Editora: Geração
ISBN: 978-85-8130-201-0
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 400
“Só se fala em bolsa no governo FHC. Os países
asiáticos escancararam seus mercados, tiveram saldo negativo na balança
comercial – compraram mais de outros países do que venderam. Subiram os juros
para atrair dinheiro estrangeiro, e chega um momento em que não há mais o que
fazer. É o momento em que o investidor tem medo de calote e sai correndo com
seu dinheiro. E a bolsa cai. Mas quando a bolsa cai, é porque a vaca já foi
para o brejo. A bolsa é o último sinal, mas as colunas e reportagens de
economia ficaram durante o processo todo falando em bolsa mas não “avisavam”
que a casa estava para cair.
Antes de a bolsa cair, há sinais pelo percurso. No
caso do Brasil, em maio de 1998 saem US$ 400 milhões; em junho, US$ 800
milhões, só da bolsa. Em julho temos resultado positivo, mas em razão da
privatização da Telebrás.
E há outros indicadores de aproximação de crise no
mercado financeiro – como a alta da taxa de juros para o Brasil tomar dinheiro
emprestado lá fora; o mercado futuro do dólar ou de juros, eis outros
indicadores do grau de confiança no país. Mas como os colunistas em geral estão
mancomunados com o governo FHC, as informações negativas não aparecem nos
títulos das matérias ou com destaque.
Suponhamos que o título diga A bolsa subiu.
Só no meio do texto vem a informação de que dólares caíram fora ou que os juros
estão para subir. Na verdade, o Brasil estava quebrado desde o fim de maio de
1998, quando não conseguia mais vender títulos. Mas, dos jornalões paulistas,
só a Folha deu algo; o Estadão, nada. A Folha pôs
na manchete:
GOVERNO CEDE AO MERCADO E ADOTA JUROS PÓS-FIXADOS
Ao contrário do título pré-fixado, você só sabe de
quanto serão os juros ao pagar (pré-fixado: você já sabe, no ato, quanto
pagará). Note que, mesmo assim, o leigo em economia, que é o grosso do povo,
não entendeu a manchete da Folha. Mas por que aconteceu aquilo que
a manchete tentou dizer aos leitores? Porque fazia três semanas que o governo
tentava vender seus títulos para “rolar” a dívida, mas os operadores do mercado
não queriam mais saber de títulos do Brasil. Os operadores eram mauzinhos? Não.
Apenas bem informados. Queriam escapar ao prejuízo. Sabiam que o governo teria
de elevar os juros novamente, que a situação era crítica. Todo mês vinham
vencendo US$ 22 bilhões ou até US$ 23 bilhões da dívida interna do governo;
chega outubro, mês da reeleição de FHC: vencem, do Tesouro, US$ 47 bilhões e,
do Banco Central, mais US$ 8 bilhões.
E todo o mundo nesse momento sabe. Estamos
quebrados. Devia ser manchete dos jornais, dos telejornais. Ainda nos
mencionados anos de 1960, tinha virado moda nas redações aplicar os
ensinamentos do jornalista americano Frank Fraser Bond, em Introdução ao
Jornalismo, de 1959. Frank ajudava a pôr uma pá de cal no nariz de cera,
aquele começo de matéria d’antanho, arte de encher linguiça ou de
começar a notícia embolando as informações a fim de engambelar leitores. Fraser
Bond explicava que o lide – a cabeça, logo depois do título – devia dar o
fundamental em primeiro lugar, atendendo a seis pontos: quem, o que, quando,
onde, como, por quê. E dispostas as informações em forma de pirâmide invertida:
no topo a “base”, a essência; o resto em ordem de importância, sempre.
Os jornalistas atrelados ao governo FHC voltam no
tempo, eliminam a hierarquia das informações, passam a dar o principal no meio,
ou no fim, quando não cancelam simplesmente o principal e ficam com o
secundário. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos anotará mais
tarde que “nenhum candidato do PSDB leva FHC para o palanque” e concluirá que
ele deixou de pertencer ao partido:
“Ele é presidente do Partido da Mídia, do PM.”
Ninguém noticiou claramente que, de julho a
setembro de 1998, o Brasil teve de rolar US$ 105 bilhões da dívida interna; e,
da externa, US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões. Quando a fuga de dólares começou,
não dava mais para esconder. Mas bem antes havia os sintomas citados, sem falar
que começaram a disparar os juros das linhas de crédito de importação e
exportação. Empresas nossas que haviam tomado lá fora dinheiro emprestado foram
renovar os empréstimos e não conseguiram; credores chegavam a pedir 8% acima da
taxa de juros. E tudo vinha no meio dos textos sob algum título relativo à
Bolsa de Valores.
Um jornalista claramente não atrelado, caso de
Aloysio Biondi, narra que no DCI, Diário do Comércio e Indústria,
recebia o noticiário da Agência Estado, do Estadão, e veio, no miolo da
matéria, o começo da fuga de dólares, a pressão sobre os juros, e ele deu na
manchete:
AOS POUCOS OS CONTORNOS DE UMA NOVA CRISE CAMBIAL
“No dia seguinte”, contará Biondi em uma entrevista,
que “na coluna que eu tinha recebido, no Estadão – não é que não estava no
título da página – tinha sido simplesmente cortada a informação.”
Era manipulação desabrida.
Colunistas famosos, com altos conhecimentos
técnicos, vinham desde 1995, primeiro ano do governo FHC, falando de tudo menos
de problemas reais do país. Incompetência? Jamais. Era para esconder
mesmo.
