Editora: Expressão Popular
ISBN: 978-85-7743-074-1
Tradução: Cláudia Schilling, Magda Lopes e Maria
Carbajal
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 728
Sinopse: Ver Parte
I
“O panorama industrial no começo da revolução,
analisado por Che em um artigo escrito um ano e meio depois, é terrível: Um exército
de desempregados composto por 600 mil pessoas (...), uma série de indústrias que
fabricavam seus produtos com matérias-primas importadas, em máquinas importadas
e utilizando peças de reposição importadas; uma agricultura sem nenhum desenvolvimento,
estrangulada pela concorrência do mercado imperialista e pelo latifúndio, que utilizava
as terras para reservas de cana-de-açúcar ou para criação de gado, preferindo importar
alimentos dos Estados Unidos.”
(em 23 de outubro de 1959) “em uma concentração
nacional contra as agressões aéreas diante do Palácio Nacional, o Che pergunta à
multidão: este governo revolucionário e este povo cederão diante das pressões
estrangeiras? Cederão? A multidão responde com os gritos de Não! Não! No discurso,
há uma frase reveladora: Aqui não é a Guatemala!”
“Em 29 de outubro, é publicada em um jornal argentino
uma entrevista concedida por Che, na qual ele propõe uma revisão radical das relações
com os Estados unidos... Sem dúvida, a América está precisando de alguns barbudos.
Nessa mesma tarde, quando voava em um Cessna 310
de Camagüey em direção a Santa Clara em uma viagem de inspeção, Camilo Cienfuegos
desaparece no ar. No amanhecer do dia 30, começa uma enorme operação de busca. Che
sobe em um Cessna e começa a procurar Camilo; a marinha é mobilizada e os camponeses
realizam uma operação pente-fino em Camagüey. O país inteiro está tenso. Camilo
é, sem dúvida, uma das figuras mais populares e queridas da revolução. Seu avião
desaparece sem ter dado nenhum tipo de sinal. Na reconstrução dos fatos, descobre-se
que, provavelmente, mudou de rumo para se afastar de alguma tempestade e que talvez
tenha se dirigido ao mar. A procura continua, durante uma semana, animada, às vezes,
por informações falsas. Depois, nada. Há alguma raiva nas palavras de Che, que acaba
de perder um de seus poucos amigos: Foi morto pelo inimigo, foi morto porque
o inimigo queria a sua morte. Foi morto porque não há aviões seguros, porque os
pilotos não podem adquirir a experiência necessária, porque Camilo, sobrecarregado
de trabalho, queria chegar em poucas horas a Havana... e também foi morto por seu
próprio temperamento. Camilo não media o perigo; para ele, brincar com o perigo
era um divertimento, atraía-o e utilizava-o; na sua mentalidade de guerrilheiro,
uma nuvem não podia detê-lo ou desviar uma linha já traçada.
A revolução perde assim um de seus escassos dirigentes,
como antes já havia perdido Juan Manuel Márquez, José Antonio Echevarria, Frank
País e Ramos Latour.”
“Em
26 de novembro de 1959, Ernesto Che Guevara recebe sua certidão de nacionalidade
cubana, direito que lhe foi outorgado pela lei de fevereiro. Nesse mesmo dia, a
nação é informada de que o governo acaba de nomeá-lo presidente do Banco Nacional
de Cuba. Muitos anos depois, ainda se contaria a piada (o próprio Fidel a confirma)
de que em uma reunião da direção revolucionária cubana, o primeiro-ministro havia
perguntado se havia algum economista presente e Che, que estava meio dormindo, entendeu
“algum comunista” e levantou a mão.”
“Aproveitando uma visita de Mikoyan ao México,
a direção da revolução cubana envia Héctor Rodríguez Llompart com um convite. Foi
assim que os primeiros soviéticos desembarcaram em Cuba. Em fevereiro de 1960, tem
lugar a visita de Anastas Mikoyan, uma das principais figuras da burocracia soviética
e membro do Politburo do Partido Comunista da URSS.
