocidentais. No entanto, por mais significativas que tenham sido as contribuições dos antigos gregos, no que se refere à democracia, Cartledge (História ilustrada da Grécia Antiga, 2002) adverte para o perigo da idealização. Não se pode conceber a antiga sociedade grega como um modelo ideal, em que todos desfrutavam da liberdade e da justiça.
Embora a democracia ateniense fosse fundamentada na isonomia, apenas homens atenienses, filhos de atenienses, com mais de 18 anos eram considerados cidadãos. Em outras palavras, mulheres, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos e, portanto, eram desprovidos de direitos. Essa questão constitui o porão da glória dos gregos.”


“Antigamente, como mencionado, as palavras gregas eram escritas em letras maiúsculas. Além disso, as palavras eram escritas todas juntas, sem pontuação alguma.
Isso dificultava e ainda dificulta muito o trabalho de tradutores e intérpretes de textos antigos. Vários trechos do Novo Testamento apresentam esse tipo de dificuldade.
Para ilustrar essa questão, Cenatti (O alfabeto grego clássico, 2014, p. 54) apresenta uma frase do século VII a.C. inscrita no Oráculo de Delfos, lugar onde se faziam previsões. Observe a seguir como a frase ficaria sem pontuação e com as palavras todas juntas:
IDESVOLTARASNAOMORRERASNAGUERRA
Viu como a sentença fica confusa? Para facilitar a leitura no português, a frase poderia ser interpretada da seguinte maneira: “Ides, voltarás, não morrerás na guerra”. No entanto, a sentença parece não conter entonação adequada. Por isso, de acordo com os linguistas, a tradução correta é: “Ides! Voltarás? Não, morrerás na guerra”.
A pontuação veio mais tarde, a partir do século IV, com o propósito de facilitar a leitura e o entendimento das frases.”