Em julho de 1998, alarmado com o quadro brasileiro,
o FMI remete ao Brasil um de seus diretores, o economista italiano Vito Tanzi.
Ele esquece os elogios que o “mercado” vem fazendo ao governo FHC e adverte que
o país está quebrado: o rombo do setor público, perto dos 7% do PIB em abril, é
insustentável, pode assustar os bancos estrangeiros e provocar incontrolável
fuga de dólares, disparando uma crise total, como na Coreia do Sul e Indonésia.
É preciso um novo pacote, receita Tanzi. Sob o título Tarde demais,
Aloysio Biondi publica em 23 de julho em sua coluna – agora na Folha de
S. Paulo:
Como explicar que o FMI coloque a nu a deterioração
da economia brasileira, puxando o tapete de FHC em plena campanha eleitoral?
Não custa lembrar, como explicação, que o FMI foi duramente criticado após a
“crise asiática”, por não ter alertado o mercado financeiro, antecipadamente,
sobre a real situação da Coreia, Indonésia etc.
O alerta de Tanzi, assim, pode ser interpretado
como uma providência que não podia mais ser adiada, diante do agravamento das
“contas” do Brasil. Note-se bem: até hoje, o governo FHC divulgou somente o
“rombo” de abril – e já estamos em julho... Daquele mês em
diante, a situação somente se agravou, por causa dos gastos com juros e menor
arrecadação – que sofrerá novas contrações neste semestre por força
da recessão. Basta ver o que está acontecendo com as vendas de
automóveis e eletroeletrônicos.
De fato. Naquele julho de 1998, já há férias
coletivas na indústria automobilística, enquanto o governo tenta convencer
incautos de que tudo acabará bem:
“O PIB vai crescer.”
Como? Se as vendas da indústria eletroeletrônica,
por exemplo, haviam encolhido 30% na comparação com o ano anterior? Se a
indústria automobilística estava vendendo 60 mil veículos a menos? E a
agricultura quebrada por causa da TR (taxa referencial de juros), que chegou a
ficar 40 pontos acima da inflação; e o desemprego, o congelamento de
vencimentos do funcionalismo público...
Estávamos caindo na recessão e, três anos antes, em
outubro de 1995, FHC havia declarado à imprensa:
“Quando alguém me fala de recessão, eu tenho
vontade de dar uma gargalhada.”
Como é que FHC sairá dessa? A resposta fomos
encontrar, não na interpretação de algum jornalista brasileiro que haja
investigado aquele período tumultuado, mas na reportagem de quase quatrocentas
páginas que compõem o livro A Melhor Democracia que o Dinheiro Pode
Comprar, do norte-americano Greg Palast. Ele expõe histórias sobre a
globalização, as grandes corporações, os honoráveis bandidos de colarinho
branco nos Estados Unidos, no Brasil, em outros países, contando o que – tal
como acontece por aqui – a grande imprensa não conta. Na segunda edição, de
junho de 2004, Greg Palast acrescentou um novo primeiro capítulo, com sugestivo
título: Sua Excelência Robert Rubin, Presidente do Brasil. E,
apesar de ter histórias arrepiantes sobre inúmeros países, o autor escolheu o
“Capítulo brasileiro” para abrir seu livro.
Mas quem diabos vem a ser esse tal de Robert Rubin?
“Quando era menino, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Robert Rubin,
sonhava ser presidente do Brasil. E em 1999, o sonho se realizou. É claro que,
como tem endereço em Washington e nacionalidade americana, Rubin conquistou o
controle do Brasil da única maneira que podia: por intermédio de um golpe
brilhante”, começa Greg Palast. Relembra que o “presidente nominal” Fernando
Henrique Cardoso será reeleito em outubro de 1998 graças a um motivo: tinha
estabilizado o valor do real e contido a inflação. “Na verdade, não tinha”,
diz, pois o real “estava ridiculamente supervalorizado” e o alto valor do real
diante do dólar “desafiava a lei da gravidade”, milagre que levou FHC à vitória
já no primeiro turno com 54% dos votos.
“Mas não existem milagres”, prossegue Greg.
O real despenca duas semanas depois de FHC iniciar
seu segundo mandato. Cai à metade do valor que tinha no dia da eleição em
outubro de 1998. A carestia subia e a economia caía. Caía como o índice de
aprovação de FHC – ele chegará ao fundo do poço no meio de 2000: 8%. Significa
que somente 2 em cada 25 brasileiros estão gostando do que ele faz. Mas aí ele
já havia reconquistado a presidência.
“Quer dizer, mais ou menos”, escreve Greg Palast.
“Não restava muito da presidência de Cardoso além do título. Todas as políticas
importantes, do orçamento ao emprego, são ditadas pelo Fundo Monetário
Internacional e seu órgão irmão, o Banco Mundial. E por trás deles, dando as
cartas, estava o secretário do Tesouro, Rubin, que governou de fato como
presidente do Brasil sem precisar perder uma única festa em Manhattan. Mas esse
é o preço que Cardoso pagou pelos serviços de Rubin na campanha eleitoral. Pois
foi o secretário do Tesouro quem, junto com o FMI, manteve a moeda brasileira
alta.” Rubin tinha suas razões ao ajudar FHC e manter o real forte. Sabendo que
nossa moeda seria “destroçada” após a reeleição de FHC, o chefe do Tesouro
americano permitiu aos bancos de seu país tirar seu dinheiro daqui em
“condições favoráveis”. E ainda houve quem reclamasse de Lula por falar em
herança maldita: de julho de 2002 à posse do novo governo em 1º de janeiro de
2003, “as reservas em dólar do Brasil caíram de US$ 70 bilhões para US$ 26
bilhões, “sinal de que os banqueiros pegaram seu dinheiro e fugiram”. No meio
de seu segundo mandato, o Brasil de Lula estaria com US$ 250 bilhões de dólares
em reservas – um recorde.
