segunda-feira, 31 de julho de 2023

Ernesto Guevara, também conhecido como Che (Parte III), de Paco Ignacio Taibo II

Editora: Expressão Popular

ISBN: 978-85-7743-074-1

Tradução: Cláudia Schilling, Magda Lopes e Maria Carbajal

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 728

Sinopse: Ver Parte I



“O panorama industrial no começo da revolução, analisado por Che em um artigo escrito um ano e meio depois, é terrível: Um exército de desempregados composto por 600 mil pessoas (...), uma série de indústrias que fabricavam seus produtos com matérias-primas importadas, em máquinas importadas e utilizando peças de reposição importadas; uma agricultura sem nenhum desenvolvimento, estrangulada pela concorrência do mercado imperialista e pelo latifúndio, que utilizava as terras para reservas de cana-de-açúcar ou para criação de gado, preferindo importar alimentos dos Estados Unidos.

 

 

(em 23 de outubro de 1959) “em uma concentração nacional contra as agressões aéreas diante do Palácio Nacional, o Che pergunta à multidão: este governo revolucionário e este povo cederão diante das pressões estrangeiras? Cederão? A multidão responde com os gritos de Não! Não! No discurso, há uma frase reveladora: Aqui não é a Guatemala!

 

 

“Em 29 de outubro, é publicada em um jornal argentino uma entrevista concedida por Che, na qual ele propõe uma revisão radical das relações com os Estados unidos... Sem dúvida, a América está precisando de alguns barbudos.

Nessa mesma tarde, quando voava em um Cessna 310 de Camagüey em direção a Santa Clara em uma viagem de inspeção, Camilo Cienfuegos desaparece no ar. No amanhecer do dia 30, começa uma enorme operação de busca. Che sobe em um Cessna e começa a procurar Camilo; a marinha é mobilizada e os camponeses realizam uma operação pente-fino em Camagüey. O país inteiro está tenso. Camilo é, sem dúvida, uma das figuras mais populares e queridas da revolução. Seu avião desaparece sem ter dado nenhum tipo de sinal. Na reconstrução dos fatos, descobre-se que, provavelmente, mudou de rumo para se afastar de alguma tempestade e que talvez tenha se dirigido ao mar. A procura continua, durante uma semana, animada, às vezes, por informações falsas. Depois, nada. Há alguma raiva nas palavras de Che, que acaba de perder um de seus poucos amigos: Foi morto pelo inimigo, foi morto porque o inimigo queria a sua morte. Foi morto porque não há aviões seguros, porque os pilotos não podem adquirir a experiência necessária, porque Camilo, sobrecarregado de trabalho, queria chegar em poucas horas a Havana... e também foi morto por seu próprio temperamento. Camilo não media o perigo; para ele, brincar com o perigo era um divertimento, atraía-o e utilizava-o; na sua mentalidade de guerrilheiro, uma nuvem não podia detê-lo ou desviar uma linha já traçada.

A revolução perde assim um de seus escassos dirigentes, como antes já havia perdido Juan Manuel Márquez, José Antonio Echevarria, Frank País e Ramos Latour.”

 

 

     “Em 26 de novembro de 1959, Ernesto Che Guevara recebe sua certidão de nacionalidade cubana, direito que lhe foi outorgado pela lei de fevereiro. Nesse mesmo dia, a nação é informada de que o governo acaba de nomeá-lo presidente do Banco Nacional de Cuba. Muitos anos depois, ainda se contaria a piada (o próprio Fidel a confirma) de que em uma reunião da direção revolucionária cubana, o primeiro-ministro havia perguntado se havia algum economista presente e Che, que estava meio dormindo, entendeu “algum comunista” e levantou a mão.”

 

 

“Aproveitando uma visita de Mikoyan ao México, a direção da revolução cubana envia Héctor Rodríguez Llompart com um convite. Foi assim que os primeiros soviéticos desembarcaram em Cuba. Em fevereiro de 1960, tem lugar a visita de Anastas Mikoyan, uma das principais figuras da burocracia soviética e membro do Politburo do Partido Comunista da URSS.

