terça-feira, 20 de agosto de 2019

Dialética do Concreto (Parte II) – Karel Kosík

Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-2190-442-7
Tradução: Célia Neves e Alderico Toríbio
Opinião: ★★★★★
Páginas: 230
Sinopse: Ver Parte I

“A passagem do homem como “preocupação” ao “homem econômico” não constitui uma simples mudança de ponto de vista. O problema não está no fato de que, no primeiro caso, o homem é visto como subjetividade que nada sabe da objetividade das conexões sociais, ao passo que, no segundo caso, este mesmo homem é examinado do ponto de vista das conexões objetivas supra-individuais. O problema principal está noutro ponto. Com a aparente mudança na argumentação e no ponto de vista muda-se também o próprio objeto da análise e a realidade objetiva se transforma em realidade objetiva, a realidade dos objetos. A physis se transforma em física, e da natureza sobra a simples natura naturata. Com o aparente deslocamento do ponto de vista, o homem é transformado em objeto, e considera a si mesmo no mesmo nível das coisas e dos objetos. O mundo humano se transforma em mundo físico; e a ciência do homem, em ciência do homem-objeto, isto é, a física social.19 A simples mudança do ponto de vista que deveria revelar determinados aspectos da realidade cria uma realidade diferente, ou, mais precisamente, troca uma coisa por outra coisa, sem estar consciente da troca. Nesta não se trata apenas do mero acesso metodológico à realidade; é que no acesso ideológico se modifica a realidade, ontologiza-se a metodologia. A economia vulgar é a ideologia do mundo objetual. Ela não investiga suas conexões e leis internas; sistematiza as representações que os agentes deste mundo objetual, isto é, os homens reduzidos a objetos, têm de si próprios, do mundo e da economia. A economia clássica se move do mesmo modo na realidade objetual, mas não sistematiza as representações do mundo formuladas pelos agentes; ela procura as leis internas desse mundo reificado. Se a reificação como mundo das coisas e das relações humanas reificadas é a realidade, e a ciência a constata, a descreve e lhe investiga a lei interna, em que ponto a própria ciência cai na ilusão e na reificação? No fato de que neste mesmo mundo objetual ela não vê apenas um determinado aspecto e uma etapa historicamente transitória da realidade humana, mas a descreve como a realidade humana natural.
Mediante aquilo que se apresenta como simples mudança de ponto de vista operou-se uma substituição da realidade: a realidade objetiva foi substituída pela realidade objetual.20 Desde que a realidade social foi entendida como natureza em sentido físico e a ciência econômica como física social, a realidade social se transformara de realidade objetiva em realidade objetual, no mundo dos objetos.
A realidade que a economia clássica descreve com base no próprio método não é realidade objetiva. A economia clássica não descreve o mundo humano no seu aspecto alienado e não mostra como as relações histórico-sociais dos homens são mascaradas pela relação e pelo movimento das coisas; ela descreve a legalidade imanente deste mundo reificado como o mundo autenticamente humano, porque não conhece nenhum outro mundo humano, a não ser o mundo humano reificado.”
20: Petty, no Verbum sapienti, elabora um método graças ao qual é possível calcular em dinheiro o valor dos homens; Melon, no ano de 1736, demonstra que tudo pode ser reduzido a cálculo, inclusive as questões sutilmente morais.


“A razão dialética é um processo universal e necessário, destinado a conhecer e a plasmar a realidade de modo a não deixar de fora nada de si; portanto, é razão tanto da ciência e do pensamento como da liberdade e da realidade humana. A não-razão da razão e, por conseguinte, a limitação histórica da razão, consiste no fato de negar a negatividade. A razoabilidade da razão consiste em pressupor e prever a negatividade como seu próprio produto, de conceber a si mesma como uma continuada negatividade histórica e em saber, portanto, por si mesma, que é sua tarefa propor e resolver os contrastes. A razão dialética não existe fora da realidade e tampouco concebe a realidade fora de si mesma. Ela existe somente enquanto realiza a própria razoabilidade, isto é, ela se cria como razão dialética só enquanto e na medida em que cria uma realidade razoável no processo histórico. Pode-se reagrupar as características fundamentais da razão dialética nos seguintes pontos essenciais: 1) O historicismo da razão, em oposição à supra-historicidade da razão racionalista. 2) Ao contrário do procedimento analítico contábil da razão racionalista, que parte do simples para o complexo, que parte de pontos de partida fixados de uma vez por todas para realizar a suma do saber humano, a razão dialética parte dos fenômenos para a essência, da parte para o todo e assim por diante; e concebe o progresso do conhecimento como processo dialético da totalização, que inclui a eventualidade da revisão dos princípios fundamentais. 3) A razão dialética não é apenas capacidade de pensar e de conhecer racionalmente; é ao mesmo tempo o processo de formação racional da realidade e, portanto, da liberdade. 4) A razão dialética é negatividade que situa historicamente os graus de conhecimento já atingidos e a realização da liberdade humana, e ultrapassa teórica e praticamente cada grau já atingido, inserindo-o na totalidade evolutiva. Não confunde o relativo com o absoluto, mas compreende e realiza a dialética de relativo e absoluto no processo histórico.”


A arte e o equivalente social
A investigação filosófica é coisa completamente diferente do mero girar em círculo. Mas quem gira em círculo e quem levanta questões filosóficas? O círculo na reflexão é um circuito de questões em cujo âmbito o pensamento se move com a ingênua e inconsciente convicção de que o circuito dos problemas é criação sua, própria. A problemática está traçada, as questões foram programadas e a investigação se ocupa da precisão dos conceitos. Mas quem traçou e determinou a problemática? Quem traçou o círculo em que se encerrou a investigação?
Na discussão sobre o realismo e o não-realismo as definições se tomam precisas, os conceitos são reformados, algumas palavras são substituídas por outras, mas toda esta atividade se desenvolve na base de um pressuposto tácito e não investigado. Discute-se qual é a posição do artista face à realidade, quais os meios que o artista emprega para representar a realidade, se esta ou aquela tendência reflete a realidade de maneira adequada, verdadeira e artisticamente perfeita; mas sempre se pressupõe tacitamente que a coisa mais evidente, a coisa mais notória e, portanto, aquela que menos exige pesquisa e exame, é justamente a realidade. Mas que é a realidade? Pode dar frutos a discussão a propósito do realismo ou do não-realismo se só os conceitos relativos aos problemas secundários são determinados com precisão, enquanto a questão fundamental fica sem solução? Uma tal discussão não necessitará talvez de uma “revolução copernicana” que torne a fazer pousar solidamente sobre a terra toda esta problemática, que agora é revirada de pernas para o ar, revolução que, mediante a elucidação do problema central, crie os pressupostos para a solução das questões ulteriores?
Toda concepção do realismo ou do não-realismo é baseada sobre uma consciente ou inconsciente concepção da realidade. O que seja o realismo ou o não-realismo em arte depende sempre do que é a realidade e de como se concebe a própria realidade. Portanto, a posição materialista da problemática começa no momento em que se parte desta dependência como de um fundamento essencial.
A poesia não é uma realidade de ordem inferior à economia: também ela é do mesmo modo realidade humana, embora de gênero e de forma diversos, com tarefa e significado diferentes. A economia não gera a poesia, nem direta nem indiretamente, nem imediata nem mediatamente: é o homem que cria a economia e a poesia como produtos da práxis humana. A filosofia materialista não pode basear a poesia sobre a economia, ou mascarar a economia – entendida como única realidade – sob aparências várias menos reais e quase imaginárias, como a política, a filosofia ou a arte; ela deve primeiramente investigar a origem da própria economia. Quem parte da economia como de algo dado e não derivável ulteriormente como causa mais profunda e originária, realidade única e autêntica que não admite investigação ulterior, transforma a economia em resultado, em uma coisa, em um fator histórico autônomo, e assim opera a fetichização da economia. O materialismo dialético é uma filosofia radical porque não se detém nos produtos humanos como numa verdade de última instância, mas penetra até as raízes da realidade social, isto é, até o homem como sujeito objetivo, ao homem como ser que cria a realidade social. Somente sobre a base desta determinação materialista do homem como sujeito objetivo – ou seja, como ser que, dos materiais da natureza e em harmonia com as leis da natureza como pressuposto imprescindível, cria uma nova realidade, uma realidade social humana – podemos explicar a economia como a estrutura fundamental da objetivação humana, como a ossatura das relações humanas, como a característica elementar da objetivação humana, como o fundamento econômico que determina a superestrutura. O primado da economia não decorre de um superior grau de realidade de alguns produtos humanos, mas do significado central da práxis e do trabalho na criação da realidade humana. As considerações renascentistas sobre o homem (e o renascimento revelou o homem e o mundo humano à época moderna) começam pelo trabalho, concebendo-o em sentido amplo como criação e, portanto, como algo que distingue o homem dos animais e pertence exclusivamente ao homem: Deus não trabalha, apesar de criar, enquanto o homem cria e trabalha ao mesmo tempo. No renascimento, a criação e o trabalho ainda estão unidos, porque o mundo humano nasce na transparência, como a Vênus de Botticelli nasce de uma concha marinha na natureza primaveril. A criação é algo de nobre e elevado. Entre o trabalho como criação e os mais elevados produtos do trabalho existe um vínculo direto: os produtos indicam o seu criador, isto é, o homem, que se acha acima deles, e expressam do homem não apenas o que ele já é e o que ele já alcançou, mas também tudo o que ele ainda pode vir a ser. Os produtos não testemunham apenas a atual capacidade criativa do homem, mas também e em especial as suas infinitas potencialidades: “Tudo o que nos circunda é obra nossa, obra do homem: as casas, os palácios, as cidades, os esplêndidos edifícios esparsos por toda a terra. Mais parecem obra de anjos, contudo são obra dos homens... Quando vemos tais maravilhas, compreendemos que podemos criar coisas melhores, mais belas, mais graciosas e mais perfeitas do que as que criamos até hoje”.39
O capitalismo rompe este vínculo direto, separa o trabalho da criação, os produtos dos produtores e transforma o trabalho numa fadiga incriativa e extenuante. A criação começa além das fronteiras do trabalho industrial. A criação é arte, enquanto o trabalho industrial é ofício, é algo maquinal, repetitivo, e portanto algo pouco apreciado e que se auto­despreza. O homem – que durante a renascença ainda é criador e sujeito – se rebaixa ao nível dos produtos e dos objetos, de uma mesa, de uma ferramenta, de um martelo. Com a perda do domínio sobre o mundo material criado, o homem perde também a realidade. A autêntica realidade é o mundo objetivo das coisas e das relações humanas reificadas, diante das quais o homem é uma fonte de erros, de subjetividade, de inexatidão, de arbítrio e por isso é uma realidade imperfeita. No século XIX a mais sublime realidade já não troveja nos céus sob o aspecto de um deus transcendente, que é uma imagem mistificada do homem e da natureza; a realidade desce sobre a terra sob o manto da “economia” transcendente, que é um produto material fetichizado pelo homem. A economia transforma-se no fator econômico. Que é a realidade e como é criada? A realidade é “economia” e todo o resto é sublimação ou mascaramento da “economia”. Que é a economia? A “economia” é o fator econômico, isto é, uma parte do ser social fetichizado, a qual – graças à atomização do homem na sociedade capitalista – obteve não apenas a autonomia, mas também o predomínio sobre o homem impotente porque esmigalhado, e sob esta aparência ou seja, deformada, ela se apresentou à consciência dos ideólogos do século XIX e começou a incutir terror como fator econômico, isto é, como causa originária da realidade social. Na história das teorias sociais podem-se citar dezenas de nomes – aos quais poderíamos acrescentar outros mais – para os quais a economia assume este oculto caráter autônomo. São os ideólogos do “fator econômico”. Desejamos insistir em que a filosofia materialista nada tem a ver com a “ideologia do fator econômico”.
O marxismo não é um materialismo mecânico que pretenda reduzir a consciência social, a filosofia e a arte a “condições econômicas” e cuja atividade analítica se fundamente, por isso, no desmascaramento do núcleo terreno das formas espirituais. Ao contrário, a dialética materialista demonstra como o sujeito concretamente histórico cria, a partir do próprio fundamento materialmente econômico, ideias correspondentes e todo um conjunto de formas de consciência. Não reduz a consciência às condições dadas; concentra a atenção no processo ao longo do qual o sujeito concreto produz e reproduz a realidade social; e ele próprio, ao mesmo tempo, é nela produzido e reproduzido.”
39: G. Manetti, De dignitate et excellentia hominis, Basiléia, 1532, págs. 129 e seguintes. Ver também: E. Garin, Filosofi italiani del quattrocento, Florença, 1942, págs. 238-242. Manetti (1396-1459), no ardor da polêmica, esquece que tudo quanto é humano pode degenerar mais exatamente nesta sua programática unilateralidade; o seu confiante manifesto do humanismo faz o efeito de um feitiço encantador. Cervantes, cem anos mais tarde, já não compartilha este otimismo e alcança uma compreensão muito mais profunda da problemática humana.


