Editora:
Geração Editorial
ISBN: 978-85-8602-806-9
Opinião:
★★★☆☆
Páginas:
150
“Logo
entendi que duas qualidades são essenciais para ser um pastor de sucesso na
Igreja Universal. A primeira é ter a capacidade de canalizar ofertas
expressivas. A segunda é saber entreter o povo e segurá-lo nas “correntes”.”
“Nessas
matérias, eu estava superando as melhores expectativas de meus professores. Na
Igreja Universal do Reino de Deus, existe uma fórmula padrão para se fazer um
culto. Sempre que alguém entrasse nos nossos templos, teria de ver a mesma
coisa, não importando se estava em Belo Horizonte, Bogotá ou Buenos Aires. Os
cultos eram feitos com gritos frenéticos dos apresentadores e a participação
ativa da plateia.
Esse
espetáculo espiritual é dividido em duas partes e chega ao clímax quando são
realizados os exorcismos. Nesse momento, pessoas aos gritos começam a rolar
pelo chão e jogar para cima os bancos da igreja. Algumas chegam a entrar em
luta corporal com os pastores e obreiros.
Aos
que vinham pela primeira vez, explicávamos que aquelas pessoas estavam
possuídas por demônios e ensinávamos que eram esses espíritos malignos a fonte
de mazelas como desemprego, problemas financeiros e amorosos. Dizíamos também
que as doenças eram sinais físicos dessa possessão demoníaca e, uma vez que
estes espíritos eram expulsos, as pessoas ficavam curadas de toda a sorte de
enfermidades.
Geralmente
entrevistávamos os endemoniados e, para mostrar ao respeitável público que
tínhamos poder sobre eles, fazíamos com que essas pessoas andassem de joelhos
ao redor da igreja, ou batessem a cabeça nos nossos pés, ou latissem ou ainda
que imitassem galinhas, porcos e outros animais. Isso dependia da imaginação de
cada pastor. Depois dos exorcismos, enquanto o povo explodia em aplausos e
gritos de júbilo, do alto do púlpito nós agradecíamos os louvores. Mesmo
sabendo que aqueles “demônios” nada mais eram do que pessoas em busca de alguma
atenção ou sofrendo de seriíssimas crises emocionais, nossa atitude era
indefectível.
Mas
era na segunda parte do culto que o pastor tinha de “provar a que veio”.
O
seu futuro como pastor dependia daquela hora e ele precisava ser cauteloso. Nem
tão agressivo para não demonstrar ganância, nem tão passivo a ponto de deixar
transparecer insegurança. Nenhuma outra passagem da Bíblia é tão exaltada e
divulgada na Igreja Universal quanto o “Trazei todos os dízimos e ofertas”, de
Malaquias (3:10). Pedir ofertas não era uma tarefa fácil, e bem-aventurado era
o pastor que dominava a arte de fazer com que as pessoas abrissem seus bolsos
ou assinassem cheques a fundo perdido.
Esses
pastores eram poucos. Eles eram os reis da lábia. Pelos seus esforços, recebiam
tratamento diferenciado: ganhavam bons carros, bons salários, boas roupas e
boas moradas. Eles eram o “crème de la crème da igreja”. Ou “notáveis”, como se
autodefiniam. As mordomias eram uma recompensa pela habilidade.
Basicamente,
essa habilidade consistia em passar uma hora pedindo dinheiro, em valores
decrescentes, e ainda fazer com que o saque parecesse uma singela parte do
culto. Um singelo ritual em que os fiéis ajudam a manter o bom funcionamento da
obra de Deus. Muitos pastores, por timidez diante do público ou por serem
contra a total falta de transparência do roteiro do dinheiro, simplesmente não
se esforçavam para levantar ofertas. Esses pastores formavam a ala conservadora
da igreja e sempre eram mandados embora na primeira oportunidade. Bem-feito
para eles: em vez de pedir altas ofertas e fazer macaquices no púlpito para
entreter o povo, optavam por pregar tolices como salvação da alma ou tópicos
que a ninguém importavam, como a segunda vinda de Cristo ou o dia do Juízo
Final. Ladainhas.”
