Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-189-5
Seleção, tradução
e notas: Rubens Enderle
Opinião: ★★★☆☆
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Páginas: 144
Sinopse: Em 1875,
Marx encaminhou à cidade de Gotha um conjunto de observações críticas ao programa
do futuro Partido Social-Democrata da Alemanha, resultado da unificação dos
dois partidos operários alemães: a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães,
dirigida por Ferdinand Lassalle, e o Partido Social-Democrata dos
Trabalhadores, dirigido por Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke e August Bebel,
socialistas próximos de Marx.
O projeto de programa proposto no congresso de união
privilegiava as teses de Lassalle, o que suscitou críticas virulentas de Marx
em forma de carta direcionada aos dirigentes. Sua oposição devia-se não à fusão
dos partidos – quanto a isso era da opinião de que ‘cada passo do movimento
real é mais importante do que uma dezena de programas’ –, mas ao estatismo
exacerbado que ganhara espaço nas diretrizes do novo partido.
Nem a favor do poder absoluto do Estado proposto por
Lassalle, nem da ausência de Estado proposta pelos anarquistas: a proposição de
Marx era a ‘ditadura revolucionária do proletariado’, forma de Estado que teria
lugar durante o período de transformação revolucionária que conduziria ao
advento da sociedade comunista. Segundo ele, as cooperativas ‘só têm valor na
medida em que são criações dos trabalhadores e independentes, não sendo
protegidas nem pelos governos nem pelos burgueses’.
Essas glosas marginais sobre o Programa de Gotha somente
foram publicadas em 1891, muito depois da morte de Marx, por Friedrich Engels,
na revista socialista Die Neue Zeit, dirigida por Karl Kautsky. Ao longo do
século XX, esse conjunto disperso de notas tornou-se documento coerente de combate
contra o socialismo aliado ao Estado.
Novas luzes também são lançadas sobre outros temas: ‘Se
lermos esse documento à luz dos debates do século XXI, alguns de seus aspectos
ganham novo interesse no contexto dos atuais debates sobre a ecologia. É o caso
da afirmação categórica de que o trabalho não é o único gerador de riqueza, a
natureza o é tanto quanto ele. Assim, a crítica de muitos ecologistas a Marx –
só o trabalho é fonte de valor – revela-se um mal-entendido: o valor de uso, que
é a verdadeira riqueza, também é um produto da natureza’, afirma o sociólogo
Michael Löwy no prefácio da primeira edição em língua portuguesa de Crítica
do Programa de Gotha, pela Boitempo. Com amplo material complementar, como
diversas cartas de Karl Marx e Friedrich Engels, incluindo a famosa carta deste
a August Bebel, de março de 1875, analisada por Lenin em O Estado e a
revolução (1917), esta edição situa o texto em seu contexto histórico e
traz um dos pronunciamentos mais detalhados de Marx sobre assuntos revolucionários,
tendo em vista o comunismo. O volume inclui também as atas do Congresso de
Gotha, documentos raríssimos e de grande valor para estudiosos do marxismo.
Outra novidade é a inclusão dos comentários de Marx ao livro Estatismo e
anarquia, de Mikhail Bakunin, redigidos na mesma época de Crítica do
Programa de Gotha. Nesses escritos, Marx rebate as críticas de Bakunin
sobre o suposto estatismo marxista e sua proximidade com Lassalle.
“Cada passo do movimento real é mais importante
do que uma dúzia de programas.”
“O trabalho não é a fonte de toda
riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores
que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho,
que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho
humana.