Mas a moeda se manteve em alta antes da reeleição
de FHC, pontua Greg Palast, “porque os Estados Unidos deixaram clara sua
intenção de substituir as reservas perdidas por um pacote de empréstimos do
FMI”. Reeleito Fernando Henrique, um mês depois o FMI oferece um crédito de US$
41 bilhões. Palast:
“O Brasil não ficou com nada disso, é claro.
Qualquer parcela que tenha realmente pingado no país embarcou no primeiro avião
com os investidores e especuladores que o abandonaram. Agora, os brasileiros
têm de pagar a dívida.”
O povo ia pagar. Greg Palast foi ouvir Jeffrey
Sachs, da Universidade de Harvard, conselheiro econômico de vários governos na
América Latina, Leste Europeu, Ásia e África. Ele é lembrado, observa o
repórter norte-americano, “como a Mary Tifoide do neoliberalismo, que
disseminou teoremas do mercado livre e a depressão econômica pela extinta União
Soviética”. Sachs disse que se podia ver a economia brasileira caindo no
precipício:
“Foi em câmera lenta. Mas, em vez de evitar a queda
pela desvalorização controlada, Washington e o FMI incentivaram vigorosamente
taxas de juros acima de 50%. Washington queria a reeleição de FHC.”
E Washington, disse Sachs, deu seis meses aos financistas
norte-americanos para vender os títulos e moeda do Brasil em condições
favoráveis. E FHC? Culpou Rubin por nossos problemas? FHC sabia que de nada
adiantava:
“Em vez disso, com a ajuda de uma imprensa de
direita, ele e o FMI atribuem o colapso econômico a vilões conhecidos:
funcionários públicos, aposentados e sindicatos. São acusados de estourar os
orçamentos do governo.”
Palast ouviu mais de Sachs: o semeador de
depressões disse-lhe que “o FMI falhou” porque os juros altos provocaram crise
no Brasil. Análise furada, observa Palast, porque a crise era “um elemento
deliberado do plano”, ela tem sua utilidade:
“Somente em caso de pânico econômico, Rubin e o FMI
podem soltar os Quatro Cavaleiros da Reforma: eliminar os gastos sociais, cortar
a folha de pagamentos do governo, quebrar os sindicatos e, o verdadeiro prêmio,
privatizar empresas públicas lucrativas”.”
“Outra discussão era que não havia dinheiro. Se
alguém queria um telefone só tinha para daqui dois anos, não por problema
técnico. O investimento em telefonia fixa, na época, era feito por
autofinanciamento, uma das coisas mais democráticas neste país. Ninguém
comprava telefone, comprava ações da empresa, e comprando certo volume, mais ou
menos 70% do investimento para gerar um telefone, a empresa tinha dinheiro para
aquele telefone. Você vai perguntar: mas todo o mundo queria telefone, por que
o dinheiro não dava?
Porque na época o FMI considerava o investimento
das estatais como investimento do Tesouro Nacional. Então tinha uma limitação
de fora. O FMI colocava para o Governo Federal, e o Governo Federal colocava
para as telecomunicações. (...)
Se tinha tanta demanda e se tinha o
autofinanciamento, por que não podia passar 10 milhões de telefones? Pelo
seguinte: o autofinanciamento financiava 70%, então eu precisava do dinheiro a
mais. Mas eu estava proibido de investir pelo Tesouro. Proibido de crescer! Era
uma imposição; não havia problema técnico ou econômico. Havia uma imposição
política de não poder crescer.
Ouço muito falar que depois que privatizou todo o
mundo tem celular. Levanto outra questão: o celular é melhor que o fixo como
negócio. Até você, que não é técnico, vai entender que uma tecnologia que te dá
o telefone transportado, que não precisa de central telefônica, rede na rua,
rede de dutos, de cabos telefônicos, que é cobre, e tudo mais: se fixo já era
bom negócio, imagine sem as despesas de infraestrutura! E o celular estourou no
mundo inteiro. O boom não foi no Brasil depois que privatizou: foi no mundo
inteiro! Seja estatal, privado etc.
Pergunto: por que privatizou antes do boom? Não é
estranho? Imagine que você tem um negócio e percebe que vem uma revolução
tecnológica, que vai ficar uma maravilha. Você vende? Privatizar na véspera da maior
revolução tecnológica e econômica na esfera de telecomunicações?
E a Telesp Celular existia! Quando a Vivo comprou,
ela já tinha dois anos. Com engenharia nacional, já tinha instalado centenas de
milhares de celulares. A gente esquece isso! E meus amigos da Telesp morriam de
rir: é uma baba, coloco uma antena em cima de um prédio e instalo 10 mil
telefones num dia! É o melhor negócio do mundo!
É isso que foi vendido. É isso que foi privatizado.
É mais uma dúvida que ponho no ar: por que privatizar um negócio que vai sofrer
uma grande transformação? Se você falasse que ia vender sua fábrica de chapéu,
tudo bem, daqui a pouco ninguém mais vai usar. Mas vender um negócio que vai
virar isso que virou!
Diziam:
a tarifa vai baixar; deu-se o contrário
O que vou te falar ouvi do Sérgio Motta. Eu
participei, como convidado, em algumas discussões sobre privatização. E era
dito que, com a privatização, vai haver competição e os preços vão cair. Ora,
li no jornal: é hoje o serviço mais caro do mundo! E o pessoal fala que o
telefone custava R$ 2 mil. Hoje, qualquer conta telefônica é R$ 300 por mês! O
que é isso?!
