Editora:
Boitempo
ISBN: 978-85-7559-340-0
Organização: Michael Löwy
Tradução: Nélio Schneider
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 192
“O
romantismo não é apenas uma escola literária do século XIX ou uma reação
tradicionalista contra a Revolução Francesa – duas proposições que se encontram
num número incalculável de obras de eminentes especialistas em história
literária ou em história das ideias políticas. Antes, é mais uma forma de
sensibilidade que irriga todos os campos da cultura, uma visão do mundo que se
estende da segunda metade do século XVIII (de Rousseau!) até nossos dias, um
cometa cujo “núcleo” incandescente é a revolta contra a civilização
capitalista-industrial moderna, em nome de certos valores sociais ou culturais
do passado. Nostálgico de um paraíso perdido – real ou imaginário –, o
romantismo se opõe, com a energia melancólica do desespero, ao espírito
quantificador do universo burguês, à reificação mercantil, ao utilitarismo raso
e, sobretudo, ao desencantamento do mundo. Pode assumir formas regressivas,
reacionárias, restauradoras, que visam um retorno ao passado, mas igualmente
formas revolucionárias que integram as conquistas de 1789 (liberdade,
democracia, igualdade), formas revolucionárias para as quais o objetivo não é
uma volta para trás, mas um desvio pelo passado comunitário para rumar ao
futuro utópico.”
(Michael
Löwy)
“O
pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição romântica alemã
e na cultura judaica da Europa Central; ele corresponde a uma conjuntura
histórica precisa, que é aquela da época das guerras e das revoluções, entre
1914 e 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão são de uma
surpreendente universalidade: nos dão
instrumentos para compreender realidades culturais, fenômenos históricos,
movimentos sociais em outros contextos, outros períodos, outros continentes. No
começo do século XXI, em face de uma civilização industrial-capitalista, cujos
“progresso”, “expansão” e “crescimento” conduzem numa velocidade crescente a
uma catástrofe ecológica sem precedentes na história da humanidade, esses
instrumentos constituem um precioso arsenal de armas críticas e uma janela
aberta para as paisagens-do-desejo da utopia. Para Benjamin, só uma revolução
podia interromper a marcha da sociedade burguesa rumo ao abismo, mas ele dava a
respeito da revolução uma definição nova: “Marx havia dito que as revoluções
são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se apresentem de
maneira completamente diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela
humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência”[7].”
[7]: Citado em Michael Löwy, Walter Benjamin: aviso
de incêndio, cit., p. 93-4.
_______________________________
“O
capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está
essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações
a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta.”
“O
capitalismo presumivelmente é o primeiro caso de culto não expiatório, mas
culpabilizador. Nesse aspecto, tal sistema religioso é decorrente de um
movimento monstruoso. Uma monstruosa consciência de culpa que não sabe como
expiar lança mão do culto, não para expiar essa culpa, mas para torná-la
universal, para martelá-la na consciência e, por fim e acima de tudo, envolver
o próprio Deus nessa culpa, para que ele se interesse pela expiação. Esta,
portanto, não deve ser esperada do culto em si, nem mesmo da reforma dessa
religião, que deveria poder encontrar algum ponto de apoio firme dentro dela
mesma; tampouco da recusa de aderir a ela. Faz parte da essência desse movimento
religioso que é o capitalismo aguentar até o fim, até a culpabilização final e
total de Deus, até que seja alcançado o estado de desespero universal, no qual
ainda se deposita alguma esperança.
Nisto reside o aspecto historicamente inaudito do capitalismo: a religião não é
mais reforma do ser, mas seu esfacelamento. Ela é a expansão do desespero ao
estado religioso universal, do qual se esperaria a salvação. A transcendência
de Deus ruiu. Mas ele não está morto[b]; ele foi incluído no destino humano.”
[b]: Cf. o dito contrário em Nietzsche, A gaia ciência (São Paulo, Martin
Claret, 2003), aforismos 115, 127, 207, ou Assim
falou Zaratustra (São Paulo, Martin Claret, 2003), p. 24 (Preâmbulo II) e
p. 78 (Dos Compassivos). (N. E. A.)
“O
capitalismo é uma religião puramente de culto, desprovida de dogma.”
