Editora: Record
ISBN: 978-85-01-05376-3
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 338
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Sinopse: Ver Parte I
“ONDE SE CONTA DE LIVROS, TESES E TEORIAS DE
CATEDRÁTICOS E TROVADORES, DA RAINHA
DE SABÁ, DA CONDESSA E DA IABA,
E, EM MEIO A TANTO IPICILONE, SE PROPÕE
UMA ADIVINHA E SE EXPRIME OUSADA OPINIÃO
CONTAM,
AMOR, QUE, CERTA FEITA, ESTANDO UMA IABA DE PASSAGEM na Bahia, arreliou-se e
ofendeu-se com a incontinência, o colossal deboche, a presepada imensa de
mestre Pedro Archanjo, arrendatário de mulheres, macho de tantas fêmeas, pastor
de dócil e fiel rebanho, mais parecendo um soba cercado de comborças, pois as
puxavantes se conheciam e visitavam e juntas eram vistas cuidando dos meninos
paridos de umas e de outras, todos dele, e davam-se o trato de comadre e mana,
tudo em meio a gaitadas, a la vontê, em cavaqueira e patuscada, quando não
reunidas no fogão a preparar quindins para o tirano.
De
todas cuidava Pedro Archanjo, cada uma sua vez, e a todas satisfazia como se
outro emprego não tivesse além daquele de cama e vadiagem, folguedos de meter e
mandar vara, doce ofício. Um lorde, um paxá, um presunçoso tirado a zarro e a
pé-de-mesa, numa vida de regalo. Bem de seu, tranquilo, a la godaça, de mulher
nenhuma sofrendo as agonias, martírios, o medo de perdê-la ou de não tê-la,
pois as desavergonhadas, as desbriosas viviam atrás dele em dengue e adulação;
não cogitavam abandoná-lo, lhe fazer ciúmes ou lhe pôr os cornos — nem por
brincadeira pensar nisso. Na maciota, Pedro Archanjo, o bom de bico e de xodó.
Tal
situação parecendo intolerável à iaba, por humilhante para o femeaço inteiro,
decidiu ela castigar severamente mestre Archanjo, dando-lhe lição amarga e dura
que lhe ensinasse o mal do amor na súplica e na espera, no pedido e na recusa,
no desprezo e no abandono, na traição e na vergonha, na dor de amar e não ser
correspondido. Dor de amar assim jamais sofrera o femeeiro, sedutor espalhado
em leito sem limites, colchão fofo de lã de barriguda ou catre de madeira, o
areal ou o mato, na barra da manhã ou no cair da noite. Pois agora ia sofrer,
aprender na própria carne — jurou a iaba ante o escândalo a nonchalança do
beltrano: serás exposto ao mundo e à Bahia, de estrovenga murcha, de coração em
chagas e a testa florescida em chifres, exposto ao debique e à troça, na lona,
no alvéu e na brochura.
Para
tanto a iaba virou a negra mais formosa até hoje vista em terras da África, de
Cuba e do Brasil, narrada em história, caso, relato ou xeretice: um destempero
de negra, um deslumbramento de azeviche. Perfume de rosas desabrochadas para
não se sentir o cheiro de enxofre; sandálias fechadas para esconder os
pés-de-cabra. Quanto ao rabo, em bunda se desenvolveu, escorreita e insubmissa,
do resto do corpo independente, a requebrar por conta própria. Para dar-se
pálida ideia da beleza da negra basta dizer que no percurso entre as profundas
e a Tenda dos Milagres, ao seu passar, enlouqueceram seis mulatos, dois negros,
doze brancos e uma procissão se dissolveu quando ela a atravessou. Viu-se o
padre arrancar a batina e renegar a fé; e santo Onofre em seu andor voltou-se
para ela e lhe sorriu.
Numas
saias engomadas, a iaba ria contente: o pedante pagaria seu orgulho de
pai-d’égua, de invicto garanhão em campo de mulheres. Para começo de conversa, rapidamente
lhe deixaria pururuca a alabada estrovenga e, em seguida, murcha e morta, sem
serventia para o bom, pelanca mole de Museu. Aqui jaz o mangalho de Pedro
Archanjo, era famoso e uma iaba acabou com sua fama e valentia.
