Editora: Companhia Editora Nacional
Tradutor: Brenno Silveira
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 336
Sinopse: História
da filosofia ocidental é uma obra monumental, que inclui muitos dos mais
discutidos autores nas diferentes áreas do conhecimento: da lógica às ciências
políticas, da economia à antropologia. Bertrand Russell, considerado um dos
maiores pensadores dos séculos XIX e XX, reflete de modo muito eclético e
espirituoso sobre a filosofia ocidental desde os pré-socráticos até seus dias.
“A filosofia, conforme entendo a palavra, é
algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de
especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora
chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja
esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido – eu o afirmaria – pertence à ciência; e todo dogma, quanto ao que ultrapassa o
conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência
existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra
de Ninguém é a filosofia.”
“Duas correntes opostas são comuns, hoje em
dia, com respeito aos gregos. Uma, praticamente desde a Renascença até época
bastante recente, considera os gregos com uma adoração quase supersticiosa,
como os inventores de tudo o que há de melhor e como homens de gênio
sobre-humano, com os quais os modernos não podem esperar comparar-se. A outra
atitude, inspirada pelos êxitos da ciência e por uma crença otimista no
progresso, considera a autoridade dos antigos como um íncubo, e afirma que a
maior parte de suas contribuições ao pensamento deveria agora ser esquecida.
Quanto a mim, não me é possível adotar nenhuma dessas posições extremas; cada
uma delas, diria eu, tem a sua parte de razão e a sua parte de erro. Antes de entrar
em qualquer pormenor, procurarei dizer que espécie de sabedoria podemos ainda
extrair do estudo do pensamento grego.
Quanto à natureza e estrutura do mundo,
várias hipóteses são possíveis. O progresso na metafísica, enquanto existiu,
consistiu de um refinamento gradual de todas essas hipóteses, um
desenvolvimento de suas implicações e uma nova formulação de cada uma delas
para enfrentar as objeções levantadas pelos partidários de hipóteses rivais.
Aprender a conceber o universo segundo cada um desses sistemas é uma delícia
para a imaginação e um antídoto contra o dogmatismo. Ademais, mesmo que nenhuma
das hipóteses possa ser demonstrada, há um conhecimento verdadeiro na
descoberta do que faz com que cada uma delas esteja de acordo consigo mesma e
com os fatos conhecidos. Ora, quase todas as hipóteses que dominaram o filósofo
moderno foram, a princípio, formuladas pelos gregos, sua força imaginativa em
matérias abstratas jamais poderá ser suficientemente elogiada. Tudo o que direi
dos gregos procederá, principalmente, deste ponto de vista. Considerá-los-ei
como criadores de teorias que tiveram vida e desenvolvimento independentes, e
que, embora, a princípio, um tanto infantis, demonstraram ser capazes de
sobreviver e desenvolver-se durante mais de dois mil anos. Os gregos
contribuíram, é verdade, com algo que demonstrou ser de valor mais permanente
para o pensamento abstrato: descobriram as matemáticas e a arte do raciocínio
dedutivo. A geometria, em particular, é uma invenção grega, sem a qual seria impossível
a ciência moderna. Mas, com relação às matemáticas, evidencia-se a
unilateralidade do gênio grego; raciocinava dedutivamente partindo do que
parecia ser evidente por si mesmo, e não dedutivamente partindo do que tinha
sido observado. Seus êxitos surpreendentes no emprego deste método induziram a
erro não somente o mundo antigo, mas, também, a maior parte do mundo moderno.
Foi só muito lentamente que o método científico, que procura chegar aos
princípios indutivamente, mediante a observação de determinados fatos,
substituiu a crença helênica na dedução partindo de axiomas luminosos extraídos
da mente do filósofo. Por esta razão, entre outras, é um erro tratar-se os
gregos com reverência supersticiosa. O método científico, embora tenham sido
eles os que primeiro o vislumbraram, é, em seu todo, alheio ao seu espírito, e
a tentativa de glorificar os gregos diminuindo o progresso intelectual dos
últimos quatro séculos, tem um efeito paralisador sobre o pensamento moderno.