Che está presente quando Fidel e os outros ministros
do governo o recebem e ouvem a primeira declaração de Mikoyan: “Estamos prontos
para ajudar Cuba” e estará presente durante toda a visita, tanto em conversas privadas
quanto em atos públicos. É, certamente, o primeiro a aplaudir quando Mikoyan entra
em uma sala de concertos. E será, sem dúvida, um dos mais fortes partidários, dentro
do governo cubano, da aproximação dos soviéticos. O que significa a URSS para Che?
Quantos romances sobre a guerra antifascista e a revolução de outubro, a herdeira
da mitologia socialista, a pátria de Lênin, o berço do humanismo marxista, a pátria
do igualitarismo, a alternativa em um mundo bipolar para o tão conhecido imperialismo
estadunidense. Nem os processos de Moscou, nem o autoritarismo policial, nem os
“gulags”, nem a perseguição dos dissidentes, nem o antiigualitarismo burocrático,
nem a economia mal-planejada, nem o marxismo de papelão e o faz-de-conta dos russos
fazem parte da cultura política de Che em 1960.”
“Em 4 de março, quando Guevara está se dirigindo
para o banco, acontece a explosão de La Coubre, um navio francês de 70 toneladas
carregado de armas belgas. Che, avisado da terrível explosão, dirige-se às docas
do arsenal. O desastre é terrível: 75 mortos e quase 200 feridos. Colabora nas tarefas
do resgate. Todos estão em dúvida: acidente ou sabotagem?
O fotógrafo Gilberto Ante, do Verde Olivo,
encontra Che tratando dos feridos, mas está furioso e lhe proíbe que tire fotos.
Acha imoral ser objeto de curiosidade em um acidente. No dia seguinte, tem lugar
o funeral das vítimas. A um quarteirão do cemitério de Colón, na rua 23, há um palanque
coberto com a bandeira cubana e uma faixa de luto. É nesse palco que Fidel pronunciará
pela primeira vez o grito de guerra de “Pátria ou morte”. O fotógrafo Alberto Díaz,
o Korda do Revolución, está focalizando em sua Leika dotada de uma lente
de 90 mm todos os personagens do palanque e, na segunda passagem, encontra-se com
Che, que avança por um dos lados, fica surpreso com o gesto do argentino e dispara
a câmara duas vezes. “Quando o enquadrei, ele tinha uma expressão tão impactante
que quase me causou um sobressalto. Intuitivamente, apertei o disparador”. Alberto
Granado diria a Korda, pouco tempo depois, que nesse dia Che estava com cara de
comer vivo qualquer ianque que encontrasse pela frente; mas não é isso que aparece
na foto.
No negativo aparece um homem não-identificado
do lado direito e umas folhas de palmeira à esquerda; habilmente, Korda suprime
os elementos que distraem e se concentra no rosto: uma imagem peculiar, a cara fechada,
a sobrancelha esquerda levemente arqueada, a boina com a estrela, uma jaqueta fechada
no pescoço, o vento despenteando o seu cabelo. Anos mais tarde, o editor italiano
Feltrinelli encontrará a foto na casa de Korda e fará um pôster. Dezenas de milhares
de cópias, depois milhões de exemplares, percorrem o mundo. É a imagem mais conhecida
do Che, a simbólica, que inundará muros, capas de livros, revistas, mantas, cartazes
e camisetas. É com ela que se confrontará a foto distribuída pelos militares bolivianos
do Che morto na mesa do hospital de Malta, em um duelo simbólico, mas nem por isso
menos impactante. Curiosamente, o editor fotográfico do Revolución não selecionará
a foto naquela oportunidade.
Em 20 de março, Che participa do programa de televisão
Universidade Popular. Está usando um tom grave, com uma segurança muito maior e
com uma atitude diferente daquela que tinha em 1959 e também com uma proposta de
direção: Temos o privilégio de ser o país e o governo mais atacado, não só nestes
momentos mas talvez em todos os momentos da história da América. Muito mais do que
foi a Guatemala e talvez muito mais que o México (...) quando Cárdenas ordenou a
expropriação. E deixa claro que uma sociedade mais justa deve redistribuir a
riqueza: para conquistar algo, temos que tirá-lo de alguém e acho bom deixar
as coisas claras e não se esconder por trás de conceitos que possam ser mal-interpretados.”