Da
vitória no busílis a arrenegada tinha certeza e segurança: é público e notório
que as iabas podem virar mulheres de invulgar beleza, de encanto irresistível,
amantes ardentíssimas, sábias de carícias; é também de geral conhecimento que
elas não conseguem desembocar no gozo — não o alcançam jamais, sempre
insatisfeitas, a pedir mais, em furor crescente. Antes que atinjam e atravessem
as portas do néctar e do paraíso, o vencido mangalho do parceiro se desmancha
em reles muxiba. Jamais se soube de estrovenga capaz de romper esses muros de
ânsia vã e danação e de conduzir sáfara e maldita iaba a tempo e a termo do
hosanas e aleluias.
Mas
o castigo não se restringiria à impotência, ao fiasco no doce e violento
ofício, quiçá pior seria o coração roto e ferido. Porque a iaba pensava fazer
dele gato e sapato, mísero suplicante, desinfeliz escravo, traído e desprezado.
Entre as duas vergonhas, qual a mais horrenda, a mais mesquinha?
A
falsa vinha satisfeita pela rua, com seu plano traçado: após lhe fazer provar
mil vezes o gosto da quirica e do desmaio, quando o visse no visgo do xodó
preso e vencido, se tocaria mundo além, indiferente, sem lhe dizer adeus. Para
vê-lo — para que todos o vissem — de rastros a seus pés, pedinte; a língua
lambendo a poeira do caminho, beijando-lhe as pisadas, todo ele um trapo vil,
por fora um rebotalho, por dentro um corno manso a suplicar-lhe a graça de um
olhar, de um riso, de um gesto, o dedo mínimo, o calcanhar, ah por caridade o
bico do peito, uva negra e intumescida.
Arrastando-o
no desprezo e no debique, a iaba mais baixo ainda o afundaria: na desonra — ao
oferecer-se a outros em léria e em promessa, em sua cara se fretando com os
vizinhos. Para que todos o vissem roendo beira de sino, tampa de pinico; para
que o vissem fora de si, de punhal erguido, de navalha aberta: volta ou te
mato, desgraçada; se deres a outro a flor agreste, morrerás em minhas mãos e
morrerei também.
Assim,
de rastros exposto na cidade, em pleno dia, à vista de todos, em pranto e
súplica, chifrudo sem decoro, despido do último resquício de decência, de
orgulho, verme na lama, na vergonha, na morte, na dor de amar. Vem! e traz
todos os teus fretes, todos os teus machos, prega-me os chifres que quiseres,
coberto de excremento e fel te desejo e te suplico, vem! e te aceito
agradecido.
As
iabas não gozam, já sabemos; mas também não amam e não sofrem porque, como está
provado, às iabas falta coração — vazio o peito, oco e sem remédio. Por isso,
por imune e por maldita, vinha ela rindo no caminho, a bunda mais atrás em
remelexo, e os homens se matando só de vê-la. Pobre Archanjo.
Sucede,
porém, amor, que Pedro Archanjo, esparramado na porta da Tenda dos Milagres, a
esperou mal a noite se acendeu na estrela vespertina e a lua saiu de casa em
Itaparica e veio debruçar-se sobre o mar, um mar de óleo, verde-escuro.
Encomendara lua, estrelas, aquele mar silente e uma canção:
Obrigado minha
senhora
Pela sua cortesia;
Tenho visto que é
formosa
E cheia de bizarria.
Apoiava-se
na estrovenga como se ela fosse seu bastão de obá, tanto crescera na impaciente
espera; tão-só com seu olor de macho descabaçava virgens, léguas adiante, e as
emprenhava.
Perguntarás,
amor: que novidade é essa, como soube Archanjo dos malignos, dos esconsos
propósitos da iaba — mate-me logo esta adivinha. É muito simples: por acaso não
era Pedro Archanjo filho predileto de Exu, senhor dos caminhos e das
encruzilhadas? Era também os olhos de Xangô — sua vista alcança longe e vê por
dentro.
Foi
Exu quem lhe avisou da prepotência e dos péssimos desígnios da perversa filha
do Cão, de peito oco. Lhe avisou e lhe disse o que fazer: tome primeiro um banho de folhas, mas não de uma qualquer; vá a Ossain
e lhe pergunte quais, só ele penetra no âmago das plantas. Depois prepare água
de cheiro de pitanga, misture com sal, mel e pimenta e nela banhe o
pai-do-mundo, juntamente com os quimbas, os dois mabaças — vai doer bastante,
não se importe, seja homem, aguente; verá em breve os resultados: será a
estrovenga principal do mundo pelo volume, em inchaço e longitude, pelo
deleite, pela formosura e pela arreitação. Não haverá quirica de mulher ou de
iaba capaz de abalar sua estrutura, quanto mais deixá-la vacilante e frouxa.