Existe, no entanto, um argumento mais geral
contra tal reverência, tanto com respeito aos gregos como a outros. Ao
estudar-se um filósofo, a atitude correta consiste em não se experimentar nem
reverência nem desprezo, mas, desde o começo, uma espécie de simpatia
hipotética, até que seja possível saber se deve crer em suas teorias, sendo que
somente então deve manifestar um renascimento da atitude crítica, a qual deve
assemelhar-se, tanto quanto possível, ao estado de espírito de uma pessoa que
abandona as opiniões que até então professava. O desprezo impede a primeira
parte deste processo; a reverência, a segunda.
Duas coisas devem ser lembradas: primeiro,
que um homem cujas opiniões e teorias são dignas de estudo deve ter possuído
uma certa inteligência, mas que é provável que nenhum homem haja chegado à
verdade completa e definitiva sobre qualquer matéria. Quando um homem
inteligente manifesta uma opinião que nos parece evidentemente absurda, não
deveríamos procurar que ela, de certo modo, é verdadeira, mas deveríamos
procurar compreender como foi que ela chegou a parecer verdadeira. Este exercício de imaginação histórica e
psicológica amplia, ao mesmo tempo, o escopo de nosso pensamento, e nos ajuda a
compreender quão tolos muitos de nossos preconceitos mais caros parecerão a uma
época de espírito diverso.”
“As teorias filosóficas, se importantes,
podem, em geral, ser revividas em uma nova forma, após terem sido refutadas na
forma originalmente manifestada. As refutações raras vezes são definitivas; na
maioria dos casos, são apenas um prelúdio para novos refinamentos.”
“A grandeza de Atenas começa na época das
duas guerras pérsicas (490 A. C. E 480-79 A. C.). Antes dessa época, a Jônia e
a Magna Grécia (as cidades gregas do sul da Itália e da Sicília) produziram
grandes homens. A vitória de Atenas contra o rei persa Dario em Maratona (490)
e a vitória das frotas gregas unidas contra seu filho e sucessor Xerxes (480),
sob comando ateniense, deram grande prestígio a Atenas. Os jônios, nas ilhas e
em parte do continente da Ásia Menor, rebelaram-se contra a Pérsia, e a sua
libertação se efetuou por meio de Atenas, depois que os persas foram expulsos
do território grego. Os espartanos, que se interessavam apenas pelo seu próprio
território, não participaram dessa operação. Assim, Atenas tornou-se a parte
predominante na aliança contra a Pérsia. Segundo a constituição da aliança,
todo Estado participante devia contribuir com um número determinado de navios,
ou o equivalente ao custo dos mesmos. A maioria escolheu esta alternativa e
Atenas adquiriu, desse modo, supremacia naval sobre os outros aliados, e
transformou, aos poucos, a aliança num Império Ateniense. Atenas tornou-se
rica, prosperando sob a sábia direção de Péricles, que governou, por livre
escolha dos cidadãos, durante cerca de trinta anos, até à sua queda, no ano 430
antes de Cristo.
A época de Péricles foi a mais feliz e
gloriosa da história de Atenas. Ésquilo, que lutara nas guerras pérsicas,
iniciou a tragédia grega; uma de suas obras, os “Persas”, deixando de lado o
costume de escolher-se temas homéricos, trata da derrota de Xerxes. Foi logo
seguido por Sófocles, e Sófocles por Eurípides. Ambos se estendem pelos dias
sombrios da Guerra do Peloponeso que se seguiram à queda e morte de Péricles,
sendo que Eurípides reflete em suas obras o ceticismo do último período. Seu
contemporâneo Aristófanes, o poeta cômico, zomba de todos os “ismos”, do ponto
de vista de um senso comum rude e limitado; censura, em particular, a Sócrates,
por negar a existência de Zeus e dedicar-se a mistérios profanos e
pseudocientíficos.
Atenas havia sido capturada por Xerxes, e os
templos da Acrópole destruídos pelo fogo. Péricles dedicou-se à sua
reconstrução. O Parthenon e outros templos, cujas ruínas perduram e
impressionam a nossa época, foram construídos por ele. Fídias, o escultor, foi
encarregado, pelo Estado, de talhar estátuas colossais de deuses e deusas. No
fim desse período, Atenas era a cidade mais bela e esplêndida do mundo
helênico.