E “vai haver competição”. Deu-se exatamente o
contrário. Quem tem alguma noção sabe que oligopólio (grupinho de empresas que
dominam um setor) não compete. Mesmo que haja competição, vão combinar preço. E
o governo fez uma coisa mais louca ainda: um tarifaço na véspera da
privatização. Diziam: precisa tornar atrativo, senão ninguém compra. Dizia um
amigo meu: o único erro da privatização é que nós não compramos. A gente
deveria ter comprado! Até sem dinheiro!
É
trágico: mataram a política industrial
Com a privatização vem um boom na indústria de
telecomunicações. E mais: ouvi pessoas do Ministério dizendo que ia dobrar
emprego na área. E aí, um pouco de história. Existe mais ou menos o seguinte:
tecnologia virou commodity: se você tiver dinheiro, vai aos Estados
Unidos, à Europa, compra uma fábrica de alta tecnologia e produz no Brasil.
Contrata engenheiros, técnicos. Você tem que usar o poder do dinheiro para ter
a tecnologia.
A Telebrás fazia várias coisas, como centros de
pesquisa, mas o principal era que havia dois grupos de fornecedores de
equipamentos: o multinacional – Ericsson, Siemens, NEC; e o grupo nacional –
Construtel, Setac. Pouca gente sabe, mas o Brasil, na véspera da privatização,
já fazia centrais telefônicas eletrônicas. Era mais difícil fazer uma central
antiga, mecânica. Hoje qualquer jovem faz um invento na garagem de casa.
Então a Telebrás chamava a NEC, a Ericsson: “Você
quer fornecer para a Telesp? Para a Embratel? Primeiro: tem que fabricar no
Brasil. Segundo: tem que ter uma taxa de nacionalização.” Quando foram
privatizadas as teles, a maioria das fábricas já estava com taxa de
nacionalização acima de 90%. A indústria brasileira era fantástica, vendia para
a Argentina, Chile, África. Nós tínhamos uma indústria de telecomunicações.
(...)
Outra coisa: a privatização acabou com a engenharia
nacional. Tínhamos empresas poderosíssimas, como a Embratel, com áreas de
engenharia da maior competência. Na iniciativa privada, a Promom. Na rua
Iperoig, nas Perdizes, tinha uma sede da Telesp, com professor dando aula de
engenharia, logística, telecomunicações. Outro dia conversei com um técnico,
que chorou, porque acabou tudo! Acabaram os centros de pesquisa, o que era um
investimento em cultura, técnica, isso tudo acabou. E existem outros problemas.
Por exemplo, quando a Telesp foi privatizada, tinha 25 mil empregados. Hoje tem
10 mil. E se dizia que a privatização iria gerar emprego abundantemente.
Sem contar que o lucro da Telesp hoje vai para
fora. E outra coisa que me deixa estarrecido: o valor pago pelas empresas.
Merecia um estudo.
Vou dar exemplo de uma coisa que quase quebrou a
Argentina. Quando privatizaram a telefonia – e quem comprou foi a mesma
espanhola que comprou a Telesp – foi tão mal feito, que não havia limite para a
Telefonica de lá pagar coisas para a Telefonica da Espanha. E teve um ano em
que mandaram 500 milhões de dólares para a Espanha, a título de consultoria.
Entendeu? Pode tudo. Sem limites.
É descontrole mesmo. (...)
E inventaram a “assinatura básica” – você paga
mesmo que não faça uma só ligação no período.
“Eles não precisavam fazer nada. Era só mandar as
faturas todo mês”.” (Ricardo José Ferreira, o Neto)
“O neologismo privataria nasceu na
cabeça do jornalista ítalo-brasileiro mais ítalo que brasileiro Elio Gaspari.
Não está nos dicionários, mas já merecia ter entrado. Mistura privatização com
pirataria e se refere ao esquema adotado na Era FHC para entregar, em mãos
privadas, empresas estatais – ou seja, do governo, por extensão do povo
brasileiro; e isto, a pulso, reprimindo manifestantes contrários; cooptando a
mídia em peso; vendendo empresa por preço menor do que o dinheiro que ela tinha
em caixa; pondo dinheiro do BNDES na mão do comprador, ou seja, “pagando” para
o estrangeiro “comprar”; com indícios e mesmo provas de que rolaram desvios na
casa dos bilhões, e de que muita gente ficou com as chaves de cofres em
paraísos fiscais que guardam fortunas.”
“Nos dois anos seguintes, Sérgio Motta arruma a
casa para receber os piratas. O Brasil injeta R$ 21 bilhões no sistema
Telebras. E arrecada apenas pouco mais de R$ 22 bilhões. E mais, como observa
Aloysio Biondi, “o governo vendeu tudo por uma entrada de R$ 8,8 bilhões, ou
menos – porque financiou metade da entrada para grupos brasileiros”.
Uma das figuras centrais na privatização das teles
foi Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do
Brasil e ex-funcionário do Citibank.
Passam a pipocar acusações de que tem gente levando
propina nas transações. Uma das acusações contra Ricardo Sérgio refere-se a
negociações que levaram o grupo do cearense Carlos Jereissati a dominar a
telefonia do Rio de Janeiro ao Amazonas. Em cena, o senador baiano Antônio
Carlos Magalhães, o ACM, padrinho de Daniel Dantas e seu Banco Opportunity –
que já havia arrematado a telefonia do centro-sul e, portanto, pelas regras da
privataria não poderia pegar outro setor. ACM acusa Ricardo Sérgio de cobrar R$
90 milhões para financiar o consórcio de Jereissati, que não tem dinheiro para
tanto. O senador afirma que há inclusive prova testemunhal. Ricardo Sérgio
processa ACM.