Essa frase pode ser encontrada em todos os
manuais infantis e está correta, desde que se subentenda que o trabalho
se realiza com os objetos e os meios a ele pertinentes. Mas um programa
socialista não pode permitir que tais fraseologias burguesas possam silenciar
as condições que, apenas elas, dão algum significado a essas
fraseologias. Apenas porque desde o princípio o homem se relaciona com a
natureza como proprietário, a primeira fonte de todos os meios e objetos de
trabalho, apenas porque ele a trata como algo que lhe pertence, é que seu
trabalho se torna a fonte de todos os valores de uso, portanto, de toda
riqueza. Os burgueses têm excelentes razões para atribuir ao trabalho essa força
sobrenatural de criação; pois precisamente do condicionamento natural do
trabalho segue-se que o homem que não possui outra propriedade senão sua força
de trabalho torna-se necessariamente, em todas as condições sociais e
culturais, um escravo daqueles que se apropriaram das condições objetivas do
trabalho. Ele só pode trabalhar com sua permissão, portanto, só pode viver com
sua permissão.”
“O trabalho só se torna fonte da riqueza e da
cultura como trabalho social ou, o que dá no mesmo, na e por meio da sociedade.”
“Numa fase superior da sociedade comunista,
quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à
divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual;
quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a
primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento
multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza
coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico
burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira:
“De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!”.”
“A distribuição dos meios de consumo é, em
cada época, apenas a consequência da distribuição das próprias condições de
produção; contudo, esta última é uma característica do próprio modo de
produção. O modo de produção capitalista, por exemplo, baseia-se no fato de que
as condições materiais de produção estão dadas aos não trabalhadores sob a
forma de propriedade do capital e de propriedade fundiária, enquanto a massa é
proprietária somente da condição pessoal de produção, da força de trabalho.
Estando assim distribuídos os elementos da produção, daí decorre por si mesma a
atual distribuição dos meios de consumo. Se as condições materiais de produção
fossem propriedade coletiva dos próprios trabalhadores, então o resultado seria
uma distribuição dos meios de consumo diferente da atual. O socialismo vulgar*
(e a partir dele, por sua vez, uma parte da democracia) herdou da economia
burguesa o procedimento de considerar e tratar a distribuição como algo
independente do modo de produção e, por conseguinte, de expor o socialismo como
uma doutrina que gira principalmente em torno da distribuição.
* Assim Marx e Engels chamam o socialismo
eclético, que Engels, por exemplo, identifica no socialismo francês daqueles
anos (cf. infra, nota 9) e que se concentrava sobretudo na exigência de uma
distribuição “mais justa” do produtos do trabalho, sem considerar suficientemente
o nexo essencial entre a distribuição e as relações de produção, elemento
central da teoria marxiana. (N. T.)
9 Em sua obra A
subversão da ciência pelo sr. Eugen Düring [Anti-Düring], publicada em 1878, em Leipzig,
Engels caracterizava o socialismo francês da época “como uma espécie de
socialismo eclético e medíocre”, que, “comportando nuances extremamente
variadas, apresenta uma mistura das mais opacas omissões críticas, sentenças
econômicas e ideias do futuro da sociedade de diversos fundadores de seitas”.
(N. E. A.)
“No Manifesto Comunista, diz-se:
De todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o
proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes
degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado,
pelo contrário, é seu produto mais autêntico.*
A burguesia é concebida aqui como classe revolucionária
– como portadora da grande indústria – em face da aristocracia feudal e das
classes médias, que desejam conservar todas as posições sociais criadas por
modos de produção ultrapassados. Elas não formam, portanto, juntamente com a
burguesia, uma só massa reacionária.
Por outro lado, o proletariado é revolucionário
diante da burguesia, porque, sendo ele mesmo fruto do solo da grande indústria,
busca eliminar da produção seu caráter capitalista, o qual a burguesia procura
perpetuar. Mas o Manifesto acrescenta que “quando [as camadas médias] se tornam revolucionárias,
isto se dá em consequência de sua iminente passagem para o proletariado”**.
Desse ponto de vista, é também um absurdo
dizer que as classes médias, “juntamente com a burguesia” e, sobretudo, com a
aristocracia feudal, “formam uma só massa reacionária” diante da classe
trabalhadora.
Por acaso, nas últimas eleições, gritou-se
aos artesãos, aos pequenos industriais etc. e aos camponeses:
“Comparados a nós, vocês formam, juntamente com a burguesia e a aristocracia
feudal, uma só massa reacionária”?
