Editora: Portfolio
Penguin
ISBN:
978-85-8285-003-9
Tradução: Elvira
Serapicos
Opinião: ★★☆☆☆
Análise em vídeo: Clique aqui
Link para compra: Clique aqui
Páginas: 318
Sinopse: Uma invenção
com impacto enorme na vida de milhões de pessoas, o iPhone costuma ser visto
como fruto da mente genial de Steve Jobs e da empresa que ele ajudou a se
tornar uma marca mundial bilionária, a Apple. Muitas das tecnologias mais
marcantes do aparelho, porém, são resultado de pesquisas financiadas pelo
Estado americano, como a tela touchscreen e o assistente virtual acionado por
voz, Siri. Essa é uma das revelações feitas por Mariana Mazzucato em O Estado empreendedor, e ilustra bem o
principal tema discutido por ela no livro: apesar de ser percebido como lento,
burocrático e pouco ousado, o Estado teve e continua tendo papel fundamental e
estratégico no desenvolvimento de grandes avanços tecnológicos. Valendo-se
sempre de dados fartos e análises bem-fundamentadas, a autora examina outros
casos semelhantes em áreas que vão da internet à nanotecnologia e, através de
um olhar fresco e muitas vezes surpreendente, enriquece um debate atualíssimo.
“Moral da história:
quando o Estado é organizado eficientemente, sua mão é firme mas não pesada,
proporcionando a visão e o impulso dinâmico (assim como alguns “cutucões”
— embora os cutucões não possam ser dados pela revolução da TI do passado nem
pela revolução verde de hoje), acontecem coisas que de outra forma não
aconteceriam. Tais ações visam encorajar o setor privado. Isso requer a
compreensão de que o Estado não é nem um “intruso” nem um mero facilitador do
crescimento econômico. É um parceiro fundamental do setor privado — e em geral
mais ousado, disposto a assumir riscos que as empresas não assumem. O Estado
não pode e não deve se curvar facilmente a grupos de interesse que se aproximam
dele em busca de doações, rendas e privilégios desnecessários, como cortes de
impostos. Em vez disso, deve procurar aqueles grupos de interesse com os quais
possa trabalhar dinamicamente em sua busca por crescimento e evolução tecnológica.
(...)
Um Estado empreendedor não apenas “reduz os riscos” do
setor privado, como antevê o espaço de risco e opera corajosa e eficientemente
dentro desse espaço para fazer as coisas acontecerem. De fato, quando não se
mostra confiante, o mais provável é que o Estado seja “submetido” e se curve
aos interesses privados. Quando não assume um papel de liderança, o Estado se
torna uma pobre contrafação do comportamento do setor privado em vez de uma
alternativa real. E as críticas costumeiras de que o Estado é lento e
burocrático são mais prováveis nos países em que ele é marginalizado e obrigado
a desempenhar um papel puramente “administrativo”.”
“O entendimento mais recente leva a discussões (mais)
interessantes a respeito do que o Estado pode fazer para elevar o “espírito
animal” do empresariado — para fazer com que pare de acumular dinheiro e o
gaste em novas áreas pioneiras. Isso faz uma grande diferença na forma como se
imagina o “espaço” político. Para começar, torna o Estado menos vulnerável à
propaganda a respeito do que o setor empresarial pode fazer (e faz). De fato,
são os Estados mais fracos que (mais) cedem à retórica de que existe uma
necessidade de diferentes tipos de “cortes na carga tributária” e eliminação da
“burocracia” normativa. Um governo confiante reconhece que o setor comercial
pode “falar” a respeito dos impostos, mas “caminha” para onde estão as novas
oportunidades tecnológicas e de mercado — e que isso está fortemente
concatenado com áreas caracterizadas por grandes investimentos do setor
público. Por acaso a Pfizer saiu de Sandwich, Kent (Reino Unido), e se mudou
para Boston, nos Estados Unidos, devido à redução da carga tributária e à
legislação mais flexível? Ou isso ocorreu porque o National Institutes of
Health (NIH), do setor público, tem desembolsado cerca de 30,9 bilhões de
dólares por ano nos Estados Unidos no financiamento da base de conhecimento
sobre a qual empresas farmacêuticas privadas prosperam?
