Editora: Corrupio
ISBN: 978-85-8655-102-4
Tradução: Maria Aparecida da Nóbrega
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 296
“A religião dos orixás está ligada à noção de
família. A família numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os
vivos e os mortos. O orixá seria em princípio um ancestral divinizado, que, em
vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças
da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então,
assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, o
trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das
plantas e de sua utilização. O poder, axé, do ancestral-orixá
teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de
seus descendentes durante um fenômeno de possessão por ele provocada.
O orixá é uma força pura, axé imaterial que só se
torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles. Esse ser
escolhido pelo orixá, um de seus descendentes, é chamado seu elégùn,
aquele que tem o privilégio de ser “montado” (gùn), por ele. Torna-se o veículo
que permite ao orixá voltar a terra para saudar e receber as provas de respeito
de seus descendentes que o evocaram.
Voltando assim, momentaneamente, a terra, entre
seus descentes, durante as cerimônias de evocação, os orixás dançam diante
deles e com eles, recebem seus cumprimentos, “ouvem as suas queixas,
aconselham, concedem graças, resolvem as suas desavenças e dão remédios para as
suas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante,
nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar
da sua benevolência”.
O tipo de relacionamento é de caráter familiar e
informal.”
“Os santos católicos, ao se aproximarem dos deuses
africanos, tornavam-se mais compreensíveis e familiares aos recém-convertidos.
É difícil saber se essa tentativa contribuiu efetivamente para converter os
africanos, ou se ela os encorajou na utilização dos santos para dissimular as
sua verdadeiras crenças. (...)
Nina Rodrigues constatava que, em fins do último
século, a conversão religiosa não fez mais que justapor as exterioridades muito
mal compreendidas do culto católico às suas crenças e práticas fetichistas que
em nada se modificaram. Concebem os seus santos ou orixás e os santos católicos
como de categoria igual, embora perfeitamente distintos.
Os africanos escravizados se declaravam e
aparentavam convertidos ao catolicismo; as práticas fetichistas puderam
manter-se entre eles até hoje quase tão estremes de mescla como na África.
Depois, as viagens constantes para a África com
navegação e relações comerciais diretas... Facilitaram a reimportação de
crenças e práticas, porventura um momento esquecido ou adulterado.
Com o passar do tempo, com a participação de
descendentes de africanos e de mulatos cada vez mais numerosa, educada num
igual respeito pelas duas religiões, tornaram-se eles tão sinceramente
católicos quando vão à igreja, como ligados às tradições africanas, quando
participam, zelosamente, das cerimônias de candomblé.”
“Gisele Cossard observa que se examinarem os
iniciados, agrupando-os por orixás, nota-se que eles possuem, geralmente,
traços comuns, tanto no biótipo como em características psicológicas. Os corpos
parecem trazer, mais ou menos profundamente, segundo os indivíduos, a marca das
forças mentais e psicológicas que os anima.
Podemos chamar essas tendências de arquétipos da
personalidade escondidas nas pessoas. Dizemos escondida porque não há nenhuma
dúvida, certas tendências inatas não podem desenvolver–se livremente dentro de
cada um, no decorrer de sua existência, se elas entrarem em conflito coma as
regras de conduta, admitidas nos meios em que vivem. A educação recebida e as
experiências vividas, muitas vezes alienantes, são as fontes seguras de
sentimentos de frustração e de complexos, e consequentes bloqueios e
dificuldades.
Se uma pessoa, vítima de problemas não
solucionados, é escolhida como filho ou filha de santo pelo orixá, cujo
arquétipo corresponde a essas tendências escondidas, isso será para ela a
experiência mais aliviadora e reconfortante pela qual possa passar. No momento
do transe, ela comporta-se, inconscientemente, como o orixá, seu arquétipo, e é
exatamente a isso que aspiram as suas tendências secretas e reprimidas.”
“No novo mundo, como na África, todas as pessoas
que procuram a proteção dos orixás não entram, obrigatoriamente, em transe de
possessão, da mesma maneira que nem todos os católicos ou protestantes
tornam-se padres ou pastores. O transe de possessão é uma forma de comunhão
entre o crente e o seu deus, não sendo dada a todo mundo a faculdade de
experimentá-la.
Os que são chamados a tornar-se Filhos ou Filhas de
santo devem passar por um período denominado impropriamente “iniciação”.
Dizemos impropriamente, pois não lhes são revelados segredos. Fazem-lhes
reencontrar um certo comportamento, aquele atribuído a seu deus. A iniciação
não se faz no plano do conhecimento intelectual, consciente e aprendido, mas em
nível mais escondido, que vem da hereditariedade adormecida, do inconsciente,
do informulado.
Todos os seres humanos possuem, em potencial,
numerosas tendências e faculdades que ficam em estado de vigília. As
experiências vividas por um indivíduo, o exemplo dos mais velhos, os princípios
inculcados pela educação, a censura do meio social, fazem com que apenas
algumas dessas tendências e faculdades possam expandir-se, resultando daí a
criação de uma personalidade aparente, diferente daquela que ele poderia ter
tido, se o acaso o tivesse colocado num meio onde os valores morais e os princípios
admitidos tivessem sido diferentes.
A iniciação consiste em suscitar, ou melhor, em
ressuscitar no noviço, em certas circunstâncias, aspectos dessa personalidade
escondida; aqueles correspondentes à personalidade do ancestral divinizado,
presente nele em estado latente (mesmo sendo só em razão dos genes herdados),
inibidos e alienados pelas circunstâncias da existência levada por ele até essa
data. A menos que se trate de um arquétipo de comportamento, reprimido até
então, que possa se exprimir num transe de libertação.
Durante o período de iniciação é mergulhado num
estado de entorpecimento e de dócil sugestibilidade, causado, em parte, por
abluções e beberagens de infusões preparadas com certas folhas. Sua memória
parece momentaneamente lavada das lembranças de sua vida anterior. Nesse estado
de vacuidade e de disponibilidade, a identidade e o comportamento do orixá
podem se instalar livremente, sem obstáculos, e tornar-se-lhe familiar.
Mais tarde,
depois de realizada a iniciação, a pessoa reencontrará a sua antiga personalidade
e esquecerá, no estado normal, tudo o que se passou durante o período de
iniciação, continuando, porém, sensibilizada no seu inconsciente aos ritmos dos
atabaques particulares a seu orixá. Estes agirão como os estímulos de um
reflexo condicionados e tenderão a fazê-la cair em transe, sucumbindo ao apelo
de seu deus. Em outros termos, tais apelos incitam-na a exteriorizar um
arquétipo de comportamento conforme as suas aspirações reprimidas.”
2 comentários:
Interessante o livro, mostra algumas características da religião do orixás que eu não conhecia. Destaco os trechos a seguir:
“Os santos católicos, ao se aproximarem dos deuses africanos, tornavam-se mais compreensíveis e familiares aos recém-convertidos. É difícil saber se essa tentativa contribuiu efetivamente para converter os africanos, ou se ela os encorajou na utilização dos santos para dissimular as sua verdadeiras crenças."
“No novo mundo, como na África, todas as pessoas que procuram a proteção dos orixás não entram, obrigatoriamente, em transe de possessão, da mesma maneira que nem todos os católicos ou
protestantes tornam-se padres ou pastores. O transe de possessão é uma forma de comunhão entre o crente e o seu deus, não sendo dada a todo mundo a faculdade de experimentá-la."
Alguém sabe onde posso encontrar esse livro??? estou procurando faz um tempo e não acho.
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