Editora: Escala
ISBN: 978-85-7556-901-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 434
“Liberdade!
A esse nome, a democracia, como o touro diante do qual se agita uma capa
vermelha, fica furiosa.”
“Num
país, onde o povo não é nada ainda, compreende-se essa perseverança na
exploração; mas num país onde o povo é tudo, porque sua voz permanece muda? Por
que, nas discussões econômicas, o nome do povo jamais é pronunciado?”
“Quando
se dirá aos operários que o monopólio, do qual se finge querer livrá-los pela
abolição da alfândega, deveria receber uma nova energia dessa abolição; que o
monopólio, de outro modo muito mais profundo do que se gostaria de confessar,
consiste não somente no fornecimento exclusivo do mercado, mas também,
sobretudo, na exploração exclusiva do solo e das máquinas, na apropriação
invasora dos capitais, no abarcamento dos produtos, no arbítrio das trocas;
quando se fará ver a eles que foram sacrificados às especulações da agiotagem,
entregues, de mãos e pés atados, à renda do capital; que daí surgiram os
efeitos subversivos do trabalho parcelar, da opressão das máquinas, dos
sobressaltos desastrosos da concorrência e dessa iníqua ridicularização do
imposto; quando se mostrará a eles a seguir como a abolição dos direitos
protetores mais não fez que estender a rede do privilégio, multiplicar a
desapropriação e unir contra o proletariado os monopólios de todos os países;
quando se contará a eles que a burguesia eleitoral e dinástica, sob pretexto de
liberdade, fez os maiores esforços para manter, consolidar e preparar esse
regime de mentira e de rapina; que postos foram criados, recompensas propostas
e distribuídas, sofistas contratados, jornais pagos, a justiça corrompida, a
religião invocada para defendê-lo; que nem a premeditação, nem a hipocrisia,
nem a violência faltaram à tirania do capital; pensa-se acaso que, no fim, não
se levantarão em sua cólera e que, uma vez donos da vingança, vão repousar na
anistia?”
“Mas
para a economia política, esta ciência da discórdia, nunca há na sociedade
senão indivíduos opostos em seus interesses e direitos.”
“A
teoria do livre monopólio, uma teoria da abundância! Ah! Verdadeiramente, se
não existissem filósofos, nem padres, bastariam economistas para dar a medida
do ridículo e da credulidade humana.”
“Tenho
medo que minha crítica, por força da evidência, não se torne, no fim,
irreverente; e antes que irritar, por uma discussão pública, respeitáveis
homens repletos de amor próprio, preferiria mil vezes abandoná-los a solidão de
seus remorsos.”
“Povos
importadores, povos explorados: aí está o que sabem maravilhosamente bem os
homens de Estado da Grã-Bretanha que, não podendo impor pela força das armas
seus produtos ao universo, se puseram cavar sob as cinco partes do mundo a mina
do livre comércio.”
“O
livre comércio, isto é, o livre monopólio, é a santa aliança dos
grandes feudatários do capital e da indústria, a argamassa monstra que deve
terminar em cada ponto do globo a obra começada pela divisão do trabalho, pelas
máquinas, pela concorrência, pelo monopólio e pela política econômica; esmagar
a pequena indústria e submeter definitivamente o proletariado. É a
centralização em toda face da terra desse regime de espoliação e de miséria,
produto espontâneo de uma civilização que começa, mas que deve perecer logo que
a civilização tiver adquirido consciência de suas leis; é a propriedade em sua
força e sua glória. E é para introduzir o consumo desse sistema que tantos
milhões de trabalhadores estão famintos, tantas criaturas inocentes ainda
amamentando atiradas no nada, tantas jovens e mulheres prostituídas, tantas
almas vendidas, tantos caracteres emurchecidos! Se ao menos os economistas
soubessem de uma saída para esse labirinto, de um fim para essa tortura. Mas
não, sempre! Nunca! Como o relógio dos condenados, é um refrão do apocalipse
econômico. Oh! Se os condenados pudessem queimar o inferno!...”