Heródoto, o pai da história, nasceu em
Halicarnasso, na Ásia Menor, mas viveu em Atenas, foi encorajado pelo Estado
ateniense e escreveu o seu relato das guerras pérsicas do ponto de vista
ateniense.
As realizações de Atenas, ao tempo de
Péricles, são, talvez, as mais surpreendentes de toda a história. Até então,
Atenas havia sido superada pelas outras cidades gregas; nem na arte, nem na
literatura, produzira qualquer grande homem (exceto Sólon, que era, antes de
tudo, um legislador). Súbito, sob o estímulo da vitória, da riqueza e da
necessidade de reconstrução, arquitetos, escultores e dramaturgos, que até hoje
ainda não foram superados, realizaram obras que dominaram, até hoje, o futuro.
Isto é tanto mais surpreendente quando se considera o pequeno número de seus
habitantes. Atenas, ao atingir o auge de seu prestígio, no ano 430 A. C.,
aproximadamente, contava, segundo se calcula, cerca de 230.000 almas (incluídos
os escravos), sendo que o território que a cercava, da Ática rural, continha,
provavelmente, uma população ainda menor. Nunca antes, nem depois, a mesma proporção
de habitantes, em qualquer lugar do mundo, se mostrou capaz de realizar obras
de tão elevada qualidade. (...)
Apesar do colapso político, o prestígio de
Atenas sobreviveu e, durante quase um milênio, a filosofia teve nela o seu
centro. Alexandria eclipsou Atenas nas matemáticas e na ciência, mas Platão e
Aristóteles haviam assegurado a supremacia de Atenas na filosofia. A Academia,
onde Platão ensinou, sobreviveu a todas as outras escolas, e perdurou, como uma
ilha de paganismo, até dois séculos depois da conversão do Império Romano ao
Cristianismo. Por fim, no ano 529 da era cristã, foi fechada por Justiniano,
devido ao fanatismo religioso deste imperador, e a Idade das Trevas desceu
sobre a Europa.”
“Demócrito — ao menos na minha
opinião — é o último dos filósofos gregos a libertar-se de uma certa falha
que comprometeu todo o pensamento antigo posterior, bem como o medieval. Todos
os filósofos de que tratamos até aqui, empenharam-se num esforço desinteressado
para compreender o mundo. Acharam muito mais fácil compreendê-lo do que na
realidade o é, mas sem este otimismo não teriam tido a coragem de dar o
primeiro passo. Sua atitude, em geral, era genuinamente científica, sempre que
não representava simplesmente os preconceitos de sua época. Mas não era somente científica; era imaginativa,
vigorosa e cheia do prazer da aventura. Interessavam-se por tudo: meteoros e
eclipses, peixes e redemoinhos, religião e moralidade; a um intelecto
penetrante uniam um entusiasmo infantil.
Deste ponto em diante, há, primeiro, certas
sementes de decadências, apesar das inigualadas realizações anteriores e,
depois, uma decadência gradual. O que está errado, mesmo nos melhores filósofos
posteriores a Demócrito, é uma ênfase indevida com respeito ao homem em
comparação com o universo. Primeiro surge o ceticismo, com os sofistas, levando
ao estudo de como chegamos ao
conhecimento, em lugar de uma tentativa no sentido de adquirir novos
conhecimentos. Depois, com Sócrates, a ênfase recai sobre a ética; Platão
rejeita o mundo dos sentidos em favor de um mundo de pensamento puro criado,
criado pelo homem, individualmente. Aristóteles manifesta a crença na
finalidade como a concepção fundamental da ciência. Apesar do gênio de Platão e
Aristóteles, suas ideias tinham defeitos que demonstraram ser infinitamente
prejudiciais. Depois de sua época, houve uma decadência de vigor e, aos poucos,
uma recrudescência da superstição popular. Uma perspectiva parcialmente nova
surgiu como resultado da vitória da ortodoxia católica; mas não foi senão na
Renascença que a filosofia readquiriu o vigor e a independência que
caracterizam os predecessores de Sócrates.”
“Platão objeta – de maneira um tanto
pedante, segundo as noções modernas – que os sofistas cobravam dinheiro
pela instrução. Platão possuía meios próprios suficientes, sendo incapaz, ao
que parece, de compreender as necessidades daqueles que não tinham essa boa
sorte. É curioso que os professores modernos, que não veem razão para recusar um
salário, hajam repetido com tanta frequência os juízos de Platão.