Fato é que Ricardo Sérgio estava lavando a égua. Na
privatização da Vale do Rio Doce, concluída em maio de 1997, dois ministros de
FHC – Luiz Carlos Mendonça de Barros, que substituiu Sérgio Motta nas
Comunicações; e Paulo Renato Souza, da Educação, em várias ocasiões ouvem o
empresário Benjamin Steinbruch queixar-se. Reclama que o diretor do Banco do
Brasil lhe cobra comissões em troca de ensinamentos para descobrir o caminho
das pedras, tal qual ensinou o caminho dos paraísos para alguns amigos tucanos.
Nada revela mais as tramoias do que o resultado dos
grampos nas conversas entre os personagens.”
“Nos diálogos grampeados, nota-se a promiscuidade
entre público e privado, com Pérsio Arida tratando de negócios com Lara Resende
– Pérsio Arida do banco privado Opportunity e Lara Resende do estatal BNDES. O
ministro Mendonça de Barros quer convencer Jair Bilachi, presidente da Previ, a
pôr dinheiro no consórcio do Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. O fundo
de pensão dos funcionários do Banco do Brasil não é pouca coisa: chegaria em
2011 ao 24º lugar entre os fundos de pensão do mundo, com patrimônio de US$ 92
bilhões. E um diálogo confirma a promiscuidade; Mendonça diz a Jair:
“Estamos aqui eu, André, Pérsio, Pio...” – este
último é Pio Borges, vice-presidente do BNDES.
Tudo em casa. Mendonça de Barros, em telefonema
para Ricardo Sérgio, do Banco do Brasil, diz que o Opportunity, para participar
do leilão das teles, está com “um problema de fiança”. Pergunta:
“Não dá para o Banco do Brasil dar?”
Responde Ricardo Sérgio rápido no gatilho:
“Acabei de dar.”
O consórcio de Daniel Dantas teve o aporte de R$
874 milhões. Ricardo Sérgio então acrescenta frases reveladoras:
“Nós estamos no limite da nossa
irresponsabilidade... Na hora que der merda, estamos juntos desde o início.”
Na verdade, mesmo não estando acima do bem e do
mal, podem contar com a mídia para assim sentir-se. “Estamos com o quadro
praticamente fechado”, diz Mendonça de Barros quando FHC lhe telefona para
saber como andam os preparativos para o leilão das teles. E comentam o tom
elogioso com que os meios de comunicação tratam as privatizações. Diz Mendonça:
“A imprensa está muito favorável, com editoriais”.
“Está até demais, né?”, responde FHC rindo, “estão
exagerando até”.”
“Num anúncio de jornal em 24 de maio de 2012, a
Vale se vangloria de ser a empresa que mais contribui para equilibrar nossa
balança comercial. Ela fica no Pará, estado que poderia lucrar mais com a
presença da gigante, mas não. Entre 1997 – ano de sua privatização no primeiro
mandato de FHC – e 2001, contribuiu para o erário paraense com menos de R$ 6
milhões em impostos sobre minério exportado. Mais incrível ainda, revoltante
mesmo, tão logo a Vale é vendida, entra em vigor a Lei Kandir – coincidência?
Este ex-ministro de Fernando I e um dos
elaboradores do desastroso Plano Collor, quando deputado federal tucano –
eleito em 1994 – criou a lei colonialista: livra de pagamento de impostos quem
exporta produtos primários e semimanufaturados. Então, o Pará recebeu da Vale
privatizada, em 1997, de ICMS – Imposto de Circulação sobre Mercadorias e
Serviços – R$ 18.828,00.
Qualquer mercadinho de bairro paga mais do que isso
de ICMS. E todo o sistema norte de mineração da Vale rendeu ao Pará, nos 14
anos que vão de 1998 a 2012, cerca de 1 bilhão e 300 mil reais em ICMS, média
de menos de R$ 100 milhões por ano. Em 2011, a Vale exportou – de Carajás – 97
milhões de toneladas de minério de ferro. Faturou R$ 20 bilhões, que renderam
em ICMS apenas R$ 30 milhões: 0,15%. Ninharia de achincalhar o erário e manter
o povo na fronteira da pobreza.
Tal qual uma veia aberta, segundo a imagem criada
pelo uruguaio Eduardo Galeano, a Vale escoa para o estrangeiro uma sangria de
riquezas finitas, sem que fabrique em nosso território sequer um prego.
A conta simples mostra o tamanho da insensatez. O
Brasil compra da China trilhos fabricados a 16.500 quilômetros de distância,
pagando US$ 850 dólares por tonelada; a China compra do Brasil minério de ferro
necessário para cada tonelada de trilho pagando entre US$ 136 e US$ 144. E o
Brasil precisando expandir suas ferrovias!
Pergunta óbvia: por que não fabricar os trilhos ali
ao lado de Carajás? Foi este questionamento do então presidente Lula que levou
à queda de braço com a Vale, do que resultou em 2010 o projeto Alpa – Aços
Laminados do Pará, siderúrgica em construção em Marabá, a 150 quilômetros de
Carajás, sem prazo definido de conclusão – suas obras foram suspensas.