Lassalle sabia de cor o Manifesto
Comunista, tanto quanto seus fiéis sabem os escritos sagrados que ele
produz. Portanto, quando ele o falsificou de modo tão grosseiro, foi apenas com
o objetivo de enfeitar sua aliança com os adversários absolutistas e
feudalistas contra a burguesia***.
No parágrafo em questão, aliás, sua sentença
oracular é introduzida arrastada pelos cabelos, sem qualquer conexão com a distorcida
citação dos Estatutos da Internacional. Não passa, aqui, de uma impertinência
e, em verdade, uma impertinência do tipo que não desagrada nem um pouco ao sr.
Bismarck, uma dessas grosserias baratas de cujo comércio vive o Marat de Berlim11.”
* São Paulo, Boitempo, 1998, p. 49. (N. E.)
** Idem. (N. E.)
*** Cf. supra, p. 26, nota 3. (N. T.)
11 Wilhelm Hasselmann. (N. E. A.)
“Desde a morte de Lassalle, impôs-se em nosso
partido o ponto de vista científico de que o salário não é o que aparenta
ser, isto é, o valor do trabalho ou seu preço, mas apenas
uma forma disfarçada do valor ou preço da força de trabalho. Com
isso, foi descartada toda a concepção burguesa do salário até hoje, assim como
toda a crítica a ela dirigida, e ficou claro que o trabalhador assalariado só
tem permissão de trabalhar para sua própria vida, isto é, para viver,
desde que trabalhe de graça um determinado tempo para o capitalista (por isso,
também para aqueles que, juntamente com ele, consomem a mais-valia); que o
sistema inteiro da produção capitalista gira em torno do aumento desse trabalho
gratuito graças ao prolongamento da jornada de trabalho ou do crescimento da
produtividade, uma maior pressão sobre a força de trabalho etc.; que, por conseguinte,
o sistema do trabalho assalariado é um sistema de escravidão e, mais
precisamente, de uma escravidão que se torna tanto mais cruel na medida em que
as forças produtivas sociais do trabalho se desenvolvem, sendo indiferente se o
trabalhador recebe um pagamento maior ou menor. (...)
No lugar da vaga fraseologia que conclui o
parágrafo – “pela eliminação de toda desigualdade social e política” –,
dever-se-ia dizer que, com a abolição das diferenças de classes, desaparece por
si mesma toda desigualdade social e política delas derivada.”
“Tornar o Estado “livre” não é de modo algum
o objetivo de trabalhadores já libertos da estreita consciência do súdito. No
Império alemão, o “Estado” é quase tão “livre” quanto na Rússia. A liberdade
consiste em converter o Estado, de órgão que subordina a sociedade em órgão
totalmente subordinado a ela, e ainda hoje as formas de Estado são mais ou
menos livres, de acordo com o grau em que limitam a “liberdade do Estado”.”
“Pergunta-se, então, por que transformações
passará o ordenamento estatal numa sociedade comunista? Em outras palavras,
quais funções sociais, análogas às atuais funções estatais, nela permanecerão?
Essa pergunta só pode ser respondida de modo científico, e não é associando de
mil maneiras diferentes a palavra povo à palavra Estado que se avançará um pulo
de pulga na solução do problema.
Entre a sociedade capitalista e a comunista,
situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra. A ele
corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser
senão a ditadura revolucionária do proletariado.
Mas o programa é alheio tanto a esta última
quanto ao futuro ordenamento estatal da sociedade comunista.”