Há, porém, um outro ponto no qual os sofistas
diferiam da maioria dos filósofos seus contemporâneos. Era comum, exceto entre
os sofistas, que um professor fundasse uma escola, com características
semelhantes às de uma irmandade; existia uma vida em comum mais ou menos
extensa, às vezes algo que se parecia a normas monásticas e, geralmente, uma
doutrina esotérica não proclamada em público. Tudo isto era natural sempre que
a filosofia provinha do orfismo. Entre os sofistas, não havia nada disso. O que
tinham a ensinar, achavam eles, não se relacionava com a religião ou a virtude.
Ensinavam a arte de arguir e todo o conhecimento que pudesse ser-lhe útil.
Falando-se de modo geral, estavam preparados, como os advogados modernos, para
mostrar de que maneira se argumenta contra ou a favor de qualquer opinião, sem
procurar defender suas próprias ideias. Aqueles para quem a filosofia
constituía um meio de vida, estreitamente ligado à religião, mostravam-se,
naturalmente, chocados; para eles, os sofistas pareciam frívolos e imorais.
Até certo ponto – embora seja impossível
dizer-se até onde – o ódio suscitado pelos sofistas, não só entre o
público em geral, mas, também, quanto ao que se refere a Platão e aos filósofos
subsequentes, foi devido ao seu mérito intelectual. A busca da verdade, quando
inteiramente sincera, deve ignorar as considerações de ordem moral; não podemos
saber de antemão se a verdade acabará sendo o que se julga edificante, em determinada
sociedade. Os sofistas estavam preparados para seguir um argumento aonde quer
que os pudesse levar. Às vezes, ela os conduzia ao ceticismo. Um deles,
Górgias, afirmava que nada existe; que se alguma coisa existe é incognoscível;
e que, mesmo concedendo-se que ela existisse e pudesse ser conhecida por
qualquer homem, este jamais poderia comunicá-la a outrem. Não sabemos quais
eram os seus argumentos, mas bem posso imaginar que tinham uma força lógica que
obrigava seus adversários a refugiar-se no que era edificante. Platão está
sempre interessado em defender ideias que tornem as pessoas, segundo sua
maneira de ver, virtuosas; quase nunca é honesto intelectualmente, pois se
permite julgar as doutrinas pelas suas consequências sociais. E mesmo nisto não
é honesto; pretende seguir o argumento e estar julgando segundo padrões
puramente teóricos, quando, na realidade, está torcendo a discussão, para
levá-la a um fim virtuoso. Introduziu vício na filosofia, onde persistiu desde
então. Foi, provavelmente, a sua grande hostilidade contra os sofistas que deu
esse caráter aos seus diálogos. Um dos defeitos de todos os filósofos, desde
Platão, é que suas investigações éticas procedem da suposição de que já
conhecem as conclusões a que devem chegar.”
“O Sócrates platônico afirma, com
insistência, que nada sabe, sendo apenas mais sábio do que os outros por saber
que nada sabe; mas não considera o conhecimento inatingível. Ao contrário, acha
que a busca do conhecimento é da máxima importância. Afirma que nenhum homem peca
intencionalmente e que, portanto, os homens só necessitam de conhecimento para
ser completamente virtuosos.
A estreita relação entre a virtude e o
conhecimento é característica de Sócrates e Platão. Até certo grau, existe em
toda a filosofia grega, ao contrário da do Cristianismo. Na ética cristã, um
coração puro é essencial, e isso é pelo menos tão fácil de encontrar-se tanto
entre os ignorantes como entre as pessoas de cultura. Esta diferença entre a
ética grega e a cristã persiste até hoje.”
“Sempre foi moda elogiar-se Platão sem que se
o compreendesse. Este é o destino comum dos grandes homens.”
“Chegamos, agora, à famosa doutrina do justo
meio-termo. Para Aristóteles, toda virtude é um meio entre dois extremos, cada
um dos quais é um vício. Prova-se isso mediante o exame das várias virtudes. A
coragem é um meio entre a covardia e a temeridade; a liberalidade, entre a
prodigalidade e a mesquinhez; o amor-próprio, entre a vaidade e a humildade; o
dito espirituoso, entre a chocarrice e a grosseria; a modéstia, entre a timidez
e o descaramento. Certas virtudes parecem não se adaptar a este esquema –
como, por exemplo, a veracidade. Aristóteles diz que esta é um meio-termo entre
a jactância e a falsa modéstia (1108a), mas isso somente se aplica à verdade a
nosso próprio respeito. Não vejo de que modo a veracidade, em qualquer sentido
mais amplo, possa ser adaptada a este esquema.”
“(No tempo de Aristóteles ,) os oligarcas
parecem ter sido indivíduos vigorosos. Em algumas cidades, segundo nos dizem,
faziam um juramento: “Serei um inimigo do povo, e arquitetarei todo o mal que
possa contra ele”. Hoje em dia, os reacionários não são assim tão francos.
As três coisas necessárias para evitar-se a
revolução são: a propaganda do governo na educação, o respeito pela lei,
inclusive nas pequenas coisas, e a justiça na lei e na administração, isto é,
“igualdade segundo a proporção, e que cada homem goze do que lhe pertence”
(1307a, 1307b 1310a). Parece que Aristóteles jamais percebeu a dificuldade da
“igualdade segundo a proporção”. Para que haja verdadeira justiça, a proporção
deve ser de virtude. Ora, é difícil
medir-se a virtude, que é, ademais, uma matéria de controvérsia dos partidos.
Na prática política, portanto, a virtude tende a ser medida pela renda; a
distinção entre a aristocracia (governo de homens de virtude) e a oligarquia
(governo de ricos), que Aristóteles tenta fazer, só é possível onde há uma
nobreza hereditária bem estabelecida. Mesmo então, logo que exista uma grande
classe de homens ricos que não são nobres, estes têm de ser admitidos no poder,
devido ao receio de que façam uma revolução. A aristocracia hereditária não
pode reter por muito tempo o poder, exceto nos lugares onde a terra é quase que
a única fonte de riqueza. Toda desigualdade social, em última análise, é uma
desigualdade de renda. Isto é parte do argumento a favor da democracia: que a
tentativa de se fazer uma “justiça proporcional”, baseada em qualquer outro
mérito que não seja a riqueza, cairá seguidamente por terra. Os defensores da
oligarquia pretendem que a renda é proporcional à virtude; o profeta disse que
nunca viu um homem correto esmolando seu pão, e Aristóteles acha que os homens
bons dispõem mais ou menos da renda que lhes corresponde, não muito grande nem
muito pequena. Mas tais opiniões são absurdas. Qualquer outra espécie de
“justiça” que não seja a igualdade absoluta recompensará, na prática, alguma
outra qualidade que não a virtude e, por isso, deve ser condenada.”
“A preeminência dos gregos aparece com mais
nitidez nas matemáticas e na astronomia do que em qualquer outra coisa. O que
fizeram na arte, na literatura e na filosofia, pode julgar-se melhor ou pior
segundo os gostos, mas o que realizaram na geometria está inteiramente acima de
qualquer questão. Aprenderam alguma coisa do Egito e um pouco menos da
Babilônia; mas o que obtiveram dessas fontes foram, nas matemáticas,
principalmente regras rudimentares e, na astronomia, registros de observações
que se estendiam sobre períodos muito longos. A arte da demonstração matemática
foi, quase inteiramente, de origem grega. (...)
Os Elementos,
de Euclides, são, sem dúvida, um dos maiores livros jamais escritos, e um dos
monumentos mais perfeitos do intelecto grego. Tem, por certo, as limitações
gregas típicas: o método é puramente dedutivo, e não há maneira, dentro dele,
de verificar-se as suposições iniciais. Estas suposições eram consideradas
inquestionáveis, mas, no século XIX, a geometria não euclidiana demonstrou que podiam ser, em parte, errôneas, e que somente
a observação poderia decidir se o eram.
Há em Euclides o desdém pela utilidade
prática, que lhe fora inculcado por Platão. Conta-se que um aluno, após ouvir
uma demonstração, perguntou que ganharia ele em aprender geometria; diante
disso, Euclides chamou um escravo e disse-lhe: “Dê a esse jovem três moedas, já
que ele necessita ganhar dinheiro com o que aprende”. O desdém pela prática
era, no entanto, pragmaticamente justificado. Ninguém, no tempo dos gregos,
supunha que as secções cônicas tivessem qualquer utilidade; por fim, no século
XVII, Galileu descobriu que os projéteis se movem em parábolas, e Kepler que os
planetas se movem em elipses. Subitamente, o trabalho que os gregos tinham
feito por puro amor à teoria se tornou a chave das operações militares e da
astronomia.”
“Exceto para os aventureiros que só pensavam
em si, não havia mais qualquer incentivo que levasse alguém a interessar-se
pelos assuntos públicos. Depois do brilhante episódio das conquistas de
Alexandre, o mundo helênico estava mergulhando no caos, por falta de um déspota
suficientemente forte para conseguir uma supremacia estável, ou um princípio
bastante poderoso para produzir a coesão social. A inteligência grega,
defrontando-se com novos problemas políticos, revelou completa incompetência.
Os romanos, sem dúvida, eram estúpidos e brutais comparados aos gregos, mas, ao
menos, criaram ordem. A antiga desordem dos dias de liberdade havia sido
tolerável porque os cidadãos dela participavam; mas a nova desordem macedônia,
imposta aos súditos por governantes incompetentes, era inteiramente
intolerável – mais ainda que a sujeição subsequente a Roma.”
“O ceticismo, naturalmente, exerceu atração
sobre muitos espíritos não filosóficos. As pessoas observavam a diversidade de
escolas (filosóficas) e a aspereza de suas disputas, e decidiram que todas elas
aspiravam a um conhecimento que, na realidade, era inatingível. O ceticismo era
a consolação do homem preguiçoso, já que mostrava que o ignorante era tão sábio
como o homem de reputado saber. Para os homens que, por temperamento, exigiam
um evangelho, poderia parecer insatisfatório, mas, como toda doutrina do
período helenístico, recomendava-se como um antídoto contra a preocupação. Por
que preocupar-nos com o futuro? O futuro é inteiramente incerto. Melhor
gozarmos o presente; “o que está por vir é ainda inseguro”. Por essas razões, o
ceticismo desfrutava de considerável êxito popular.
Seria conveniente observar que o ceticismo,
como filosofia, não é simplesmente dúvida, mas o que pode chamar-se dúvida
dogmática. O homem de ciência diz: “Penso que isto é assim e assim, mas não
tenho certeza”. O homem de curiosidade intelectual diz: “Não sei como é, mas
espero descobrir”. O filósofo cético diz: “Ninguém sabe, e ninguém poderá
jamais saber”. É este elemento de dogmatismo que torna o sistema vulnerável. Os
céticos, por certo, negam que afirmam a impossibilidade de conhecer-se
dogmaticamente, mas suas negativas não são muito convincentes.”
“Aqueles que afirmam positivamente que Deus
existe não podem evitar de cair na impiedade, porque, se dizem que Deus
controla todas as coisas, o transformam em autor de coisas más; se, por outro
lado, dizem que Ele controla somente certas coisas, ou que Ele nada controla,
são obrigados a fazer de Deus um ser invejoso ou impotente, e fazer isso é,
evidentemente, uma impiedade.” (Sexto Empírico)
“Mas o medo da morte acha-se tão
profundamente enraizado no instinto, que o evangelho de Epicuro não pôde, em
certas épocas, tornar-se amplamente popular; permaneceu sempre como credo de
uma minoria culta. Mesmo entre filósofos, depois do tempo de Augusto, foi,
regra geral, rejeitado em favor do estoicismo. Sobreviveu, é certo, embora com
vigor decrescente, por seiscentos anos depois da morte de Epicuro; mas, à
medida que os homens se iam tornando cada vez mais oprimidos pelas misérias de
nossa existência terrena, exigiam continuamente remédios mais fortes da
filosofia ou da religião. Os filósofos refugiaram-se, com poucas exceções, no
neoplatonismo; os incultos voltaram-se para várias superstições orientais e,
depois, em número cada vez maior, para o Cristianismo, que, em sua forma
primitiva, colocava todos os bens da vida do outro lado do túmulo, oferecendo
assim aos homens um evangelho que era exatamente o oposto do de Epicuro.”