A notícia correu mundo e a mesma linha de trem que
leva nosso minério para gringos de olhos azuis arredondados ou olhos pretos
puxados, é a mesma que três vezes por semana traz centenas de migrantes para
Marabá. A cidade explode: deve passar de 200 mil para mais de 300 mil
habitantes até 2014. Galgou o posto de mais violenta do Brasil, com taxa anual
de homicídios de 133 por 100 mil habitantes – é mais que o dobro de Honduras,
país mais violento do planeta, com 60 assassinatos por 100 mil habitantes.
Ao mesmo tempo, pipocam condomínios de luxo e
ergue-se o primeiro edifício, com apartamentos de 300 metros quadrados a mais
de R$ 1 milhão, rodeados por uma massa humana onde o tráfico de crack se mescla
à esperança de melhores dias quando a siderúrgica deixar de ser apenas uma
miragem e abrir 16 mil vagas para funcionários próprios e criar outros 14 mil
empregos indiretos.”
“Um dos argumentos para entregar as riquezas do
país era que o dinheiro arrecadado com privatizações pagaria dívidas, geraria
empregos, e tudo ficaria melhor. Ouça, porém, este desabafo do senador Pedro
Simon:
“O maior escândalo do século, a Vale do Rio Doce!
Não me passa pela cabeça alguém privatizar por 3 bilhões de reais – 3 BILHÕES!
– a segunda maior mineradora do mundo! E entregar não só a mineradora, mas
entregar os estudos: Em lugar tal tem uma mina assim, assim...
Aquilo é nosso!”
A revolta de Simon, diante da audácia de FHC, é
compartilhada por milhões de compatriotas ao tomar conhecimento do que se
poderia classificar como ato de lesa-pátria. Barbosa Lima Sobrinho, advogado,
historiador, jornalista e várias vezes presidente da ABI, Associação Brasileira
de Imprensa, também se estarreceu. Aos 102 anos, Lima Sobrinho não havia
perdido a capacidade de se indignar. A extinta revista semanal Bundas, editada
no Rio pelo cartunista e jornalista Ziraldo, entrevista o presidente da ABI no
número de 18 de junho de 1999, e a primeira pergunta é:
“Em 1968 o senhor teve um infarto por causa do
marechal Castelo Branco, que estava entregando nossas riquezas ao estrangeiro.
Como é que o senhor conseguiu sobreviver a Fernando Henrique, que está entregando
tudo de mão beijada?”
“Sinceramente, não sei como sobrevivi”, responde
Barbosa Lima Sobrinho, e narra o seguinte, para explicar por que considera FHC
uma desonra para o país: O pai de Fernando Henrique, general Leônidas
Cardoso, e o tio, general Felicíssimo Cardoso, eram nacionalistas. Seu pai,
eleito deputado federal com o apoio dos comunistas – que estavam na ilegalidade
– desempenhou seu mandato na Câmara inspirado em ideais nacionalistas.
O filho, atual presidente da República, não honrou
o nome do pai nem a tradição da família. Empregou o genro numa agência
empenhada numa política declaradamente antiPetrobras.
Gostaria de contar uma história: em 1968 houve uma
reunião da Campanha Nacional de Defesa da Amazônia na casa do general
Felicíssimo Cardoso, presidente da comissão, tio do atual presidente.
Participavam Henrique Miranda, hoje diretor da ABI, o general Carlos Hesse de
Melo, os professores Alvércio Gomes e Orlando Valverde e a geógrafa Irene
Garrido. Todos foram testemunhas. Discutia-se a redação de um documento de
defesa da Amazônia e Henrique Miranda sugeriu que se mandasse o texto para
Fernando Henrique, em São Paulo, para que ele o divulgasse e colhesse mais
assinaturas. Aí o general Felicíssimo disse: “Pode mandar, Miranda, mas este
meu sobrinho não é de confiança.” Concordo com a opinião dele.
De fato, tio Felicíssimo conhecia bem o sobrinho:
seria inútil confiar um manifesto em defesa da Amazônia a quem, mal tomou posse
na presidência da República em 1995, já entregava aos americanos o controle
aéreo da metade norte do Brasil.
O geólogo Breno Augusto dos Santos, o descobridor
das riquezas de Carajás (décadas atrás) lembra o tititi na estatal na época.
“A determinação de FHC era tão grande, que todos os
dirigentes e empregados da Vale foram proibidos de qualquer manifestação
pública ou pela imprensa. Quando da implantação de Carajás, em pleno governo
Figueiredo e em plena ditadura, houve liberdade total para a discussão do
projeto”.
E o ex-presidente, num programa Roda Viva da
TV Cultura de São Paulo, em dezembro de 2011, se intitulou um “autêntico
democrata”.”
“Serra e FHC, não digo que são inimigos, mas
adversários sempre foram. FHC não gosta do Serra e vice-versa. Mas ambos gostam
do planalto paulista, do neoliberalismo, ambos desgostam do povo brasileiro.”
(Mauro Santayana)
“Uma vez entrevistei o ministro de Relações
Exteriores de Portugal, Franco Nogueira. Ele me definiu as relações
internacionais, é muito atual: “Se houver crise entre um país grande e um
pequeno, intervier a ONU, acaba-se o país pequeno. Se houver crise entre dois
países pequenos e vier a ONU, acaba-se a crise. E se for entre dois grandes
países, acaba-se a ONU!” A ONU sempre foi dominada pelo interesse dos mais
fortes. Veja uma coisa: até hoje Israel não cumpriu uma só das resoluções da
ONU. Ignora. Porque quem domina Israel são os judeus americanos mediante o
governo dos Estados Unidos. Por isso defendo nossa soberania. Nós temos de nos
armar, os Brics, para defender nossa liberdade, nossa forma de ser no mundo.