“O homem não existe sem “condições” e só é criatura social através das “condições”. O contraste entre o homem e as “condições”, o antinomismo da consciência impotente e das onipotentes “condições”, consiste no contraste entre as “condições” isoladas e o íntimo obscurecimento do homem isolado. O ser social não coincide com a situação dada, nem com as condições, nem com o fator econômico, os quais – considerados isoladamente – são aspectos deformados deste mesmo ser. Em determinadas fases do desenvolvimento social o ser do homem é transtornado, já que o aspecto objetivo de tal ser – sem o qual o homem perde a própria humanidade e se transforma numa ilusão idealística – é separado da subjetividade, da atividade, das potencialidades e possibilidades humanas. Nesta transformação histórica o aspecto objetivo do homem se transforma em uma objetividade alienada, em uma objetividade morta, desumana (as “condições” ou o fator econômico) e a subjetividade humana se transforma em existência subjetiva, miséria, necessidade, vazio, em uma possibilidade meramente abstrata, no desejo.
O caráter social do homem, porém, não consiste apenas em que ele sem o objeto não é nada; consiste antes de tudo em que ele demonstra a própria realidade em uma atividade objetiva. Na produção e reprodução da vida social, isto é, na criação de si mesmo como ser histórico-social, o homem produz:
1) os bens materiais, o mundo materialmente sensível, cujo fundamento é o trabalho;
2) as relações e as instituições sociais, o complexo das condições sociais;
3) e, sobre a base disto, as ideias, as concepções, as emoções, as qualidades humanas e os sentidos humanos correspondentes.
Sem o sujeito, estes produtos sociais do homem ficam privados de sentido, enquanto o sujeito sem pressupostos materiais e sem produtos objetivos é uma miragem vazia. A essência do homem é a unidade da objetividade e da subjetividade.
Na base do trabalho, no trabalho e por meio do trabalho o homem criou a si mesmo não apenas como ser pensante, qualitativamente distinto dos outros animais de espécies superiores, mas também como o único ser do universo, por nós conhecido, que é capaz de criar a realidade. O homem é parte da natureza e é natureza ele próprio. Mas é ao mesmo tempo um ser que na natureza, e sobre o fundamento do domínio da natureza – tanto a “externa” como a própria – cria uma nova realidade, que não é redutível à realidade natural. O mundo que o homem cria como realidade humano­social tem origem em condições independentes do homem e sem elas é absolutamente inconcebível; não obstante, isso diante delas apresenta uma qualidade diversa e é irredutível a elas. O homem se origina da natureza, é uma parte da natureza e ao mesmo tempo ultrapassa a natureza; comporta-se livremente com as próprias criações, procura destacar-se delas, levanta o problema do seu significado e procura descobrir qual o seu próprio lugar no universo. Não fica encerrado em si mesmo e no próprio mundo. Como cria o mundo humano, a realidade social objetiva e tem a capacidade de superar uma situação dada e determinadas condições e pressupostos, tem ainda condições para compreender e explicar o mundo não-humano, o universo e a natureza. O acesso do homem aos segredos da natureza é possível sobre o fundamento da criação da realidade humana. A técnica moderna, os laboratórios experimentais, os ciclotrônios e os foguetes refutam a opinião que o conhecimento da natureza se baseia na contemplação.
A práxis humana se manifesta, além disso, também sob um outro aspecto: ela é o cenário onde se opera a metamorfose do objetivo no subjetivo e do subjetivo no objetivo, ela se transforma no centro ativo onde se realizam os intentos humanos e onde se desvendam as leis da natureza. A práxis humana funde a causalidade com a finalidade. Mas se partimos da práxis humana como da fundamental realidade social, de novo descobrimos que também na consciência humana sobre o fundamento da práxis e em uma unidade indissolúvel, se formam duas funções essenciais: a consciência humana é ao mesmo tempo registradora e projetadora, verificadora e planificadora: é simultaneamente reflexo e projeto.
O caráter dialético da práxis imprime uma marca indelével em todas as criações humanas. Logo também sobre a arte. Uma catedral da Idade Média não é apenas expressão e imagem do mundo feudal, é ao mesmo tempo um elemento da estrutura daquele mundo. Não só reproduz artisticamente a realidade da Idade Média, mas ao mesmo tempo também a produz artisticamente. Toda obra de arte apresenta um duplo caráter em indissolúvel unidade: é expressão da realidade, mas ao mesmo tempo cria a realidade, uma realidade que não existe fora da obra ou antes da obra, mas precisamente apenas na obra.”


“Na grande arte a realidade se revela ao homem. A arte, no sentido próprio da palavra, é ao mesmo tempo desmistificadora e revolucionária, pois conduz o homem desde as representações e os preconceitos sobre a realidade, até à própria realidade e à sua verdade. Na arte autêntica e na autêntica filosofia revela-se a verdade da história: aqui a humanidade se defronta com a sua própria realidade.42
42: Podemos demonstrar com evidência essas deduções gerais a propósito de uma das maiores obras de arte da primeira metade do século XX, a Guernica de Picasso, a qual evidentemente não é nem uma incompreensível deformação da realidade, nem uma experiência cubista “não-realista”.