Em economia, a hipótese do crowding out é usada
para analisar a possibilidade de a elevação nos gastos do Estado reduzir os
investimentos do setor privado, uma vez que ambos competem pelo mesmo pool de
poupança (através de empréstimos), o que poderia resultar então em taxas de
juros mais elevadas, algo que reduziria a disposição das empresas para fazer
empréstimos e, consequentemente, investir. Embora a análise keynesiana tenha
argumentado contra essa possibilidade durante os períodos de capacidade ociosa
(Zenghelis, A Macroeconomic Plan for a
Green Recovery, 2011), a questão é que mesmo quando há um boom (quando
teoricamente existe capacidade de utilização plena), existem na prática muitas
partes do cenário de risco em que os negócios privados temem colocar os pés e o
governo indica o caminho. De fato, os gastos que levaram à internet ocorreram
principalmente em épocas de boom — assim como os gastos governamentais que
levaram à indústria da nanotecnologia (Motoyama et al., The National Nanotechnology Initiative: Federal Support for Science and
Technology, or Hidden Industrial Policy?, 2011).
Desse modo, uma defesa apropriada do Estado deveria
argumentar que ele não apenas faz o crowd in [reúne] do investimento
privado (aumentando o PIB através do efeito multiplicador) — noção correta,
porém limitada, apresentada pelos keynesianos —, mas vai além.”
“Na zona do euro, argumenta-se atualmente que todos os
problemas dos países “periféricos” da União Europeia, como Portugal e Itália,
são resultado de um setor público “perdulário”, ignorando-se as evidências de
que esses países se caracterizam mais por um setor público estagnado, que não
fizeram os investimentos estratégicos que países mais bem-sucedidos, como a
Alemanha, vêm fazendo há décadas (MAZZUCATO, 2012b, The EU Needs More, Not Less Investment, to Get Out of Its Current
Economic Predicament).
O poder da ideologia é tão grande que consegue
fabricar a história com facilidade. Um aspecto notável da crise financeira que
teve início em 2007 é o fato de que, apesar de ter sido flagrantemente causada
pelo excesso de endividamento do setor privado (principalmente no mercado
imobiliário americano), muitas pessoas foram levadas a acreditar que o
principal culpado foi a dívida pública. É verdade que a dívida do setor público
(ALESSANDRI e HALDANE, Banking on the
State, 2009) subiu drasticamente devido tanto aos resgates bancários
financiados pelo governo quanto à redução das receitas fiscais que acompanhou a
recessão subsequente em muitos países. Mas dificilmente se pode argumentar que
a crise financeira, ou a crise econômica decorrente, foi causada pela dívida
pública. A questão-chave não era a quantidade de gastos do setor público, mas o
tipo de gasto. De fato, uma das razões para o índice de crescimento da Itália
ter sido tão baixo nos últimos quinze anos não é o fato de o país estar
gastando muito, mas não ter investido o suficiente em áreas como educação,
capital humano e P&D. Por isso, mesmo com um déficit pré-crise
relativamente modesto (cerca de 4%), a relação dívida/PIB continuou crescendo
porque a taxa de crescimento do denominador nessa relação manteve-se próxima de
zero.”
