segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Tenda dos milagres (Parte II), de Jorge Amado

Editora: Record

ISBN: 978-85-01-05376-3

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 338

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Sinopse: Ver Parte I



ONDE SE CONTA DE LIVROS, TESES E TEORIAS DE CATEDRÁTICOS E TROVADORES, DA RAINHA DE SABÁ, DA CONDESSA E DA IABA, E, EM MEIO A TANTO IPICILONE, SE PROPÕE UMA ADIVINHA E SE EXPRIME OUSADA OPINIÃO

CONTAM, AMOR, QUE, CERTA FEITA, ESTANDO UMA IABA DE PASSAGEM na Bahia, arreliou-se e ofendeu-se com a incontinência, o colossal deboche, a presepada imensa de mestre Pedro Archanjo, arrendatário de mulheres, macho de tantas fêmeas, pastor de dócil e fiel rebanho, mais parecendo um soba cercado de comborças, pois as puxavantes se conheciam e visitavam e juntas eram vistas cuidando dos meninos paridos de umas e de outras, todos dele, e davam-se o trato de comadre e mana, tudo em meio a gaitadas, a la vontê, em cavaqueira e patuscada, quando não reunidas no fogão a preparar quindins para o tirano.

De todas cuidava Pedro Archanjo, cada uma sua vez, e a todas satisfazia como se outro emprego não tivesse além daquele de cama e vadiagem, folguedos de meter e mandar vara, doce ofício. Um lorde, um paxá, um presunçoso tirado a zarro e a pé-de-mesa, numa vida de regalo. Bem de seu, tranquilo, a la godaça, de mulher nenhuma sofrendo as agonias, martírios, o medo de perdê-la ou de não tê-la, pois as desavergonhadas, as desbriosas viviam atrás dele em dengue e adulação; não cogitavam abandoná-lo, lhe fazer ciúmes ou lhe pôr os cornos — nem por brincadeira pensar nisso. Na maciota, Pedro Archanjo, o bom de bico e de xodó.

Tal situação parecendo intolerável à iaba, por humilhante para o femeaço inteiro, decidiu ela castigar severamente mestre Archanjo, dando-lhe lição amarga e dura que lhe ensinasse o mal do amor na súplica e na espera, no pedido e na recusa, no desprezo e no abandono, na traição e na vergonha, na dor de amar e não ser correspondido. Dor de amar assim jamais sofrera o femeeiro, sedutor espalhado em leito sem limites, colchão fofo de lã de barriguda ou catre de madeira, o areal ou o mato, na barra da manhã ou no cair da noite. Pois agora ia sofrer, aprender na própria carne — jurou a iaba ante o escândalo a nonchalança do beltrano: serás exposto ao mundo e à Bahia, de estrovenga murcha, de coração em chagas e a testa florescida em chifres, exposto ao debique e à troça, na lona, no alvéu e na brochura.

Para tanto a iaba virou a negra mais formosa até hoje vista em terras da África, de Cuba e do Brasil, narrada em história, caso, relato ou xeretice: um destempero de negra, um deslumbramento de azeviche. Perfume de rosas desabrochadas para não se sentir o cheiro de enxofre; sandálias fechadas para esconder os pés-de-cabra. Quanto ao rabo, em bunda se desenvolveu, escorreita e insubmissa, do resto do corpo independente, a requebrar por conta própria. Para dar-se pálida ideia da beleza da negra basta dizer que no percurso entre as profundas e a Tenda dos Milagres, ao seu passar, enlouqueceram seis mulatos, dois negros, doze brancos e uma procissão se dissolveu quando ela a atravessou. Viu-se o padre arrancar a batina e renegar a fé; e santo Onofre em seu andor voltou-se para ela e lhe sorriu.

Numas saias engomadas, a iaba ria contente: o pedante pagaria seu orgulho de pai-d’égua, de invicto garanhão em campo de mulheres. Para começo de conversa, rapidamente lhe deixaria pururuca a alabada estrovenga e, em seguida, murcha e morta, sem serventia para o bom, pelanca mole de Museu. Aqui jaz o mangalho de Pedro Archanjo, era famoso e uma iaba acabou com sua fama e valentia.