Para
completar o encantamento lhe entregou um kelê, colar de sujeição para o
pescoço, e um xaôrô para sujeitar o tornozelo. Quando ela dormir ponha-lhe o kelê e o xaôrô e estará presa pela cabeça
e pelos pés, cativa para sempre. O resto Xangô vai lhe dizer.
Xangô
ordenou-lhe um ebó com doze galos brancos e doze galos pretos com doze conquéns
pintadas e uma pomba branca, de imaculada alvura, de túmido peito e mavioso
arrulho. Ao final do ebó, num sortilégio de mandinga, do coração da pomba em
sangue e amor, Xangô fez uma conta que era branca e era vermelha, e a entregou
a Archanjo, dizendo-lhe com sua voz de raio e de trovão: Ojuobá, escute e aprenda este despacho: quando a iaba já estiver
sujeita pela cabeça e pelos pés, dormida e entregue, enfie essa conta em seu
subilatório e aguarde sem medo o resultado: aconteça o que aconteça, não fuja,
não arrede lugar, espere. Archanjo tocou a terra com a testa e disse: axé.
Depois
foi tomar o banho de folhas, escolhidas uma a uma por Ossain. No mel e na água
de pitanga, no sal e na pimenta malagueta preparou a arma e a viu crescer,
descomunal bordão de caminhante. No bolso escondeu o kelê, o xaôrô e o coração
da pomba, a conta vermelha e branca de Xangô. Na porta da Tenda, ele a esperou
chegar.
Apenas
surgiu na esquina e começaram, não houve fuleragem nem fricotes; mal a iaba
apareceu e a estrovenga foi ao seu encontro e lhe subiu as saias engomadas, ali
mesmo metendo, na exata medida do chibiu: fogo com fogo, mel com mel, sal com
sal, pimenta com pimenta e malagueta. Contar essa batalha, essa guerra das duas
competências, o assalto da égua e do cavalo, o miar da gata em desvario, o uivo
do lobo, o ronco do javali selvagem, o soluço da donzela na hora de mulher, o
arrulho do pombo, o marulho das ondas, contar, amor, quem poderia?
Rolaram
pela ladeira, penetrados, foram parar no areal do porto e atravessaram a noite.
A maré cresceu e os levou; no fundo do mar prosseguiram em louca cavalgada, na
metida insana.
A
iaba com tal resistência não contara; a cada desmaio de Archanjo, a excomungada
pensava com esperança e raiva: agora o
possante vai pururucar, esmolambado! Muito ao contrário, em vez de fenecer,
crescia o ferro em brasa e em carícia.
Tampouco
imaginara gostosura assim, chibata de mel, pimenta e sal, delícia das delícias,
fenômeno de circo, maravilha. Ai, gemeu a iaba em desespero, se ao menos eu
pudesse... Não podia.
Durou
três dias e três noites o grão embate, o sumo pagode, sem intervalo: dez mil
trepadas e uma só metida, e a iaba tanto entesou-se em seu furor sem termo que,
de repente, deu-lhe um tangolomango e em gozo ela se abriu como se rompe o céu
em chuva. Irrigado o deserto, rota a aridez, vencida a maldição, hosana e
aleluia!
Adormeceu
então, realizada fêmea, mas não mulher ainda, ah não!
No
quarto de Archanjo, de sombras e odores misturados, dormia de bruços a iaba: um
desatino, um despropósito de negra, um xispeteó. Quando seu hálito cantou,
Archanjo lhe pôs o kelê no pescoço e o xaôrô no tornozelo e assim sujeita a
teve. Depois, com delicadeza de baiano lhe enfiou no celeste fiofó o coração da
ave, conta encantada de Xangô.
No
mesmo instante ela soltou um brado e um pum, os dois medonhos, sinistros,
pavorosos, o ar foi puro enxofre, mortal fumaça. Um clarão de raios sobre o
mar, o surdo eco aos trovões, os ventos desatados e a tempestade de um extremo
a outro do universo. Subiu aos céus imenso cogumelo e apagou o sol.