“Partimos da ideia de que a investigação da relação entre a arte e a realidade, e a concepção dela decorrente, do realismo e do não-realismo, exigem necessariamente resposta à pergunta: que é a realidade? De outro lado, justamente a análise da obra de arte nos leva a fazer a pergunta que constitui o principal objeto das nossas considerações: o que é a realidade humano-social e como se cria esta mesma realidade?
Se se considera a realidade social em relação à obra de arte exclusivamente como as condições e as circunstâncias históricas que determinaram ou condicionaram a origem da obra, a obra em si e a sua qualidade artística tornam-se algo inumano. Se a obra é fixada apenas como obra social, predominantemente ou exclusivamente na forma de objetividade reificada, a subjetividade será concebida como algo associal, como um fato condicionado, porém não criado nem constituído pela realidade social. Se se concebe a realidade social em relação à obra de arte como condicionalidade do tempo, como historicidade da situação dada ou como equivalente social, cai o monismo da filosofia materialista e no seu lugar se introduz o dualismo da situação dada e dos homens: a situação coloca as tarefas e os homens reagem a elas. Na sociedade capitalista moderna o momento subjetivo da realidade social foi separado do objetivo e os dois momentos se erguem um contra o outro como duas substâncias independentes: como mera subjetividade, de um lado, e como objetividade reificada, do outro. Daí se originam as mistificações: de um lado o automatismo da situação dada; do outro, a psicologização e a passividade do sujeito. A realidade social, porém, é infinitamente mais rica e mais concreta do que a situação dada e as circunstâncias históricas, porque ela inclui em si mesma a práxis humana objetiva, a qual cria tanto a situação como as circunstâncias. Estas constituem o aspecto coagulado da realidade social. Assim que se separam da práxis humana, da atividade objetiva do homem, tornam-se algo rígido e inanimado. A “teoria” e o “método” colocam esta rígida materialidade em relação causal com o “espírito”, com a filosofia e a poesia. O resultado disto é a vulgarização. O sociologismo reduz a realidade social a situação, às circunstâncias, às condições históricas, que, assim deformadas, assumem o aspecto da objetividade natural. A relação entre as “condições” e as “circunstâncias históricas” assim entendidas, de um lado, e a filosofia e a arte, do outro, não pode deixar de ser essencialmente mecânica e exterior. O sociologismo iluminista esforça-se por eliminar tal mecanicismo mediante uma complexa hierarquia de “termos mediadores” autênticos ou construídos (a “economia” se acha “mediatamente” em contato com a arte), mas faz obra de Sísifo. Para a filosofia materialista – que partiu da questão revolucionária: como é criada a realidade social? – a própria realidade social existe não apenas sob a forma de “objeto”, de situação dada, de circunstâncias, mas sobretudo como atividade objetiva do homem, que cria as situações como parte objetivizada da realidade social.
Para o sociologismo, cuja mais lacônica definição consiste em substituir o ser social pela situação dada, a situação muda e o sujeito humano reage ante ela. Reage como um conjunto imutável de faculdades emocionais e espirituais, isto é, captando, conhecendo e representando, artística ou cientificamente, a própria situação. A situação muda, se desenvolve, e o sujeito humano marcha paralelamente a ela e a fotografa. O homem torna-se um fotógrafo da situação. Tacitamente parte-se do pressuposto de que no curso da história várias estruturas econômicas se alternaram, tronos foram derrubados, revoluções triunfaram, mas a faculdade do homem de “fotografar” o mundo continua sendo a mesma da Antiguidade até hoje.
O homem capta a realidade, e dela se apropria “com todos os sentidos”, como afirmou Marx; mas estes sentidos, que reproduzem a realidade para o homem, são eles próprios um produto histórico-social45. O homem deve ter desenvolvido o sentido correspondente a fim de que os objetos, os acontecimentos e os valores tenham um sentido para ele. Para o homem que não tem os sentidos de tal modo desenvolvidos, os outros homens, as coisas e os produtos carecem de um sentido real, são absurdos. O homem descobre o sentido das coisas porque ele se cria um sentido humano para as coisas. Portanto, um homem com sentidos desenvolvidos possui um sentido também para tudo quanto é humano, ao passo que um homem com sentidos não desenvolvidos é fechado diante do mundo e o “percebe” não universal e totalmente, com sensibilidade e intensidade, mas de modo unilateral e superficial, apenas do ponto de vista do seu “próprio mundo”, que é uma fatia unilateral e fetichizada da realidade.
Não criticamos o sociologismo por se voltar para a situação dada, para as circunstâncias, para as condições a fim de explicar a cultura, mas por não compreender o significado da situação em si mesma, nem o significado da situação em relação com a cultura. A situação por fora da história, a situação sem sujeito, constitui não só uma configuração petrificada e mistificada, mas ao mesmo tempo uma configuração destituída de sentido objetivo. Sob este aspecto as “condições” carecem daquilo que é mais importante também do ponto de vista metodológico, isto é, um significado objetivo próprio, e recebem, ao invés, um sentido ilegítimo conforme as opiniões, os reflexos e a cultura do cientista. A realidade social deixou de ser para a investigação aquilo que ela é objetivamente, vale dizer, a totalidade concreta, e se cinde em dois todos heterogêneos e independentes, que o “método” e a “teoria” se esforçam por reunir; a cisão entre totalidade concreta e realidade social leva à seguinte conclusão: de um lado petrifica-se a situação, enquanto, de outro lado, petrificam-se o espírito, o psiquismo, o sujeito. A situação pode ser passiva; em tal caso o espírito, o psiquismo como sujeito ativo, sob o aspecto do “impulso vital”, a põe em movimento e lhe atribui um sentido. Ou então a situação é ativa, toma-se ela própria sujeito, e o elemento psíquico ou a consciência não tem outra função a não ser a de conhecer de modo exato ou mistificado a lei científico-natural peculiar à própria situação.”


“Examinemos primeiramente o sentido e o conteúdo da afirmação tantas vezes repetida de que a obra é socialmente condicionada. A tese do condicionamento social diz antes de tudo que a realidade social é algo que se acha fora da obra. A obra é socialmente condicionada, mas exatamente por isto ela se transforma em algo não social, em algo que não constitui a realidade social e que, portanto, não tem uma relação interna com a realidade social. O condicionamento social da obra é, assim, algo que se pode estabelecer no curso da análise da obra, como introdução geral ou como suplemento, posto em evidência sem parênteses, mas que não entra na estrutura verdadeira e própria, não lhe pertence nem, portanto, ao exame científico verdadeiro e próprio da obra. Nesta relação de exterioridade recíproca degenera tanto a realidade social como a obra: se a obra, como estrutura significativa sui generis não é incluída na investigação e na análise da realidade social, a realidade social mesma se transforma num mero esquema abstrato ou num condicionamento social geral: a totalidade concreta vira falsa totalidade. Se a obra não é analisada como estrutura significativa cuja concreticidade se funda em sua existência como momento da realidade social, e se como única forma de “interligação” entre a obra e a realidade social se admite o condicionamento social, então a obra se transforma de estrutura significativa relativamente autônoma em estrutura absolutamente autônoma: a totalidade concreta virou falsa totalidade. Na tese do condicionamento social da obra se ocultam dois significados diversos. Primeiro: o condicionamento social significa que a realidade social se acha – em relação à obra – na posição do deus iluminístico que imprime o movimento, dando-lhe o primeiro impulso, mas assim que a obra termina transforma-se num espectador que contempla o desenvolvimento autônomo da sua criação e já não mais influencia os seus destinos ulteriores. Segundo: o condicionamento social significa que a obra é algo secundário, derivado, reflexo, que não possui uma verdade em si mesma, mas apenas fora de si. Desde que a verdade da obra não se acha na própria obra mas na situação objetiva, só aquele que conhece tal situação compreende a verdade da obra de arte. A situação deve constituir aquela realidade cujo reflexo é a obra. Mas a situação por si mesma não é realidade: só é realidade na medida em que é concebida como realização, fixação e desenvolvimento da práxis objetiva do homem e da sua história. A verdade da obra (e a obra para nós é sempre uma “autêntica” obra artística ou literária, ao contrário dos “documentos”) não consiste na situação do momento, no condicionamento social nem na redução historicizante à situação dada, mas na realidade histórico-social entendida como unidade de gênese e reiteração, no desenvolvimento e na realização da relação de sujeito e objeto como especificidade na existência humana. O reconhecimento do caráter histórico da realidade social não equivale à redução historicizante à situação dada.
Só agora chegamos ao ponto em que podemos retomar o problema inicial: como e por que a obra sobrevive às condições determinadas em que ela surge? Se a verdade da obra consiste na situação determinada, a obra sobrevive apenas porque e enquanto é um testemunho da situação. A obra constitui um testemunho do seu tempo num duplo sentido. Desde o primeiro olhar lançado sobre a obra compreendemos em que época devemos situá-la e qual a sociedade que nela imprimiu a sua marca. Em segundo lugar examinamos a obra com a intenção de descobrir qual o testemunho que ela nos transmite do tempo e da situação. A obra é entendida como documento. Para estar em condições de examinar a obra como testemunho do seu tempo ou como espelho da situação contemporânea, devemos antes de tudo conhecer a própria situação. Só nos baseando no confronto da situação com a obra estaremos em condições de dizer se a própria obra constitui um espelho fiel ou mentiroso da época, se nos oferece um testemunho falso ou verídico do seu tempo. Mas toda criação cultural cumpre a função de testemunho ou documento. Uma criação cultural para a qual a humanidade se volte exclusivamente como para um testemunho não é uma obra. A particularidade da obra consiste exatamente no fato de que ela não é sobretudo – ou apenas – um testemunho do seu tempo, mas no fato de que independentemente do tempo e das condições dadas de que nasceu e das quais ela nos oferece também um testemunho – a obra é, ou acaba sendo, um elemento constitutivo da existência da humanidade, da classe, do povo. O seu caráter não é o fato de estar reduzida ao determinado, não é a “má unicidade” e a irrepetibilidade, mas sim a autêntica historicidade, ou seja, a capacidade de concretização e de sobrevivência.
A obra demonstra a própria vitalidade sobrevivendo à situação e às condições em que surge. A obra vive enquanto tem uma eficácia. Na eficácia da obra inclui-se o evento que se produz tanto com aquele que desfruta da obra quanto com a obra mesma. O que ocorre com a obra é expressão do que a obra é em si mesma. A ação da obra não se exerce no fato de que ela é permeada pelos elementos que nela intervêm, mas é ao contrário a expressão da íntima potência da própria obra, potência que se realiza no tempo. Nesta concretização a obra assume significados dos quais nem sempre podemos dizer com absoluta certeza que o autor os concebeu exatamente como se apresentam. Durante a composição da obra o autor não pode prever todas as variantes de significados e de interpretações a que a obra será submetida no curso da sua ação. Neste sentido a obra é independente das intenções do autor. Mas por outro lado são sempre aparentes a autonomia e o desvio da obra, das intenções do autor: a obra é uma obra e vive como obra exatamente porque exige uma interpretação e cria vários significados. Sobre que se fundamenta a possibilidade da concretização da obra, isto é, em que consiste a possibilidade de que a obra assuma no curso da sua “vida” várias aparências concretamente históricas? Evidentemente na obra deve haver alguma coisa que tome possível tal virtualidade. Existe uma determinada gama no âmbito da qual as concretizações da obra são concebidas como concretizações da obra em si: além dos limites daquele âmbito, trata-se de falsificação, incompreensão ou interpretação subjetivista da obra. Onde se situa o limite entre a autêntica e a não-autêntica concretização da obra? Tal limite se acha dentro da obra ou fora dela? Por que a obra, embora viva apenas nas suas concretizações e por meio delas, sobrevive entretanto a cada uma das concretizações e se liberta de todas elas, demonstrando desse modo delas ser independente? A vida da obra diz respeito a alguma coisa que vive fora da obra e a ultrapassa.”

Dialética do Concreto (Parte I) – Karel Kosík

Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-2190-442-7
Tradução: Célia Neves e Alderico Toríbio
Opinião: ★★★★★
Páginas: 230
Sinopse: Kosík analisa as mistificações da pseudoconcreticidade, que é o mundo da reificação, das aparências enganadoras, dos preconceitos, da práxis fetichizada. Para não se perder em face dos múltiplos aspectos fenomênicos da realidade que a autêntica práxis vai desvendando, o conhecimento humano precisa discernir no real, a cada passo, a unidade dialética da essência e do fenômeno. Por isso, Kosík insiste no caráter necessariamente totalizante do conhecimento.

“A atitude primordial e imediata do homem, em face da realidade, não é a de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade especulativamente, porém a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo polo oposto e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a estas – o indivíduo “em situação” cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade.”


“O fenômeno não é, portanto, outra coisa senão aquilo que – diferentemente da essência oculta – se manifesta imediatamente, primeiro e com maior frequência. Mas por que a “coisa em si”, a estrutura da coisa, não se manifesta imediata e diretamente? Por que são necessários um esforço e um desvio para compreendê-la? Por que a “coisa em si” se oculta, foge à percepção imediata? De que gênero de ocultação se trata? Tal ocultação não pode ser absoluta: se quiser pesquisar a estrutura da coisa e quiser perscrutar “a coisa em si”, se apenas quer ter a possibilidade de descobrir a essência oculta ou a estrutura da realidade – o homem, já antes de iniciar qualquer investigação, deve necessariamente possuir uma segura consciência do fato de que existe algo susceptível de ser definido como estrutura da coisa, essência da coisa, “coisa em si”, e de que existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se manifestam imediatamente . O homem faz um desvio, se esforça na descoberta da verdade só porque, de um modo qualquer, pressupõe a existência da verdade, porque possui uma segura consciência da existência da “coisa em si” Por que, então, a estrutura da coisa não é direta e imediatamente acessível ao homem, por que, então, para captá­la ele tem de fazer um desvio? E a que leva tal desvio? O fato de na percepção imediata não se captar a “coisa em si” mas o fenômeno da coisa, dependerá, talvez, do fato de que a estrutura da coisa pertence a outra ordem de realidade, distinta da dos fenômenos, e que, portanto, constitui uma outra realidade existente por trás dos fenômenos?
Como a essência – ao contrário dos fenômenos – não se manifesta diretamente, e desde que o fundamento oculto das coisas deve ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência e a filosofia. Se a aparência fenomênica e a essência das coisas coincidissem diretamente, a ciência e a filosofia seriam inúteis.1
O esforço direto para descobrir a estrutura da coisa e “a coisa em si” constitui desde tempos imemoriais, e constituirá sempre, tarefa precípua da filosofia. As várias tendências filosóficas fundamentais são apenas modificações desta problemática fundamental e de sua solução em cada etapa evolutiva da humanidade. A filosofia é uma atividade humana indispensável, visto que a essência da coisa, a estrutura da realidade, a “coisa em si”, o ser da coisa, não se manifesta direta e imediatamente. Neste sentido a filosofia pode ser caracterizada como um esforço sistemático e crítico que visa a captar a coisa em si, a estrutura oculta da coisa, a descobrir o modo de ser do existente.
O conceito da coisa é compreensão da coisa, e compreender a coisa significa conhecer-lhe a estrutura. A característica precípua do conhecimento consiste na decomposição do todo. A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento é que é a própria dialética em uma das suas formas; o conhecimento é a decomposição do todo. O “conceito” e a “abstração”, em uma concepção dialética, têm o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa, e, portanto, compreender a coisa.2
1. “... Se os homens apreendessem imediatamente as conexões, para que serviria a ciência?” (Marx a Engels, carta de 27-6-1867). “Toda ciência seria supérflua se a forma fenomênica e a essência coincidissem diretamente.” Marx, O Capital, III, sec. VII, cap. XLVIII, III. (Tr. ital. Roma, Rinascita, 1959, III, a, pág. 228). “Para as formas fenomênicas... a diferença da relação essencial... vale exatamente aquilo que vale para todas as formas fenomênicas e para o fundamento oculto por detrás delas. As formas fenomênicas se reproduzem imediatamente por si mesmas, como formas correntes do pensamento, mas o seu fundamento oculto tem de ser descoberto somente pela ciência.” Marx, O Capital, I, sec. VI, cap. XVII. (Tr. ital. I, 2, pág. 259).
2. Alguns filósofos (por ex. Granger, L'ancienne et la nouvelle économie, ““Esprit”, 1956, pág. 551-5) atribuem apenas a Hegel o “método da abstração” e “do conceito”. Na realidade este é o único caminho da filosofia para chegar à estrutura da coisa e, portanto, à compreensão da coisa.


“Todo agir é “unilateral”, já que visa a um fim determinado e, portanto, isola alguns momentos da realidade como essenciais àquela ação, desprezando outros, temporariamente. Através deste agir espontâneo, que evidencia determinados momentos importantes para a consecução de determinado objetivo, o pensamento cinde a realidade única, penetra nela e a “avalia”.”


“A dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a “coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade. Por isso, é o oposto da sistematização doutrinária ou da romantização das representações comuns. O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas simples e também abstratas representações, tem de destruir a aparente independência do mundo dos contatos imediatos de cada dia. O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência.4 O que confere a estes fenômenos o caráter de pseudoconcreticidade não é a sua existência por si mesma, mas a independência com que ela se manifesta. A destruição da pseudoconcreticidade – que o pensamento dialético tem de efetuar – não nega a existência ou a objetividade daqueles fenômenos mas destrói a sua pretensa independência, demonstrando o seu caráter mediato e apresentando, contra a sua pretensa independência, prova do seu caráter derivado.
A dialética não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e do pensamento comum, não os aceita sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade.5
5. “O marxismo é um esforço para ler, por trás da pseudo-imediaticidade do mundo econômico reificado as relações inter-humanas que o edificaram e se dissimularam por trás de sua obra.” A. de Walhens, L’idée phénoménologique d'intentionalité, in Husserl et la pensée moderne, Haia, 1959, págs. 127-28.


“O pensamento acriticamente reflexivo6 coloca imediatamente – e portanto sem uma análise dialética – em relação causal as representações fixadas e as condições igualmente fixadas, fazendo passar tal forma de “pensamento bárbaro” por uma análise “materialista” das ideias. Como os homens tomaram consciência de seu tempo (e, portanto, já o viveram, avaliaram, criticaram e compreenderam) nas categorias da “fé do carvoeiro” e do ceticismo “pequeno-burguês”, o doutrinador supõe que se fizera a análise “científica” daquelas ideias ao procurar para elas um equivalente econômico, social ou de classe. Ao invés, mediante tal “materialização” efetua-se apenas uma dupla mistificação: a subversão do mundo da aparência (das ideias fixadas) tem as suas raízes na materialidade subvertida (reificada). A teoria materialista deve iniciar a análise com a questão: por que os homens tomaram consciência de seu tempo justamente nestas categorias e qual o tempo que se mostra aos homens nestas categorias? Fazendo esta indagação, o materialista prepara o terreno para proceder à destruição da pseudoconcreticidade tanto das ideias quanto das condições, e só depois disso pode procurar uma explicação racional para a íntima conexão entre o tempo e a ideia.”
6. Hegel assim define o pensamento reflexivo: “A reflexão é a atividade que consiste em constatar as oposições e em passar de uma para outra, mas sem ressaltar a sua conexão e a unidade que as compenetra.” Hegel, Phil. der Religion, I, pág. 126 (Werke, Vol. XI). Ver também Marx, Grundrisse, pág. 10.


“O mundo real, oculto pela pseudoconcreticidade, apesar de nela se manifestar, não é o mundo das condições reais em oposição às condições irreais, tampouco o mundo da transcendência em oposição à ilusão subjetiva; é o mundo da práxis humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é, portanto, um mundo de objetos “reais” fixados, que sob o seu aspecto fetichizado levem uma existência transcendente como uma variante naturalisticamente entendida das ideias platônicas; ao invés, é um mundo em que as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do homem social, e o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social. O mundo da realidade não é uma variante secularizada do paraíso, de um estado já realizado e fora do tempo; é um processo no curso do qual a humanidade e o indivíduo realizam a própria verdade, operam a humanização do homem. Ao contrário do mundo da pseudoconcreticidade, o mundo da realidade é o mundo da realização da verdade, é o mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana: é o mundo em que a verdade devém. Por esta razão a história humana pode ser o processo da verdade e a história da verdade. A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza.”


“Como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, a humanidade faz um détour (desvio) para conhecer as coisas e a sua estrutura. Justamente porque tal détour é o único caminho acessível ao homem para chegar à verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar-se o trabalho desse desvio e procura observar diretamente a essência das coisas (o misticismo é justamente a impaciência do homem em conhecer a verdade). Com isso corre o perigo de perder-se ou de ficar no meio do caminho, enquanto percorre tal desvio.
A obviedade não coincide com a perspicuidade e a clareza da coisa em si; ou melhor, ela é a falta de clareza da representação da coisa. A natureza se manifesta como algo de inatural. O homem tem de envidar esforços e sair do “estado natural” para chegar a ser verdadeiramente homem (o homem se forma evoluindo-se em homem) e conhecer a realidade como tal. Para os grandes pensadores de todos os tempos e de todas as tendências – no mito platônico da caverna, na imagem baconiana dos ídolos, em Spinoza, Hegel, Heidegger e Marx – o conhecimento é corretamente caracterizado como superação da natureza, como a atividade ou o “esforço” supremo. A dialética da atividade e da passividade do conhecimento humano manifesta-se sobretudo no fato de que o homem, para conhecer as coisas em si, deve primeiro transformá-las em coisas para si; para conhecer as coisas como são independentemente de si, tem primeiro de submetê-las à própria práxis: para poder constatar como são elas quando não estão em contato consigo, tem primeiro de entrar em contato com elas. O conhecimento não é contemplação. A contemplação do mundo se baseia nos resultados da práxis humana. O homem só conhece a realidade na medida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático.”


“O ponto de partida do exame deve ser formalmente idêntico ao resultado. Este ponto de partida deve manter a identidade durante todo o curso do raciocínio, visto que ele constitui a única garantia de que o pensamento não se perderá no seu caminho. Mas o sentido do exame está no fato de que no seu movimento em espiral ele chega a um resultado que não era conhecido no ponto de partida e que, portanto, dada a identidade formal do ponto de partida e do resultado, o pensamento, ao concluir o seu movimento, chega a algo diverso – pelo seu conteúdo – daquilo de que tinha partido. Da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se opera o retorno ao ponto de partida; desta vez, porém, não mais como ao vivo mas incompreendido todo da percepção imediata, mas ao conceito do todo ricamente articulado e compreendido. O caminho entre a “caótica representação do todo” e a “rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações” coincide com a compreensão da realidade. O todo não é imediatamente cognoscível para o homem, embora lhe seja dado imediatamente em forma sensível, isto é, na representação, na opinião e na experiência. Portanto, o todo é imediatamente acessível ao homem, mas é um todo caótico e obscuro. Para que possa conhecer e compreender este todo, possa torná-lo claro e explicá-lo, o homem tem de fazer um détour: o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte. Exatamente o caminho da verdade é um détourder Weg Wahrheit ist Umweg – o homem pode perder-se ou ficar no meio do caminho.
O método da ascensão do abstrato ao concreto é o método do pensamento; em outras palavras, é um movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração. A ascensão do abstrato ao concreto não é uma passagem de um plano (sensível) para outro plano (racional): é um movimento no pensamento e do pensamento. Para que o pensamento possa progredir do abstrato ao concreto, tem de mover-se no seu próprio elemento, isto é, no plano abstrato, que é negação da imediatidade, da evidência e da concreticidade sensível. A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é, por conseguinte, em geral movimento da parte para o todo e do todo para a parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade, do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto. O processo do abstrato ao concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade em todos os seus planos e dimensões. O processo do pensamento não se limita a transformar o todo caótico das representações no todo transparente dos conceitos; no curso do processo o próprio todo é concomitantemente delineado, determinado e compreendido.”


“Justamente porque o real é um todo estruturado que se desenvolve e se cria, o conhecimento de fatos ou conjuntos de fatos da realidade vem a ser conhecimento do lugar que eles ocupam na totalidade do próprio real. Ao contrário do conhecimento sistemático (que procede por via somatória) do racionalismo e do empirismo – conhecimento que se move de pontos de partida demonstrados através de um sistemático acrescentamento linear de fatos ulteriores –, o pensamento dialético parte do pressuposto de que o conhecimento humano se processa num movimento em espiral, do qual cada início é abstrato e relativo. Se a realidade é um todo dialético e estruturado, o conhecimento concreto da realidade não consiste em um acrescentamento sistemático de fatos a outros fatos, e de noções a outras noções. É um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade; e justamente neste processo de correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade. O conhecimento dialético da realidade não deixa intactos os conceitos no ulterior caminho do conhecer; não é uma sistematização dos conceitos que procede por soma, sistematização essa fundada sobre uma base imutável e encontrada uma vez por todas: é um processo em espiral de mútua compenetração e elucidação dos conceitos, no qual a abstratividade (unilateralidade e isolamento) dos aspectos é superada em uma correlação dialética, quantitativo­qualitativa, regressivo-progressiva. A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes.
As opiniões relativas à cognoscibilidade ou incognoscibilidade da concreticidade, como conhecimento de todos os fatos, baseiam-se na concepção empírico-racionalista segundo a qual o conhecimento se realiza mediante um método de análise e soma, cujo postulado é  constituído pela representação atomística da realidade como congérie de coisas, processos, fatos. Ao contrário, no pensamento dialético o real é entendido e representado como um todo que não é apenas um conjunto de relações, fatos e          processos, mas também a sua criação, estrutura e gênese. Ao todo dialético pertence a criação do todo e a criação da unidade, a unidade das contradições e a sua gênese.”


“Para o materialismo a realidade social pode ser conhecida na sua concreticidade (totalidade) quando se descobre a natureza da realidade social, se elimina a pseudoconcreticidade, se conhece a realidade social como unidade dialética de base e de supra-estrutura, e o homem como sujeito objetivo, histórico-social. A realidade social não é conhecida como totalidade concreta se o homem no âmbito da totalidade é considerado apenas e sobretudo como objeto e na práxis histórico-objetiva da humanidade não se reconhece a importância primordial do homem como sujeito. A questão da concreticidade ou totalidade do real, portanto, não concerne em primeiro lugar à completicidade ou incompleticidade dos fatos, à variabilidade ou ao deslocamento dos horizontes, mas sim à questão fundamental: que é a realidade? No que toca à realidade social, é possível responder a tal pergunta se ela é reduzida a uma outra pergunta: como se cria a realidade social? Nessa problemática que indaga o que é a realidade social mediante a verificação de como é criada esta mesma realidade social, está contida uma concepção revolucionária da sociedade e do homem.
Voltando ao problema do fato e do seu significado no conhecimento da realidade social, ao princípio geralmente admitido de que todo fato só é compreensível em seu contexto e no todo,22 devemos insistir sobre uma verdade ainda mais importante e fundamental, que geralmente é descurada: o próprio conceito do fato é determinado pela concepção total da realidade social. O problema: que é o fato histórico? constitui apenas uma parte do problema principal: que é a realidade social?
Concordamos com o historiador soviético Kon, quando diz que os fatos elementares demonstraram ser algo muito complexo; e a ciência, que no passado se ocupava com os fatos isolados, hoje se vê cada vez mais orientando para os processos e as relações. A dependência entre os fatos e as generalizações é uma conexão e dependência recíproca; assim como a generalização é impossível sem os fatos, do mesmo modo tampouco existem fatos científicos que não contenham o elemento da generalização. O fato histórico é, em certo sentido, não só um pressuposto da investigação mas também um resultado seu.23 Mas se entre os fatos e as generalizações existe uma relação dialética de compenetração, pela qual cada fato traz em si o elemento da generalização e cada generalização é generalização de fatos, como explicar esta reciprocidade lógica? Nesta relação lógica se exprime a verdade de que a generalização é conexão interna dos fatos e que o próprio fato é reflexo de um determinado contexto. Cada fato na sua essência ontológica reflete toda a realidade; e o significado objetivo dos fatos consiste na riqueza e essencialidade com que eles completam e ao mesmo tempo refletem a realidade. Por esta razão é possível que um fato deponha mais que um outro, ou que o mesmo fato deponha mais, ou menos, dependendo do método e da atitude subjetiva do cientista, isto é, da capacidade do cientista para interrogar os fatos e descobrir o seu conteúdo e significado objetivo. A distinção dos fatos com base em seu significado e na sua importância não é o resultado de uma avaliação subjetiva, mas resulta do conteúdo objetivo dos fatos isolados. A realidade, em certo sentido, não existe a não ser como conjunto de fatos, como totalidade hierarquizada e articulada de fatos. Cada processo cognoscitivo da realidade social é um movimento circular em que a investigação parte dos fatos e a eles retoma. Advém alguma coisa destes fatos, no curso do processo cognoscitivo? O conhecimento da realidade histórica é um processo de apropriação teórica – isto é, de crítica, interpretação e avaliação de fatos –, processo em que a atividade do homem; do cientista é condição necessária ao conhecimento objetivo dos fatos. Esta atividade que revela o conteúdo objetivo e o significado dos fatos é o método científico. O método científico é mais ou menos eficiente segundo a maior ou menor riqueza de realidade – contida objetivamente neste ou naquele fato – que ele é capaz de descobrir, explicar e motivar. É notória a indiferença que certos métodos e tendências demonstram para com determinados fatos, em decorrência da incapacidade de ver, naqueles fatos, algo de importante, isto é, o seu próprio conteúdo e significado objetivo.”
23: I. Kon, Filozofskij idealizm i krizis burzoasnoj istoriceskoj mysli (O Idealismo Filosófico e a Crise do Pensamento Histórico Burguês). Moscou, 1959, pág. 237.


“A teoria materialista distingue um duplo contexto de fatos: o contexto da realidade, no qual os fatos existem originária e primordialmente, e o contexto da teoria, em que os fatos são, em um segundo tempo, mediatamente ordenados, depois de terem sido precedentemente arrancados do contexto originário do real. Como é possível, porém, falar do contexto do real, em que os fatos existem de maneira primordial e originária, se tal contexto pode ser conhecido pela mediação de fatos que foram arrancados do contexto do real? O homem não pode conhecer o contexto do real a não ser arrancando os fatos do contexto, isolando-os e tornando-os relativamente independentes. Eis aqui o fundamento de todo conhecimento: a cisão do todo. Todo conhecimento é uma oscilação dialética (dizemos dialética porquanto também existe uma oscilação metafísica, que parte de ambos os polos considerados como grandezas constantes e registra as suas relações exteriores e reflexivas), oscilação entre os fatos e o contexto (totalidade), cujo centro ativamente mediador é o método de investigação. A absolutização desta atividade do método (e tal atividade é inegável) dá origem à ilusão idealista de que o pensamento é que cria o concreto, ou que os fatos adquirem um sentido e um significado apenas na mente humana.”


“A falsa totalização e sintetização manifesta-se no método do princípio abstrato que despreza a riqueza do real, isto é, a sua contraditoriedade e multiplicidade de significados, para levar em conta apenas aqueles fatos que estão de acordo com o princípio abstrato. O princípio abstrato, erigido em totalidade, é totalidade vazia, que trata a riqueza do real como “resíduo” irracional e incompreensível. O método do “princípio abstrato” deforma a imagem total da realidade (acontecimentos históricos, obras de arte) e ao mesmo tempo se mostra destituído de sensibilidade em face dos particulares. Está a par dos fatos particulares, registra-os mas não os compreende, porque não entende o seu significado. Não revela o sentido objetivo dos fatos (particulares) mas o obscurece. Assim fazendo rompe a integridade do fenômeno em causa porque o cinde em duas esferas independentes: uma parte que convém ao princípio e que por ele é explicada; e uma outra parte que contradiz o princípio e que, portanto, permanece na sombra (sem explicação e compreensão acional), como “resíduo” não explicado e inexplicável do fenômeno.
O ponto de vista da totalidade concreta nada tem de comum com a totalidade holística, organicista ou neorromântica, que hipostasia o todo antes das partes e efetua a mitologização do todo.27 A dialética não pode entender a totalidade como um todo já feito e formalizado, que determina as partes, porquanto à própria determinação da totalidade pertencem a gênese e o desenvolvimento da totalidade, o que, de um ponto de vista metodológico, comporta a indagação de como nasce a totalidade e quais são as fontes internas do seu desenvolvimento e movimento. A totalidade não é um todo já pronto que se recheia com um conteúdo, com as qualidades das partes ou com as suas relações; a própria totalidade é que se concretiza e esta concretização não é apenas criação do conteúdo mas também criação do todo. O caráter genético-dinâmico da totalidade foi destacado por Marx, nos geniais trechos dos Grundrisse: “Em um sistema burguês desenvolvido, toda relação econômica pressupõe outras relações na forma econômica burguesa e, portanto, todo fato é ao mesmo tempo um pressuposto; assim efetivamente acontece em todo sistema orgânico. Este mesmo sistema orgânico, como totalidade, tem os seus pressupostos, e o seu desenvolvimento no sentido da totalidade consiste justamente no submeter a si todos os elementos da sociedade ou no criar para si os órgãos que ainda lhe faltam. Transforma-se em totalidade histórica. O desenvolvimento rumo a esta totalidade é um momento do seu processo, de seu desenvolvimento.”28
A concepção genético-dinâmica da totalidade é pressuposto da compreensão racional do surgimento de uma nova qualidade. Os pressupostos que na origem foram condições históricas do surgimento do capital, depois que este surgiu e se constitui, se revelam como resultados da sua própria realização e reprodução; eles já não são condições do seu nascimento histórico, mas resultado e condições da sua existência histórica. Os elementos isolados que historicamente precederam o surgimento do capitalismo – que existiam independentemente dele e que comparados a ele têm uma existência remota (como dinheiro, valor, troca, força-de-trabalho) – após o surgimento do capital passaram a fazer parte do processo de reprodução do capital e existem como seus momentos orgânicos. Assim o capital, à época do capitalismo, se transforma numa estrutura significativa que determina o conteúdo interno e o sentido objetivo dos fatores ou elementos, sentido que era diferente na fase pré-capitalista. A criação da totalidade como estrutura significativa é, portanto, ao mesmo tempo, um processo no qual se cria realmente o conteúdo objetivo e o significado de todos os seus fatores e partes. Esta conexão recíproca, assim como esta profunda diferença entre as condições de surgimento e as condições da existência histórica – as primeiras das quais constituem um pressuposto histórico independente, dado uma única vez, enquanto as segundas são produzidas e reproduzidas pelas formas históricas de existência – inclui a dialética do lógico e do histórico: a investigação lógica mostra onde começa o histórico, e o histórico completa e pressupõe o lógico.”
27. As geniais intuições do jovem Schelling sobre natureza como unidade de produto e de produtividade ainda não foram suficientemente apreciadas. E no entanto já naqueles anos no seu pensamento se afirma uma forte tendência para hipostasiar o todo, como demonstra, por ex., um texto de 1799: “... se em cada todo orgânico tudo se sustém em um apoio recíproco, assim esta organização entendida como um todo devia preexistir às suas partes: não era o todo que podia surgir das partes, mas as partes, do todo.” Schelling, Werke, Munique, 1927, Zeiter Hauptband, pág. 279.
28. Marx, Grundrisse, (Fundamentos) 189, (Grifos de K.K.).

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Método Dialético e Teoria Política (Parte II) — Michael Lowy

Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-2190-618-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 144

“A concepção do homem da burguesia europeia, cujas primeiras manifestações na teoria política foram o jusnaturalismo (Grotius, Puffendorf, etc.) e o contratualismo (Bodin, Hobbes) encontra sua formulação econômico-social precisa no liberalismo da escola clássica inglesa e sua realização prática na constituição revolucionária francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão).
Esta ideologia, que concebe o indivíduo isolado, separado dos seus semelhantes, como o “homem natural” (“estado natural” dos contratualistas, “robinsonadas” da escola clássica), que apresenta o direito como uma decorrência desta essência “humana” individual, que encara a sociedade como uma super-imposição artificial, fruto de um pacto estabelecido entre as mônadas individuais; esta ideologia que, finalmente, visualiza o Estado como um organismo exterior à sociedade civil, cuja função é garantir a propriedade privada e a livre iniciativa econômica, corresponde, obviamente, à concepção de mundo da burguesia em ascensão e aos seus interesses econômicos, sociais e políticos (1).
Diversa é a natureza do individualismo pequeno-burguês, que se aproxima antes das categorias de pensamento do artesanato feudal e que encontra sua expressão mais consequente no anarquismo utópico, de caráter meramente intelectual na Alemanha (Bruno Bauer, Max Stiner), mas revolucionário na França, Espanha e Itália (Proudhon, Bakunine, etc.) onde consegue penetrar nas massas de artesãos arruinados e pauperizados pelo progresso industrial. Esta concepção do homem, que em suas manifestações teóricas confunde, pêle-mêle, o individualismo burguês, o corporativismo artesanal e o comunismo operário nascente, é, pelo seu caráter eclético, contraditória e indefinida, característica da pequena burguesia, e só pôde desempenhar um papel histórico, por ter ideologicamente correspondido — sob forma de anarco-sindicalismo revolucionário — às aspirações de amplas camadas operárias, que, durante o Século XIX eram de composição predominantemente artesanal.
Finalmente, opondo-se de forma frontal ao liberal-individualismo revolucionário do terceiro estado, a visão ideológica conservadora, apanágio dos estamentos aristocráticos tradicionais, constrói o mito do Estado ou sociedade '“orgânica”, autônoma e superior aos indivíduos. Assim, para os pensadores contrarrevolucionários franceses “a sociedade é anterior ao indivíduo e é a verdadeira criadora da civilização... Todos nós somos meras expressões particulares da sociedade, que é o pensamento de Deus” (3); “a sociedade é real em si mesma, acima e com independência de seus membros” (4); enquanto que para a Escola Histórica de Juristas da Alemanha “a vida do Estado é superior à dos seus membros individuais...; ele compreende em si as gerações do passado e do futuro e brota da vida e da história de uma nação” (5). Para os ideólogos da aristocracia francesa exilada e do Estado burocrático-feudal prussiano, a Sociedade, o Direito, o Estado, são frutos, não de relações concretas entre os indivíduos, mas de entidades transcendentais, o Volksgeist (Savigny) ou a âme nationale (De Maistre). Esta teoria “organicista” da sociedade surge mais tarde, sob a forma de analogia entre a vida social e o corpo humano em Comte, Spencer, na Encíclica “Rerum Novarum” e, finalmente, no fascismo, sempre como justificação do caráter “natural” da desigualdade social entre as classes, refletindo assim as novas concepções da burguesia conservadora já instalada no poder.
Estavam assim criadas as premissas de um falso problema, que durante séculos agitou o pensamento político europeu: a oposição entre indivíduo e sociedade, oposição no seio da qual os ideólogos revolucionários da burguesia afirmavam a ascendência dos direitos do indivíduo, e os filósofos sociais conservadores a transcendência da Sociedade e do Estado, como emanações da Divindade.
A ascensão de uma nova classe revolucionária, o proletariado, propiciou a emergência de uma nova concepção do mundo, o marxismo, e criou as condições objetivas para a solução do problema, quer no plano teórico, quer no terreno da práxis.” (...)

II — A natureza social do homem segundo o jovem Marx (1841-1846)
a) A emergência do problema
Já no primeiro texto filosófico de Marx, a tese de doutoramento “Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e de Epicuro” de 1841, encontramos uma aguda crítica do atomismo de Epicuro, cujas conotações político-sociais são evidentes. Ao contrário de Platão e Aristóteles, Epicuro ensinava que os interesses e a felicidade do indivíduo são anteriores aos interesses da sociedade e que a sociedade e o estado existem unicamente para proteger o indivíduo, (9) concepções essas que se refletiam na sua teoria da liberdade absoluta do átomo. Marx, na sua tese, afirma que individualidade isolada e abstrata não pode afirmar seu conceito, sua essência, sua existência em si... senão fazendo abstração do mundo que se opõe a ela. (...) A individualidade abstrata representa a liberdade isolada do mundo, não a liberdade integrada no mundo” (10).
É óbvio que o átomo simboliza para Epicuro a consciência individual do homem, e para Marx, o “mundo” é, sobretudo, o mundo humano, a sociedade; sobre uma aparente polêmica acerca da Filosofia da Natureza, confrontam-se duas visões diversas do Homem: a “liberdade integrada no mundo” é o equivalente naturalista do homem condicionado pela sociedade, e a “declinação do átomo” o símbolo de uma teoria política individualista.
Um ano mais tarde, o problema ressurge, mas de forma mais explícita e diretamente política, na Crítica da Filosofia do Estado de Hegel de 1842, obra na qual Marx se opõe claramente à separação que Hegel estabelece entre o “universal” e o “ser determinado, entre o Estado e a individualidade particular” esquecendo que a essência da personalidade particular não é sua barba, seu sangue, suas qualidades físicas, mas sim suas qualidades sociais e que os negócios do Estado não são senão modos de existência e ação das qualidades sociais dos homens” (11).
Este texto, que introduz o conceito de “qualidade social” como essência da personalidade humana, que define a pessoa como “expressão concreta da ideia de personalidade sob forma coletiva, compreendendo a totalidade das pessoas” (12) e que procura pôr fim à oposição hegeliana entre Estado e indivíduo, representa um passo importante para a solução do dilema político do século XIX.
Outro passo decisivo neste sentido é dado no artigo sobre a questão judaica, publicado em 1844 nos Anais Franco-Alemães, no qual é criticada a separação que o Direito Constitucional burguês estabelece entre o “homem” e o “cidadão”, entre o “público” e o “privado”, entre o estado genérico e a sociedade privatista. Com esta crítica, Marx atinge o cerne do problema e prepara o caminho para a passagem ao comunismo, que surgirá como única solução para a alienação política e para a separação entre o indivíduo e a “espécie”, inerentes à sociedade capitalista e decorrência necessária da propriedade.

b) A essência humana como conjunto das relações sociais
A fase comunista da obra do jovem Marx, que se inicia com o artigo “Contribuição à Crítica da Filosofia doDireito de Hegel; Introdução” e que compreende o manuscrito de 1844 (Economia Política e Filosofia), A Sagrada Família de 1845, as Teses sobre Feuerbach e a Ideologia Alemã de 1846, contém, embora de forma esparsa, elementos para uma teoria sociológica e revolucionária do homem social, elaborada através de uma crítica radical das categorias burguesas e conservadoras do pensamento político e do utopismo idealista dos '“hegelianos de esquerda”.
A oposição de Marx às teses liberal-individualistas, que se cristaliza no período 1841-43, torna-se nesta fase mais incisiva; assim, no artigo sobre a Filosofia do Direito hegeliana ele ressalta que “o homem não é um ser abstrato, situado fora do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a Sociedade”, (13) observação que retoma as ideias centrais da tese de doutoramento (“liberdade integrada no mundo”) e do manuscrito de 1842 sobre a Filosofia do Estado de Hegel (“qualidade social” do homem).
Mais tarde, ao abordar o problema do ponto de vista genético, Marx rompe claramente com os mitos do contratualismo: “da mesma maneira que a Sociedade produz ela mesma o homem como homem, ela é produzida por ele” (14). O homem surge como tal, diferencia-se dos animais, a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida (15), e essencialmente, toda a “história do mundo não é outra coisa senão a produção do homem pelo trabalho humano (16); ora, este trabalho é, sobretudo, uma atividade social, que implica necessariamente um laço social de cooperação, um “laço material dos homens entre si, que é condicionado pelas necessidades e pelo modo de produção, e que é tão velho quanto os próprios homens” (17).
Em resumo: o trabalho, a produção, a apropriação da natureza são os responsáveis pela antropogênese (18) e, sendo a produção fenômeno de caráter intrinsecamente social (19), o surgimento do homem enquanto tal não pode ser separado da emergência de uma certa estrutura e organização societárias.
Não apenas a produção, mas as necessidades humanas, por sua própria natureza e pelo modo de satisfazê-las (relações sexuais, intercâmbio, divisão do trabalho) aproximam entre si os homens e tecem entre eles uma rede de relações sociais (20).
Por outro lado, a atividade humana, não só a produtiva, mas em todas as suas formas, é atividade social, mesmo quando não é realizada em comunhão direta com os outros, uma vez que “não é somente a matéria de minha atividade que me é dada como produto social..., é a minha própria existência que é atividade social” (21). E, finalmente, também a consciência do homem é já de antemão um produto social, porque ela não é somente a consciência da pessoa individual, mas sim do indivíduo em conexão com toda a sociedade e da sociedade toda em que vive (22).
Assim vemos que o Homem, pela sua origem e sua história, pela natureza de suas necessidades e de suas ações, e pelo caráter de sua consciência, não pode ser oposto à Sociedade; na verdade, como afirma a famosa tese VI sobre Feuerbach, “a essência humana não é algo abstrato e imanente a cada indivíduo; ela é, em sua realidade, o conjunto das relações sociais”. Não é por acaso que a concepção marxista da natureza social do homem atinge sua formulação precisa nas Teses sobre Feuerbach; é ao criticar a pressuposição feuerbachiana da individualidade humana abstrata e isolada — isto é, separada da totalidade concreta — unida aos seus semelhantes por um mero laço natural, uma generalidade muda e interna (a “espécie”), que Marx chega ao seu próprio conceito da “essência humana” e da vida social como “conjunto das relações sociais”, princípio constitutivo da sociologia moderna.
Entretanto, a crítica de Marx não se volta apenas para a concepção liberal do homem, mas também para as teorias conservadoras do todo social exterior aos indivíduos: “É preciso evitar, sobretudo fixar novamente a ‘Sociedade’ como abstração face ao indivíduo” (23), erro no qual incorrem todos os que não concebem a “vida coletiva” como ação mútua entre as “vidas individuais” que a formam, mas sim como uma existência especial, autônoma (24).
Em resumo: o homem “é social por natureza e desenvolverá sua verdadeira natureza no seio da sociedade e somente ali...” (25); por outro lado “a sociedade que seja sua forma, é o produto da ação recíproca dos homens” (26). Eis em suas articulações fundamentais a superação dialética (aufhebung) do conflito abstrato entre as teorias políticas liberais e “orgânicas” do século XIX, superação que surge paralelamente com o início da luta pela negação prática do status quo alienado à que essas teorias correspondem.

III — O consumo, realização do “Homem Social”
a) Crítica da sociedade alienada
As concepções individualistas e privativistas da vida social não são fruto do arbítrio ou da fantasia dos pensadores políticos da burguesia; elas constituem o produto ideológico da separação entre o produtor e o processo de conjunto da produção, da atomização da sociedade em indivíduos que produzem cegamente, sem plano e sem acordo comum. (27)
Assim, a crítica marxista não tem por objeto apenas a ideologia liberal, mas também, e sobretudo, a sociedade alienada que separa e opõe os homens uns aos outros e ao todo social do qual participam.
A sociedade burguesa, cujo princípio é o egoísmo, move incessantemente uma guerra de todos os indivíduos uns contra os outros, só delimitados entre si por sua individualidade, (28) e projeta o “coletivo”, o “genérico”, numa instituição superior e extrema ao meio social: o Estado. A Revolução Francesa, que assinalou o marco decisivo da emancipação política, sancionou juridicamente a separação imperante no regime capitalista entre o homem público e o homem privado, entre o membro da sociedade burguesa e o da comunidade política, sob a forma de distinção entre “Direitos do Homem” e “Direitos do Cidadão” (29).
O direito de liberdade, tal como o formula a Déclaration des Droits de l’Homme de 1791 é o da liberdade do homem como uma mônada isolada, voltada para si mesma, e encontra sua aplicação prática no direito de propriedade privada, e na conservação egoísta dos interesses particulares pela política estatal (“direito de segurança”). Em oposição ao “homem”, átomo egoísta, membro da sociedade civil, o Direito liberal cria o “cidadão”, encarnação abstrata e artificial das forças sociais do homem e da participação na vida coletiva.
Emerge assim a alienação política: o homem social, o “universal”, os “interesses gerais” são separados do homem real e hipostasiados no Estado; assim como o cristianismo aliena a essência do homem na divindade, o Estado abstrato é a alienação do homem socializado (30).
É óbvia a vinculação entre esta alienação, que separa o Estado da Sociedade, o ser social do ser individual, como caráter privatista e egoísta da sociedade burguesa, que destrói a essência social da vida humana, projetando-a fora de si, num universal abstrato.
O mesmo processo de dissociação entre o “privado” e o “social” — e a consequente exteriorização do segundo — se verifica através da alienação econômica resultante da divisão do trabalho capitalista.
Como o aponta Marx na Ideologia Alemã, por meio da substantivação das relações sociais que é inevitável dentro da divisão do trabalho, se estabelece uma diferença entre a vida de cada indivíduo, enquanto se trata de sua vida pessoal e esta mesma vida submetida a um determinado ramo de trabalho (31). Desta forma, a “vida profissional”, assim como a “vida política”, se torna a expressão alienada e exteriorizada da atividade humana enquanto atividade genérica real ou atividade do homem enquanto ser genérico (32).
Esta reificação e alienação do trabalho decorrem necessariamente da própria natureza do processo de divisão do trabalho capitalista, processo não voluntário, cego e “natural” — isto é, exterior à vontade humana, como as leis da natureza — que se efetua à revelia dos indivíduos, sem nenhuma consideração por suas habilidades, talentos ou desejos, impondo-lhes um círculo exclusivo de atividades do qual não podem sair (33) e que obedece a forças econômicas externas, às leis da produção capitalista de mercadorias.
É inevitável, portanto, que o “poder social”, a “força genérica” que surge da cooperação dentro dos marcos da divisão do trabalho, acaba, como o Estado, por erigir-se ante o homem como um poder estranho, superior aos indivíduos, fora do seu controle, alienado em suma; as forças produtivas aparecem como forças totalmente independentes e separadas dos indivíduos, como um mundo próprio ao lado destes (34).
Em conclusão: a sociedade burguesa, pelo seu caráter privatista — devido sobretudo à propriedade particular dos meios de produção — torna-se um autêntico “bella omnia contra omines” entre átomos egoístas e projeta fora de si, alienando-as no Estado e na força produtiva criada pela divisão do trabalho, o “ser genérico” do homem, suas “forças sociais” e sua vida coletiva.”
1. Como o observa Lukács, toda teoria “atomista” da sociedade não representa senão o reflexo ideológico desta sociedade do ponto de vista burguês, a forma necessária da consciência que o homem reificado tem de sua atitude em face da sociedade, Cf. Histoire et Conscience de Classe. Ed. de Minuit, Paris. 1959. p. 165.
2. Não é por acaso que Marx, ao criticar a “Filosofia da Miséria“, constata que as teses de Proudhon significam um retorno ao mestre artesão medieval Cf. Misère de la Philosophie, Ed. Sociales, Paris, pág. 113.
3. De Bonald, in Barnes e Beccker, Historia del pensamiento social, Fondo de Cultura Economica. México, 1945, vol. l, pág. 489-90.
4. De Maistre, Op. Cit., pág. 486.
5. Savigny, in Getell, História das Idéias Políticas, Ed. Alba, Rio, 1941, pág. 453.
6. Essence du Christianisme, Paris, Lacroix, 1864, págs. 144, 185, 196.
7. Cf. VI sobre Feuerbach.
8. Cf. Enciclopédia Geralarte, “Saint-Simon' pág. 280.
9. Barnes e Becker, Op. cit., pág. 208.
10. in A. Cornu, Karl Marx et Friedrich Engels, P. U. F., Paris, 1969, vol. l, pág. 204.
11. in A. Cornu. op. cit., vol. II, pág. 217.
12, idem, pág. 218.
13. “Contribuição à crítica... ' in La Sagrada Familia, Ed. Grijalbo, Buenos Aires, 1959, pág. 3.
14. Economie Politique et Philosophie, in Oeuvres Philosophiques, vol. IV, Ed. Costes, Paris, 1937, pág. 26.
15. La Ideologia Alemana, Ed. Pueblos Unidos, 1959, pág. 19.
16. E. Pol. et Phil., pág. 40.
17. Id. Alem., pág. 29.
18. Tese que foi objeto de célebre artigo de Engels em 1876: “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”.
19. Tema que Marx retoma na Introdução à Crítica da Economia Política: “toda produção é uma apropriação da natureza pelo indivíduo dentro e por meio de uma forma social determinada”. Op. cit., Ed. Sociales Paris. 1957, pág. 153.
20. Cf. Ideologia Alemana, pág. 497.
21. Econ. Pol. et Phil, pág. 27.
22. Cf. Ideologia Alemana, pág. 200.
23. Econ. Pol. et Phil., pág. 27, frase que segundo Gurvitch, visaria a Escola Histórica de Juristas; Cf. Sociologia de Karl Marx, Anhembi, S. Paulo, 1960, pág. 49.
24. Cf. Ideologia Alemana, pág. 543.
25. La Sagrada Familia, pág. 197.
26. Carta a Paul Annenkov, 28.12.1846, in Etudes Philosophiques, Ed. sociales, Paris, 1951, pág. 121.
27. Cf. Lukács, Histoire et Conscience de Classe, pág. 47.
28. La Sagrada Familia, pág. 183.
29. “Nenhum dos chamados direitos do homem vai além do homem egoísta, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo dobrado sobre si mesmo, em seu interesse privado e em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de conceber ao homem como ser genérico, estes direitos fazem aparecer, pelo contrário, a vida genérica mesma, a sociedade, como um marco externo aos indivíduos, como uma limitação de sua independência originária”. “Sobre la question judia”, in La Sagrada Familia, pág. 34.
30. “Ali onde o Estado Político alcançou seu verdadeiro desenvolvimento, o homem leva, não só no pensamento, na consciência, mas na realidade, na vida, uma dupla vida, celestial e terrena, a vida na comunidade política, na qual se considera como ser coletivo, e a Vida na sociedade civil, na qual atua como particular”. idem, pág. 23.
31. La Ideologia Alemana, pág. 84.
32. Econ. Pol. et Phil.. pág. 97.
33. Ideol. Alemana, pág. 33.
34. idem, pág. 74.