Che está presente quando Fidel e os outros ministros do governo o recebem e ouvem a primeira declaração de Mikoyan: “Estamos prontos para ajudar Cuba” e estará presente durante toda a visita, tanto em conversas privadas quanto em atos públicos. É, certamente, o primeiro a aplaudir quando Mikoyan entra em uma sala de concertos. E será, sem dúvida, um dos mais fortes partidários, dentro do governo cubano, da aproximação dos soviéticos. O que significa a URSS para Che? Quantos romances sobre a guerra antifascista e a revolução de outubro, a herdeira da mitologia socialista, a pátria de Lênin, o berço do humanismo marxista, a pátria do igualitarismo, a alternativa em um mundo bipolar para o tão conhecido imperialismo estadunidense. Nem os processos de Moscou, nem o autoritarismo policial, nem os “gulags”, nem a perseguição dos dissidentes, nem o antiigualitarismo burocrático, nem a economia mal-planejada, nem o marxismo de papelão e o faz-de-conta dos russos fazem parte da cultura política de Che em 1960.”

 

 

“Em 4 de março, quando Guevara está se dirigindo para o banco, acontece a explosão de La Coubre, um navio francês de 70 toneladas carregado de armas belgas. Che, avisado da terrível explosão, dirige-se às docas do arsenal. O desastre é terrível: 75 mortos e quase 200 feridos. Colabora nas tarefas do resgate. Todos estão em dúvida: acidente ou sabotagem?

O fotógrafo Gilberto Ante, do Verde Olivo, encontra Che tratando dos feridos, mas está furioso e lhe proíbe que tire fotos. Acha imoral ser objeto de curiosidade em um acidente. No dia seguinte, tem lugar o funeral das vítimas. A um quarteirão do cemitério de Colón, na rua 23, há um palanque coberto com a bandeira cubana e uma faixa de luto. É nesse palco que Fidel pronunciará pela primeira vez o grito de guerra de “Pátria ou morte”. O fotógrafo Alberto Díaz, o Korda do Revolución, está focalizando em sua Leika dotada de uma lente de 90 mm todos os personagens do palanque e, na segunda passagem, encontra-se com Che, que avança por um dos lados, fica surpreso com o gesto do argentino e dispara a câmara duas vezes. “Quando o enquadrei, ele tinha uma expressão tão impactante que quase me causou um sobressalto. Intuitivamente, apertei o disparador”. Alberto Granado diria a Korda, pouco tempo depois, que nesse dia Che estava com cara de comer vivo qualquer ianque que encontrasse pela frente; mas não é isso que aparece na foto.

No negativo aparece um homem não-identificado do lado direito e umas folhas de palmeira à esquerda; habilmente, Korda suprime os elementos que distraem e se concentra no rosto: uma imagem peculiar, a cara fechada, a sobrancelha esquerda levemente arqueada, a boina com a estrela, uma jaqueta fechada no pescoço, o vento despenteando o seu cabelo. Anos mais tarde, o editor italiano Feltrinelli encontrará a foto na casa de Korda e fará um pôster. Dezenas de milhares de cópias, depois milhões de exemplares, percorrem o mundo. É a imagem mais conhecida do Che, a simbólica, que inundará muros, capas de livros, revistas, mantas, cartazes e camisetas. É com ela que se confrontará a foto distribuída pelos militares bolivianos do Che morto na mesa do hospital de Malta, em um duelo simbólico, mas nem por isso menos impactante. Curiosamente, o editor fotográfico do Revolución não selecionará a foto naquela oportunidade.

Em 20 de março, Che participa do programa de televisão Universidade Popular. Está usando um tom grave, com uma segurança muito maior e com uma atitude diferente daquela que tinha em 1959 e também com uma proposta de direção: Temos o privilégio de ser o país e o governo mais atacado, não só nestes momentos mas talvez em todos os momentos da história da América. Muito mais do que foi a Guatemala e talvez muito mais que o México (...) quando Cárdenas ordenou a expropriação. E deixa claro que uma sociedade mais justa deve redistribuir a riqueza: para conquistar algo, temos que tirá-lo de alguém e acho bom deixar as coisas claras e não se esconder por trás de conceitos que possam ser mal-interpretados.

 

 

“E um mês depois, em um afã de produtividade, começará outra série que o obriga a escrever semanalmente artigos de reflexão militar que se intitulam “Consejos al combatiente” e que durará sete meses, com temas como “o aproveitamento das metralhadoras no combate defensivo”, a disciplina de fogo no combate”, “a defesa contra os tanques”, ou “a artilharia de bolso”.

Parece que nestes meses de longas horas noturnas que passa sem dormir no escritório do banco, quer recuperar todo o jornalismo que quis fazer na vida e não conseguiu.

(...) E se o jornalismo é íntimo, escrever é fundamental, e a coisa mais sagrada do mundo é o título de escritor, dirá em uma carta a Sábato.

Por esses dias é publicado Guerra de guerrilhas, o livro em que Che trabalha desde meados de 1959 e que obviamente é dedicado a Camilo: Este trabalho pretende se colocar sob a tutela de Camilo Cienfuegos, que deveria tê-lo lido e corrigido, mas cujo destino o impediu de fazê-lo. Todas estas linhas e as que se seguem podem ser consideradas uma homenagem (...) ao revolucionário sem mácula e ao amigo do peito. O livro é um manual, um compêndio da sua aprendizagem guerrilheira durante a revolução cubana. As três ideias principais estão na primeira página do primeiro capítulo e parece que há pressa em expressá-las: As forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército; não é necessário esperar que existam condições para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las, e na América Latina o território da luta armada deve ser fundamentalmente o campo.

 

 

“A espiral de confronto entre os Estados Unidos e a revolução cubana remonta aos primeiros meses da revolução e estabelece uma série de medidas e contramedidas cada vez mais agressivas de ambas as partes. Quando o governo desapropria as plantações de açúcar, os estadunidenses exigem que se cumpra uma condição impossível: que o pagamento seja feito à vista. Além disso, negam-se a aceitar como pagamento pela desapropriação o valor que os proprietários das terras lhes haviam atribuído para o Ministério da Fazenda. Sob ameaças de corte da cota açucareira e permissões do congresso estadunidense para que Eisenhower pudesse tomar tal medida, o choque foi transferido para o petróleo. Os russos haviam oferecido 300 mil toneladas de petróleo a preço referencial e créditos para equipamento industrial. As empresas estadunidenses Standard, Texaco e Shell negam-se a refiná-lo e, de passagem, também se recusam a fornecer petróleo a Cuba. Em 29 de maio, os cubanos levam navios de petróleo cru russo para a Shell e os estadunidenses abandonam as refinarias que são nacionalizadas em 10 de junho. Veio rapidamente a lei de minas, a lei do petróleo, e depois veio o bloqueio petrolífero, a desapropriação das companhias de petróleo. Uma vez nacionalizadas as refinarias de petróleo, a empresa de eletricidade nega-se a aceitar os descontos de 30% e a funcionar com petróleo soviético; o cerco continua aumentando, cortaram a cota açucareira, nacionalizamos as centrais açucareiras e nacionalizamos a companhia de eletricidade. Com a cota açucareira reduzida, em 9 de julho as empresas estadunidenses recebem ordens de fazer inventários dos seus bens e registrá-los em cartório. Foram umas mudanças com golpes muito rápidos e espetaculares. Um mês mais tarde, no dia 6 de agosto, Fidel nacionaliza 36 centrais açucareiras estadunidenses e suas plantações, e acrescenta tudo isso à lista de nacionalização das refinarias, das empresas de petróleo e das companhias de eletricidade.”

 

 

“– Não estão trocando o domínio americano pelo soviético?

– É ingênuo pensar que homens que fizeram uma revolução libertadora como a nossa, agora vão se ajoelhar diante de algum dominador. Se a União Soviética tivesse exigido dependência política como condição para a sua ajuda, não a teríamos aceito.

A entrevista continua com alguns elogios e Che ri quando o chamam de cérebro da revolução e responde, sorrindo, que a tática de colocá-lo contra Fidel não funcionará; entretanto, fica indignado ao lembrar que na imprensa estadunidense foi publicado um artigo no qual difamavam sua esposa e sua ex-esposa, e aceita com gosto a denominação que você me dá de revolucionário pragmático (...) especulo pouco e não me caracterizo por ser um teórico.

Termina a entrevista de forma cautelosa:

E o que acontecerá agora? – pergunta Bergquist.

Isso depende dos Estados Unidos. Com exceção da reforma agrária, todas as outras medidas que tomamos foram reações, respostas diretas às agressões recebidas.

 

 

“Em 13 de outubro, o governo estadunidense declara o embargo de todas as mercadorias destinadas a Cuba, um bloqueio econômico. A resposta é imediata: nos dias 13 e 14 são nacionalizados 400 bancos, engenhos de açúcar e fábricas e, imediatamente depois, é promulgada uma lei de reforma urbana que entrega as moradias aos seus habitantes ou congela os aluguéis. Como resultado dessas medidas, o Departamento de Industrialização recebe 277 novas empresas, que se somam às 390 que já vinham administrando, além de quase todas as minas da ilha.”

 

 

A burocracia não nasce com a sociedade socialista nem é componente obrigatório dela, e atribui três causas ao fenômeno: falta de consciência, falta de organização e falta de conhecimentos técnicos.

Não tem papas na língua para criticar a direção econômica da revolução, na qual ele está envolvido pessoalmente, em particular com a Junta Central de Planejamento (Juceplan), por centralizar sem dirigir, e propõe uma série de soluções que nunca atingem a raiz do problema: motivação, educação, consciência, maior conhecimento técnico, organização, liberação de energias.

Che acredita que o grande remédio para a irracionalidade burocrática, produto da centralização e da hierarquização, é a reação social e a consciência. E confirmava sua tese com o registro de um fenômeno: quando o país colocava em tensão suas forças para resistir ao ataque inimigo, a produção industrial não diminuía, o absenteísmo desaparecia, os problemas resolviam-se com uma velocidade nunca vista antes, e resumia: O impulso ideológico era conseguido com o estímulo da agressão estrangeira.

 

 

“Às seis da manhã, do dia 15 de abril, aviões B-26 estadunidenses, pilotados por cubanos treinados pela CIA, bombardeiam as bases aéreas de Santiago, San Antonio de los Baños e Ciudad Libertad. Era o prólogo da já esperada invasão.

(...) É reconfortante saber com total certeza que pelo menos um dos aviões inimigos foi derrubado e caiu envolto em chamas... ainda pela manhã vimos o comandante Universo Sánchez – que se encontrava ferido por um resíduo de metralha, tomando as medidas necessárias caso se repetisse o ataque... estes novos nazistas, covardes, traidores, assassinos e mentirosos...

E termina: Não sabemos se este novo ataque será o prelúdio da tão anunciada invasão dos 5 mil vermes... Mas lutaremos sobre os cadáveres dos nossos companheiros, sobre os escombros das nossas fábricas, cada vez com maior determinação. Pátria ou morte!

No dia seguinte, Che está em Havana para participar do enterro dos mortos causados pelo ataque aéreo. O cortejo fúnebre avança pela rua 23, cercado de milhares de milicianos armados, enquanto as baterias antiaéreas, colocadas nos prédios mais altos, protegem a manifestação.

Na sua intervenção, Fidel nega que o ataque tenha sido realizado por aviões cubanos, como afirma a propaganda da CIA e declara que o objetivo da operação era destruir em terra a aviação cubana, para facilitar o ataque anfíbio. E é dentro desta lógica de confronto final, de tudo ou nada, de pátria ou morte, que Fidel determina o caráter socialista da revolução cubana.”

 

 

(Em 8 de agosto, no Uruguai) “Che participa da sessão plenária do Conselho Inter-americano Econômico e Social.

Começa fazendo uma citação de Martí: “O povo que quer ser livre, deve ser livre nos seus negócios” e estabelece o seu direito de falar de política deixando de lado os disfarces técnicos da reunião e destacando que um dos objetivos da conferência é julgar Cuba. Existe uma longa corrente que nos traz até aqui: aviões-piratas saindo de aeroportos estadunidenses, bombardeios nos canaviais, a explosão de La Coubre, as empresas de petróleo que em 1960 se negaram a refinar o petróleo soviético, a suspensão definitiva da cota açucareira em dezembro de 1960, a tentativa de atentado contra Raúl Castro que partiu de Guantánamo. Por tudo isso que acabo de dizer, considero que a revolução cubana não pode vir a esta assembleia de ilustres técnicos para falar de assuntos técnicos.

Define a revolução cubana como agrária, antifeudal e antiimperialista, que foi se transformando em uma revolução socialista devido a sua evolução. Fala das realizações: reforma agrária, igualdade para mulheres, não-discriminação da população negra, sucesso da campanha de alfabetização... E ataca a Aliança para o Progresso, o grande projeto de desenvolvimento criado por Kennedy para a América Latina e que, na sua opinião, trata-se de uma armação contra Cuba e o aumento da onda revolucionária. Não têm um pouco a impressão de que estão zombando da sua cara? Oferecem dólares para fazer estradas, oferecem dólares para abrir caminhos, oferecem dólares para fazer esgotos (...) Por que não dão dólares para equipamentos, dólares para maquinaria, dólares para que nossos países subdesenvolvidos possam se transformar, de uma vez por todas, em países agroindustriais? Realmente é triste. Em tom de brincadeira, estabelece a explicação para a Aliança para o Progresso: Cuba é a galinha dos ovos de ouro; enquanto existir Cuba, eles darão dinheiro.

(...) E resume: Não temos problema nenhum em ser excluídos da divisão de créditos, mas somos contrários a ser deixados de lado na intervenção na vida cultural e espiritual dos povos americanos (...) O que nunca admitiremos é que seja coagida a nossa liberdade de comercializar e de nos relacionar com todos os povos do mundo.

A força da mensagem é enorme. Talvez não consiga comover os representantes profissionais das ditaduras, das democracias de faz-de-conta, das oligarquias nativas, mas Che não fala para o público presente; Che quer ser ouvido pelos ausentes, por aqueles que formam a nova esquerda latino-americana que acha que a revolução cubana inaugurou uma era de profundas mudanças em um continente castigado pela desigualdade.

Em 9 de agosto, dá em Montevidéu uma entrevista coletiva, e entre brincadeiras, sorrisos e até aplausos, depois de ter falado aos jornalistas Perguntem o que quiserem, mas depois escrevam o que eu responder, Guevara passa duas horas respondendo a um bombardeio de perguntas, respondendo – com sorte alternada – a um variado questionário que inclui temas muito diversos.

Os presos de Girón e seu destino: Oferecemos trocá-los por Albizu Campos ou por tratores.

A pirataria aérea: Os estadunidenses estão ficando com os aviões desviados de Cuba.

Seus trabalhos voluntários como cortador de cana e carregador de bananas nas docas: O que estou lhe dizendo é verdade, não me olhe com esta cara de dúvida.

As eleições: Assim que o povo pedi-las em uma assembleia popular.

(pergunta feita por um jornalista peruano): – Nos últimos tempos, comenta-se que o racionamento de setecentos gramas por semana é um dos golpes mais baixos recebidos pelo povo cubano.

Eu não conheço esse racionamento. Tivemos que tomar algumas medidas em relação ao consumo de carne, que é muito maior do que o consumo per capita no Peru, para poder distribuir equitativamente a quantidade de que dispomos. Nos países como o Peru, o racionamento é feito de uma forma diferente: os que têm dinheiro compram carne e o pobre índio morre de fome. Você não acha que é assim?

– Acho que sim, mas há uma coisa que...

Que ninguém escute você dizer isso!

A nacionalização das escolas católicas. Agora são simplesmente escolas.

Os trotskistas: Resolvemos que não era prudente que o trotskismo continuasse incitando à subversão.

A igreja: um governo que não é religioso e que permite a liberdade de culto.

Listen Yankee, de Wright Mills: Em nossa opinião, é um livro que contém alguns erros, mas foi feito com toda sinceridade.

A possibilidade de novas revoluções socialistas na América Latina: Aumentarão, simplesmente porque são o produto das contradições entre um regime social que chegou ao fim da sua  e do povo que chegou ao fim da sua paciência.

     O que ele come, bebe, se fuma e se gosta de mulheres: Se não gostasse de mulheres não seria um homem. No entanto, deixaria de ser revolucionário se deixasse de cumprir nem que fosse uma só das minhas obrigações e dos meus deveres conjugais só porque gosto das mulheres (...) Eu trabalho entre 16 e 18 horas diárias, durmo seis horas quando consigo (...) Não bebo, mas fumo. Não tenho tempo para diversões e estou convencido de que tenho uma missão no mundo, e que devido a essa missão devo sacrificar a vida doméstica (...) e todos os prazeres da vida diária.

A sua argentinidade: Tenho o substrato cultural argentino, mas me sinto tão cubano como qualquer um nascido em Cuba.

Somente uma vez perde as estribeiras, quando um jornalista argentino (Luis Pedro Bonavista) fala sobre sua “ex-pátria” e Che, indignado, responde: Meu senhor, eu tenho uma pátria muito maior e muito mais digna que a sua, porque a minha pátria é toda a América, mas o senhor não conhece esse tipo de pátria.

 

 

“Em 3 de janeiro volta à sua rotina de ministro e inaugura uma fábrica de bolachas construída com restos de equipamentos descartados e materiais conseguidos em diversos lugares. Por partes e com muito esforço. E fica contente por ser uma fábrica de bens de consumo, porque não pode haver socialismo sem se dar mais produtos às pessoas.”

 

 

“É nesta época que Che recebe uma má notícia. Seu amigo, o Patojo, foi morto em combate na Guatemala. Pouco depois chega às suas mãos, procedente do México, uma mala que contém roupa e um caderno de poemas. Che escreve: Alguns dias atrás, ao se referir aos acontecimentos da Guatemala, o telegrama dava notícia da morte de alguns patriotas e entre eles estava Julio Roberto Cáceres Valle.

Neste trabalhoso ofício de revolucionário, em meio às lutas de classe que agitam todo o continente, a morte é um acidente frequente. Mas a morte de um amigo, companheiro de horas difíceis e dos sonhos das melhores horas, é sempre muito sofrida para quem recebe a notícia, e Julio Roberto era um grande amigo.

Depois de chegar a Cuba moramos quase sempre na mesma casa, como correspondia a uma antiga amizade. Mas a antiga confiança mútua não podia ser mantida nesta nova vida e só suspeitei do que Patojo queria quando às vezes o via estudando com interesse alguma língua indígena da sua pátria. Um dia ele me disse que ia embora, que tinha chegado a hora e que precisava cumprir o seu dever. Patojo não tinha instrução militar; simplesmente, sentia que o dever o chamava e ia tentar lutar na sua terra com armas na mão para repetir de algum modo a nossa luta guerrilheira. Tivemos umas poucas conversas longas desta época cubana; eu me limitei a lhe recomendar encarecidamente três coisas: mobilidade constante, desconfiança constante, vigilância constante (...) Era uma síntese da nossa experiência guerrilheira: a única coisa, além de um aperto de mãos, que eu podia dar ao meu amigo. Devia ter-lhe aconselhado a não fazer isso? Com que direito, quando tínhamos tentado algo que todos consideravam impossível, e ele, naquele momento, sabia que tínhamos conseguido?

Mais uma vez fica o gosto amargo do fracasso.

E esse gosto permaneceria com Che – essa sensação de que a América Latina era uma tarefa que deveria ser cumprida.”

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