“O estoico não é virtuoso a fim de fazer o
bem, mas faz o bem a fim de ser virtuoso.”
“É notável que Epiteto (que era coxo, em
consequência, diz-se, de um castigo cruel em seus dias de escravidão), e Marco
Aurélio (que se achava no outro extremo da escala social, sendo imperador
romano) estejam completamente de acordo em todas as questões filosóficas. Isto
sugere que, embora as circunstâncias sociais afetassem a filosofia da época, as
circunstâncias individuais têm menos influência do que as vezes se pensa sobre
a filosofia de um indivíduo. Os filósofos são, habitualmente, homens de certa
largueza de espírito, que podem descontar, em grande parte, os acidentes de
suas vidas privadas; mas nem mesmo eles pedem erguer-se acima dos maiores bens
ou males de sua época. Nos tempos maus, inventam consolos; nos tempos bons,
seus interesses são mais puramente intelectuais.”
“Quando comparamos o tom de Marco Aurélio com
o de Bacon, Locke ou Condorcet, vemos a diferença entre uma época cansada e uma
época esperançosa. Numa época de esperança, os grandes males presentes podem
ser suportados, porque se pensa que irão passar; mas, numa época de cansaço,
mesmo os bens verdadeiros perdem o seu sabor. A ética estoica adaptava-se à
época de Epicteto e Marco Aurélio, pois seu evangelho era mais de resignação
que de esperança.”
“Na terra, diz Epicteto, somos prisioneiros
de um corpo terreno. Segundo Marco Aurélio, costumava dizer: “Tu és uma pequena
alma carregando um cadáver”. Zeus não pôde tomar a alma livre, mas deu-nos uma
parte da sua divindade. Deus é o pai dos homens e somos todos irmãos. Não devíamos
dizer “sou ateniense”, ou “sou romano”, mas “sou um cidadão do universo”.”
“Por natureza, afirmavam os estoicos, todos
os seres humanos são iguais. Marco Aurélio, em suas Meditações, era a favor de “uma política em que haja a mesma lei
para todos, uma política administrada tendo em vista direitos iguais e igual
liberdade de palavra, e um governo real que respeite, acima de tudo, a
liberdade dos governados”. Este era um ideal que não podia ser consistentemente
realizado no Império Romano, mas influiu na legislação, particularmente para
melhorar a situação das mulheres e dos escravos. O Cristianismo adotou esta
parte dos ensinamentos estoicos, juntamente com muitas outras coisas. E quando,
por fim, no século XVII, chegou a oportunidade de combater eficazmente o
despotismo, as doutrinas estoicas da lei natural e da igualdade natural, em
suas roupagens cristãs, adquiriram uma força prática que, na antiguidade, nem
mesmo um imperador conseguiu dar-lhes.”
“A
Influência da Grécia e do Oriente Sobre Roma. Há aqui duas coisas muito
diferentes a se considerar: primeiro, a influência da arte, da literatura e da
filosofia helênicas sobre a maioria dos romanos cultos; segundo, a difusão, por
todo o mundo ocidental, das religiões e superstições não helênicas.
Quando os romanos entraram, pela primeira
vez, em contato com os gregos, consideraram-se a si próprios, em comparação com
os mesmos, bárbaros e grosseiros. Os gregos eram, sob vários aspectos,
incomensuravelmente superiores: na manufatura e na técnica da agricultura; nas
classes de conhecimentos necessários a um bom servidor público;
na conversação e na arte de gozar a vida; na arte, na literatura e na
filosofia. As únicas coisas em que os romanos eram superiores eram a tática
militar e a coesão social. As relações entre romanos e gregos eram algo
semelhante às existentes entre prussianos e franceses em 1814 e 1815; mas estas
últimas foram temporárias, enquanto que aquelas duraram longo tempo. Depois das
guerras púnicas, os jovens romanos passaram a admirar os gregos. Aprenderam a
língua grega, copiaram a arquitetura grega, empregaram escultores gregos. Os
deuses romanos foram identificados com os deuses da Grécia. A origem troiana
dos romanos foi inventada para que existisse uma ligação com os mitos homéricos.