“Dever-se-ia ter
deixado de lado todo esse palavreado sobre o Estado, sobretudo depois da
Comuna, que já não era um Estado em sentido próprio. O Estado popular
foi sobejamente jogado em nossa cara pelos anarquistas, embora já o escrito de Marx
contra Proudhon*e, mais tarde, o Manifesto
Comunista digam de maneira
explícita que, com a instauração da ordem socialista da sociedade, o Estado
dissolve-se por si só e desaparece. Não sendo o Estado mais do que uma
instituição transitória, da qual alguém se serve na luta, na revolução, para
submeter violentamente seus adversários, então é puro absurdo falar de um
Estado popular livre: enquanto o proletariado ainda faz uso do Estado,
ele o usa não no interesse da liberdade, mas para submeter seus adversários e,
a partir do momento em que se pode falar em liberdade, o Estado deixa de
existir como tal. Por isso, nossa proposta seria substituir, por toda parte, a
palavra Estado por Gemeinwesen**, uma boa e velha palavra alemã,
que pode muito bem servir como equivalente do francês commune***.
“Eliminação de toda
desigualdade social e política”, em vez de “superação de toda distinção de
classe”, é também uma expressão muito duvidosa. De um país para outro, de uma
província para outra e até mesmo de um lugar para outro, sempre existirá certa
desigualdade de condições de vida, que poderá ser reduzida a um mínimo, mas
nunca completamente eliminada. Os habitantes dos Alpes terão sempre condições
de vida diferentes das dos povos das planícies. A representação da sociedade
socialista como o reino da igualdade é uma representação unilateral
francesa, baseada na velha “liberdade, igualdade, fraternidade”, uma
representação que teve sua razão de ser como fase de desenvolvimento, em
seu tempo e em seu lugar, mas que agora, como todas as unilateralidades das
primeiras escolas socialistas, deveria ser superada, uma vez que serve apenas
para provocar confusão nos cérebros e porque, além disso, descobriram-se formas
mais precisas de tratar a questão.” (Friedrich Engels)
* Referência à obra A miséria da filosofia (São Paulo, Expressão Popular, 2009), de Marx, publicada em 1847. (N.
T.)
** Comunidade. (N.
T.)
*** Comuna. (N. T.)
“Em geral, importa
menos o programa oficial de um partido do que seus atos. Mas um novo
programa é sempre uma bandeira que se hasteia publicamente e a partir da qual o
mundo exterior julga o partido.”
“Se duas frações se
unem, não se põe no programa de união aquilo que é controverso.” (Friedrich
Engels)
“O todo é no mais alto grau desordenado,
confuso, sem unidade, ilógico e vergonhoso. Se na imprensa burguesa houvesse um
único cérebro crítico, ele teria esquadrinhado esse programa frase por frase,
buscando em cada uma o conteúdo real, destacando sensivelmente o absurdo da
coisa, demonstrando as contradições e as patacoadas econômicas (por exemplo,
que hoje os meios de trabalho são “monopólio da classe capitalista”, como se
não houvesse proprietários fundiários, ou a ideia da “libertação do trabalho”,
em vez da classe trabalhadora, uma vez que o trabalho propriamente dito é bastante
livre hoje em dia!) e levando todo o nosso partido ao mais terrível
ridículo. Em vez disso, os asnos das folhas burguesas tomaram esse programa com
toda a seriedade, leram nele o que lá não se encontrava e entenderam-no ao modo
comunista. Os trabalhadores parecem fazer o mesmo. Foi apenas essa
circunstância que permitiu a Marx e a mim não nos pronunciarmos
publicamente sobre tal programa. Enquanto nossos oponentes e também os trabalhadores
atribuírem a esse programa os nossos pontos de vista, poderemos silenciar sobre
isso.” (Friedrich Engels)
“A mim, pessoalmente, isso só pode ser de
uma forma: nenhum partido, em nenhum país, pode me condenar ao silêncio quando
estou decidido a falar. Mas eu gostaria de sugerir a vocês que refletissem se
não fariam melhor sendo um pouco menos melindrosos e, na ação, menos
prussianos. Vocês – o partido – precisam da ciência socialista, e esta
não pode viver sem liberdade de movimento. Para isso, é preciso tolerar as
inconveniências, e isso se faz mantendo a compostura, sem vacilar.” (Friedrich Engels)