Da vitória no busílis a arrenegada tinha certeza e segurança: é público e notório que as iabas podem virar mulheres de invulgar beleza, de encanto irresistível, amantes ardentíssimas, sábias de carícias; é também de geral conhecimento que elas não conseguem desembocar no gozo — não o alcançam jamais, sempre insatisfeitas, a pedir mais, em furor crescente. Antes que atinjam e atravessem as portas do néctar e do paraíso, o vencido mangalho do parceiro se desmancha em reles muxiba. Jamais se soube de estrovenga capaz de romper esses muros de ânsia vã e danação e de conduzir sáfara e maldita iaba a tempo e a termo do hosanas e aleluias.

Mas o castigo não se restringiria à impotência, ao fiasco no doce e violento ofício, quiçá pior seria o coração roto e ferido. Porque a iaba pensava fazer dele gato e sapato, mísero suplicante, desinfeliz escravo, traído e desprezado. Entre as duas vergonhas, qual a mais horrenda, a mais mesquinha?

A falsa vinha satisfeita pela rua, com seu plano traçado: após lhe fazer provar mil vezes o gosto da quirica e do desmaio, quando o visse no visgo do xodó preso e vencido, se tocaria mundo além, indiferente, sem lhe dizer adeus. Para vê-lo — para que todos o vissem — de rastros a seus pés, pedinte; a língua lambendo a poeira do caminho, beijando-lhe as pisadas, todo ele um trapo vil, por fora um rebotalho, por dentro um corno manso a suplicar-lhe a graça de um olhar, de um riso, de um gesto, o dedo mínimo, o calcanhar, ah por caridade o bico do peito, uva negra e intumescida.

Arrastando-o no desprezo e no debique, a iaba mais baixo ainda o afundaria: na desonra — ao oferecer-se a outros em léria e em promessa, em sua cara se fretando com os vizinhos. Para que todos o vissem roendo beira de sino, tampa de pinico; para que o vissem fora de si, de punhal erguido, de navalha aberta: volta ou te mato, desgraçada; se deres a outro a flor agreste, morrerás em minhas mãos e morrerei também.

Assim, de rastros exposto na cidade, em pleno dia, à vista de todos, em pranto e súplica, chifrudo sem decoro, despido do último resquício de decência, de orgulho, verme na lama, na vergonha, na morte, na dor de amar. Vem! e traz todos os teus fretes, todos os teus machos, prega-me os chifres que quiseres, coberto de excremento e fel te desejo e te suplico, vem! e te aceito agradecido.

As iabas não gozam, já sabemos; mas também não amam e não sofrem porque, como está provado, às iabas falta coração — vazio o peito, oco e sem remédio. Por isso, por imune e por maldita, vinha ela rindo no caminho, a bunda mais atrás em remelexo, e os homens se matando só de vê-la. Pobre Archanjo.

Sucede, porém, amor, que Pedro Archanjo, esparramado na porta da Tenda dos Milagres, a esperou mal a noite se acendeu na estrela vespertina e a lua saiu de casa em Itaparica e veio debruçar-se sobre o mar, um mar de óleo, verde-escuro. Encomendara lua, estrelas, aquele mar silente e uma canção:

Obrigado minha senhora

Pela sua cortesia;

Tenho visto que é formosa

E cheia de bizarria.

Apoiava-se na estrovenga como se ela fosse seu bastão de obá, tanto crescera na impaciente espera; tão-só com seu olor de macho descabaçava virgens, léguas adiante, e as emprenhava.

Perguntarás, amor: que novidade é essa, como soube Archanjo dos malignos, dos esconsos propósitos da iaba — mate-me logo esta adivinha. É muito simples: por acaso não era Pedro Archanjo filho predileto de Exu, senhor dos caminhos e das encruzilhadas? Era também os olhos de Xangô — sua vista alcança longe e vê por dentro.

Foi Exu quem lhe avisou da prepotência e dos péssimos desígnios da perversa filha do Cão, de peito oco. Lhe avisou e lhe disse o que fazer: tome primeiro um banho de folhas, mas não de uma qualquer; vá a Ossain e lhe pergunte quais, só ele penetra no âmago das plantas. Depois prepare água de cheiro de pitanga, misture com sal, mel e pimenta e nela banhe o pai-do-mundo, juntamente com os quimbas, os dois mabaças — vai doer bastante, não se importe, seja homem, aguente; verá em breve os resultados: será a estrovenga principal do mundo pelo volume, em inchaço e longitude, pelo deleite, pela formosura e pela arreitação. Não haverá quirica de mulher ou de iaba capaz de abalar sua estrutura, quanto mais deixá-la vacilante e frouxa.

Para completar o encantamento lhe entregou um kelê, colar de sujeição para o pescoço, e um xaôrô para sujeitar o tornozelo. Quando ela dormir ponha-lhe o kelê e o xaôrô e estará presa pela cabeça e pelos pés, cativa para sempre. O resto Xangô vai lhe dizer.

Xangô ordenou-lhe um ebó com doze galos brancos e doze galos pretos com doze conquéns pintadas e uma pomba branca, de imaculada alvura, de túmido peito e mavioso arrulho. Ao final do ebó, num sortilégio de mandinga, do coração da pomba em sangue e amor, Xangô fez uma conta que era branca e era vermelha, e a entregou a Archanjo, dizendo-lhe com sua voz de raio e de trovão: Ojuobá, escute e aprenda este despacho: quando a iaba já estiver sujeita pela cabeça e pelos pés, dormida e entregue, enfie essa conta em seu subilatório e aguarde sem medo o resultado: aconteça o que aconteça, não fuja, não arrede lugar, espere. Archanjo tocou a terra com a testa e disse: axé.

Depois foi tomar o banho de folhas, escolhidas uma a uma por Ossain. No mel e na água de pitanga, no sal e na pimenta malagueta preparou a arma e a viu crescer, descomunal bordão de caminhante. No bolso escondeu o kelê, o xaôrô e o coração da pomba, a conta vermelha e branca de Xangô. Na porta da Tenda, ele a esperou chegar.

Apenas surgiu na esquina e começaram, não houve fuleragem nem fricotes; mal a iaba apareceu e a estrovenga foi ao seu encontro e lhe subiu as saias engomadas, ali mesmo metendo, na exata medida do chibiu: fogo com fogo, mel com mel, sal com sal, pimenta com pimenta e malagueta. Contar essa batalha, essa guerra das duas competências, o assalto da égua e do cavalo, o miar da gata em desvario, o uivo do lobo, o ronco do javali selvagem, o soluço da donzela na hora de mulher, o arrulho do pombo, o marulho das ondas, contar, amor, quem poderia?

Rolaram pela ladeira, penetrados, foram parar no areal do porto e atravessaram a noite. A maré cresceu e os levou; no fundo do mar prosseguiram em louca cavalgada, na metida insana.

A iaba com tal resistência não contara; a cada desmaio de Archanjo, a excomungada pensava com esperança e raiva: agora o possante vai pururucar, esmolambado! Muito ao contrário, em vez de fenecer, crescia o ferro em brasa e em carícia.

Tampouco imaginara gostosura assim, chibata de mel, pimenta e sal, delícia das delícias, fenômeno de circo, maravilha. Ai, gemeu a iaba em desespero, se ao menos eu pudesse... Não podia.

Durou três dias e três noites o grão embate, o sumo pagode, sem intervalo: dez mil trepadas e uma só metida, e a iaba tanto entesou-se em seu furor sem termo que, de repente, deu-lhe um tangolomango e em gozo ela se abriu como se rompe o céu em chuva. Irrigado o deserto, rota a aridez, vencida a maldição, hosana e aleluia!

Adormeceu então, realizada fêmea, mas não mulher ainda, ah não!

No quarto de Archanjo, de sombras e odores misturados, dormia de bruços a iaba: um desatino, um despropósito de negra, um xispeteó. Quando seu hálito cantou, Archanjo lhe pôs o kelê no pescoço e o xaôrô no tornozelo e assim sujeita a teve. Depois, com delicadeza de baiano lhe enfiou no celeste fiofó o coração da ave, conta encantada de Xangô.

No mesmo instante ela soltou um brado e um pum, os dois medonhos, sinistros, pavorosos, o ar foi puro enxofre, mortal fumaça. Um clarão de raios sobre o mar, o surdo eco aos trovões, os ventos desatados e a tempestade de um extremo a outro do universo. Subiu aos céus imenso cogumelo e apagou o sol.

Mas logo tudo se acalmou em júbilo e bonança; o arco-íris se estendeu em cores: Oxumarê inaugurando a festa e a paz. Ao fedor de enxofre, sucedeu um cheiro de desabrochadas rosas e a iaba já não era iaba, era a negra Doroteia. Em seu peito crescera, por artes de Xangô, o mais terno coração, o mais submisso e amante. Negra Doroteia para sempre, com seu chibiu de fogo, sua atrevida bunda insubmissa, o coração de rola.

Resolvido o busílis, desfeita a incógnita, achada a solução dos ipicilones, acabou-se a história, amor, que mais contar? Doroteia fez santo, bravia filha de Yansan; raspou a cabeça num barco de iaôs e terminou dagã a dançar o padê de Exu no início das obrigações, Alguns xeretas, a par do acontecido, juram perceber distante aftim de enxofre quando Doroteia abre a dança no terreiro. Aquela inhaca do tempo em que, sendo iaba, quis quebrar a castanha de mestre Pedro Archanjo.

Difícil quebrar a castanha do mestiço. Outros o tentaram, nas bandas do Tabuão, onde fica a Tenda dos Milagres, e no Terreiro de Jesus, onde se eleva a Faculdade, mas nenhum o conseguiu. A não ser Rosa — se alguém ensinou a Archanjo a dor de amar e o venceu foi Rosa de Oxalá, e mais ninguém. Nem a iaba de azeviche e danação, tampouco catedrático de fraque e sapiência.”

 

 

DADOS FORNECIDOS À AGÊNCIA DOPING S.A.

PELO PROFESSOR CALAZANS.

Nome:

Pedro Archanjo.

Data e local de nascimento:

18 de dezembro de 1868, na Cidade do Salvador, Estado da Bahia.

Filiação:

Filho de Antônio Archanjo e de Noemia de Tal, mais conhecida por Noca de Logunedê. Do pai sabe-se apenas ter sido recruta na Guerra do Paraguai na qual morreu durante a travessia do Chaco, deixando a companheira grávida de Pedro, primeiro e único filho.

Estudos:

Tendo aprendido sozinho a ler, frequentou o Liceu de Artes e Ofícios onde adquiriu noções de diversas matérias e da arte tipográfica. Distinguiu-se em português e desde cedo foi dado à leitura. Já homem maduro aprofundou-se no estudo da antropologia, da etnologia e da sociologia. Para fazê-lo aprendeu francês, inglês e espanhol. Seus conhecimentos da vida e dos costumes do povo eram praticamente ilimitados.

Livros:

Publicou quatro livros — A vida popular na Bahia (1907); Influências Africanas nos Costumes da Bahia (1918); Apontamentos Sobre a Mestiçagem nas Famílias Baianas (1928); A Culinária Baiana: origens e preceitos (1930), livros hoje considerados fundamentais para o estudo do folclore, o conhecimento da vida brasileira nos fins do século passado e nos começos do atual, e sobretudo para a compreensão do problema de raças no Brasil.

Ardente defensor da miscigenação, da fusão de raças, Pedro Archanjo foi, na opinião do sábio norte-americano (Prêmio Nobel), James D. Levenson, um dos criadores da moderna etnologia. Sua obra completa acaba de ser reeditada, em dois volumes, pela Editora Martins, de São Paulo, na Coleção Mestres do Brasil, anotada e comentada pelo professor Artur Ramos, da Faculdade de Letras da Universidade do Brasil. Os três primeiros livros foram reunidos num tomo sob o título geral de Brasil, País Mestiço (título dado pelo professor Ramos), enquanto o livro sobre culinária constitui tomo à parte. Relegada ao esquecimento durante muitos anos, a obra de Pedro Archanjo tornou-se internacionalmente conhecida e admirada. Foi publicada em inglês, nos Estados Unidos, integrando a notável Enciclopédia sobre a vida dos povos subdesenvolvidos, editada sob os auspícios da Columbia University (Nova Iorque). Neste ano de 1968, nas comemorações de seu centenário de nascimento, muito se tem escrito sobre Pedro Archanjo. Destacam-se os trabalhos do professor Ramos e o prefácio à tradução americana de seus livros, de autoria de Levenson: Pedro Archanjo, um criador de ciência.

Outros dados:

Mulato, pobre, autodidata. Ainda rapazola engajou-se grumete em navio de carga. Viveu alguns anos no Rio de Janeiro. Ao voltar à Bahia, exerceu o oficio de tipógrafo e ensinou primeiras letras, antes de empregar-se na Faculdade de Medicina, emprego que veio a perder, após tê-lo exercido durante cerca de trinta anos, devido à repercussão de um de seus livros.

Músico amador, tocava violão e cavaquinho. Participou intensamente da vida popular. Tendo permanecido solteiro, atribuem-lhe muitos amores, inclusive bela escandinava, sueca ou finlandesa, não se sabe ao certo.

Data da morte:

Faleceu em 1943, aos setenta e cinco anos de idade. Grande massa popular acompanhou seu enterro, ao qual estiveram presentes o professor Azevedo e o poeta Hélio Simões.

No exemplo de sua vida, Pedro Archanjo mostra-nos como um homem nascido paupérrimo, órfão de pai, em ambiente pouco propício à cultura, exercendo misteres humildes, pôde superar todas as dificuldades e elevar-se aos cumes do saber, igualando-se e até sobrepondo-se às mais ilustres sumidades da época.

 

TEXTO REDIGIDO PELOS ASES DA DOPING

PROMOÇÃO E PUBLICIDADE S.A. E FORNECIDO

ÀS PROFESSORAS DAS ESCOLAS PRIMÁRIAS DA

CIDADE DO SALVADOR.

O imortal escritor e etnólogo Pedro Archanjo, glória da Bahia e do Brasil, internacionalmente famoso, cujo centenário comemoramos este ano, sob o patrocínio do Jornal da Cidade e da Aguardente Crocodilo, nasceu em Salvador, a 18 de dezembro de 1868, órfão de um herói da Guerra do Paraguai. Atendendo ao apelo da Pátria, seu pai, Antônio Archanjo, despediu-se da esposa grávida e foi morrer nas lonjuras do Chaco, em luta desigual contra o solerte inimigo.

Herdeiro das gloriosas tradições paternas, lutou Pedro Archanjo desde cedo para elevar-se do meio limitado e medíocre em que nascera. Iniciou estudos de literatura e música, logo se notabilizando entre os colegas pela indisfarçável vocação para as letras. Rapidamente dominou várias línguas, entre as quais o inglês, o francês e o espanhol.

Durante a juventude, levado pelo desejo de aventura, viajou como embarcadiço, percorrendo o mundo. Em Estocolmo, conheceu a bela escandinava que foi o grande amor de sua vida.

De volta à Bahia, ingressou na Faculdade de Medicina e ali, durante cerca de trinta anos, encontra o ambiente propício aos estudos e trabalhos que projetaram seu nome de cientista e escritor.

Autor de vários livros, nos quais fez o levantamento do folclore e dos costumes baianos e a análise dos problemas raciais, traduzido em diversas línguas, tornou-se mundialmente famoso, sobretudo nos Estados Unidos onde suas obras foram adotadas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, por indicação do célebre professor James D. Levenson, detentor do Prêmio Nobel, que se confessa discípulo de Pedro Archanjo.

Faleceu em Salvador, em 1943, aos setenta e cinco anos de idade, cercado do respeito geral e da admiração dos doutos. Autoridades, professores das Faculdades, escritores e poetas acompanharam seu enterro.

Orgulho da Bahia e do Brasil, cujo nome elevou no estrangeiro, Pedro Archanjo nos ensina, através seu exemplo, como um homem nascido na pobreza, em meio hostil à cultura, pode elevar-se aos pináculos do saber e ocupar posto de destaque na sociedade.

Quando festejamos o centenário desse magnífico paladino da ciência e das letras, todos os baianos se reúnem para reverenciar sua memória gloriosa, atendendo à convocação do Jornal da Cidade, que leva a cabo mais uma campanha memorável e patriótica.

A Aguardente Crocodilo não podia estar ausente dessa magna celebração, pois ela própria já é parte integrante do folclore baiano a cujo estudo o genial patrício dedicou sua existência. Dessa louvada Aguardente não nasceu a figura do Gaiato Crocodilo que faz as delícias da criançada nos anúncios das Rádios e da Televisão, verdadeira criação do moderno folclore, com seus versinhos e sua musiquinha?

O Gaiato Crocodilo organizou um grande concurso nas escolas primárias de Salvador: as queridas professoras vão contar, nas salas de aula, a história de Pedro Archanjo e cada criança, do primeiro ao quinto grau, escreverá sua impressão, concorrendo a uma das cinco bolsas de estudo para todo o curso secundário, a serem utilizadas pelos vencedores em qualquer dos ginásios particulares de nossa Capital, prêmios oferecidos pela Aguardente Crocodilo.

Junto com a meninada das Escolas Públicas de Salvador, o Gaiato Crocodilo grita: Viva o imortal Pedro Archanjo!

 

PRELEÇÃO DA PROFESSORA DIDA QUEIROZ

AOS ALUNOS DO TERCEIRO GRAU, TURMA DA

MANHÃ, NA ESCOLA PÚBLICA JORNALISTA

GIOVANNI GUIMARÃES SITUADA

NO RIO VERMELHO.

Pedro Archanjo é uma glória da Bahia, do Brasil e do Mundo. Nasceu há cem anos e por isso o Jornal da Cidade e a Aguardente Crocodilo estão festejando seu centenário, realizando concurso entre os estudantes e distribuindo valiosos prêmios, como sejam: viagens aos Estados Unidos e ao Rio de Janeiro, aparelhos de televisão e de rádio, livros e outros. Para os alunos das escolas primárias foram reservadas cinco bolsas de estudo para o curso secundário completo, em qualquer estabelecimento de ensino de nossa Capital. Com os preços de hora da morte que os colégios estão cobrando, trata-se de um prêmio e tanto.

O pai de Pedro Archanjo foi general na Guerra do Paraguai e morreu lutando contra o tirano Solano Lopez que atacou nossa Pátria. O pequenino Pedro ficou órfão e pobre mas não desanimou. Não podendo frequentar a escola, embarcou num navio cargueiro e conseguiu estudar línguas, tornando-se um poliglota que é a pessoa capaz de falar outras línguas além do português. Fez vestibular para a Faculdade de Medicina, onde, após colar grau, foi professor durante mais de trinta anos.

Escreveu muitos livros baseados no folclore, quer dizer livros contando histórias de bichos e de gente, mas não servem para menino ler. São livros sérios, muito importantes, estudados por sábios e professores.

Viajou muito, conhecendo a Europa e os Estados Unidos, eu penso que viajar deve ser a coisa melhor do mundo. Na Europa conheceu uma linda escandinava com quem casou e viveu feliz a vida inteira.

Nos Estados Unidos lecionou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque que é a maior cidade do mundo, e dava as aulas em inglês. Entre seus alunos figurou o sábio norte-americano Levenson que, muito tendo aprendido com ele, recebeu depois o Prêmio Nobel, um prêmio muito do bacana, o sujeito que tira esse prêmio entra direto para a História.

Morreu velhinho, em 1943, e seu enterro foi uma consagração, tendo à frente o Governador, o Prefeito e os professores da Faculdade.

O exemplo de Pedro Archanjo nos ensina como um menino pobre, se tiver disposição e estudar de verdade, pode ingressar na alta sociedade, ensinar na Universidade, ganhar muito dinheiro, viajar à beça e vir a ser uma glória do Brasil. É só ter força de vontade e não fazer malcriação à professora.

Vocês agora vão escrever o que acharam de Pedro Archanjo, mas antes vamos gritar com o Gaiato Crocodilo que oferece as bolsas: Viva o imortal Pedro Archanjo!

 

 

REDAÇÃO DE RAÍ, DE NOVE ANOS DE IDADE,

ALUNO DO TERCEIRO GRAU DA CITADA ESCOLA

JORNALISTA GIOVANNI GUIMARÃES.

Pedro Archanjo era um órfão muito pobre que fugiu de marinheiro com uma gringa igual que meu tio Zuca e foi pros Estados Unidos porque lá tem dinheiro pra burro mas ele disse sou brasileiro e veio pra Bahia contar histórias de bichos e de gente e era tão sabido que não dava lição a menino só a médico e professor e quando morreu virou glória do Brasil e ganhou prêmio do jornal que era uma bolsa cheia de garrafas de cachaça. Viva Pedro Archanjo e o Gaiato Crocodilo!”

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