“Agora
é a vez dos patrícios das finanças. Como se já tivessem o pressentimento de sua
próxima derrota, só estão ocupados em se reconhecer, em se coligar, se
classificar e se repartir segundo suas qualidades e seu peso; em fixar suas
respectivas partes nos despojos do trabalhador e em celebrar uma paz, cujo
único objeto é a submissão definitiva do proletariado. Nessa santa aliança, os
governos, tornando-se solidários uns para com os outros e ligados por uma
amizade indissolúvel, nada mais são que os satélites do monopólio: reis
absolutos e constitucionais, príncipes, duques, boiardos e margraves; grandes
proprietários, grandes industriais, grandes capitalistas; funcionários da
administração, dos tribunais e da Igreja, tudo o que, numa palavra, em vez de
fazer obras, vive da lista de civis, de rendas, de agiotagem, de política e de
fanatismo, unido num interesse comum e logo reunida pela tempestade
revolucionária que já ribomba no horizonte, se encontra necessariamente
engajado nesta vasta conjuração do capital contra o trabalho.
Pensaram nisso, proletários?”
“Para
conter as classes trabalhadoras, apesar de sua ignorância, apesar do desamparo
e da disseminação em que são retidas, todas as políticas administrativas, todas
as burguesias, todas as dinastias da terra se dão a mão. Finalmente, a
cumplicidade da classe média, dispersa, segundo o princípio hierárquico, numa
multidão de empregos e de privilégios; o engajamento dos operários mais
inteligentes, que se tornaram condutores, contramestres, agentes e vigilantes
por conta da coalizão; a defecção da imprensa, a influência das sacristias, a
ameaça dos tribunais e das baionetas; de um lado, a riqueza e o poder, de outro
a divisão e a miséria; tantas causas reunidas que tornam inexpugnável o
improdutivo, um longo período de decadência vai começar para a humanidade.
Pela segunda vez, pensaram nisso,
proletários?”
“Em
vão trabalhadores e capitalistas se esgotam numa luta brutal; em vão a divisão
parcelar, as máquinas, a concorrência e o monopólio dizimam o proletariado; em
vão as iniquidades dos governos e a mentira do imposto, a conspiração dos
privilégios, a decepção do crédito, a tirania da propriedade e as ilusões do
comunismo multiplicam nos povos a servidão, a corrupção e o desespero; a
carruagem da humanidade avança, sem jamais parar nem recuar, em sua estrada
fatal, e as coalizões, a fome, as bancarrotas, aparecem menos sob suas rodas
imensas que os picos dos Alpes e das cordilheiras sobre a face unida do globo.
Deus, com a balança na mão, avança numa majestade serena; e o saibro na corrida
pela estrada só imprime a seu duplo prato da balança um invisível
estremecimento.”
“Socialistas!
Esclarecedores perdidos no futuro, pioneiros devotados à exploração de uma
região tenebrosa, nós cuja obra desconhecida desperta simpatias tão raras e
parece para a multidão um presságio sinistro; nossa missão é redar ao mundo
crenças, leis, deuses, mas sem que nós mesmos, durante a realização de nossa
obra, conservemos nem fé, nem esperança, nem amor. Nosso maior inimigo,
socialistas, é a utopia! Caminhando com um passo resoluto, sob o archote da
experiência, só devemos conhecer nossa senha, avante! Quantos dentre nós
pereceram e ninguém chorou sua sorte?! As gerações para as quais abríamos alas
passam alegres sobre nossos túmulos; o presente nos excomunga, o futuro é
desprovido de lembrança para conosco, e nossa existência se abisma num duplo
nada...
Mas nossos esforços não serão
perdidos. A ciência colherá o fruto de nosso ceticismo heroico e a posteridade,
sem saber que existimos um dia, usufruirá por nosso sacrifício dessa felicidade
que não é feita para nós. Avante! Aí estão nosso deus, nossa crença, nosso
fanatismo. Cairemos uns depois dos outros, até o último. A pá do recém-vindo
cobrirá de terra o veterano; nosso fim será como o dos animais; não somos,
apesar de nosso martírio, daqueles sobre os quais o padre irá cantar a estrofe
fúnebre: Deus guarde os ossos dos santos! Separados da
humanidade que nos segue, sejamos para nós mesmos a humanidade inteira; o
princípio de nossa força está nesse egoísmo sublime. Que os sábios nos
desdenhem se quiserem; suas ideias estão à altura de sua coragem; e nós
aprendemos, ao lê-los, a prescindir de sua estima. Mas saúde ao poeta que
nenhuma contradição surpreende, àquele que vai cantar, velho bardo, os
reprovados da civilização e que vai vir meditar um dia sobre seus vestígios!