“Estatutos da Associação Internacional dos
Trabalhadores* (excertos)
Considerando,
Que a emancipação das classes trabalhadoras
tem de ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras;
Que a luta pela emancipação das classes trabalhadoras
significa não a luta por privilégios e monopólios, mas por iguais direitos e
deveres e pela abolição de todo domínio de classe;
Que a sujeição econômica do homem que trabalha
para o monopolizador dos meios de trabalho, isto é, das fontes de vida, repousa
no âmago da servidão em todas as suas formas, de toda miséria social,
degradação mental e dependência política;
Que a emancipação econômica das classes
trabalhadoras é, portanto, o grande fim ao qual todo movimento político deve
estar subordinado como meio;
Que todos os esforços visando esse grande fim
falharam até hoje por falta de solidariedade entre as várias divisões do
trabalho em cada país e pela ausência de um vínculo fraternal entre as classes
trabalhadoras dos diferentes países;
Que a emancipação do trabalho não é uma
emancipação local nem nacional, mas um problema social que abrange todos os
países em que existe a sociedade moderna e depende, para sua solução, da
confluência prática e teórica de todos os países avançados;
Que o atual reavivamento das classes
trabalhadoras nos países mais industrializados da Europa, ao mesmo tempo que
representa uma nova esperança, traz uma advertência solene contra a recaída em
velhos erros e conclama para a combinação imediata dos movimentos ainda desconexos;
Por essas razões:
A Associação Internacional dos Trabalhadores
foi fundada.
Ela declara:
Que todas as sociedades e indivíduos que a
ela aderirem reconhecerão a verdade, a justiça e a moralidade como base de sua
conduta uns para com os outros e para com cada homem, sem considerações de cor,
credo ou nacionalidade;
Que não reconheçam nenhum direito sem
deveres, nem deveres sem direitos;
E, nesse espírito, as seguintes regras foram
traçadas:
1. Essa Associação é estabelecida para proporcionar
um meio central de comunicação e cooperação entre sociedades operárias de
diferentes países que visam a mesma finalidade, isto é, a proteção, o avanço e
a completa emancipação das classes trabalhadoras. (...)
Art. 7a. Em sua luta
contra o poder reunido das classes possuidoras, o proletariado só pode se
apresentar como classe quando constitui a si mesmo num partido político
particular, o qual se confronta com todos os partidos anteriores formados pelas
classes possuidoras.
Essa unificação do
proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da
revolução social e seu fim último – a abolição das classes.
A união das forças
dos trabalhadores, que já é obtida mediante a luta econômica, tem de tornar-se,
nas mãos dessa classe, uma alavanca em sua luta contra o poder político de seus
exploradores.
Como os senhores do
solo e do capital se servem de seus privilégios políticos para proteger e
perpetuar seus monopólios econômicos, assim como para escravizar o trabalho,
então a conquista do poder político torna-se uma grande obrigação do
proletariado.”
* Marx esboçou os Estatutos da Associação
Internacional dos Trabalhadores entre 21 e 27 de outubro de 1864. Os excertos
aqui apresentados são o texto aprovado na conferência de Londres da Associação
Internacional dos Trabalhadores. O artigo 7a, uma afirmação categórica – contra
o anarquismo – da importância do caráter político do movimento operário, foi
aprovado no congresso de Londres como “resolução” e acrescentado aos Estatutos
da Internacional em setembro de 1872, no congresso de Haia. Este, palco da luta
final entre marxistas e bakuninistas, culminou na expulsão do líder máximo dos
anarquistas dos quadros da Internacional. (N. T.)
“Programa de Erfurt (1891)
O desenvolvimento econômico da sociedade
burguesa conduz, com necessidade natural, à ruína da pequena empresa, assentada
sobre a propriedade privada dos meios de produção pelo trabalhador. Ela separa
o trabalhador de seus meios de produção e o transforma num proletário sem
posses, enquanto os meios de produção se tornam o monopólio de um número
comparativamente pequeno de capitalistas e grandes proprietários fundiários.