Mas
logo tudo se acalmou em júbilo e bonança; o arco-íris se estendeu em cores:
Oxumarê inaugurando a festa e a paz. Ao fedor de enxofre, sucedeu um cheiro de
desabrochadas rosas e a iaba já não era iaba, era a negra Doroteia. Em seu
peito crescera, por artes de Xangô, o mais terno coração, o mais submisso e
amante. Negra Doroteia para sempre, com seu chibiu de fogo, sua atrevida bunda
insubmissa, o coração de rola.
Resolvido
o busílis, desfeita a incógnita, achada a solução dos ipicilones, acabou-se a
história, amor, que mais contar? Doroteia fez santo, bravia filha de Yansan;
raspou a cabeça num barco de iaôs e terminou dagã a dançar o padê de Exu no
início das obrigações, Alguns xeretas, a par do acontecido, juram perceber
distante aftim de enxofre quando Doroteia abre a dança no terreiro. Aquela
inhaca do tempo em que, sendo iaba, quis quebrar a castanha de mestre Pedro Archanjo.
Difícil
quebrar a castanha do mestiço. Outros o tentaram, nas bandas do Tabuão, onde
fica a Tenda dos Milagres, e no Terreiro de Jesus, onde se eleva a Faculdade,
mas nenhum o conseguiu. A não ser Rosa — se alguém ensinou a Archanjo a dor de
amar e o venceu foi Rosa de Oxalá, e mais ninguém. Nem a iaba de azeviche e
danação, tampouco catedrático de fraque e sapiência.”
“DADOS FORNECIDOS À AGÊNCIA DOPING S.A.
PELO PROFESSOR
CALAZANS.
Nome:
Pedro
Archanjo.
Data
e local de nascimento:
18
de dezembro de 1868, na Cidade do Salvador, Estado da Bahia.
Filiação:
Filho
de Antônio Archanjo e de Noemia de Tal, mais conhecida por Noca de Logunedê. Do
pai sabe-se apenas ter sido recruta na Guerra do Paraguai na qual morreu
durante a travessia do Chaco, deixando a companheira grávida de Pedro, primeiro
e único filho.
Estudos:
Tendo
aprendido sozinho a ler, frequentou o Liceu de Artes e Ofícios onde adquiriu
noções de diversas matérias e da arte tipográfica. Distinguiu-se em português e
desde cedo foi dado à leitura. Já homem maduro aprofundou-se no estudo da
antropologia, da etnologia e da sociologia. Para fazê-lo aprendeu francês,
inglês e espanhol. Seus conhecimentos da vida e dos costumes do povo eram
praticamente ilimitados.
Livros:
Publicou
quatro livros — A vida popular na Bahia
(1907); Influências Africanas nos
Costumes da Bahia (1918); Apontamentos
Sobre a Mestiçagem nas Famílias Baianas (1928); A Culinária Baiana: origens e preceitos (1930), livros hoje
considerados fundamentais para o estudo do folclore, o conhecimento da vida
brasileira nos fins do século passado e nos começos do atual, e sobretudo para
a compreensão do problema de raças no Brasil.
Ardente
defensor da miscigenação, da fusão de raças, Pedro Archanjo foi, na opinião do
sábio norte-americano (Prêmio Nobel), James D. Levenson, um dos criadores da moderna etnologia. Sua obra completa acaba de
ser reeditada, em dois volumes, pela Editora Martins, de São Paulo, na Coleção Mestres do Brasil, anotada e
comentada pelo professor Artur Ramos, da Faculdade de Letras da Universidade do
Brasil. Os três primeiros livros foram reunidos num tomo sob o título geral de Brasil, País Mestiço (título dado pelo
professor Ramos), enquanto o livro sobre culinária constitui tomo à parte.
Relegada ao esquecimento durante muitos anos, a obra de Pedro Archanjo
tornou-se internacionalmente conhecida e admirada. Foi publicada em inglês, nos
Estados Unidos, integrando a notável Enciclopédia sobre a vida dos povos
subdesenvolvidos, editada sob os auspícios da Columbia University (Nova
Iorque). Neste ano de 1968, nas comemorações de seu centenário de nascimento,
muito se tem escrito sobre Pedro Archanjo. Destacam-se os trabalhos do
professor Ramos e o prefácio à tradução americana de seus livros, de autoria de Levenson: Pedro Archanjo, um criador de ciência.