Poeta, aqueles que o esquecimento já cerca, mas que não temem nem o inferno nem
a morte, te saúdam!”
“O
estado é a casta dos improdutivos.”
“Trabalhar
e comer são, que isso não desagrade aos escritores artistas, a única finalidade
aparente do homem. O resto não passa de idas e vindas de pessoas que procuram
ocupação ou que pedem pão. Para cumprir esse humilde programa, o profano comum
despendeu mais gênio que todos os filósofos, os sábios e os poetas puseram para
compor suas obras-primas.”
“Logo,
apesar da etimologia do termo, crédito é desconfiança, porquanto o homem que
nada possui nunca vai conseguir o crédito. Bem ao contrário daquele que,
forçado a servir para viver, entregará eternamente seu trabalho a crédito,
durante oito, quinze ou trinta dias, a um empresário!”
“O
capital inaugura na sociedade um feudalismo inevitável.”
“O
crédito é hipócrita como o imposto, espoliador como o monopólio, agente de
servidão como as máquinas. Como um contágio sutil e lento, propaga, estende,
distribui entre a massa dos povos os efeitos mais concentrados, mais
localizados dos flagelos anteriores. Mas, por qualquer máscara com que se
cubra, piedade, trabalho, progresso, associação, filantropia, o crédito é
ladrão e assassino, princípio, meio e fim do feudalismo industrial. O
legislador hebreu havia sondado todas essas profundezas quando recomendava a
seu povo dar crédito às outras nações, mas nunca aceitá-los delas, e que lhes
prometia, com essa condição, a dominação e o império:
“Se
dás crédito às nações e tu mesmo não o aceitas, reinarás sobre todos os povos e
ninguém será teu senhor” (Deuteronômio, XV, 6)
Os
judeus nunca desobedeceram a esse preceito, infiéis a Javé muitas vezes, fiéis
a Mamon sempre. E pode-se ver hoje se a promessa de Moisés se cumpriu.”
“O
princípio da miséria é exclusivamente social, é o crime de todos.”
“Costuma-se
dizer ao pobre: sofra mais, abstenha-se, jejue, seja mais pobre ainda, mais
necessitado, mais despojado; não se case, não ame, para que o patrão durma
tranquilo com sua resignação e para que se disponha a levá-lo ao hospital no momento
derradeiro.”
“Não
podemos sentir, amar, raciocinar, agir, existir, enfim, enquanto ficarmos
encerrados em nós mesmos; é necessário que o eu dê o impulso a suas faculdades,
que desdobre seu ser, que saia de alguma maneira de sua nulidade; que, depois
de se ter posto, se oponha, isto é, se coloque em relação com um eu
não sei quê, que é ou que lhe parece ser outro que não ele, numa palavra, com
um não-eu.”
“Deus
é o egoísmo perfeito, a solidão absoluta, a concentração suprema. Sob todos os
aspectos, Deus, natureza inversa do homem, existe por si mesmo e sem oposição,
ou melhor, ele produz dentro dele o não-eu, em vez de procurá-lo fora; embora
se distinga, ele é sempre eu; sua vida não se apoia em nada de outro.”
“Tudo
se passa no espírito, a matéria é uma abstração.”
“A
natureza não é uma quimera, porque é a obra que manifesta o operário; o não-eu,
tão real quanto o eu, é o produto e a expressão do eu; e Deus nada mais é que a
relação abstrata que une o eu e o não-eu numa fenomenalidade idêntica; tudo se
rege, tudo se liga e se explica. A experiência é a ciência, escrita, o
pensamento manifesto do sujeito e encontrado pelo sujeito.”
“O
silogismo, a indução, a antinomia e a série formam o armamento completo da inteligência;
é fácil ver que nenhum outro instrumento dialético pode ser descoberto além.”
“Sim,
pois, a propriedade começa, melhor dizendo, se manifesta por uma ocupação
soberana, efetiva, que exclui toda ideia de participação e de comunidade; sim,
ainda, essa ocupação, em sua forma legítima e autêntica, não é outra coisa
senão o trabalho; sem isso, como a sociedade teria consentido em conceder e em
fazer respeitar a propriedade? (...) A propriedade se estabeleceu pelo
trabalho; deve-se lembrar isso muitas vezes, não para a conservação da
propriedade, mas para a instrução dos trabalhadores.”