“TRÊS HOMENS EM BUSCA DA RELIGIÃO
Três
jovens estavam parados de mãos dadas debaixo do grande pinheiro que encimava a
colina. Seus olhares estavam voltados para baixo, para o seu povoado natal e
para além dele, por onde corriam as estradas que queriam trilhar dali por
diante... rumo à vida. Um deles falou: “Daqui a trinta anos, voltaremos a nos
encontrar aqui e então veremos quem de nós encontrou a religião, a religião
única e verdadeira”. Os demais concordaram e, com um aperto de mão,
separaram-se em três direções diferentes, seguindo por três estradas diferentes
rumo à vida.
Depois
de vagar por algumas semanas, um deles viu surgir diante de si as torres e
cúpulas de uma enorme cidade... Resoluto, dirigiu-se à cidade, pois havia
escutado maravilhas sobre as grandes cidades: todos os tesouros da arte
estariam guardados nelas, volumosos livros cheios de sabedoria milenar e,
afinal de contas, também muitas igrejas, nas quais todas aquelas pessoas oravam
a Deus. Ali devia estar também a religião. Cheio de destemida esperança, cruzou
o portão da cidade ao cair do sol... Ele permaneceu trinta anos na cidade,
pesquisando e procurando a religião verdadeira e única.
O
segundo jovem havia tomado uma estrada diferente, que serpenteava por vales
sombreados e montanhas cobertas de mato. Ele perambulou faceiro e despreocupado
e, onde via um lugar aprazível, deitava-se para descansar e sonhar. E assim,
quando estava a contemplar absorto a beleza do pôr do sol, quando estava
deitado placidamente na relva a admirar as nuvens brancas desfilarem pelo céu
azul, quando no meio do mato de repente via reluzir na escuridão por trás das
árvores um lago oculto, sentia-se feliz e pensava ter descoberto a religião...
Ele passou trinta anos assim, perambulando e descansando, sonhando e
contemplando.
A
sorte do terceiro não foi tão amena. Sendo pobre, não tinha como ficar
perambulando alegremente por muito tempo, mas foi forçado a pensar primeiro em
como ganhar o pão de cada dia. E por isso ele nem vacilou muito – poucos dias
depois já estava em um povoado a serviço do ferreiro para aprender o ofício.
Foi um tempo duro para ele e, em todo caso, não houve oportunidade para que
fosse em busca da religião. E não foi só no primeiro ano, mas foi assim todo o
tempo. Porque depois de ter aprendido o ofício, ele não passou muito tempo
percorrendo o mundo, mas foi arranjar trabalho numa cidade grande. Lá trabalhou
arduamente por uma série de anos, e quando o trigésimo ano chegou ao fim ele
havia alcançado a condição de artífice autônomo, mas não havia conseguido ir à
procura da religião e, portanto, não a havia encontrado.
Por
volta do final do trigésimo ano ele tomou o caminho do seu povoado natal. A
estrada o levou por uma região montanhosa fenomenal e selvagem, e ele caminhou
dias inteiros sem encontrar ninguém. Na manhã do reencontro, porém, teve
vontade de escalar uma daquelas altas montanhas, cujos picos avistara
sobranceiros durante toda a sua caminhada. De madrugada, várias horas antes da
alvorada, pôs-se a caminho; a escalada foi muito penosa, já que ele estava sem
o equipamento adequado. Tentando retomar o fôlego, ele ficou parado sobre o
pico. Então viu, sob o brilho do sol da manhã que acabara de despontar, uma
vasta planície descortinar-se diante dele... com todos os povoados em que havia
exercido o seu ofício – e com a cidade em que havia se tornado mestre ferreiro.
Viu claramente diante de si todos os caminhos que percorrera e os lugares em
que trabalhara. Não conseguia parar de olhar para aquilo tudo! Porém, quando
olhou mais para cima, para o resplendor do sol, diante de seus olhos viu um
novo mundo elevar-se lentamente nas nuvens, em meio ao fulgor cintilante. Ele
divisou cumes montanhosos, picos brancos reluzentes que se alteavam até as
nuvens. Porém, uma luz muito elevada acima da terra ofuscou seus olhos e não
permitiu que visse as coisas com nitidez, mas mesmo assim ele imaginou ter
visto vultos vivendo ali, e catedrais de cristal reverberavam longinquamente na
luz da manhã até ele. Ao ver isso, ele se prostrou no chão, comprimiu sua testa
contra a rocha, chorou e respirou fundo. Um momento depois, levantou-se e
lançou mais um olhar para o mundo maravilhoso lá de cima, que agora se
apresentava diante dele em todo o esplendor do sol. Por fim, ele também divisou
fracamente alguns caminhos estreitos que conduziam para as montanhas
florescentes e brilhantes. Então, voltou-se e desceu da montanha. E não foi
fácil para ele orientar-se novamente no vale lá embaixo.