Outros
dados:
Mulato,
pobre, autodidata. Ainda rapazola engajou-se grumete em navio de carga. Viveu
alguns anos no Rio de Janeiro. Ao voltar à Bahia, exerceu o oficio de tipógrafo
e ensinou primeiras letras, antes de empregar-se na Faculdade de Medicina,
emprego que veio a perder, após tê-lo exercido durante cerca de trinta anos,
devido à repercussão de um de seus livros.
Músico
amador, tocava violão e cavaquinho. Participou intensamente da vida popular.
Tendo permanecido solteiro, atribuem-lhe muitos amores, inclusive bela
escandinava, sueca ou finlandesa, não se sabe ao certo.
Data
da morte:
Faleceu
em 1943, aos setenta e cinco anos de idade. Grande massa popular acompanhou seu
enterro, ao qual estiveram presentes o professor Azevedo e o poeta Hélio
Simões.
No
exemplo de sua vida, Pedro Archanjo mostra-nos como um homem nascido
paupérrimo, órfão de pai, em ambiente pouco propício à cultura, exercendo
misteres humildes, pôde superar todas as dificuldades e elevar-se aos cumes do
saber, igualando-se e até sobrepondo-se às mais ilustres sumidades da época.
TEXTO REDIGIDO PELOS
ASES DA DOPING
PROMOÇÃO E
PUBLICIDADE S.A. E FORNECIDO
ÀS PROFESSORAS DAS
ESCOLAS PRIMÁRIAS DA
CIDADE DO SALVADOR.
O
imortal escritor e etnólogo Pedro Archanjo, glória da Bahia e do Brasil,
internacionalmente famoso, cujo centenário comemoramos este ano, sob o
patrocínio do Jornal da Cidade e da
Aguardente Crocodilo, nasceu em Salvador, a 18 de dezembro de 1868, órfão de um
herói da Guerra do Paraguai. Atendendo ao apelo da Pátria, seu pai, Antônio
Archanjo, despediu-se da esposa grávida e foi morrer nas lonjuras do Chaco, em
luta desigual contra o solerte inimigo.
Herdeiro
das gloriosas tradições paternas, lutou Pedro Archanjo desde cedo para
elevar-se do meio limitado e medíocre em que nascera. Iniciou estudos de
literatura e música, logo se notabilizando entre os colegas pela indisfarçável
vocação para as letras. Rapidamente dominou várias línguas, entre as quais o inglês,
o francês e o espanhol.
Durante
a juventude, levado pelo desejo de aventura, viajou como embarcadiço,
percorrendo o mundo. Em Estocolmo, conheceu a bela escandinava que foi o grande amor de
sua vida.
De
volta à Bahia, ingressou na Faculdade de Medicina e ali, durante cerca de
trinta anos, encontra o ambiente propício aos estudos e trabalhos que
projetaram seu nome de cientista e escritor.
Autor
de vários livros, nos quais fez o levantamento do folclore e dos costumes
baianos e a análise dos problemas raciais, traduzido em diversas línguas,
tornou-se mundialmente famoso, sobretudo nos Estados Unidos onde suas obras
foram adotadas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, por indicação do
célebre professor James D. Levenson, detentor do Prêmio Nobel, que se confessa
discípulo de Pedro Archanjo.
Faleceu
em Salvador, em 1943, aos setenta e cinco anos de idade, cercado do respeito
geral e da admiração dos doutos. Autoridades, professores das Faculdades,
escritores e poetas acompanharam seu enterro.
Orgulho
da Bahia e do Brasil, cujo nome elevou no estrangeiro, Pedro Archanjo nos
ensina, através seu exemplo, como um homem nascido na pobreza, em meio hostil à
cultura, pode elevar-se aos pináculos do saber e ocupar posto de destaque na
sociedade.
Quando
festejamos o centenário desse magnífico paladino da ciência e das letras, todos
os baianos se reúnem para reverenciar sua memória gloriosa, atendendo à
convocação do Jornal da Cidade, que
leva a cabo mais uma campanha memorável e patriótica.
A
Aguardente Crocodilo não podia estar ausente dessa magna celebração, pois ela
própria já é parte integrante do folclore baiano a cujo estudo o genial
patrício dedicou sua existência. Dessa louvada Aguardente não nasceu a figura
do Gaiato Crocodilo que faz as delícias da criançada nos anúncios das Rádios e
da Televisão, verdadeira criação do moderno folclore, com seus versinhos e sua
musiquinha?