Não podemos contar com ninguém. O Mao dizia bem: “O poder emana da boca de um
fuzil.” A política real diz o seguinte: arme-se para defender sua liberdade e
seu território.” (Mauro Santayana)
“Em seu Título VII – Da Ordem Econômica e
Financeira – nossa Constituição abre o Capítulo I, Dos princípios
gerais da atividade econômica, assim:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I -
soberania nacional;
II -
propriedade privada;
III -
função social da propriedade;
IV -
livre concorrência;
V -
defesa do consumidor;
Vemos que nossos constituintes de 1988 fundaram a
ordem econômica no princípio da “soberania nacional” em primeiríssimo
lugar. Como vimos, FHC e sua turma estavam pouco se lixando para isso de
soberania nacional.”
“Um decênio depois de encerrada sua erazinha de
oito anos, FHC faz um balanço e constata que, a cada campanha eleitoral, os
candidatos de seu partido e de partidos coligados cada vez mais tratam de
manter distância dele. José Serra, candidato à Presidência em 2010, chegou ao
cúmulo de abrir sua campanha na televisão mostrando cenas em que aparecia ao
lado do então presidente Lula, que defendia outra candidatura e cujo governo
sempre criticou. Sorridente, José Serra dizia no vídeo:
“Eu sou o Zé, que vai continuar a obra de Lula.”
E nada de FHC. Ora, quem tinha vindo para enterrar
uma era e dar início a outra, de progresso e modernidade, devia merecer a honra
de ser obrigado a evitar sair às ruas para não se ver cercado por multidões
ávidas por abraçá-lo, tocá-lo, receber um autógrafo, um afago, uma palavrinha.
Ele pediu certa vez que esquecêssemos o que escreveu. Não pediu que o povo
brasileiro o esquecesse, mas o povo parece que prefere não se lembrar mais de
Fernando Henrique Cardoso.”
“Paulo Henrique Amorim ressalta que a obra mais
importante da Era Lula – talvez mais até do que a inclusão de milhões de
famílias pobres à classe média, “considerada sua grande obra e da qual ele se
orgulha” – foi preservar a Petrobras, “do ponto de vista da economia, a longo
prazo, tem impacto incomparável”. E a tarefa número um do PFL de Jorge
Bornhausen, afirma nosso amigo, era privatizar a Petrobras. Não tiveram peito
para tal. Mas chegaram perto.
Em 2000, narra Paulo Henrique, seis empresas
estrangeiras passaram mais de ano no 12º andar da sede da Petrobras, “fazendo
desfilar o gerente com todas as informações que quisessem, analisando todos os
dados estratégicos”. Henri Reichstul, o presidente da empresa, “em grande
encenação, como se fosse preciso algum marketing, levou o Pelé para a Bolsa de
Nova Iorque”. Objetivo: a venda de ações da Petrobras, em duas etapas. Paulo
Henrique:
“Foram vendidos 36% das ações por US$ 5 bilhões,
quando valiam 15 vezes esse valor, sem contar as reservas do pré-sal a que
esses acionistas passaram a ter direito sem nada ter pago por elas. É uma
doação do patrimônio potencial do Brasil, até então país que entregou o que já
foi ou está sendo produzido. Passou-se a entregar o que ainda será produzido.
Um caso típico de entrega hereditária”.”
“Paulo Henrique era editor-chefe do Jornal
da Band quando denunciou a operação que apelidou de Petrobrecht e que
ele nos conta “em primeira mão”. Certo dia, Rafael de Almeida Magalhães, que
foi ministro da Previdência no governo Sarney, advogado, lacerdista que “migrou
para a centro-esquerda”, mostra-lhe um contrato: a Petrobras, isso no governo
FHC, ia financiar a Odebrecht, para a Odebrecht comprar a Petrobras. O autor da
“ideia mirabolante” era Joel Rennó, presidente da empresa, cargo que, nos
governos Sarney , Fernando I e Fernando II, era privativo do PFL. E Rennó era
do PFL.
Paulo Henrique mostra o contrato a um diretor da
Band, o advogado Carlos Maluf (sem parentesco com Paulo Maluf). Maluf lê aquilo
“e diz que também queria”. Quem não quer comprar uma Petrobras com dinheiro da
própria Petrobras?
No ar, Paulo Henrique denuncia a jogada e “a
primeira consequência foi a Petrobras tirar o patrocínio do Jornal da Band”. Ao
mandachuva da Odebrecht, que pediu uma audiência, Maluf disse brandindo o
contrato:
“Vocês vão fazer isso aqui sem o Congresso
Nacional? A Petrobras financiar a Odebrecht para a Odebrecht comprar a
Petrobras!”
A Petrobras ia se vender para a Odebrecht?
“Isso mesmo, se vender! Essa foi uma história
bonita.”
Para Paulo Henrique, a privataria “é a maior
roubalheira em matéria de privatização, maior que qualquer uma da América
Latina”.”
“Durante a privatização, explana Paulo Henrique,
“ficou estabelecido que, todo patrimônio das estatais que privatizassem, teriam
que ressarcir o estado – a cadeira, o fio elétrico, o penico...” Mas entregaram
sem fazer o levantamento dos bens:
“Não há em nenhum lugar do Brasil um só inventário
dos bens vendidos.”
E essa privatização na prática é financiada pelo
Brasil, né? – perguntamos.
“Sim! Pelo Brasil. Os números do Biondi são
indiscutíveis.”
Os gringos compraram, e pagaram com o nosso próprio
dinheiro. (...)
“A privatização da telefonia foi montada naquele
grande momento, no governo FHC, quando o Ricardo Sérgio de Oliveira, num
telefonema para o Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das
Comunicações, disse: ‘Chegamos no limite da irresponsabilidade.’ A privatização
no México foi feita pelo presidente Carlos Salinas, ele pegou toda a telefonia
do México e entregou para um empresário, o Carlos Slim, hoje o homem mais rico
do mundo. Aqui dividiram em três: Brasil Telecom, Telemar e Telefônica. A
privatização no Peru foi feita pelo Alberto Fujimori. A privatização na
Argentina foi feita pelo Carlos Menem. A privatização no Brasil foi feita pelo
Fernando Henrique Cardoso. O Carlos Salinas é refugiado político na Irlanda.
Alberto Fujimori está preso no Peru. Carlos Menem corre do camburão da polícia
mais do que aquele jamaicano que bateu o recorde dos 100 metros rasos. E o
Fernando Henrique Cardoso é o cérebro, o príncipe dos sociólogos brasileiros. É
um país muito peculiar.”
De fato, trata-se de um país de peculiaridades.
Como se explica que, na opinião pública, haja derretido a imagem de FHC
enquanto que, na opinião publicada, cada vez ela se torne mais resplandecente?
Simultaneamente, o inverso acontece com seu sucessor.”
“Ciro Gomes, governador do Ceará aos 33 anos, após
ministro da Fazenda de Itamar Franco substituindo Fernando Henrique, na Caros
Amigos de maio de 2006 reprovou a Era FHC avaliada “em números”. Disse de um só
jorro:
“Fernando Henrique e Serra, para mim, são coisas
muito ruins, nada pessoal, mas pelo que eles fizeram com o país concretamente,
em números. Acaba o governo Itamar, o governo Cardoso tomou posse, eu ainda
ministro da Fazenda e passo o Ministério para o Malan. O Brasil tinha os
seguintes números: 500 anos de história, uma dívida pública equivalente a algo
equivalente a 30% do PIB. A carga tributária 27% do PIB. Oito anos depois, a
dívida que era de 30% passou a 58% do PIB, a carga tributária, que é a receita,
passou de 27% para 36% do PIB. E o patrimônio, 100 bilhões de dólares, foi
vendido.
“Aumentou dramaticamente a arrecadação, a ponto de
introduzir ineficiências grandes no processo produtivo brasileiro e injustiça
regressiva no sistema tributário para trabalhadores de classe média.
“Explodiu a dívida pública de maneira absolutamente
ensandecida: em oito anos, o dobro do que se fez em 500 anos para financiar uma
infraestrutura impressionante, a décima primeira do planeta. E a privatização
aportou mais o que equivaleria a 220, 215 bilhões de reais – ato contínuo,
perdemos um terço dos mestres e doutores das universidades públicas no período,
como sintoma da destruição do estado.
“Recebeu Lula a Presidência da República com 5 mil
homens operacionais na Polícia Federal, o órgão encarregado de dar combate à
corrupção, aos crimes contra a administração pública, ao narcotráfico,
contrabando de armas, segurança de dignitários, guarda da fronteira... Os 37
mil quilômetros de estradas outrora asfaltadas, destruídas. E um apagão no
setor elétrico. Só pra ser econômico aqui. Isso é a dupla Serra-Fernando
Henrique.”
* * *
Não podia haver mais significativo desfecho para a
Era FHC do que o apagão. Ocorre em 1º de julho de 2001, domingo, e outro em 27
de setembro de 2002, sexta-feira. A falta de chuvas deu uma força à falta de
planejamento e investimentos em geração de energia — mais uma obra da
privataria. Segundo cálculos de Delfim Netto, cada brasileiro perdeu R$ 320 com
o apagão. Auditoria do Tribunal de Contas da União, TCU, publicada em 15 de
julho de 2009, calculou prejuízo ao Tesouro de 45 bilhões e 200 milhões de reais.
Maria Luíza Curti, psicóloga na capital mato-grossense
e colaboradora do Diário de Cuiabá, chamou FHC de Príncipe
das Trevas, depois de uma viagem à capital paulista, que encontrou imersa
na escuridão.
* * *
Outro entrevistado nosso, Roberto Requião, instado
a comparar dois governos, assim respondeu:
“A gente não precisa nem de um roubômetro para
avaliar isso. O Fernando Henrique com a privataria roubou 10 mil vezes mais do
que qualquer possibilidade de desvio do governo Lula.”
E Mauro Santayana, falando para este livro,
reservou para o fim da entrevista o julgamento de José Aparecido de Oliveira,
político mineiro, ministro da Cultura de Sarney, testemunhado por Wilson
Figueiredo, jornalista como nós.
Contou-nos Santayana:
“O Zé Aparecido, pouco antes de morrer, falou
comigo e com o Wilson Figueiredo: O presidente Fernando Henrique não ficará bem
na história; ele ficará como traidor do Brasil.”
Um comentário:
"Mas como os colunistas em geral estão mancomunados com o governo FHC, as informações negativas não aparecem nos títulos das matérias ou com destaque." Mudou alguma coisa?
Até hoje: “Em vez disso, com a ajuda de uma imprensa de direita, ele e o FMI atribuem o colapso econômico a vilões conhecidos: funcionários públicos, aposentados e sindicatos. São acusados de estourar os orçamentos do governo.”
Ótimo desfecho: “O Zé Aparecido, pouco antes de morrer, falou comigo e com o Wilson Figueiredo: O presidente Fernando Henrique não ficará bem na história; ele ficará como traidor do Brasil.”
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