Essa monopolização dos meios de produção é
acompanhada da eliminação das pequenas empresas fragmentadas por empresas
colossais, da transformação da ferramenta em máquina, do gigantesco crescimento
da produtividade do trabalho humano. Mas todas as vantagens dessa transformação
são monopolizadas pelos capitalistas e grandes proprietários fundiários. Para o
proletariado e para as camadas médias em declínio – pequeno-burgueses,
camponeses –, elas significam o aumento crescente da insegurança de sua
existência, da miséria, da opressão, da servidão, da humilhação e da
exploração.
Quanto maior o número de proletários, mais
maciço o exército de trabalhadores excedentes, mais brutal a oposição entre
exploradores e explorados, mais aguda a luta de classe entre burguesia e proletariado
que divide a sociedade moderna em dois quartéis inimigos e constitui a
característica comum de todos os países industrializados.
O abismo entre possuidores e não possuidores
torna-se ainda mais profundo com as crises inerentes à essência do modo de
produção capitalista, crises que se tornam cada vez mais abrangentes e
devastadoras, ultrapassando a tal ponto a insegurança geral própria das
condições normais da sociedade que a propriedade privada dos meios de produção
torna-se inconciliável com sua utilização conforme a um fim e com seu pleno
desenvolvimento.
A propriedade privada dos meios de produção,
que outrora foi o meio de assegurar ao produtor a propriedade de seu produto,
tornou-se hoje o meio de expropriar os camponeses, os artesãos e os pequenos
comerciantes e conferir aos não trabalhadores – capitalistas, grandes
proprietários fundiários – a posse do produto dos trabalhadores. Apenas a
transformação da propriedade privada capitalista dos meios de produção – solo,
subterrâneos e minas, matérias-primas, ferramentas, máquinas, meios de
transporte – em propriedade social e a transformação da produção de mercadorias
em produção socialista, realizada para e pela sociedade, podem ter como efeito
que a grande empresa e a produtividade sempre crescente do trabalho social se
convertam, para as classes até então exploradas, de fonte de miséria e opressão
em fonte da mais alta prosperidade e pleno e harmônico aperfeiçoamento.
Tal transformação social significa a
libertação não só do proletariado, mas do gênero humano, que padece sob as
atuais condições. Mas ela só pode ser obra da classe trabalhadora, uma vez que
todas as outras classes, apesar dos conflitos de interesses entre si,
encontram-se sobre o solo da propriedade privada dos meios de produção e têm
como meta comum a manutenção das bases da sociedade atual.
A luta da classe trabalhadora contra a
exploração capitalista é necessariamente uma luta política. A classe
trabalhadora não pode conduzir suas lutas econômicas nem desenvolver seus
direitos políticos sem tomar posse do poder político.
Fazer da luta da classe trabalhadora uma luta
consciente e uniforme e indicar a ela seu escopo inexorável – tal é a tarefa do
Partido Social-Democrata.
Os interesses da classe trabalhadora são os
mesmos em todos os países com modo de produção capitalista. Com a expansão do
intercâmbio mundial e da produção para o mercado mundial, a situação dos
trabalhadores de cada um desses países torna-se cada vez mais dependente da
situação dos trabalhadores nos outros países. A libertação da classe
trabalhadora é assim uma obra da qual participam, em igual medida, os
trabalhadores de todos os países civilizados. Ciente disso, o Partido
Social-Democrata da Alemanha sente-se e declara-se em união com os
trabalhadores conscientes de sua classe em todos os países.
O Partido Social-Democrata da Alemanha luta,
portanto, não por novos privilégios e imunidades de classe, mas pela abolição
do domínio de classe e das próprias classes e por iguais direitos e iguais
deveres para todos, sem distinção de sexo e ascendência. Partindo dessa
concepção, ele combate na sociedade atual não apenas a exploração e a opressão
do trabalhador assalariado, mas toda forma de exploração e opressão, seja ela
voltada contra uma classe, um partido, um sexo ou uma raça.
Partindo desses princípios, o Partido
Social-Democrata da Alemanha exige imediatamente:
1. Sufrágio universal, igual e direto, com
voto secreto garantido a todos os membros do Império maiores de 20 anos, sem
distinção de sexo, para todas as eleições e votações. Sistema eleitoral proporcional
e, até que este seja introduzido, nova divisão legal dos distritos eleitorais
após cada senso populacional. Intervalo eleitoral de dois anos. Realização das
eleições e votações num dia oficial de folga. Recompensa para o representante
eleito. Supressão de todas as limitações aos direitos políticos, a não ser em
casos de interdição.
2. Legislação direta pelo povo, com direito a
proposição e veto. Autodeterminação e autoadministração do povo no Império, no
Estado, na província e no município. Eleição das autoridades pelo povo;
responsabilidade e punibilidade das autoridades. Aprovação anual dos impostos.
3. Instrução para defesa geral. Milícia
popular no lugar do exército permanente. Decisão sobre guerra e paz mediante
representação popular. Mediação de todos os conflitos internacionais por
tribunais de arbitragem.
4. Abolição de todas as leis que limitam ou
suprimem a livre expressão da opinião e o direito de associação e reunião.
5. Anulação de todas as leis que prejudicam a
mulher em benefício do homem, seja numa relação de direito público, seja de
direito privado.
6. Declaração da religião como questão
privada. Abolição de toda aplicação de recursos públicos para fins religiosos
ou eclesiásticos. As comunidades eclesiásticas e religiosas devem ser
consideradas associações privadas que tratam seus assuntos de modo totalmente
independente.
7. Secularização das escolas. Frequentação
obrigatória das escolas primárias públicas. Gratuidade do ensino, dos materiais
didáticos e da alimentação nas escolas primárias, assim como nos
estabelecimentos públicos de ensino superior, para aqueles estudantes que,
graças à sua capacidade, são considerados aptos a uma educação ulterior.
8. Gratuidade da justiça e da assistência jurídica.
Jurisdição mediante juízes eleitos pelo povo. Apelação em causas penais.
Indenização para os inocentes injustamente acusados, presos e condenados.
Abolição da pena capital.
9. Gratuidade da assistência médica,
inclusive obstetrícia e medicamentos. Gratuidade dos sepultamentos.
10. Imposto de renda e de patrimônio
progressivos para o custeio de todos os gastos públicos, numa medida tal que
estes possam ser cobertos pelos impostos. Imposto de herança gradualmente
progressivo de acordo com o volume da herança e do grau de parentesco. Abolição
de todos os impostos indiretos, tarifas alfandegárias e demais medidas
político-econômicas que sacrificam os interesses da coletividade aos interesses
de uma minoria privilegiada.
Para a proteção da classe trabalhadora, o
Partido Social-Democrata da Alemanha exige imediatamente:
1. Uma legislação eficaz de proteção dos
trabalhadores, nacional e internacional, sobre os seguintes fundamentos:
a) Consolidação de uma jornada normal de
trabalho de oito horas no máximo;
b) Proibição do trabalho remunerado para
crianças menores de catorze anos;
c) Proibição do trabalho noturno, a não ser
para aqueles ramos da indústria que, em virtude de sua natureza, requerem
trabalho noturno por razões técnicas ou em nome do bem-estar público;
d) Um período de descanso de no mínimo 36
horas por semana para cada trabalhador;
e) Proibição do pagamento dos trabalhadores
com mercadorias.
2. Vigilância de todos os estabelecimentos
industriais, investigação e regulação das relações de trabalho na cidade e no
campo mediante uma secretaria do trabalho do Império, secretarias distritais do
trabalho e câmaras do trabalho. Rigorosa higiene industrial.
3. Equiparação legal dos trabalhadores
agrícolas e empregados domésticos com os trabalhadores da indústria; eliminação
dos Regulamentos da Criadagem*.
4. Asseguramento do direito de associação.
5. Assunção por parte do Império da
seguridade total do trabalhador, com a cooperação ativa dos trabalhadores em
sua administração.”
* Leis prussianas que regulavam – e
asseguravam – a submissão do criado ao patrão. As leis da criadagem só foram
abolidas na Alemanha em 1918, juntamente com a introdução do voto feminino. (N. T.)
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