O
Gaiato Crocodilo organizou um grande concurso nas escolas primárias de
Salvador: as queridas professoras vão contar, nas salas de aula, a história de
Pedro Archanjo e cada criança, do primeiro ao quinto grau, escreverá sua
impressão, concorrendo a uma das cinco bolsas de estudo para todo o curso
secundário, a serem utilizadas pelos vencedores em qualquer dos ginásios
particulares de nossa Capital, prêmios oferecidos pela Aguardente Crocodilo.
Junto
com a meninada das Escolas Públicas de Salvador, o Gaiato Crocodilo grita: Viva o imortal Pedro Archanjo!
PRELEÇÃO DA
PROFESSORA DIDA QUEIROZ
AOS ALUNOS DO
TERCEIRO GRAU, TURMA DA
MANHÃ, NA ESCOLA
PÚBLICA JORNALISTA
GIOVANNI GUIMARÃES
SITUADA
NO RIO VERMELHO.
Pedro
Archanjo é uma glória da Bahia, do Brasil e do Mundo. Nasceu há cem anos e por
isso o Jornal da Cidade e a
Aguardente Crocodilo estão festejando seu centenário, realizando concurso entre
os estudantes e distribuindo valiosos prêmios, como sejam: viagens aos Estados
Unidos e ao Rio de Janeiro, aparelhos de televisão e de rádio, livros e outros.
Para os alunos das escolas primárias foram reservadas cinco bolsas de estudo
para o curso secundário completo, em qualquer estabelecimento de ensino de
nossa Capital. Com os preços de hora da morte que os colégios estão cobrando,
trata-se de um prêmio e tanto.
O
pai de Pedro Archanjo foi general na Guerra do Paraguai e morreu lutando contra
o tirano Solano Lopez que atacou nossa Pátria. O pequenino Pedro ficou órfão e
pobre mas não desanimou. Não podendo frequentar a escola, embarcou num navio
cargueiro e conseguiu estudar línguas, tornando-se um poliglota que é a pessoa
capaz de falar outras línguas além do português. Fez vestibular para a
Faculdade de Medicina, onde, após colar grau, foi professor durante mais de
trinta anos.
Escreveu
muitos livros baseados no folclore, quer dizer livros contando histórias de
bichos e de gente, mas não servem para menino ler. São livros sérios, muito
importantes, estudados por sábios e professores.
Viajou
muito, conhecendo a Europa e os Estados Unidos, eu penso que viajar deve ser a
coisa melhor do mundo. Na Europa conheceu uma linda escandinava com quem casou
e viveu feliz a vida inteira.
Nos
Estados Unidos lecionou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque que é a
maior cidade do mundo, e dava as aulas em inglês. Entre seus alunos figurou o
sábio norte-americano Levenson que, muito tendo aprendido com ele, recebeu
depois o Prêmio Nobel, um prêmio muito do bacana, o sujeito que tira esse prêmio
entra direto para a História.
Morreu
velhinho, em 1943, e seu enterro foi uma consagração, tendo à frente o
Governador, o Prefeito e os professores da Faculdade.
O
exemplo de Pedro Archanjo nos ensina como um menino pobre, se tiver disposição
e estudar de verdade, pode ingressar na alta sociedade, ensinar na
Universidade, ganhar muito dinheiro, viajar à beça e vir a ser uma glória do
Brasil. É só ter força de vontade e não fazer malcriação à professora.
Vocês
agora vão escrever o que acharam de Pedro Archanjo, mas antes vamos gritar com
o Gaiato Crocodilo que oferece as bolsas: Viva
o imortal Pedro Archanjo!
REDAÇÃO DE RAÍ, DE
NOVE ANOS DE IDADE,
ALUNO DO TERCEIRO GRAU
DA CITADA ESCOLA
JORNALISTA GIOVANNI
GUIMARÃES.
Pedro
Archanjo era um órfão muito pobre que fugiu de marinheiro com uma gringa igual
que meu tio Zuca e foi pros Estados Unidos porque lá tem dinheiro pra burro mas
ele disse sou brasileiro e veio pra Bahia contar histórias de bichos e de gente
e era tão sabido que não dava lição a menino só a médico e professor e quando
morreu virou glória do Brasil e ganhou prêmio do jornal que era uma bolsa cheia
de garrafas de cachaça. Viva Pedro Archanjo e o Gaiato Crocodilo!”