“O aspecto mais
chocante dessa discussão foi não apenas constatar que o trabalho estatístico
(publicado na que é considerada a revista de economia mais importante) foi
feito de maneira incorreta (e descuidada), mas a rapidez com que as pessoas
acreditaram na questão central: que a dívida acima de 90% do PIB irá
necessariamente derrubar o crescimento. O corolário tornou-se o novo dogma: a
austeridade trará necessariamente (e suficientemente) o crescimento de volta. E
ainda assim existem muitos países com dívida mais alta que cresceram de forma
estável (como o Canadá, a Nova Zelândia e a Austrália — todos ignorados). Ainda
mais óbvia é a questão de que aquilo que importa com certeza não é o tamanho
agregado do setor público, mas no que ele está gastando. Gastos com papelada
inútil, ou comissões, certamente não podem ser comparados àqueles com um
sistema de saúde mais funcional e eficiente, com os gastos em educação de
qualidade ou com pesquisas inovadoras que podem contribuir para a formação do
capital humano e tecnologias futuras. Na verdade, as variáveis que segundo os
economistas são importantes para o crescimento — como educação, P&D — são
dispendiosas. O fato de os países mais fracos da Europa, com uma relação
dívida/PIB muito alta, terem gastado muito pouco nessas áreas (fazendo com que
o denominador dessa relação seja prejudicado) não deveria surpreender.
Entretanto, as receitas de austeridade que estão sendo impostas a eles
atualmente só irão agravar o problema.
E é aqui que entra a promessa autorrealizável: quanto
mais depreciamos o papel do Estado na economia, menos condições teremos de
elevar seu nível de jogo e de transformá-lo em um player importante, e assim
ele terá menos condições de atrair os melhores talentos.”
“Evidentemente, a
ênfase sobre o Estado como agente empreendedor não pretende negar a existência
da atividade empreendedora do setor privado, desde o papel das jovens empresas
que geram dinamismo em novos setores (Google, por exemplo) a importantes fontes
de financiamento como o capital de risco. O problema-chave é que essa é a única
história que costuma ser contada. O Vale do Silício e a indústria da
biotecnologia costumam ser vistos como conquistas dos gênios que estão por trás
de pequenas empresas de alta tecnologia como o Facebook, ou do grande número de
pequenas empresas de biotecnologia em Boston (Estados Unidos) ou Cambridge
(Reino Unido). O “atraso” da Europa em relação aos Estados Unidos costuma ser
atribuído a um setor de capital de risco fraco. Exemplos desses setores de alta
tecnologia nos Estados Unidos são frequentemente usados para justificar por que
precisamos de menos Estado e mais mercado: inclinando a balança a favor do
mercado, a Europa poderia produzir seus próprios “Googles”. Mas quantas pessoas
sabem que o algoritmo que levou ao sucesso do Google foi financiado por um
subsídio de uma agência do setor público, a Fundação Nacional de Ciência (NSF)?
(Batelle, The Search, 2005). Ou que
os anticorpos moleculares, que forneceram as bases para a biotecnologia antes
da entrada do capital de risco no setor, foram descobertos em laboratórios
públicos, do Conselho de Pesquisa Médica (MRC), no Reino Unido? Quantas pessoas
percebem que muitas das mais jovens e inovadoras empresas americanas foram
financiadas não pelo capital de risco privado, mas pelo capital de risco público,
como o que é oferecido pelo programa de Pesquisa para a Inovação em Pequenas
Empresas (SBIR)?
As lições dessas experiências são importantes. Elas
obrigam o debate a ir além do papel do Estado no estímulo à demanda, ou da
preocupação de “escolher os vencedores”. Em vez disso, o que temos é um caso de
Estado direcionado, proativo, empreendedor, capaz de assumir riscos e
criar um sistema altamente articulado que aproveita o melhor do setor privado
para o bem nacional em um horizonte de médio e longo prazo. É o Estado agindo
como principal investidor e catalisador, que desperta toda a rede para a ação e
difusão do conhecimento. O Estado pode e age como criador, não como mero
facilitador da economia do conhecimento.