“‘O
direito a uma coisa, diz Kant, é o direito de uso privado de uma coisa, a
respeito da qual estou em comunidade de posse com todos os outros homens’. Em
virtude desse princípio. Todo homem privado de propriedade pode, portanto, e
deve apelar à comunidade, guardiã dos direitos de todos; disso resulta que,
como já foi dito, que na visão da providência, as condições devem ser iguais.”
“Mas, enfim, o pensamento que
presidiu o estabelecimento da propriedade foi bom (...) Todas as evoluções
subsequentes tendem a um tempo, de uma parte a reequilibrar as faculdades, de
outro, a desenvolver sempre a indústria e o bem-estar. Foi visto como, ao
contrário, o esforço providencial termina sempre num progresso igual e
divergente de miséria e de riqueza, de incapacidade e de ciência. Na segunda
época, aparecem o capital e o assalariado, a distribuição egoísta e injuriosa;
na terceira, o mal se agrava pela guerra comercial; na quarta, se concentra e
se generaliza pelo monopólio; na quinta recebe a consagração do Estado. O
comércio internacional e o crédito vêm por sua vez conferir um novo impulso ao
antagonismo. Mais tarde, a ficção da produtividade do capital tornando-se pelo
poder da opinião quase uma realidade, um novo perigo ameaça a sociedade, a própria
negação do trabalho pelo transbordamento do capital. É nesse momento, é dessa
situação extrema que nasce teoricamente a propriedade e essa é a transição que
se trata para nós de conhecer muito bem.”
“A bancocracia mudou seu caráter
e suas ideias. Outrora viviam entre eles como patrões e assalariados, vassalos
e suseranos; agora não se conhecem mais a não ser como tomadores de empréstimo
e usurários, ganhadores e perdedores. O trabalho desapareceu ao sopro do
crédito; o valor real se esvai diante do valor fictício, a produção diante da
agiotagem. A terra, os capitais, o talento, o próprio trabalho, se em lugar
algum ainda há trabalho, eles a esperam de um lançamento de dados. O crédito,
dizia a teoria, tem necessidade de uma base fixa; e eis justamente que o
crédito pôs tudo em movimento. Só se encosta, acrescentava ela, a hipotecas; e
faz correr essas hipotecas. Ele procura garantias; e como, a despeito da teoria
que só quer ver garantias nas realidades, a garantia do crédito é sempre o
homem, porque é o homem que faz valer a penhora e porque sem o homem a garantia
seria absolutamente ineficaz e nula, ocorre que o homem, não se agarrando mais
às realidades, com a garantia do homem a penhora desaparece e o crédito
permanece o que ele em vão se gabava de não ser, uma ficção.
O crédito, numa palavra, à força
de desvincular o capital, terminou por desvincular o próprio homem da sociedade
e da natureza. Nesse idealismo universal, o homem não se apega mais ao solo; é
suspenso no ar por um poder invisível. A terra está coberta de habitantes, uns
nadando na opulência, outros hediondos de miséria, e ela não é possuída por
ninguém. Ela só tem senhores que a desdenham e servos que a deixam, pois não a
cultivam para eles, mas para um portador de cupons que ninguém conhece, que não
verão nunca mais, que talvez passará de novo por essa terra sem olhá-la, sem
desconfiar que é dele. O detentor da terra, isto é, o possuidor de inscrição de
renda, se assemelha ao mercador de bricolagens; em sua carteira tem sítios,
pastagens, ricas colheitas, excelentes parreirais; que lhe importa! Está pronto
a ceder tudo em troca de dez centavos de alta; à noite vai se desfazer de seus
bens, da mesma forma que os havia recebido pela manhã, sem amor e sem pesar.
Assim, pela ficção da
produtividade do capital, o crédito chegou à ficção da riqueza; a terra não é
mais a fábrica do gênero humano, é um banco; e se fosse possível que esse banco
não fizesse sem cessar novas vítimas, forçadas a pedir de novo ao trabalho a
renda que perderam no jogo e, com isso, sustentar a realidade dos capitais; se
fosse possível que a bancarrota não viesse interromper de tempos em tempos essa
infernal orgia, o valor da garantia baixando sempre enquanto que a ficção
multiplicava seus papéis, a riqueza real se tornaria nula e a riqueza subscrita
cresceria ao infinito.”