Porém,
ao anoitecer daquele dia, ele chegou a seu povoado natal e foi ao encontro de
seus amigos, na colina sobranceira ao povoado. Então, eles se sentaram ao pé do
grande pinheiro e contaram um para o outro o que lhes sucedera e como haviam
encontrado a sua religião. O primeiro narrou sobre a sua vida na cidade grande,
sobre como havia pesquisado e estudado nas bibliotecas e nos auditórios, sobre
como havia ouvido o que disseram os mais importantes professores. Ele próprio
certamente não encontrou uma religião, mas, mesmo assim, achava ter sido o que
mais realizou. Ele disse: “Porque em toda aquela grande cidade não há uma só
igreja cujos dogmas e princípios eu não seja capaz de refutar”. Então o segundo
narrou o que lhe sucedeu em sua peregrinação, e muitas coisas fizeram os dois
ouvintes dar boas risadas e escutar com atenção. Mas, apesar de todos os
esforços, ele não foi capaz de fazê-los compreender a sua religião e ele, na
verdade, nunca conseguiu dizer muito mais do que: “Sabe, uma coisa assim é
preciso sentir na própria pele!”. E repetia: “É preciso sentir isso na própria
pele!”. Os outros não o compreenderam e quase acabaram por rir-se dele. Bem devagar
e ainda tomado pela forte experiência que tivera, o terceiro começou a contar
tudo o que lhe acontecera. Mas ele não contou da mesma maneira que os outros
haviam narrado o que lhes sucedera; ele não contou como vivenciara os
acontecimentos, mas como ele visualizara os seus caminhos pela manhã, em pé
sobre o cume da montanha. Bem por fim e hesitando muito, ele mencionou aqueles
picos montanhosos brancos e reluzentes. “Creio que se conseguirmos uma visão
panorâmica como essa da nossa vida, também veremos o caminho para aquelas
montanhas e para os picos ofuscantes. Porém, decerto só poderemos intuir o que
está contido naquele fogo, e cada um de nós deverá tentar dar-lhe forma segundo
as coisas que nos sucederam”. Dito isso, ele se calou. Os outros dois certamente
não entenderam tudo, mas nenhum deles falou; antes, olharam para a noite que
estava caindo, na tentativa de talvez avistarem os picos reluzentes a
distância.”
“Toda
arte é dedicada à alegria. E não há tarefa mais elevada nem mais importante que
proporcionar alegria às pessoas.” (Friedrich Schiller)
“Como
é raro o recurso sincero aos clássicos!”
“Depois
de falar, sempre achamos que não dissemos o ‘essencial’.” (Walter Calé)
“O
falso romantismo, o grotesco isolamento em que fomos postos na relação com o
devir, tornou muitos de nós apáticos; por tanto tempo tiveram de crer na
nulidade que até a fé se tornou nula para eles. A falta de ideais de nossa
juventude é o último resquício de sua sinceridade.”