A defesa de um Estado empreendedor não é uma “nova”
política industrial porque de fato é o que aconteceu. Como explicaram tão bem
Block e Keller (2011, State of Innovation,
p. 95), as diretivas industriais do Estado são “escondidas” basicamente para
evitar uma reação da direita conservadora. São abundantes as evidências do
papel crucial do Estado na história da indústria de computadores, da internet,
da indústria farmacêutica-biotecnológica, da nanotecnologia e do setor da
tecnologia verde. Em todos esses casos, o Estado ousou pensar — contra todas as
probabilidades — no “impossível”: criando novas oportunidades tecnológicas;
fazendo os investimentos iniciais, grandes e fundamentais; permitindo que uma
rede descentralizada desenvolvesse a pesquisa arriscada; e depois
possibilitando que o processo de desenvolvimento e comercialização ocorresse de
forma dinâmica.”
“Economistas
dispostos a admitir que o Estado tem um papel importante costumam apresentar
seus argumentos usando uma estrutura específica chamada “falha do mercado”.
Segundo essa perspectiva, o fato de os mercados serem “imperfeitos” é visto
como a exceção, o que significa que o Estado tem um papel a cumprir — porém não
muito interessante. As imperfeições podem surgir por vários motivos: a falta de
vontade das empresas privadas de investirem em determinadas áreas, como
pesquisa básica, nas quais não podem auferir lucros porque os resultados são um
“bem público” acessível a todas as empresas (resultados de P&D básicos são
uma externalidade positiva); o fato de as empresas privadas não incluírem o
custo da poluição causada por elas ao fixarem seus preços (a poluição é uma
externalidade negativa); ou o fato de que o risco de certos investimentos é
alto demais para que uma única empresa possa arcar com ele (levando a mercados
incompletos). Considerando essas diferentes formas de falhas do mercado,
exemplos do papel que se espera do Estado incluiriam pesquisa básica financiada
com recursos públicos, cobrança de impostos das empresas poluidoras e
financiamento público para projetos de infraestrutura. Apesar de útil, essa
argumentação não consegue explicar o papel estratégico “visionário” exercido
pelo governo ao fazer esses investimentos. A descoberta da internet ou o
surgimento da indústria da nanotecnologia não ocorreram porque o setor privado
queria algo mas não conseguia encontrar os recursos para investir. Elas
aconteceram devido à visão que o governo tinha de uma área que ainda não havia
sido sondada pelo setor privado. Mesmo depois da introdução dessas novas
tecnologias pelo governo, o setor privado continuou a mostrar muito receio de
investir. O governo precisou inclusive apoiar a comercialização da internet. E
passaram-se anos até que os investidores capitalistas começassem a financiar
empresas de biotecnologia e nanotecnologia. Foi o Estado — nesse e em tantos
outros casos — que demonstrou ter um “espírito animal” mais agressivo.
Existem
vários contraexemplos que poderiam ser usados para caracterizar o Estado como
muito distante de uma força “empreendedora”. Afinal de contas, o
desenvolvimento de novas tecnologias e o apoio a novas indústrias não são o
único papel do Estado. Mas a admissão das circunstâncias em que ele desempenhou
um papel empreendedor dará subsídios para políticas, que muitas vezes se
baseiam na suposição de que o papel do Estado é corrigir as falhas do mercado
ou facilitar a inovação para o “dinâmico” setor privado. Essas suposições de que
tudo o que o Estado tem de fazer é “dar um empurrãozinho” no setor privado na
direção correta; que os créditos fiscais funcionarão porque o empresariado está
ansioso para investir em inovação; que a remoção de obstáculos e a regulação é
necessária; que as pequenas empresas, simplesmente por causa de seu tamanho,
são mais flexíveis e empreendedoras e deveriam receber apoio direto e indireto;
que o principal problema da Europa é mera questão de “comercialização”, não
passam de mitos. Mitos sobre a origem do empreendedorismo e da inovação. Mitos
que impediram que algumas políticas fossem tão eficientes quanto poderiam ter
sido para estimular o tipo de inovação que o empresariado não teria tentado por
conta própria.”