“E um mês depois, em um afã de produtividade,
começará outra série que o obriga a escrever semanalmente artigos de reflexão militar
que se intitulam “Consejos al combatiente” e que durará sete meses, com temas como
“o aproveitamento das metralhadoras no combate defensivo”, a disciplina de fogo
no combate”, “a defesa contra os tanques”, ou “a artilharia de bolso”.
Parece que nestes meses de longas horas noturnas
que passa sem dormir no escritório do banco, quer recuperar todo o jornalismo que
quis fazer na vida e não conseguiu.
(...) E se o jornalismo é íntimo, escrever é fundamental,
e a coisa mais sagrada do mundo é o título de escritor, dirá em uma carta
a Sábato.
Por esses dias é publicado Guerra de guerrilhas,
o livro em que Che trabalha desde meados de 1959 e que obviamente é dedicado a Camilo:
Este trabalho pretende se colocar sob a tutela de Camilo Cienfuegos, que deveria
tê-lo lido e corrigido, mas cujo destino o impediu de fazê-lo. Todas estas linhas
e as que se seguem podem ser consideradas uma homenagem (...) ao revolucionário
sem mácula e ao amigo do peito. O livro é um manual, um compêndio da sua aprendizagem
guerrilheira durante a revolução cubana. As três ideias principais estão na primeira
página do primeiro capítulo e parece que há pressa em expressá-las: As forças
populares podem ganhar uma guerra contra o exército; não é necessário esperar que
existam condições para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las, e na América
Latina o território da luta armada deve ser fundamentalmente o campo.”
“A espiral de confronto entre os Estados Unidos
e a revolução cubana remonta aos primeiros meses da revolução e estabelece uma série
de medidas e contramedidas cada vez mais agressivas de ambas as partes. Quando o
governo desapropria as plantações de açúcar, os estadunidenses exigem que se cumpra
uma condição impossível: que o pagamento seja feito à vista. Além disso, negam-se
a aceitar como pagamento pela desapropriação o valor que os proprietários das terras
lhes haviam atribuído para o Ministério da Fazenda. Sob ameaças de corte da cota
açucareira e permissões do congresso estadunidense para que Eisenhower pudesse tomar
tal medida, o choque foi transferido para o petróleo. Os russos haviam oferecido
300 mil toneladas de petróleo a preço referencial e créditos para equipamento industrial.
As empresas estadunidenses Standard, Texaco e Shell negam-se a refiná-lo e, de passagem,
também se recusam a fornecer petróleo a Cuba. Em 29 de maio, os cubanos levam navios
de petróleo cru russo para a Shell e os estadunidenses abandonam as refinarias que
são nacionalizadas em 10 de junho. Veio rapidamente a lei de minas, a lei do
petróleo, e depois veio o bloqueio petrolífero, a desapropriação das companhias
de petróleo. Uma vez nacionalizadas as refinarias de petróleo, a empresa de
eletricidade nega-se a aceitar os descontos de 30% e a funcionar com petróleo soviético;
o cerco continua aumentando, cortaram a cota açucareira, nacionalizamos as centrais
açucareiras e nacionalizamos a companhia de eletricidade. Com a cota açucareira
reduzida, em 9 de julho as empresas estadunidenses recebem ordens de fazer inventários
dos seus bens e registrá-los em cartório. Foram umas mudanças com golpes muito
rápidos e espetaculares. Um mês mais tarde, no dia 6 de agosto, Fidel nacionaliza
36 centrais açucareiras estadunidenses e suas plantações, e acrescenta tudo isso
à lista de nacionalização das refinarias, das empresas de petróleo e das companhias
de eletricidade.”
“– Não estão trocando o domínio americano pelo
soviético?
– É ingênuo pensar que homens que fizeram uma
revolução libertadora como a nossa, agora vão se ajoelhar diante de algum dominador.
Se a União Soviética tivesse exigido dependência política como condição para a sua
ajuda, não a teríamos aceito.
A entrevista continua com alguns elogios e Che
ri quando o chamam de cérebro da revolução e responde, sorrindo, que a tática de
colocá-lo contra Fidel não funcionará; entretanto, fica indignado ao lembrar que
na imprensa estadunidense foi publicado um artigo no qual difamavam sua esposa e
sua ex-esposa, e aceita com gosto a denominação que você me dá de revolucionário
pragmático (...) especulo pouco e não me caracterizo por ser um teórico.
Termina a entrevista de forma cautelosa:
E o que acontecerá agora? – pergunta Bergquist.
– Isso depende dos Estados Unidos. Com exceção
da reforma agrária, todas as outras medidas que tomamos foram reações, respostas
diretas às agressões recebidas.”
“Em 13 de outubro, o governo estadunidense declara
o embargo de todas as mercadorias destinadas a Cuba, um bloqueio econômico. A resposta
é imediata: nos dias 13 e 14 são nacionalizados 400 bancos, engenhos de açúcar e
fábricas e, imediatamente depois, é promulgada uma lei de reforma urbana que entrega
as moradias aos seus habitantes ou congela os aluguéis. Como resultado dessas medidas,
o Departamento de Industrialização recebe 277 novas empresas, que se somam às 390
que já vinham administrando, além de quase todas as minas da ilha.”
“A burocracia não nasce com a sociedade socialista
nem é componente obrigatório dela, e atribui três causas ao fenômeno: falta
de consciência, falta de organização e falta de conhecimentos técnicos.
Não tem papas na língua para criticar a direção
econômica da revolução, na qual ele está envolvido pessoalmente, em particular com
a Junta Central de Planejamento (Juceplan), por centralizar sem dirigir, e propõe
uma série de soluções que nunca atingem a raiz do problema: motivação, educação,
consciência, maior conhecimento técnico, organização, liberação de energias.
Che acredita que o grande remédio para a irracionalidade
burocrática, produto da centralização e da hierarquização, é a reação social e a
consciência. E confirmava sua tese com o registro de um fenômeno: quando o país
colocava em tensão suas forças para resistir ao ataque inimigo, a produção industrial
não diminuía, o absenteísmo desaparecia, os problemas resolviam-se com uma velocidade
nunca vista antes, e resumia: O impulso ideológico era conseguido com o estímulo
da agressão estrangeira.”
“Às seis da manhã, do dia 15 de abril, aviões
B-26 estadunidenses, pilotados por cubanos treinados pela CIA, bombardeiam as bases
aéreas de Santiago, San Antonio de los Baños e Ciudad Libertad. Era o prólogo da
já esperada invasão.
(...) É reconfortante saber com total certeza
que pelo menos um dos aviões inimigos foi derrubado e caiu envolto em chamas...
ainda pela manhã vimos o comandante Universo Sánchez – que se encontrava ferido
por um resíduo de metralha, tomando as medidas necessárias caso se repetisse o ataque...
estes novos nazistas, covardes, traidores, assassinos e mentirosos...
E termina: Não sabemos se este novo ataque
será o prelúdio da tão anunciada invasão dos 5 mil vermes... Mas lutaremos sobre
os cadáveres dos nossos companheiros, sobre os escombros das nossas fábricas, cada
vez com maior determinação. Pátria ou morte!
No dia seguinte, Che está em Havana para participar
do enterro dos mortos causados pelo ataque aéreo. O cortejo fúnebre avança pela
rua 23, cercado de milhares de milicianos armados, enquanto as baterias antiaéreas,
colocadas nos prédios mais altos, protegem a manifestação.
Na sua intervenção, Fidel nega que o ataque tenha
sido realizado por aviões cubanos, como afirma a propaganda da CIA e declara que
o objetivo da operação era destruir em terra a aviação cubana, para facilitar o
ataque anfíbio. E é dentro desta lógica de confronto final, de tudo ou nada, de
pátria ou morte, que Fidel determina o caráter socialista da revolução cubana.”
(Em 8 de agosto, no Uruguai) “Che participa da
sessão plenária do Conselho Inter-americano Econômico e Social.
Começa fazendo uma citação de Martí: “O povo que
quer ser livre, deve ser livre nos seus negócios” e estabelece o seu direito de
falar de política deixando de lado os disfarces técnicos da reunião e destacando
que um dos objetivos da conferência é julgar Cuba. Existe uma longa corrente
que nos traz até aqui: aviões-piratas saindo de aeroportos estadunidenses, bombardeios
nos canaviais, a explosão de La Coubre, as empresas de petróleo que em 1960 se negaram
a refinar o petróleo soviético, a suspensão definitiva da cota açucareira em dezembro
de 1960, a tentativa de atentado contra Raúl Castro que partiu de Guantánamo. Por
tudo isso que acabo de dizer, considero que a revolução cubana não pode vir a esta
assembleia de ilustres técnicos para falar de assuntos técnicos.
Define a revolução cubana como agrária, antifeudal
e antiimperialista, que foi se transformando em uma revolução socialista devido
a sua evolução. Fala das realizações: reforma agrária, igualdade para mulheres,
não-discriminação da população negra, sucesso da campanha de alfabetização... E
ataca a Aliança para o Progresso, o grande projeto de desenvolvimento criado por
Kennedy para a América Latina e que, na sua opinião, trata-se de uma armação contra
Cuba e o aumento da onda revolucionária. Não têm um pouco a impressão de que
estão zombando da sua cara? Oferecem dólares para fazer estradas, oferecem dólares
para abrir caminhos, oferecem dólares para fazer esgotos (...) Por que não dão dólares
para equipamentos, dólares para maquinaria, dólares para que nossos países subdesenvolvidos
possam se transformar, de uma vez por todas, em países agroindustriais? Realmente
é triste. Em tom de brincadeira, estabelece a explicação para a Aliança para
o Progresso: Cuba é a galinha dos ovos de ouro; enquanto existir Cuba, eles darão
dinheiro.
(...) E resume: Não temos problema nenhum em
ser excluídos da divisão de créditos, mas somos contrários a ser deixados de lado
na intervenção na vida cultural e espiritual dos povos americanos (...) O que nunca
admitiremos é que seja coagida a nossa liberdade de comercializar e de nos relacionar
com todos os povos do mundo.
A força da mensagem é enorme. Talvez não consiga
comover os representantes profissionais das ditaduras, das democracias de faz-de-conta,
das oligarquias nativas, mas Che não fala para o público presente; Che quer ser
ouvido pelos ausentes, por aqueles que formam a nova esquerda latino-americana que
acha que a revolução cubana inaugurou uma era de profundas mudanças em um continente
castigado pela desigualdade.
Em 9 de agosto, dá em Montevidéu uma entrevista
coletiva, e entre brincadeiras, sorrisos e até aplausos, depois de ter falado aos
jornalistas Perguntem o que quiserem, mas depois escrevam o que eu responder,
Guevara passa duas horas respondendo a um bombardeio de perguntas, respondendo –
com sorte alternada – a um variado questionário que inclui temas muito diversos.
Os presos de Girón e seu destino: Oferecemos
trocá-los por Albizu Campos ou por tratores.
A pirataria aérea: Os estadunidenses estão
ficando com os aviões desviados de Cuba.
Seus trabalhos voluntários como cortador de cana
e carregador de bananas nas docas: O que estou lhe dizendo é verdade, não me
olhe com esta cara de dúvida.
As eleições: Assim que o povo pedi-las em uma
assembleia popular.
(pergunta feita por um jornalista peruano): –
Nos últimos tempos, comenta-se que o racionamento de setecentos gramas por semana
é um dos golpes mais baixos recebidos pelo povo cubano.
– Eu não conheço esse racionamento. Tivemos
que tomar algumas medidas em relação ao consumo de carne, que é muito maior do que
o consumo per capita no Peru, para poder distribuir equitativamente a quantidade
de que dispomos. Nos países como o Peru, o racionamento é feito de uma forma diferente:
os que têm dinheiro compram carne e o pobre índio morre de fome. Você não acha que
é assim?
– Acho que sim, mas há uma coisa que...
– Que ninguém escute você dizer isso!
A nacionalização das escolas católicas. Agora
são simplesmente escolas.
Os trotskistas: Resolvemos que não era prudente
que o trotskismo continuasse incitando à subversão.
A igreja: um governo que não é religioso e
que permite a liberdade de culto.
Listen Yankee, de Wright Mills: Em nossa opinião,
é um livro que contém alguns erros, mas foi feito com toda sinceridade.
A possibilidade de novas revoluções socialistas
na América Latina: Aumentarão, simplesmente porque são o produto das contradições
entre um regime social que chegou ao fim da sua
e do povo que chegou ao fim da sua paciência.
O que
ele come, bebe, se fuma e se gosta de mulheres: Se não gostasse de mulheres não
seria um homem. No entanto, deixaria de ser revolucionário se deixasse de cumprir
nem que fosse uma só das minhas obrigações e dos meus deveres conjugais só porque
gosto das mulheres (...) Eu trabalho entre 16 e 18 horas diárias, durmo seis horas
quando consigo (...) Não bebo, mas fumo. Não tenho tempo para diversões e estou
convencido de que tenho uma missão no mundo, e que devido a essa missão devo sacrificar
a vida doméstica (...) e todos os prazeres da vida diária.
A sua argentinidade: Tenho o substrato cultural
argentino, mas me sinto tão cubano como qualquer um nascido em Cuba.
Somente uma vez perde as estribeiras, quando um
jornalista argentino (Luis Pedro Bonavista) fala sobre sua “ex-pátria” e Che, indignado,
responde: Meu senhor, eu tenho uma pátria muito maior e muito mais digna que
a sua, porque a minha pátria é toda a América, mas o senhor não conhece esse tipo
de pátria.”
“Em 3 de janeiro volta à sua rotina de ministro
e inaugura uma fábrica de bolachas construída com restos de equipamentos descartados
e materiais conseguidos em diversos lugares. Por partes e com muito esforço.
E fica contente por ser uma fábrica de bens de consumo, porque não pode haver
socialismo sem se dar mais produtos às pessoas.”
“É nesta época que Che recebe uma má notícia.
Seu amigo, o Patojo, foi morto em combate na Guatemala. Pouco depois chega às suas
mãos, procedente do México, uma mala que contém roupa e um caderno de poemas. Che
escreve: Alguns dias atrás, ao se referir aos acontecimentos da Guatemala, o
telegrama dava notícia da morte de alguns patriotas e entre eles estava Julio Roberto
Cáceres Valle.
Neste trabalhoso ofício de revolucionário, em
meio às lutas de classe que agitam todo o continente, a morte é um acidente frequente.
Mas a morte de um amigo, companheiro de horas difíceis e dos sonhos das melhores
horas, é sempre muito sofrida para quem recebe a notícia, e Julio Roberto era um
grande amigo.
Depois de chegar a Cuba moramos quase sempre na
mesma casa, como correspondia a uma antiga amizade. Mas a antiga confiança mútua
não podia ser mantida nesta nova vida e só suspeitei do que Patojo queria quando
às vezes o via estudando com interesse alguma língua indígena da sua pátria. Um
dia ele me disse que ia embora, que tinha chegado a hora e que precisava cumprir
o seu dever. Patojo não tinha instrução militar; simplesmente, sentia que o dever
o chamava e ia tentar lutar na sua terra com armas na mão para repetir de algum
modo a nossa luta guerrilheira. Tivemos umas poucas conversas longas desta época
cubana; eu me limitei a lhe recomendar encarecidamente três coisas: mobilidade constante,
desconfiança constante, vigilância constante (...) Era uma síntese da nossa experiência
guerrilheira: a única coisa, além de um aperto de mãos, que eu podia dar ao meu
amigo. Devia ter-lhe aconselhado a não fazer isso? Com que direito, quando tínhamos
tentado algo que todos consideravam impossível, e ele, naquele momento, sabia que
tínhamos conseguido?
Mais uma vez fica o gosto amargo do fracasso.
E esse gosto permaneceria com Che – essa sensação
de que a América Latina era uma tarefa que deveria ser cumprida.”
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