“Apesar da sublime metáfora da
fraternidade cidadã, é claro que, se todos são meus irmãos, não tenho mais
irmãos.”
“Mudem o meio em que vivemos;
façam com que todo indivíduo que se apresenta à sociedade para servi-la esteja
certo de encontrar nela o livro uso de suas faculdades e o meio de participar
do trabalho coletivo; a previdência paterna é, nesse caso, substituída pela
previdência social. E é o que deve ser; para a criança, a proteção da família;
a proteção da sociedade para o homem.”
“Como a sociedade se estabeleceu
pela luta, assim também a ciência só caminha impelida pela controvérsia.”
“Essa mania de tudo comercializar
é sinal de uma sociedade em decadência, na qual não mais serão produzidas
obras-primas, porque não se sabe reconhecê-las.”
“O talento é geralmente o
atributo de uma natureza deficiente, na qual a desarmonia das aptidões produz
uma especialidade extraordinária, monstruosa.”
“Sob a influência da propriedade,
o artista, depravado em sua razão, dissoluto em seus costumes, cheio de
desprezo por seus coirmãos, cuja propaganda o destaca sozinho, venal e sem
dignidade, é a imagem impura do egoísmo. Nele, o belo, o moral, é exclusivamente
assunto de convenção, de matéria para imagens. A ideia do justo e do honesto
desliza sobre seu coração sem plantar raízes; e de todas as classes da
sociedade, aquela dos artistas é a mais pobre em almas fortes e em caracteres
nobres. Se classificássemos as posições sociais segundo a influência que
exerceram sobre a civilização pela energia da vontade, pela grandeza dos
sentimentos, pelo poder das paixões, pelo entusiasmo da verdade e da justiça e,
abstração feita do valor das doutrinas, os padres e os filósofos apareceriam em
primeiro lugar; logo a seguir viriam os homens de Estado e os capitães; depois,
os comerciantes, os industriais, os agricultores; finalmente, os sábios e os
artistas. Enquanto o padre, em sua língua poética, se considera como o templo
vivo de Deus; enquanto o filósofo se diz a si mesmo: Age de tal modo que cada
uma de tuas ações possa servir de modelo e de regra; o artista permanece
indiferente ao significado de sua obra; não procura personificar nele o tipo
que quer transmitir, ele se abstrai; explora o belo e o sublime, não o adora;
coloca Cristo na tela, não o traz, como santo Inácio, em seu peito.”
“Trabalhem, repetem sem cessar ao
povo os economistas; trabalhem, poupem, capitalizem, tornem-se por sua vez
proprietários. Como se dissessem: Operários, vocês são os recrutas da
propriedade. Cada um de vocês traz em sua escola a vara que serve para corrigir
e que pode servir um dia para corrigir os outros. Elevem-se pelo trabalho até a
propriedade; e quando tiverem degustado carne humana, não vão querer outro tipo
de carne e vão compensar suas longas abstinências.
Cair do proletariado na
propriedade! Da escravidão na tirania, isto é, segundo Platão, sempre na
escravidão! Que perspectiva! E, no entanto, é necessário, pois a condição de
escravo não é mais tolerável. É necessário, ir em frente, libertar-se do
salário, tornar-se capitalista, transformar-se em tirano! É necessário,
entendem, proletários? A propriedade não é coisa de escolha na humanidade, é a
ordem absoluta do destino. Vocês só serão livres depois de terem sido
resgatados, pela sujeição de seus patrões, da servidão que fazem pesar sobre
vocês.”
“A propriedade, que devia nos
tornar livres, a propriedade nos torna, pois, prisioneiros. Que digo? Ela nos
degrada, ao nos tornar criados e tiranos uns dos outros. (...) A propriedade é
infame.”
“Ao jornalista, é assim que se
fala: Empresta-nos suas colunas e até mesmo, se isso lhe convier, seu serviço.
Aqui está o que tem a dizer e o que tem de calar. Seja o que for que pensar de
nossas ideias, de nossos fins, de nossos meios, defenda sempre nosso lado, faça
valer nossas opiniões. Isso não pode comprometê-lo, não deve preocupá-lo; a
característica do jornalista é o anonimato. Aqui estão, como honorários, 10 mil
francos. Está bem assim? E o jornalista, como o jesuíta caluniador, responde
suspirando: Preciso viver!”
“Visto que a propriedade se
manifesta pela ocupação e pela exploração, visto que tem por objetivo
fortificar e aumentar o monopólio pelo domínio e pela herança, visto que por
meio da renda recolhe sem trabalho e por meio da hipoteca compromete sem caução,
visto que é refratária à sociedade, visto que sua regra é o puro prazer e visto
que deve perecer por meio da justiça, a propriedade é a religião da força.”
“Se a propriedade, porém,
espontânea e progressiva, é uma religião, é como a monarquia e o sacerdócio,
direito divino. De modo semelhante, a desigualdade das condições e das
fortunas, a miséria, é de direito divino; o perjúrio e o roubo são instituições
divinas; a exploração do homem pelo homem é afirmação – que digo? –,
manifestação de Deus. Os verdadeiros teístas são os proletários; os defensores
da propriedade são todos os homens que temem a Deus; as condenações à morte e à
tortura, que executam uns contra os outros por seus desentendimentos sobre a
propriedade, são os sacrifícios humanos oferecidos ao deus da força. Aqueles,
ao contrário, que anunciam o fim próximo da propriedade, que provocam com Jesus
Cristo e com São Paulo a abolição da propriedade, que raciocinam sobre a
produção, o consumo e a distribuição das riquezas, são os anarquistas e os
ateus; e a sociedade, que caminha visivelmente na igualdade e na ciência, a
sociedade é a negação incessante de Deus.”
“Mas Deus e o homem, apesar da
necessidade que os envolve, são irredutíveis; o que os moralistas chamaram, por
uma piedosa calúnia, a guerra do homem contra si mesmo e que no fundo nada mais
é que a guerra do homem contra Deus, a guerra da reflexão contra o instinto, a
guerra da razão que prepara, que escolhe e temporiza contra a paixão impetuosa
e fatal, é sua prova irrefutável. A existência de Deus e do homem é provada por
seu antagonismo eterno; isso é o que explica a contradição dos cultos que ora
suplicam Deus para poupar o homem, não entregá-lo a tentação como Fedra*
conjurando Vênus para que arrancasse de seu coração o amor de Hipólito, ora
pedem a Deus a sabedoria e a inteligência, como o filho de Davi** ao subir ao
trono, como nós fazemos ainda em nossas missas do Espírito Santo. Isso é o que
explica, enfim, a maioria das guerras civis e de religião, a perseguição das
ideias, o fanatismo dos costumes, o ódio da ciência, o horror ao progresso,
causas primeiras de todos os males que afligem nossa espécie.”
*: Segundo a mitologia grega, Fedra era a mulher de
Teseu e se apaixonou pelo enteado Hipólito; este rejeitou suas investidas e
Fedra o acusou de ter tentado violentá-la. Hipólito foi executado e Fedra se
enforcou.
** Trata-se de Salomão, filho de Davi, fato narrado
no livro dos Reis da Bíblia.
“Que procurar, num escrito
comunista, senão a imaginação e o talento do escritor?”
“Sou, portanto, comunista, mas
somente por hipótese e enquanto eu nego a propriedade. Uma vez a propriedade
abatida, trata-se de verificar a hipótese comunista. Vendo então que o
comunismo está, como a propriedade, em decadência contínua, que é utópico, ou
seja, igual a nada, que cada vez que tenta se reproduzir, se resume numa
caricatura da propriedade, sou forçado, para estar de acordo comigo mesmo, fiel
à razão bem como a experiência, a concluir contra a comunidade como fiz antes
contra a propriedade e, se hoje me acho menos avançado dos socialistas, é
porque saio da utopia, enquanto eles nela ficam. (...) O comunismo reproduz,
portanto, mas num plano inverso, todas as contradições da economia política.
Seu segredo consiste em substituir o indivíduo pelo homem coletivo em cada uma
das funções sociais, produção, troca, consumo, educação, família. E como essa
nova evolução não concilia e nunca resolve nada, termina fatalmente, bem como
as precedentes, na iniquidade e na miséria.”
“O homem que tem descendentes se
torna logo, pela própria paternidade, pouco comunicativo e feroz: é inimigo do
universo, seus semelhantes lhe parecem todos estranhos, hostis. O casamento e a
paternidade, que pareciam dever aumentar no homem a afeição pelo próximo, só fazem
alimentar sua inveja, sua desconfiança e seu ódio. O pai de família é mais duro
de ser conquistado, mais implacável, mais insociável que o celibatário; é como
esses devotos que, à força de amar a Deus, passam a detestar os homens. É que
não havia muito dessa energia de querer e de egoísmo no pai de família para
proteger a infância daqueles que deveriam sucedê-lo um dia e continuar depois
dele a série de gerações. Um dia não basta para formar um homem; são
necessários anos, penosos trabalhos, grandes economias. O homem está em luta
por sua subsistência com a natureza e pelo futuro de seus filhos com a
sociedade inteira. A comunidade, dizem, vai destruir esse antagonismo. Como vai
chegar a isso, se ela só sabe destruir a família e, por conseguinte, a espécie
ou tolerar a família, dissolvendo a comunidade?”
“O comunismo, para subsistir,
suprime tantas palavras, tantas ideias, tantos fatos, que os indivíduos
formados sob seus cuidados não terão mais necessidade de falar, de pensar, nem
de agir: serão ostras agarradas lado a lado, sem atividade nem sentimento, no
rochedo... da fraternidade. Que filosofia inteligente e progressista é o
comunismo!”
“A comunidade com o trabalho, a
comunidade com a liberdade, a comunidade com a organização, meu Deus! É o caos
com os atributos da luz, da vida e da inteligência. E ainda perguntam por que
não sou comunista! Consultem, por favor, o dicionário dos antônimos e poderão
saber porque não sou comunista.”
“O socialismo, tomando-o
seriamente, é a comunidade do mal, a imputação feita à sociedade das culpas
individuais, a solidariedade entre todos os delitos de cada um. A propriedade,
pelo contrário, por sua tendência, é a distribuição comutativa do bem e a
insolidariedade do mal, enquanto o mal provém do indivíduo. Sob esse ponto de
vista, a propriedade se distingue por uma tendência à justiça que se está longe
de encontrar na comunidade. Para tornar insolidárias a atividade e a inércia,
criar a responsabilidade individual, sanção suprema da lei social, fundar a
modéstia dos costumes, o zelo do bem público, a submissão do dever, a estima e
a confiança recíproca, o amor desinteressado do próximo, para assegurar todas
essas coisas – vou dizê-lo? – o dinheiro, esse infame dinheiro, símbolo da
desigualdade e da conquista, é instrumento cem vezes mais eficaz, mais
incorruptível e mais seguro que todas as preparações e as drogas comunistas.”
“Se uma coisa é necessária só por
um momento, ela se torna para sempre, a transição é eterna.”
“O comunismo, plágio infeliz da
rotina da propriedade, é o desgosto do trabalho, o enfado da vida, a supressão
do pensamento, a morte do eu, a afirmação do nada. O comunismo, na ciência,
como na natureza, é o sinônimo do niilismo, de indivisão, de imobilidade, de noite,
de silêncio; é o oposto do real, o fundo negro sobre o qual o criador, Deus da
luz, desenhou o universo. (...) Em filosofia, o comunismo não pensa nem
raciocina; tem horror da lógica, da dialética e da metafísica; não aprende, ele
crê. Em economia social, o comunismo não conta nem calcula; não sabe organizar,
nem produzir, nem distribuir; o trabalho lhe é suspeito, a justiça lhe mete
medo. Indigente por si mesmo, incompatível com toda especificação, toda
realização, toda lei; copiando suas ideias das velhas tradições, vago, místico,
indefinido; pregando a abstinência em ódio ao luxo, a obediência com receio da
liberdade, o quietismo em horror da previdência; é a privação em toda parte, a
privação sempre. A comunidade desleixada e enervante, pobre em invenção, pobre
em execução, pobre de estilo, a comunidade é a religião da miséria.”
“Quem quer que seja que, para
organizar o trabalho, apela ao poder e ao capital, mentiu; porque a organização
do trabalho deve ser a derrocada do capital e do poder.”
“Vamos repetir em todo lugar, com
um som de trovão: A economia política é a organização da miséria; e os
apóstolos do roubo, os provedores da morte, são os economistas.
Quem é que sustenta hoje, para e
contra todos, apesar da lógica e apesar da experiência, a instabilidade do
valor, a incomensurabilidade dos produtos, o desequilíbrio das forças
industriais? Os economistas. Quem é que defende a desigualdade de distribuição,
a arbitrariedade da troca, a cilada da concorrência, a opressão do trabalho
parcelar, as bruscas transições das máquinas? Os economistas. Quem é que apoia
a preponderância da ordem improdutiva, a mentira do livre comércio, a
mistificação do crédito, os abusos da propriedade? Os economistas. Quem é que,
por instigação da Inglaterra, forma uma Liga para aplicar ao universo esse
sistema de anarquia, de velhacaria e de rapina? Sempre os economistas.”