Os poetas latinos adotaram o metro grego, os filósofos latinos as teorias
gregas. Até o fim, Roma foi, culturalmente, um parasito da Grécia. Os romanos
não inventaram nenhuma forma de arte, não construíram nenhum sistema original
de filosofia, não fizeram nenhuma descoberta científica. Fizeram boas estradas,
códigos legais sistemáticos e exércitos eficientes; quanto ao resto,
voltaram-se para a Grécia.
A helenização de Roma trouxe consigo uma
certa amenização de maneiras que desagradava sumamente ao velho Catão. Até as
guerras púnicas, os romanos haviam sido um povo bucólico, com virtudes e vícios
de agricultores: austeros, laboriosos, brutais, obstinados e estúpidos. Sua
vida familiar fora sólida e estavelmente estabelecida sobre a pátria potestas; as mulheres e os jovens
viviam em completa submissão. Tudo isso mudou sob o influxo da súbita riqueza.
Os pequenos agricultores desapareceram, sendo substituídos por enormes
propriedades rurais, nas quais o trabalho escravo era utilizado para realizar
novos métodos científicos de agricultura. Surgiu uma grande classe de
mercadores, bem como número ainda maior de homens enriquecidos pela pilhagem,
como os nababos existentes na Inglaterra no século XVIII. As mulheres, que
haviam sido escravas virtuosas, tornaram-se livres e dissolutas; o divórcio
tornou-se comum; os ricos deixaram de ter filhos. Os gregos, que haviam passado
por um desenvolvimento semelhante séculos antes, encorajaram, com o seu
exemplo, o que os historiadores chamam a decadência da moral. Mesmo nas épocas
mais dissolutas do império, o romano médio ainda considerava Roma como a
mantenedora de um padrão ético mais puro contra a decadente corrupção da
Grécia.
A influência cultural da Grécia sobre o
Império ocidental diminuiu rapidamente do século III A. D. Em diante,
principalmente porque a cultura, em geral, decaiu.”
“A adoção do Cristianismo por Constantino
foi, politicamente, bem-sucedida, embora as tentativas anteriores, para se
introduzir uma nova religião, houvessem fracassado; mas as tentativas
anteriores haviam sido, do ponto de vista governamental, muito semelhantes a
essa. Todas elas derivavam sua possibilidade de êxito dos infortúnios e do
cansaço do mundo romano. As religiões tradicionais da Grécia e Roma
adaptavam-se a homens interessados no mundo terreno, e que tinham esperança de
gozar de felicidade na Terra. A Ásia, com uma experiência mais longa de
desespero, havia aperfeiçoado antídotos mais eficazes em forma de esperança na
outra vida; de todos eles, o Cristianismo era o mais eficiente em proporcionar
consolo. Mas o Cristianismo, ao tempo em que se tornou religião do Estado,
havia absorvido muito da Grécia, transmitindo-o, juntamente com o elemento
judaico, às eras sucessivas no Ocidente.”
“O historiador, ao falar de Cristianismo,
deve ter o cuidado de reconhecer as grandes modificações pelas quais este
passou, bem como a variedade de formas que pode assumir em determinada época. O
Cristianismo dos Evangelhos Sinóticos é quase destituído de metafísica. O
Cristianismo da América de hoje é, a este respeito, como o Cristianismo
primitivo; nos Estados Unidos, o platonismo é alheio ao pensamento e ao
sentimento popular, sendo que a maioria dos cristãos americanos está mais
ocupada com os seus deveres aqui na Terra, e com o progresso social do mundo
cotidiano, do que com as esperanças transcendentes que consolaram os homens
quando tudo o que era terreno lhes inspirava desespero. Não me refiro a nenhuma
mudança de dogma, mas a uma diferença de tom e de interesse. Um cristão
moderno, a menos que perceba quão grande é essa diferença, não compreenderá o
Cristianismo do passado.”
“Uma filosofia, ademais, pode ser importante
por exprimir bem aquilo em que os homens estão propensos a crer em certos
estados de espírito ou em determinadas circunstâncias. A alegria e a tristeza
sem complicação não são matéria para a filosofia, mas antes para os gêneros
mais simples da poesia e da música. Somente a alegria e a tristeza acompanhadas
de reflexão sobre o universo geram teorias metafísicas.”
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