“É
em seu posicionamento diverso frente ao tempo histórico que se distinguem o
drama barroco e a tragédia. Na tragédia, o herói morre, visto que ninguém é
capaz de viver no tempo preenchido. Ele morre de imortalidade. A morte é uma imortalidade
irônica; esta é a origem da ironia trágica. A origem da culpa trágica situa-se
na mesma área. Ela repousa no tempo próprio do herói trágico, preenchido de
modo puramente individual. Esse tempo próprio do herói trágico – que, a exemplo
do tempo histórico, tampouco queremos definir aqui – inscreve todos os seus
feitos e a sua existência inteira como que dentro de um círculo mágico. Quando,
de modo incompreensível, a complicação trágica repentinamente se faz presente,
quando o menor passo em falso acarreta a culpa, quando o mínimo deslize ou o
acaso mais improvável causam a morte, quando não são pronunciadas as palavras
de entendimento e solução aparentemente ao alcance de todos, trata-se daquela
influência peculiar que o tempo do herói exerce sobre todo evento, visto que,
no tempo preenchido, todo evento é função desse tempo. Parece quase paradoxal a
nitidez dessa função no momento em que o herói se encontra completamente
passivo, visto que o tempo trágico pode ser visto como o desabrochar de uma flor
cujo cálice exala a acre fragrância da ironia. Pois não raro a fatalidade do
tempo do herói se cumpre durante as pausas em que ele está em completo descanso
(durante o sono, por exemplo); de modo semelhante, a importância que o tempo
preenchido tem para o destino trágico se evidencia nos grandes momentos de
passividade: na decisão trágica, no momento retardante, na catástrofe. O
parâmetro trágico de Shakespeare está baseado na grandiosidade com que ele
diferencia os diversos estágios de tragicidade enquanto repetições de um só
tema, tornando-os cada vez mais precisos. A tragédia dos antigos, em
contraposição, apresenta um incremento cada vez mais portentoso das potências
trágicas; os antigos conhecem o destino trágico; Shakespeare, os heróis
trágicos, a ação trágica. Com razão, Goethe o chama de romântico[b].
Na
tragédia, a morte constitui uma imortalidade irônica; irônica por sua
determinidade desmedida; a morte trágica é sobredeterminada, e isso é a
expressão propriamente dita da culpa do herói. Hebbel talvez estivesse no
caminho certo com a concepção da individuação enquanto culpa original[c];
porém, tudo depende de definir o que a culpa da individuação transgride. Nessa
forma, é possível formular a pergunta pela conexão entre história e
tragicidade. Não se trata de uma individuação a ser apreendida com relação ao
ser humano. No drama barroco, a morte não se baseia naquela determinidade
extrema que o tempo individual confere ao evento. Ela não é um ponto final; sem
a certeza de uma vida superior e sem a ironia, ela é a metábasiv [passagem] de
toda a vida eÏv Âllo génov [para um outro gênero]. O drama barroco é
matematicamente comparável a um dos braços de uma hipérbole, sendo que seu
outro braço está no infinito. A lei da vida superior vale no espaço restrito da
existência terrena, e todos jogam até que a morte encerre o jogo para promover
a repetição do mesmo jogo em escala maior num outro mundo. É na repetição que
repousa a lei do drama barroco. Seus eventos são sombras metafóricas, reflexos
simbólicos de outro jogo. A morte arrebata para dentro desse jogo.
O
tempo do drama barroco é não preenchido e, não obstante, finito. Ele é não
individual, sem que tenha generalidade histórica. O drama barroco, em qualquer
sentido, é uma forma intermediária. A generalidade de seu tempo é espectral,
não mítica. O fato de seus atos serem em número par tem a ver, em seu âmago,
com a natureza especular peculiar ao jogo. Exemplo disso, como também de todas
as demais relações concebidas, é Alarcos de Schlegel[d], que aliás é um
excelente objeto de análise do drama barroco. Quanto à hierarquia e à posição,
seus personagens são da realeza, como não poderia deixar de ser no drama
barroco consumado, em função de seu significado simbólico. Esse drama é
enobrecido pela distância que em toda parte separa imagem e espelhamento,
significante e significado. Desse modo, o drama barroco na verdade não
constitui a imagem de uma vida superior, mas nada mais é que uma das duas
imagens espelhadas, e sua continuação não é menos espectral que ela própria. Os
mortos se convertem em fantasmas. O drama barroco esgota em termos artísticos a
ideia histórica da repetição; por conseguinte, ele aborda um problema bem
diferente da tragédia. Culpa e grandiosidade reivindicam, no drama barroco, uma
determinidade – para não dizer uma sobredeterminidade – que diminui na mesma
proporção em que aumenta sua dimensão, a extensão mais universal possível, e
não por causa da culpa e da grandiosidade, mas por causa da repetição daquelas
mesmas relações.
Porém,
à essência da repetição temporal se deve que nenhuma forma pode estar baseada
nela de modo acabado. E mesmo que a relação entre a tragédia e a arte permaneça
problemática, mesmo que a tragédia talvez também seja mais ou menos que uma
forma artística, ela, em todo caso, é uma forma acabada. Seu caráter temporal
está esgotado e configurado na forma dramática. O drama barroco não é acabado
em si mesmo; ademais, a ideia de sua resolução não se situa mais dentro do
âmbito dramático. E esse é o ponto em que – a partir da análise da forma –
aparece de modo decisivo a diferença entre drama barroco e tragédia. O restante
do drama barroco se chama música. Talvez, assim como a tragédia caracteriza a
transição do tempo histórico para o tempo dramático, o drama barroco se situe
na passagem do tempo dramático para o tempo da música.”
[b]
Goethe, “Shakespeare und kein Ende”, Sämtliche Werke (Jubiläumsausgabe [...] em
colaboração com Konrad Burdach [et al.], org. Eduard von der Hellen, v. XXXVII:
Schriften zur Literatur, parte II, Stuttgart/Berlim, s/d), p. 41 e 45. (N. E.
A.)
[c]
Friedrich Hebbel, “Mein Wort über das Drama!”, Sämtliche
Werke (Historisch-kritische Ausgabe, org. Richard Maria Werner, [seção I] v.
II: Kritische Arbeiten II, Berlim, [s/d]), p. 3s. (N. E. A.)
[d]
Friedrich Schlegel, Alarcos. Ein Trauerspiel (Berlim, 1802). (N. E.
A.)
“Frente
ao caráter irrevogável da tragicidade, que perfaz a realidade última da
linguagem e de sua ordem, toda composição animada pelo sentimento (de tristeza)
deve ser chamada de trama. O drama barroco não tem como base a linguagem real;
ele está baseado na consciência da unidade da linguagem proporcionada pelo
sentimento que se explicita na palavra. Em meio a essa explicitação, o
sentimento extraviado entoa o lamento da tristeza. Mas ele tem de se resolver;
tendo como base a unidade recém-pressuposta, ele se converte na linguagem do
puro sentimento, em música. No drama barroco, a tristeza conjura a si própria,
mas também se resolve por si mesma. Essa tensão e resolução do sentimento em
seu próprio âmbito é a trama. Nela, a tristeza é apenas um tom na escala dos
sentimentos, e assim não há, por assim dizer, um drama barroco puro, visto que
os variados sentimentos do cômico, do temível, do assustador e muitos outros
entram na roda. O estilo enquanto unidade guarda-chuva dos sentimentos
permanece reservado à tragédia. O mundo do drama barroco é um mundo especial
que sustenta sua validade grandiosa e equivalente também frente à tragédia. Ele
é o lugar da recepção propriamente dita da palavra e do discurso na arte; a
capacidade de falar e a capacidade de ouvir ainda são pesadas nos mesmos pratos
da balança, e, no fim das contas, tudo depende da audição do lamento, pois só o
lamento profundamente percebido e ouvido se transforma em música. Onde na
tragédia se ergue a petrificação eterna da palavra falada, o drama barroco
concentra a ressonância sem fim de sua sonoridade.”
“O
ritmo do conflito bélico vindouro será ditado pela tentativa não só de
defender-se, mas também de suplantar os terrores provocados pelo inimigo por
terrores dez vezes maiores. (...) A finalidade última das ações da frota aérea
deve ser destruir a vontade de resistência inimiga. Alguns poucos “raids [ataques]” devem infundir na
população dos centros inimigos um terror inconsciente tal que malogre qualquer
apelo à organização da resistência. O terror deve ser algo similar à psicose.”
“A
sociedade burguesa não conseguiu cumprir nada do que anunciou. Estamos muito
distantes daquele radicalismo vulgar e raso que simplesmente reparte a culpa
por essa situação entre os membros individuais e os estratos profissionais da
burguesia e passa a descrever “o” burguês como particularmente malvado e idiota
ao mesmo tempo. Isso está totalmente errado. O debacle dos ideais burgueses é uma
fatalidade inevitável de abrangência histórico-universal em razão de certas
contradições internas existentes desde o início, impossíveis de serem evitadas
ou neutralizadas a partir do espírito da burguesia. Não podemos desenvolver
isso teoricamente neste ponto[1]. A burguesia só se tornou objetivamente
maldosa e perigosa na última etapa, no período do debacle, quando quis
prorrogar um jogo já perdido com todos os meios da violência, da artimanha e da
insinuação. Mas também isso é fado histórico, pois nunca houve na história
universal uma “desistência de bom grado” de um jogo perdido...
A
burguesia iniciou-se com as promessas mais radicais e com a crítica mais
radical das mazelas humanas já feitas até agora em toda a história universal.
Ela começou com as teses do cosmopolitismo, do “império da razão”, da infinita
educabilidade do gênero humano, da paz eterna, do equilíbrio pacífico entre os
poderes materiais e imateriais antagônicos numa graduação infinitamente
elástica e automaticamente mutável das camadas sociais mediante a “livre
concorrência”, que ela contrapôs à hierarquia rígida da antiga constituição
estamental.
Vemos
hoje o que resultou desses ideais e dessas promessas.”
[1] Apenas um exemplo escolhido a esmo: o
liberalismo burguês propagou a “luz verde para o capaz!”. Porém, ele manteve em
vigor, por exemplo (como já objetaram os antigos saint-simonistas), o direito
hereditário, que em si já anula completamente essa tese, deixando de garantir
um começo justo a uma parcela sempre crescente da população.
(Direção editorial
da L[iterarische] W[elt])
“Infelizmente
é de conhecimento geral que praticamente não há nada mais contagioso que o
delírio e a loucura. A verdade precisa ser penosamente investigada com base em
razões; o delírio se assume por imitação, muitas vezes sem se dar conta, por
complacência, pelo simples fato de estar convivendo com o delirante, pela
participação em suas restantes boas intenções, por boa-fé. O delírio se
transmite do mesmo modo que o bocejo, assim como traços faciais e estados de
ânimo passam de uns para os outros, ou uma corda musical responde
harmonicamente a outra. Soma-se a isso ainda a diligência do delirante em
confiar-nos as opiniões favoritas do seu ego como se fossem joias, e ele sabe
bem como se comportar para fazer isso; quem para agradar um amigo não começará
delirando inocentemente com ele, para logo depois chegar a uma fé poderosa e
transplantar essa sua fé nos outros com a mesma diligência? É a boa-fé que une
o gênero humano; por meio dela, aprendemos, se não tudo, o mais útil e a maior
parte das coisas; e, como se diz, um delirante nem por isso já é um enganador.
O delírio, justamente por ser delírio, gosta tanto de companhia; é nela que ele
se revigora, porque se estivesse por sua própria conta não teria razão de ser
nem certeza de nada; tendo essa finalidade, até a pior companhia é a melhor
coisa para ele.”
[Johann
Gottfried Herder (1744-1803) – Delírio]
“A
experiência de todos os países e de todas as épocas confirma que a incidência
do crime não é multiplicada por penas suaves nem atenuada por penas severas.
Acaso a propriedade de alguém no Marrocos estaria mais segura porque os ladrões
de lá são despedaçados a golpes de sabre, ou na Argélia, onde são atirados de
uma torre e aparados com ganchos de ferro? Em lugar nenhum há malfeitores mais
sanguinários do que na Itália e na França, onde mais se decapita e se aplica a
tortura na roda; em lugar nenhum se rouba mais nas estradas do interior do que
na Inglaterra, onde não há ladrão que escape da forca; e em lugar nenhum se
viaja mais incólume do que na Dinamarca e em Holstein, onde não se enforcam
mais os gatunos...
(...)
Nosso direito de matar o assassino deve se basear no direito à retaliação.
Barkhausen mostrou claramente a incongruência dessa opinião. Se quiserdes, por
vosso lado, matar quem matou, então também o adúltero deve ser judicialmente
intimado a levar sua esposa para a cama do ofendido; um tipo de satisfação que
muitas vezes poderia ser pior do que a própria ofensa sofrida[m]...”
[m]
Helfrich Peter Sturz, Schriften (col. I, Leipzig, 1779), p. 232-4 e
236-8. (N. E. A.)
[Helfrich
Peter Sturz (1736-1779) – Contra a pena
de morte]
“A
burguesia forjou novas armas de guerra: concepções de mundo, teorias raciais,
metáforas políticas, humanas e filosóficas – muito mais perigosas, porque eram
mais dissimuladas que o antigo exército profissional que limitava e apequenava
a si mesmo.”
[Jacob
Burckhardt (1818-1897) – Liberalismo e
democracia]
“Em
1813, Arndt viaja na esteira do exército de Napoleão em retirada da Rússia,
passando por Vilna, no trajeto para a Alemanha.
“Ai
ai! Durante nossa lenta jornada pelos desolados ermos cobertos de neve tivemos
tempo para refletir sobre todas as atrocidades provocadas por essa única
campanha militar. O que vimos? Ah, se um altivo conquistador pudesse chorar
como faz chorar as mães de centenas de milhares! No segundo, terceiro e quarto
dias de nossa viagem, encontrávamos o tempo todo grupos isolados de
prisioneiros que eram trazidos de volta rumo ao Oriente. Que espetáculo!
Infelizes comedores de carne de cavalo maltrapilhos, enregelados, azulados,
quase nem se pareciam mais com seres humanos. Houve os que morreram diante de
nossos olhos em povoados e estalagens. Havia doentes empilhados em trenós;
assim que um deles morria, era atirado para o lado no meio da neve. Nas margens
das estradas jaziam os cadáveres como qualquer outra carniça, descobertos e sem
sepultura; nenhum olho humano pranteara sua última aflição. Nós os víamos em
parte com os membros sangrando; alguns que haviam sido abatidos também foram
apoiados em árvores e usados como pavorosos sinais para indicar o caminho. Eles
e os cavalos caídos apontavam o caminho até Vilna; por menos conhecedor do
caminho que alguém fosse, dificilmente teria conseguido se perder. Nossos
cavalos resfolegavam e corcoveavam com frequência quando tinham de passar pelo
meio ou até por cima daquilo.
Já
na cidade, ao ir para casa, encontrei um jovem de fino trato, a quem dirigi a
palavra e perguntei algo. Ele era um brabantês e cirurgião-chefe de um hospital
militar de prisioneiros franceses que haviam sido aquartelados num instituto
eclesiástico. Fui com ele até os átrios da miséria, vi o pátio do mosteiro
cheio de cadáveres deitados em toda a volta e recuei. Ele contou que, de 2 mil
internados, ele contava diariamente cinquenta a oitenta mortos. Isso significa
que logo ele terá menos trabalho. Enquanto me aproximava do portão da cidade
passaram por mim cinquenta, sessenta trenós, todos cheios de cadáveres que eram
retirados dos hospitais e das praças públicas. Eram transportados como se
transporta madeira velha de cercados, e estavam duros da neve e secos como
madeira de cercado, e serão comida ruim para vermes e peixes (pois muitos eram
jogados em orifícios cavados no gelo que cobre o rio). O mais terrível para mim
era isto: observar na pele de muitos corpos as marcas da passagem dos insetos,
assim como se vê nos prados em que as formigas têm seus ninhos os trilhos
deixados pela sua diligente atividade. Era uma visão deplorável: corpos humanos
que um dia foram saudados com amor e alegria em seu nascimento, que depois
foram nutridos e educados com amor para serem, por fim, na flor da sua vida,
arrancados de seus pais e amigos por um conquistador selvagem, dessa maneira
animalesca, sem qualquer disciplina, para serem arrastados para longe com as
cabeças batendo na terra e as pernas estendidas para o céu, sem nada encobrindo
aquilo que a humanidade e o pudor costumam cobrir.
Nessa
noite, ainda presenciei na cidade uma monstruosidade sem igual. Eu havia saído
para observar o tumulto provocado pela chegada e passagem da milícia russa e
também os colonos e judeus poloneses, e eis que fui atraído por uma cantoria
que chegou aos meus ouvidos e, sem me dar conta, alcancei as imediações do
portão de Minsk, em cima do qual estava sendo celebrado um ofício divino
solene. Prestei atenção a ele por alguns minutos e, no caminho de volta, não
muito longe do portão, passei por um portal e cheguei ao pátio de uma igreja.
Num primeiro momento, avistei só a igreja, em seguida as janelas superiores, ou
melhor, as aberturas sem janelas de um edifício que circundava o pátio,
parecido com um mosteiro ou um internato. Ao chegar mais perto, o que vejo?
Pilhas de cadáveres, em alguns pontos tão altas que chegavam às janelas do
segundo andar; eram com certeza mil cadáveres, todo um hospital extinto; em
todo aquele enorme edifício nenhuma janela, nenhuma pessoa – só um cachorro
farejando uma porta. Por sorte, a neve congelada inibia o fedor da decomposição
que, em outra circunstância, teria impedido qualquer aproximação a esses
lugares desolados. Batalhas sangrentas podem ter produzido pilhas semelhantes
de cadáveres também na França e na Alemanha, mas para expô-los tão
monstruosamente ao olho humano era necessário o concurso do modo polonês de
operar e de um ano como o de 1812. Porém, como posso ficar admirado de que
essas pilhas de cadáveres tenham sido amontoadas aqui? Nosso trenó não estava
estacionado ao abrigo de um galpão da hospedaria Müller, na Deutsche Strasse,
em cima de um francês que havia sido esmagado com sua montaria dentro do
esterco e da palha? Tão grande foi o infortúnio desse tempo, tão despreocupada
e desumana a sujeira.” [af]
Ernst Moritz Arndt (1769-1860) – Erinnerungen aus dem äußeren Leben
[Memórias da vida exterior]
“Wolfgang
Menzel (1798-1873), o reacionário “devorador de franceses” e denunciante dos
adeptos do movimento da Junges Deutschland
[Jovem Alemanha], divulga, em suas Denkwürdigkeiten
[Memorabilia], a seguinte anedota, engraçada e espirituosa, ocorrida no ano da
revolução.
Durante
a revolução, um comerciante rico de Stuttgart encontrava-se constantemente
tomado por um medo intenso. No meio de uma noite insone, no verão de 1849, ele
olhou pela janela e viu o brilho claro da lua; percebeu que toda a cidade
estava mergulhada no mais profundo silêncio. Diante disso, seu medo atingiu o
paroxismo. Ele se vestiu, deixou a casa e tocou vigorosamente a campainha da
casa de Duvernoy, que naquela época era ministro do Interior. Assustado, este
mandou abrir a porta, recebeu o comerciante e lhe perguntou estupefato o que
desejava dele no meio da noite. Então o comerciante, na maior agitação,
disse-lhe que estava ali para adverti-lo de que na cidade reinava um silêncio
muito suspeito [as].”
[as]
Wolfgang Menzel, Denkwürdigkeiten (org. Konrad Menzel, Bielefeld/Leipzig,
1877), p. 423. (N. E. A.)
“Tudo
[...] agora é ultra, tudo transcende incessantemente, tanto no pensamento como
na ação. Ninguém mais conhece a si mesmo, ninguém compreende o elemento no qual
está suspenso e age, ninguém conhece o material que está processando. Não se
pode falar de pura simploriedade, pois coisas simplórias há bastantes. As
pessoas jovens são instigadas muito cedo e então arrastadas pelo redemoinho da
época. O que o mundo admira e o que todo mundo busca é riqueza e celeridade.
Ferrovias, correios expressos, navios a vapor e todas as possíveis facilidades
da comunicação é tudo o que o mundo culto almeja para formar-se além da conta
e, desse modo, perseverar na mediocridade. E esse é justamente o resultado da
generalidade: que uma cultura mediana se torne comum a todos; é isso que buscam
as sociedades bíblicas, o método de ensino de Lancaster e sabe-se lá o que
mais. Na verdade, este é um século para as cabeças capazes, para pessoas
práticas de rápida apreensão, para os que, dotados de uma certa desenvoltura,
sentem-se superiores à massa, mesmo que não tenham talento para chegar ao
ápice. Preservemos tanto quanto possível a mentalidade que alcançamos; nós
seremos, talvez junto a alguns poucos, os últimos de uma época que não retornará
tão cedo.”
[Johann
Wolfgang von] Goethe – Briefwechsel
zwischen Goethe und Zelter in den Jahren 1796 bis 1832 [Correspondência
entre Goethe e Zelter entre os anos de 1796 e 1832], Berlim, 1834, p. 43-4.
“Encapsuladas
e inaparentes como uma semente são as experiências verdadeiramente produtivas
na vida do ser humano. Tudo que é sumamente fecundo está encerrado na casca
dura da incomunicabilidade. Nada separa tão claramente a produtividade
autêntica da falta de produtividade e, sobretudo, da falsa produtividade quanto
a pergunta: o homem vivenciou no tempo certo – na década entre 15 e 25 anos de
idade – aquilo que o faz ficar de boca fechada, aquilo que o torna silente,
ciente e reflexivo, aquilo que para ele se tornou a experiência que sempre
professará, que nunca trairá e que jamais contará para ninguém?”
“Não
é a cabeça que é preciso quebrar para apreender a verdade, é o coração.” (São
Martinho)