“É ingenuidade esperar
que o capital de risco invista nos estágios iniciais e mais arriscados de
qualquer novo setor da economia atualmente (como a energia limpa). Na
biotecnologia, nanotecnologia e internet, o capital de risco chegou quinze ou
vinte anos depois que os investimentos mais importantes foram feitos com
recursos do setor público.
A história mostra que essas áreas do cenário de risco
(dentro dos setores, em qualquer momento; e no início, quando novos setores
estão surgindo), que são definidas pelo grande investimento financeiro, alto
nível tecnológico e grande risco mercadológico, tendem a ser evitadas pelo
setor privado e têm exigido grandes montantes de financiamento (de diferentes
tipos) do setor público, assim como a visão e o espírito de liderança do setor
público para decolar. O Estado está por trás da maioria das revoluções
tecnológicas e longos períodos de crescimento. É por isso que um “Estado
empreendedor” é necessário para assumir o risco e a criação de uma nova visão,
em vez de apenas corrigir as falhas do mercado.
A falta de entendimento do papel desempenhado pelos
vários atores faz com que o governo se torne “presa” fácil de interesses
especiais que desempenham seu papel de uma forma retórica e ideológica que
carece de evidências ou razão. Embora os investidores capitalistas tenham feito
muita pressão para reduzir os impostos sobre os ganhos de capital (já
mencionada), eles não investem em novas tecnologias com base nas alíquotas;
fazem seus investimentos baseados na percepção de risco, algo reduzido em
décadas pelo investimento prévio do Estado. Sem um melhor entendimento dos
atores envolvidos no processo de inovação, corremos o risco de permitir que um
sistema de inovação simbiótico, em que o Estado e o setor privado se beneficiam
mutuamente, se transforme em um sistema parasitário, no qual o setor privado
consegue sugar benefícios de um Estado que ao mesmo tempo se recusa a
financiar.”
“Atualmente,
costuma-se falar dos “sistemas” de inovação como “ecossistemas”. Na verdade,
esse termo parece estar na ponta da língua de muitos formuladores de políticas
e de especialistas em inovação. Mas como podemos ter certeza de que o
ecossistema de inovação resultará em uma relação simbiótica entre o
setor público e o privado, e não em uma relação parasitária? Isto é, o
aumento dos investimentos por parte do Estado no ecossistema de inovação fará
com que o setor privado invista menos, usando os lucros acumulados para
financiar ganhos imediatos (através de práticas como a “recompra de ações”), ou
mais, em áreas mais arriscadas como formação de capital e P&D, para
promover o crescimento no longo prazo?”
“Um dos maiores
problemas, ao qual voltaremos no capítulo 9, tem sido a forma como essa redução
nos gastos com P&D vem coincidindo com um aumento da “financeirização” do
setor privado. Embora a causalidade possa ser difícil de provar, não se pode
negar que ao mesmo tempo em que têm reduzido o volume de pesquisa, as empresas
farmacêuticas têm aumentado o volume de recursos usados para recomprar suas
próprias ações — estratégia utilizada para aumentar o preço de suas ações, o
que afeta a cotação das opções de ações e os salários dos executivos ligados a
tais opções. Em 2011, por exemplo, junto com 6,2 bilhões de dólares pagos em
dividendos, a Pfizer recomprou 9 bilhões de dólares em ações, soma equivalente
a 90% de sua receita líquida e 99% de seus gastos com P&D. A Amgen, a maior
empresa biofarmacêutica do mundo, tem recomprado ações anualmente desde 1992,
em um total de 42,2 milhões de dólares até 2011, incluindo 8,3 bilhões apenas
em 2011. Desde 2002, o custo da recompra das ações da Amgen superou as despesas
da empresa em P&D em todos esses anos, com exceção de 2004, e no período
1992-2011 foi equivalente a 115% dos gastos com P&D e a 113% da receita
líquida (LAZONICK e TULUM, US
Biopharmaceutical Finance and the Sustainability of the Biotech Business Model,
2011). O fato de as principais empresas farmacêuticas estarem gastando cada vez
menos em P&D, enquanto o Estado está gastando mais — ao mesmo tempo em que
aumentam as quantias despendidas em recompra de ações —, torna esse ecossistema
de inovação específico muito mais parasitário do que simbiótico. Isso não é
efeito do crowding out: isso é parasitismo. Os esquemas de recompra de
ações fazem a cotação disparar, beneficiando os altos executivos,
administradores e investidores que detêm a maioria das ações da empresa. O
aumento do valor das ações não gera valor (a questão da inovação), mas facilita
sua extração. Os acionistas e os executivos acabam sendo “recompensados” por
pegar carona na onda da inovação criada pelo Estado. (...)