“O que é, portanto, o trabalho?
Ninguém ainda o definiu. O trabalho é a emissão do espírito. Trabalhar é gastar
a própria vida; trabalhar, numa palavra, é se devotar, é morrer. Que os
utopistas não nos falem mais de devotamento: o devotamento é o trabalho,
expresso e medido por suas obras...”
“O trabalho é para o amor uma
causa ativa de resfriamento; é o mais poderoso de todos os anti-afrodisíacos,
tanto mais poderoso, sobretudo, quando afeta o espírito e o corpo.”
“O homem nada faz segundo a
natureza; é, se posso me exprimir desse modo, um animal moldador. Nada lhe
agrada se não lhe trouxer algo a fazer; tudo o que toca, deve arranjá-lo,
corrigi-lo, depurá-lo, recriá-lo. Para o prazer de seus olhos, inventa pintura,
arquitetura, artes plásticas, decoração, todo um mundo de obras-primas, do qual
não saberia dizer a razão e a utilidade, a não ser que para ele é uma
necessidade da imaginação, que isso lhe agrada. Para seus ouvidos, castiga sua
linguagem, conta suas sílabas, mede os tempos de sua voz. Depois inventa a
melodia e o acorde, reúne orquestras de vozes poderosas e melodiosas e, nos
concertos que promove, acredita ouvir a música das esferas celestes e o canto
dos espíritos invisíveis. De que lhe serve comer somente para viver? Para sua
delicadeza são necessários disfarces, fantasia, um gênero. Julga quase chocante
ter de morrer; não cede à fome, transige com seu estômago. Antes que provar seu
alimento, se deixaria morrer de fome. A água pura do rochedo nada é para ele;
inventa a ambrosia e o néctar. As funções de sua vida que não consegue dominar,
chama-as de vergonhosas, desonestas, ignóbeis. Ensina-se a si mesmo a caminhar
e a correr. Tem um método para deitar, levantar, sentar, vestir-se, dominar-se,
governar-se, fazer-se justiça; encontrou até mesmo a perfeição do horrível, do
ridículo, o ideal do feio. Enfim, ele se cumprimenta, se dá respeito, tem por
sua pessoa um culto minucioso, se adora como uma divindade!...”
“O trabalho é livre. Mas que
liberdade, Deus dos céus! A liberdade para o proletário é a possibilidade de
trabalhar, isto é, de se deixar espoliar ainda ou de não trabalhar, isto é, em
morrer de fome!”
“Qual será, porém, a fórmula
geral de todas as nossas contradições?
Já nos é permitido entrevê-la:
deve ser uma lei de troca, uma teoria de mutualidade, um sistema de
garantias que resolva as formas antigas de nossas sociedades civis e comerciais
e que satisfaça todas as condições de eficácia, de progresso e de justiça que
foram assinaladas pela crítica; uma sociedade não mais somente convencional,
mas rela, que transforme a divisão parcelar em instrumento de ciência; que
abula a servidão das máquinas e previna as crises ao aparecerem, que faça da
concorrência um benefício e do monopólio uma garantia de segurança para todos;
que, pelo poder de seu princípio, em lugar de pedir crédito ao capital e
proteção ao Estado, submeta ao trabalho o capital do Estado; que pela
sinceridade da troca crie uma verdadeira solidariedade entre os povos; que, sem
proibir a iniciativa individual, sem proibir a poupança doméstica, leve
incessantemente à sociedade as riquezas que a apropriação desvia dela; que, por
esse movimento de saída e de entrada dos capitais, assegure a igualdade
política e industrial dos cidadãos e, por um vasto sistema de educação pública,
proporcione, elevando sempre seu nível, a igualdade das funções e a
equivalência das aptidões; que, pela justiça, pelo bem-estar e pela virtude,
renovando a consciência humana, assegure a harmonia e o equilíbrio das gerações;
uma sociedade, numa palavra, que, sendo a um tempo organização e transição,
fuja do provisório, garanta tudo e não empenhe nada...”
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