“Na
nossa programação comentamos, ao som do piano de Richard Clayderman ou da
flauta de Zamfir, os problemas que afligem a maioria dos humanos: desemprego,
vícios, doenças, problemas conjugais e financeiros. Depois de um debate no qual
discutíamos os efeitos desses problemas na vida das pessoas, apresentávamos a
solução para tudo isso como uma única visita a um dos endereços da igreja. Uma
vez que a pessoa ia à igreja, ela era orientada a fazer uma corrente de doze
semanas. Corrente na qual ela viria a se tornar emocionalmente presa. Os que
quebravam essa corrente imediatamente passavam a ter visões e ouvir vozes. Como
Hollywood, nós sabíamos explorar o medo infantil que as pessoas têm da figura
do diabo.”
“O
comportamento dos líderes me absolvia de qualquer sentimento de culpa. Entre os
pastores comentava-se a boca pequena, que as famosas “peregrinações da fé à
Terra Santa” não passavam de excursões turísticas ao Oriente Médio, com direito
a cassinos, noitadas em Tel Aviv e divertidos passeios de camelo às pirâmides
egípcias. Além disso, os líderes estavam constantemente em viagens “de
interesse da igreja” a cidades europeias com forte apelo turístico, como Paris,
Roma e Londres.”
“Desde
meus primeiros momentos na cúpula da Universal pude perceber o clima de competição
reinante entre os pastores. Todos queriam destaque e consagração. Éramos todos
engajados numa verdadeira guerra santa: espionando uns aos outros, copiando
ideias, dedurando, fazendo lobby. Era a lei da selva. Esses eram os mesmos
indivíduos que ocupavam os microfones e púlpitos pregando irmandade e amor
entre os homens. A hipocrisia era parte do nosso trabalho.”
“Naquela
época, Carlos Alberto Rodrigues era um obreiro adolescente e o recém-convertido
Edir Macedo de Bezerra apenas um auxiliar de escritório da LOTERJ. Sem ter
ainda o sonho messiânico e napoleônico de que no futuro bibliotecas inteiras e
evangelhos seriam escritos sobre a sua pessoa.
Sem
o apoio dos líderes de suas igrejas aos seus métodos revolucionários de atrair
fiéis, como distribuição de sal milagroso, o então evangelista Macedo se juntou
a um grupo de amigos evangélicos e fundou a sua própria igreja. Além de
Rodrigues, fazia parte desse grupo o missionário R.R. Soares (cunhado de
Macedo, que mais tarde rompeu com ele, fundando a Igreja da Graça), o reverendo
De Paula (que também brigou com Macedo e saiu), o pastor Joacir (também saiu),
o pastor Benedito (saiu), e o contador Naylton Nery (esse, quem diria, acabou
no Irajá).
Hoje
em dia esses pastores devem estar tão arrependidos quanto aquele quinto Beatle.
Com
o crescimento imprevisível do bolo, e com cada um querendo a melhor fatia,
começou uma luta interna pelo poder que terminou com a dissolução do grupo, o
que deu a Macedo a liderança total daquilo que viria a ser um milionário
aglomerado de empresas que, além da fé, atuaria em ramos tão diversos ente si
quanto redes de comunicação e madeireiras, construtora e banco. Além da
Universal produções, uma holding que administra uma gráfica, uma editora, um
jornal e uma gravadora.”
“Quando
minha mãe morreu, o pastor de sua igreja não se deu conta disso. Cinco meses
depois, minha irmã recebeu uma carta endereçada a mamãe, com a seguinte
mensagem: “Prezada Irmã, ultimamente temos sentido a falta de sua preciosa
presença nos cultos de louvores ao Divino Espírito Santo. Espero ver-te na
próxima Ceia do Senhor. Paz seja convosco. Seu escravo em Cristo, Pastor
Ricardo Pellegrini.
PS.
O dízimo da irmã está atrasado em cinco meses.”
“Sexo
e dinheiro eram as maiores causas de queda dos pastores. Talvez pelo fato de
esses dois itens serem muito acessíveis dentro da igreja. Quase todos os pastores
recebiam bilhetinhos de mulheres se declarando apaixonadas e implorando por uma
tarde de amor em um motel de beira de estrada. Algumas mulheres que
frequentavam a igreja viam os pastores como galãs de telenovelas que povoavam
as suas fantasias. Sempre vinham a nós confessando os sonhos sexuais que tinham
conosco. O mais estanho é que a maioria dessas mulheres não era mais nenhuma
garotinha debutante. Foram poucos os que, pelo menos uma vez, não sucumbiram à
tentação.
Sexo,
porém, não era motivo para mandar um pastor embora. A não ser quando o
adultério ganhava proporções de escândalo e chegava ao conhecimento dos membros
da igreja. Mas, sempre que possível, as puladas de cerca de alguns notáveis
eram abafadas com panos quentes e tudo acabava em pizza.”
“No
quadro de pastores foram introduzidas aulas de inglês, dicção, postura e
etiqueta. Os lances de curandeirismo primitivo, que são fortes no Nordeste,
como dar ao povo óleo e sal para tomar, nunca existiram em São Paulo. O Bispo
sempre dizia que para cada peixe deve ser usada determinada isca.”
“Dinheiro,
o sangue da obra de Deus, segundo o pastor Magno, havia se tornado no câncer
que ia aos poucos comendo as vísceras da Universal. Era como se tudo ali dentro
fosse feito em função de se fazer mais e mais dinheiro.
As
reuniões de pastores, que nos anos anteriores continham leituras de salmos,
cânticos espirituais e longas horas de oração, assumiam agora as características
de reunião do conselho administrativo de mega-empresa. Os assuntos do dia eram
compra e venda de imóveis ao redor do mundo, as cotações do ouro e do dólar ou
os movimentos da bolsa de São Paulo e Londres. O único Evangelho pregado nesses
encontros era aquele segundo Lilian Wite Fibe.”
“Alguns
pastores não tinham nem mesmo a pachorra de esperar terminar o culto para
checar a sacola com o dinheiro obtido: ajoelhados diante do povo numa alusão à
sua humilhação diante de Deus, com o microfone numa mão faziam as suas orações
decoradas. Com a outra mão iam abrindo envelopes para ver quanto haviam
faturado naquele dia.
Nesse
ambiente em que todos eram culpados, uma das táticas do Bispo para ser menos
roubado foi colocar gente sua nos postos-chaves da igreja. Mesmo assim o
dinheiro continuou escoando. Como em qualquer outra grande organização, o
cabide de emprego e o nepotismo faziam parte do jogo interno da Universal. Por
esta razão tínhamos de conviver com aquela regrinha que parecia ter sido
extraída do poema: fulano, que era casado com a irmã de sicrano, que era tio de
beltrano, que amava a filha do bispo, que não amava ninguém.
Exemplo
clássico deste nepotismo era o pastor Ronaldo Didini, que depois apresentaria o
programa 25 horas, na TV Record. O sujeito tinha por única qualidade ser
cunhado do pastor Manuel Francisco, naquela época homem forte da Universal nos
Estados unidos. Didini tinha sido oficial do Exército, afastado do serviço porque
passou a desenvolver “fortes problemas emocionais”.
Não
sei como ele tratava seus subalternos nos quartéis. Na igreja, Didini gritava e
esbravejava com os obreiros como se estivesse comandando soldados em um
treinamento de sobrevivência na selva. Freud explica. Nisso a igreja paulista
se assemelhava às suas irmãs nos outros estados. Na prepotência daqueles que,
se não se achavam melhores, pelo menos se achavam mais iguais que os outros.
Em
São Paulo começamos a participar de reuniões que trouxeram à mesa de discussão
um assunto que até então era um tabu: a vida sexual do pastor.
Quando
aumentou sensivelmente o número de escândalos sexuais, a liderança se sentiu
forçada a fazer alguma coisa para frear aquela onda. Num espaço de apenas
alguns meses, dois grandes escândalos abalaram as estruturas da Igreja
Universal em São Paulo.
O
primeiro aconteceu quando o pastor Francisco, dono do rosto angelical que
apresentava o programa na TV Bandeirantes, foi visto saindo de um motel com uma
de suas ovelhas. Para quem não sabe, o disse-me-disse dentro da igreja é como
fogo morro acima. Em pouco tempo todos os membros comentavam o affair de
Francisco. Mas o escândalo maior veio quando o pastor Antônio, meu auxiliar no
bairro A. E. de Carvalho, na Zona leste da capital, abandonou a mulher e o
filho de três meses e fugiu com uma menina menor de idade que frequentava a
igreja.
O
bispo Macedo e o pastor Paulo começaram então a promover conferências sobre
sexo em reuniões de casais realizadas em hotéis-fazendas espalhados pelo
interior do estado. Os assuntos explorados iam desde sexo oral até sadomasoquismo.
Nada que Marta Suplicy não comentasse na televisão. Mas, vindo do Bispo,
aqueles comentários causavam um certo constrangimento na audiência. O efeito seria
o mesmo se o papa reunisse sua bancada de cardeais e explicasse com detalhados
pormenores como bater uma punheta com arte.
Nestas
reuniões passamos a conhecer a faceta “latin lover” do Bispo que até então era
exclusividade de sua mulher. Ele se mostrava como o grande homem capaz de satisfazê-la.
“Plena e completamente”, fazia questão de deixar bem claro.
Na
piscina com a mulher, Sua Excelência Reverendíssima não perdia a oportunidade
de dar uma demonstração rapidinha do dragão sexual que era. Afirmava que, se
todos seguissem seus conselhos, não haveria a necessidade de se procurar sexo
fora do casamento. “Quem come bem em casa não tem fome na rua”, profetizava.
Na
medida em que estes encontros aconteciam, os casais iam se descontraindo e
participando mais confortavelmente do debate. Mulher de pastor, que no
princípio corava somente de ouvir a palavra “cueca”, já levantava a mão, toda
assanhadinha, para pergunta se banho-de-gato era pecado. O auge dessas reuniões
foi quando chegamos ao consenso de que o casal tinha liberdade para fazer o
tipo de sexo que bem quisesse. Ponto para a democracia. Só não era permitido
usar chicotes ou algemas. Mesmo assim, ponto para a democracia.
Também
ficou permitido visita a motéis e assistir filminhos de sacanagem durante a
“trepada”. Era o “liberou geral”. A partir dali, sempre que um pastor
encontrava o outro, já não mais trocavam conhecimentos bíblicos. Em vez disso,
comentavam os últimos lançamentos do cineasta David Cardoso e da porno-star
Cicciolina. Enquanto a Igreja Universal aderia aos novos tempos, no Vaticano
ainda discutiam a absolvição de Galileu Galilei.
Há
muito eu já havia deixado de ver a Universal como um lugar espiritual. Os
únicos que ainda viviam esta ilusão eram os que se limitavam aos bancos da
igreja. Qualquer um que fosse um pouco além disso descobria a triste verdade do
Reino.
Um
operador de áudio que era membro da igreja e trabalhava no estúdio da rádio São
Paulo comentou comigo, durante uma sessão em que gravava o meu programa semanal,
que ele estava pensando em pedir a sua dispensa, pois não suportava mais ouvir
as conversas dos pastores sobre dinheiro quando eram levados ao ar.”
“Quando
o Bispo fechou a compra da Record, por 45 milhões de dólares, nós tivemos que
pagar o pato. Apesar de que não havia necessidade disso, nossos salários foram
cortados por três meses com a desculpa de que a igreja precisava economizar
dinheiro para o investimento. Ninguém se atreveu a protestar. Poucos anos mais
tarde, o pastor Carlos Magno, líder da Universal e braço direito de Macedo,
dirigente de estados como Ceará e São Paulo, irado com o Bispo por não ter
recebido seu apoio na tentativa de se eleger deputado, fez a denúncia de que a
Record tinha sido comprada com a ajuda de traficantes que queriam lavar no
Brasil dinheiro de seu comércio de drogas. O pastor Carlos chegou a dar
detalhes de como atravessaram as fronteiras do país com o jatinho de Macedo
abarrotado de dólares. Não houve CPI e nem mesmo investigação por parte da
Polícia Federal para averiguar as origens da denúncia. Por muito menos, nos
Estados Unidos, o televangelista Jim Baker amargou vários anos na prisão.”
“O
bispo Macedo dizia ter recebido uma mensagem celestial em que o Criador em
pessoa com a mesma intimidade com que se dirigia aos seus profetas nos
primórdios da humanidade, ordenara que a igreja apoiasse Fernando Collor de
Mello para Presidência da República, pois ainda de acordo com o Todo-Poderoso,
Collor, era o melhor candidato para o país e o único capaz de derrotar o
“anti-Cristo” (leia-se Lula).
Como
todos nós na época, o Senhor dos Exércitos ainda não conhecia PC Farias. Errar
é divino.
O
Bispo era um dos maiores cabos eleitorais de Collor (abaixo de Jeová, é claro).
Ele fazia reuniões e se deixava fotografar vestindo camisetas do PRN. E no
melhor estilo “aiatoloide”, proibiu todos os pastores e obreiros de votar em
qualquer outro que não fosse o “escolhido”, e ameaçou: “Quem não é por mim é
contra mim”.”
“Nada
é pior do que saber não ser amado por ninguém.”
“Alguém
já disse que o ódio é uma negação eterna. Do ponto de vista das emoções, ele é
uma forma de atrofia que mata tudo ao seu redor, menos ele próprio.”
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