Infelizmente, o mesmo problema parece estar surgindo
no emergente setor da tecnologia limpa. Em 2010, o American Energy Innovation
Council (AEIC), uma associação das indústrias do setor, solicitou ao governo
dos Estados Unidos que triplicasse seus gastos com tecnologia limpa,
desembolsando 16 bilhões de dólares anuais, mais 1 bilhão adicional para a
Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Energia (LAZONICK, Academic-Industry Research Network,
2011c). Em compensação, as empresas do conselho gastaram juntas 237 bilhões de
dólares na recompra de ações entre 2001 e 2010. Os principais diretores do AEIC
vêm de empresas com receita líquida coletiva de 37 bilhões de dólares e gastos
com P&D no valor aproximado de 16 bilhões de dólares. O fato de acreditarem
que os enormes recursos de suas próprias empresas são insuficientes para
promover maior inovação em tecnologia limpa dá a medida do papel do Estado como
principal condutor da inovação ou de sua própria aversão pelo risco — ou ambas
as coisas.
O problema da recompra das ações não é isolado. Está
fora de controle: na última década, empresas do S&P 500 gastaram 3 trilhões
em recompra de ações (LAZONICK, Toward an
Economics of “Organizational Success”, 2012). Os maiores compradores
(especialmente no setor de petróleo e farmacêutico) alegam que isso se deve à
falta de novas oportunidades. Na verdade, em muitos casos, os investimentos
mais dispendiosos (isto é, de capital intensivo) em novas oportunidades, como
medicina e energia renovável (investimentos com alto risco tecnológico e de
mercado), estão sendo feitos pelo setor público (GWEC, Global Wind Energy Council, 2012). Isso levanta a questão quanto ao
fato de o modelo de “inovação aberta” estar se tornando disfuncional. Como as
grandes empresas estão dependendo cada vez mais das pequenas e do setor
público, tudo indica que os grandes players investem mais em ganhos no curto
prazo (por meio de truques de mercado) do que nos investimentos de longo prazo.”
“Há mais de 250 anos,
ao discutir sua noção da “Mão Invisível”, Adam Smith argumentou que ao serem
deixados por sua própria conta os mercados capitalistas se autorregulariam, com
o papel do Estado ficando limitado à criação da infraestrutura básica (escolas,
hospitais, estradas) e à garantia de que a propriedade privada e a “confiança”
(um código moral) entre os atores fossem cuidadas e protegidas (SMITH, An Inquiry into the Nature and Causes of the
Wealth of Nations, 1904 [1776]). Devido à sua formação em política e
filosofia, seus escritos eram muito mais profundos do que o simples liberalismo
econômico pelo qual costuma ser reconhecido, mas não há como fugir do fato de
que ele acreditava que a mágica do capitalismo consistia na capacidade do
mercado de organizar a produção e a distribuição sem a coerção do Estado.
O trabalho pioneiro de Karl Polanyi (que tinha um
doutorado em direito, mas é considerado um economista importante), no entanto,
mostrou como a noção de autorregulação do mercado é um mito sem sustentação nas
origens históricas dos mercados: “O caminho para o livre mercado foi aberto e
mantido assim por um gigantesco aumento do intervencionismo contínuo,
centralmente organizado e controlado” (POLANYI, The Great Transformation, 2001 [1944], p. 144). Para ele, foi o
Estado que impôs as condições que permitiram o surgimento de uma economia
baseada no mercado. O trabalho de Polanyi foi revolucionário ao mostrar o mito
da oposição entre Estado e mercado: o mais capitalista de todos os mercados, isto
é, o mercado nacional, foi energicamente “forçado” a existir pelo Estado. Na
verdade, os mercados local e internacional, que precederam o capitalismo, eram
os menos ligados ao Estado. Mas o capitalismo, sistema que se acredita ter sido
impulsionado pelo “mercado”, esteve firmemente incrustado e foi moldado pelo
Estado desde o primeiro dia (EVANS, Embedded
Autonomy, 1995).
John Maynard Keynes acreditava que os mercados
capitalistas, independente de sua origem, precisavam ser constantemente
regulados devido à instabilidade inerente ao capitalismo. Keynes sustentava que
a estabilidade do capitalismo dependia do equilíbrio das quatro categorias de
despesas (demanda agregada) do PIB: investimento empresarial (I), investimento
governamental (G), despesas de consumo (C) e exportações líquidas (X–M). Uma
fonte fundamental de extrema volatilidade encontrava-se no investimento
empresarial. A razão para essa volatilidade é que, longe de ser uma simples
função de taxas de juros ou impostos, 1 está sujeito ao “espírito animal” — as
suposições instintivas feitas sobre as perspectivas de crescimento futuro de
uma economia ou setor específico pelos investidores (KEYNES, The General Theory of Employment, Interest
and Money, 1934). Em sua opinião, essa incerteza cria constantemente
períodos de escassez ou de excesso de investimentos, provocando graves
flutuações na economia, as quais são agravadas pelo efeito multiplicador.
Segundo Keynes, a menos que o investimento privado seja equilibrado por um aumento
nos gastos do governo, a queda do consumo e do investimento levará a rupturas
no mercado e depressões, que na verdade eram frequentes antes que as ideias de
Keynes fossem adotadas pelas políticas econômicas depois da Segunda Guerra
Mundial.
Os keynesianos argumentaram vigorosamente quanto à
importância do uso dos gastos governamentais para estimular a demanda e
estabilizar a economia. Economistas inspirados pelo trabalho de Joseph
Schumpeter (1883-1950) foram além, pedindo ao governo que gastasse também
naquelas áreas específicas que aumentam a capacidade de inovação de um país
(retomaremos isso mais à frente). O apoio à inovação pode tomar a forma de
investimentos em P&D, infraestrutura, capacitação profissional e apoio
direto e indireto a empresas e tecnologias específicas.
À esquerda do espectro político, investimentos em
áreas de programas que aumentam a produtividade são menos populares do que os
gastos com instituições do Estado ligadas ao bem-estar social, como saúde ou
educação. Mas essas instituições não conseguem sobreviver sem ter por trás uma
economia produtiva que gere lucro e receitas fiscais que possam financiar esses
direitos (NORDHAUS e SHELLENBERGER, Breakthrough
Journal 1, 2011; ATKINSON, Top
Incomes in the Long Run of History, 2011). Embora as políticas de
redistribuição progressiva sejam fundamentais para garantir que os resultados
do crescimento econômico sejam justos, elas em si não geram crescimento. A
desigualdade pode prejudicar o crescimento, mas a igualdade por si só não pode estimulá-lo.
O que falta a boa parte da esquerda keynesiana é uma agenda de crescimento que
crie e simultaneamente redistribua as riquezas. A combinação das lições de
Keynes e Schumpeter pode fazer com que algo assim aconteça.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário