Editora: Portfolio
Penguin
ISBN:
978-85-8285-003-9
Tradução: Elvira
Serapicos
Opinião: ★★☆☆☆
Análise em vídeo:
Clique aqui
Link para compra: Clique aqui
Páginas: 318
Sinopse: Ver Parte
I
“As novas tecnologias energéticas alteram os meios
pelos quais a energia é produzida, e o custo da energia que produzem costuma
ser mais alto do que o das tecnologias tradicionais quando outros fatores (como
o impacto ambiental) não são calculados ou custeados pelos produtores de
energia. Os pesquisadores militares recebem uma “incumbência” clara que
precisam cumprir sem se preocupar muito ou quase nada com os custos, já que o
governo “não se importa” com preços e pode agir como o líder em aquisição de
inovação. No campo energético, o conflito continuará centrado no que cada país
prevê como estratégia para atender às suas necessidades energéticas futuras,
bem como objetivos sociais e econômicos antagônicos, tais como maximizar o
potencial exportador ou priorizar a emissão zero de carbono.
Os Estados Unidos adotaram uma abordagem do tipo
“financiar tudo” com a esperança de que mais cedo ou mais tarde surjam
tecnologias energéticas inovadoras e economicamente viáveis. O problema de usar
a mudança do clima como justificativa básica para investir em tecnologias
energéticas é que essa não é a única questão ambiental importante hoje. É
também uma questão que pode ser parcialmente “resolvida” com a ajuda de
tecnologias não renováveis, como a energia nuclear e o sequestro de carbono. É
realmente isso que desejamos? A implantação de recursos destinados a facilitar
o processo de inovação deve ocorrer aliada à coragem de fixar uma direção
tecnológica e segui-la. Deixar que o “mercado” fixe essa direção só garante que
a transição energética será adiada até que o preço dos combustíveis fósseis
atinjam preço estratosféricos.
Impulsionando — não adiando — o desenvolvimento verde
A história dos investimentos americanos em inovação,
da internet à nanotecnologia, mostra que foi fundamental para o governo ter os
pés tanto na pesquisa básica quanto na aplicada. Os laboratórios do National
Institute of Health (NIH), responsável por 75% dos medicamentos mais radicais,
realizam pesquisas aplicadas. Em ambos os casos, o governo faz o que o setor
privado não está disposto a fazer. O financiamento do Estado faz as coisas
acontecerem. Os 10 bilhões de dólares injetados no NIH pelo ARRA estão, segundo
Michael Grunwald, “impulsionando descobertas fantásticas na pesquisa do câncer,
Alzheimer, em genômica e muito mais” (ANDERSEN, The ‘Silent Green Revolution’ Underway at the Department of Energy,
2012). Por isso, a suposição de que se pode deixar a pesquisa aplicada para o
setor empresarial e que isso irá gerar inovação não tem muita base de
sustentação (e pode inclusive privar alguns países de descobertas importantes).
A questão é: qual pesquisa aplicada será feita e quem irá fazer?
Um “empurrãozinho” nas economias não irá favorecer a
explosão de uma “revolução verde”. Os países que se agarram à falsa ideia de
que o investimento do governo tem uma espécie de ponto de equilíbrio natural
com o setor empresarial perderão a oportunidade de aproveitar uma transição
energética histórica ou serão obrigados a importá-la. Na verdade, as atividades
governamentais e empresariais costumam se sobrepor. Os negócios de tecnologia
limpa, como a maioria dos negócios, estão propensos a requerer subsídios e
P&D realizado pelo governo em seus respectivos setores. Já disse que o
capital de risco e os “empreendedores” respondem ao apoio governamental, que
escolhe as tecnologias nas quais vai investir, mas raramente focam no longo
prazo.
A tão necessária revolução verde apresenta um sério
problema: dada a aversão ao risco do setor empresarial, os governos precisam
manter o financiamento da pesquisa por ideias radicais que levem à revolução
industrial verde. Os governos têm um papel de liderança a desempenhar no apoio
ao desenvolvimento de tecnologias limpas além dos estágios de protótipos até
sua viabilização comercial. Para alcançar a “maturidade” tecnológica é preciso
mais apoio para preparar, organizar e estabilizar um “mercado” saudável, em que
o investimento tenha uma margem de risco razoavelmente baixa e o lucro seja
possível. Muitas das ferramentas para que isso seja feito já estão implantadas
em todo o mundo, mas onde a estratégia, as ferramentas e os impostos são
abundantes, a vontade política costuma ser o recurso crítico mais escasso. Sem
a coragem e o comprometimento das economias mais ricas, que são também algumas
das maiores poluidoras, a retirada do apoio a tecnologias fundamentais em
períodos economicamente difíceis talvez seja uma receita para o desastre.
A verdadeira coragem está naqueles países que usam os
recursos do governo para dar um “empurrão” sério nas tecnologias limpas,
comprometendo-se com objetivos e financiamento para a realização de tarefas
aparentemente impossíveis. Coragem é a tentativa da China de construir um
mercado do tamanho da rede elétrica dos Estados Unidos e Europa para as
turbinas eólicas até 2050 e aumentar seu mercado de painéis solares
fotovoltaicos em 700% em apenas três anos. Coragem é também a entrada dos
bancos de desenvolvimento nos setores em que os bancos comerciais têm dúvidas,
promovendo o desenvolvimento, o crescimento das empresas e um retorno do investimento
para os contribuintes que é mais fácil de rastrear. É importante que o dinheiro
dos impostos seja rastreável na promoção de tecnologias e geração de retornos.
O sucesso aumenta as probabilidades de apoio a outra rodada de investimentos
arriscados e gera mais visibilidade para o papel positivo que o governo pode
ter ao promover a inovação.”
“Enquanto isso, a
ascensão da China como centro regional dos principais fabricantes de painéis
solares fotovoltaicos teve sérias consequências sobre o setor como um todo,
levando a uma “guerra comercial” nos Estados Unidos e na Europa que se
manifestou na forma de tarifas contra os produtos chineses.6 Mas
enquanto as empresas americanas e europeias estão sem condições de competir, o
governo americano, por exemplo, reagiu apontando a necessidade de acabar com o
apoio ao desenvolvimento da energia limpa quando a situação indica que ela é
mais necessária do que nunca. A guerra comercial serve apenas para reforçar o
mito de que o desenvolvimento industrial ocorre por intermédio das forças
invisíveis do mercado, que não podem ser criadas ou controladas pelo governo
para a obtenção de resultados socialmente benéficos. Com o governo agindo como
“juiz” na disputa comercial, o apoio público da China ao desenvolvimento da indústria
de tecnologia limpa é rotulado de “roubo” em vez de eficácia. Ao mesmo tempo,
muitos países estão tentando fisgar o mercado global de tecnologia limpa com
políticas semelhantes, que incluem apoio direto e indireto às empresas; em
outras palavras, se a China está roubando, eles também estão. A queda dos
preços dos painéis solares fotovoltaicos deveria ser uma coisa boa — acabará
criando uma competição favorável com os combustíveis fósseis. Mas nesse caso, a
queda dos preços (e a redução da margem de lucro) causa frustração e ignora as
deficiências da política industrial em países como os Estados Unidos, que
poderíamos descrever como carente de capital paciente propício à formação e ao
crescimento de empresas inovadoras, assim como de uma visão de longo prazo para
a transição energética (Hopkins e Lazonick, 2012). O que separa a China de seus
pares internacionais é a coragem de se comprometer com a inovação e a energia
renovável no curto e no longo prazo.”
6. Neste momento, a Europa ainda está indecisa
em relação às tarifas.
“Fala-se muito na
parceria entre o governo e o setor privado, mas enquanto os esforços são
coletivos, o retorno continua privado. É certo que a National Science
Foundation não tenha colhido nenhum retorno financeiro da subvenção que
produziu o algoritmo que levou ao mecanismo de busca do Google (Block, 2011, p.
23). Pode um sistema de inovação baseado no apoio do governo ser sustentável
sem um sistema de recompensas? A falta de conhecimento público do papel
empreendedor fundamental desempenhado pelo governo no crescimento de economias
de todo o mundo, além da gestão de demanda keynesiana e “criando condições”
para o crescimento, está pondo o modelo bem-sucedido em grande perigo.
Teoricamente, a geração socializada e a
comercialização privatizada das tecnologias biofarmacêuticas — e outras —
poderiam ser acompanhadas de uma retirada do Estado se as empresas privadas
usassem seus lucros para reinvestir em pesquisa e posterior desenvolvimento de
produto. O papel do Estado se limitaria então ao apoio inicial às descobertas
radicalmente novas até que elas gerassem lucros que pudessem financiar outras
descobertas. Mas o comportamento do setor privado sugere que as instituições
públicas não podem passar o bastão dos projetos de P&D dessa maneira.
Também sugere que o papel do Estado não pode se limitar ao plantio das sementes
para que depois elas cresçam livremente — se está interessado no crescimento
econômico e na mudança tecnológica, deve estar disposto a apoiar as tecnologias
até que possam ser produzidas em massa e implantadas amplamente. E é claro que
a atuação ampla do Estado em áreas tão diversas quanto “segurança”, atenção ao
cumprimento de contratos e redução da desigualdade mostram que o “banco do
passageiro” — independentemente do jogo da inovação — não é uma escolha a ser
considerada.
Muitos dos problemas enfrentados atualmente pela
administração Obama se devem ao fato de que os contribuintes americanos desconhecem
que seus impostos fomentam as inovações e o crescimento econômico do país; eles
não percebem que as corporações estão ganhando dinheiro com inovação que foi
financiada com seus impostos. E essas corporações não estão devolvendo uma
parte dos lucros para o governo nem investindo em inovação (MAZZUCATO, The Limits to the 3% R&D Target in
Europe, 2010). A história que os contribuintes ouvem é que o crescimento
econômico e a inovação são obtidos graças a indivíduos “geniais”,
“empreendedores” do Vale do Silício, investidores ou “pequenas empresas”, desde
que a legislação seja negligente (ou inexistente) e os impostos baixos —
principalmente quando comparada ao “Grande Estado” por trás de boa parte da
Europa. Essas histórias também estão sendo contadas no Reino Unido, onde se
argumenta que a única alternativa para o país crescer é através da liderança da
iniciativa privada, com o Estado retomando um papel mínimo na garantia do
estado de direito.”
“O paradoxo dos milagres na economia
digital: por que o sucesso empresarial resulta em miséria econômica regional?
A recessão de 2008 ajudou a revelar a queda brutal da
competitividade americana, que estava dormente por vários motivos até a chegada
da crise financeira. O elevado nível de endividamento do estado da Califórnia é
apenas o sintoma de uma epidemia maior. Bem antes do agravamento da crise, um
grupo de senadores americanos solicitara à Academia Nacional de Ciências (NAS)
que montasse uma equipe de especialistas com o objetivo de identificar as razões
para o declínio da competitividade dos Estados Unidos. A comissão deveria
fornecer recomendações políticas que ajudassem o país a ressurgir como líder
mundial em ciência e tecnologia. Em 2005, a comissão da NAS entregou suas
recomendações em um documento de quinhentas páginas intitulado Rising above
the Gathering Storm [Elevando-se acima da tempestade], o qual declarava que
as intervenções do Estado eram a solução necessária e fundamental para o
reposicionamento do país como líder da capacidade de inovação. Em 2010, as
recomendações políticas da NAS foram revisitadas e um relatório concluiu que
era necessária a ação imediata para interromper a tendência e minimizar a
repercussão da queda constante da competitividade americana.
A declaração de Augustine na abertura deste capítulo
chama a atenção para o impressionante clima de inovação que existia na
Califórnia — clima que beneficiou significativamente empresas como a Apple. A
inovação e a criatividade propagadas por esse ambiente deveu-se em grande parte
aos investimentos diretos e ao comissionamento do governo e dos militares
americanos nas áreas de comunicação e tecnologia da informação. O que se
pretende com o uso do dinheiro dos impostos no desenvolvimento de novas
tecnologias é assumir o risco que normalmente acompanha a busca por produtos
complexos e inovadores e sistemas necessários para alcançar objetivos comuns. É
esse risco considerável que costuma servir de desestímulo para o investimento
do setor privado. Na teoria, os efeitos da inovação bem-sucedida, que leva a um
resultado superior, deveriam ser vistos e sentidos na economia mais ampla. Como
resultados superiores levam a novos produtos e/ou serviços que, por sua vez,
melhoram a qualidade de vida, criam novas oportunidades de emprego, aumentam
significativamente as exportações e a competitividade do país e depois levam a
um incremento significativo da receita fiscal, costuma-se acreditar que os
investimentos em inovação acabariam sendo reinvestidos em ativos tangíveis e
intangíveis do país.
Através desse ciclo ascendente de multiplicação dos
investimentos do Estado na base científica e tecnológica, a economia nacional
abriria o caminho para a prosperidade sustentável no futuro. Ainda assim, a
ironia desses sucessos é que, enquanto empresas como Apple, Google, GE, Cisco
etc. estão prosperando financeiramente, a economia de seu país está lutando
para encontrar uma saída para questões problemáticas como o crescente déficit
comercial em relação às economias asiáticas, a queda das atividades de
produção, aumento do desemprego, ampliação do déficit orçamentário,
desigualdade e deterioração da infraestrutura etc. A atual crise econômica não
pode ser explicada unicamente pela crise bancária, a retração do crédito e o
colapso do mercado de hipotecas. Os problemas enfrentados hoje são
estruturalmente complexos e muito mais profundos. É importante avaliar os
efeitos da inovação, se resultaram em um aumento no número de novos empregos
que pagam salários razoáveis ou melhores, um aumento nas receitas fiscais, e/ou
um aumento na exportação de bens e serviços de alto valor. Décadas de
investimento governamental na base científica e tecnológica fizeram dos Estados
Unidos um inovador bem-sucedido, mas paradoxalmente não conseguiram garantir
altos níveis de emprego, aumentar as receitas fiscais e promover a exportação
de bens e serviços. A Apple é o principal exemplo de como e por que a economia
americana vive esse paradoxo.
Existem questões políticas interessantes a ser
levantadas em resposta ao crescente interesse e pesquisa a respeito do sucesso
de produtos inovadores da Apple e de outras empresas de tecnologia. Como
afirmou Lazonick (2009), o Modelo Econômico da Velha Economia foi fundamental
para criar a era de ouro da revolução tecnológica fordista/produção em massa, com
o capital, trabalho e Estado compartilhando seu potencial e benefícios. Foi uma
era em que a “estabilidade no emprego” e o crescimento da renda real eram mais
importantes do que a insegurança e a possibilidade de ficar milionário da noite
para o dia com uma start-up. É importante lembrar que, embora a inovação seja
fundamental para o crescimento de longo prazo, promover a inovação não é a
mesma coisa que promover o crescimento “equitativo”. O crescimento equitativo
depende, em grande medida, das condições de trabalho e bons salários nas
organizações empresariais.
A grande questão é: o Modelo de Negócio da Nova
Economia irá se transformar para distribuir os benefícios da revolução de
informação e comunicação? Com todo o sucesso que essas novas tecnologias trouxeram
para a Apple, como ela pensa em distribuir a riqueza criada na empresa?
Proporcionando empregos mais seguros com formação profissional adequada,
salários dignos, potencial para a mobilidade ascendente e os benefícios
necessários para sustentar um verdadeiro equilíbrio entre vida e trabalho? Ou,
talvez, a empresa utilize o recorde de caixa para premiar uma minoria
privilegiada formada por executivos, acionistas e investidores? Suas decisões
têm grande impacto não apenas no desempenho da economia, mas também na
qualidade de vida de milhares de funcionários.”
“Retorno direto ou indireto
Dada a relação comumente aceita entre risco e
benefício na teoria financeira, se o Estado é tão importante para financiar
investimentos de alto risco em inovação, depreende-se que deveria ter um
retorno direto pelos investimentos arriscados. Esse retorno pode ser usado para
financiar a próxima rodada de inovações, mas também para ajudar a cobrir as
perdas inevitáveis em investimentos tão arriscados. Por isso, no lugar da
preocupação com a (in)capacidade do Estado de “escolher vencedores”, mais
atenção deveria ser dada à maneira como as vitórias são recompensadas quando
acontecem de forma que esses retornos possam cobrir as perdas dos fracassos
inevitáveis, bem como o financiamento de futuras vitórias. Ou, para provocar,
se o Estado tivesse recebido de volta apenas 1% dos investimentos feitos na
internet, hoje haveria muito mais para investir em tecnologia verde.
Muitos argumentam que não é apropriado considerar
retornos diretos para o Estado porque este já obtém o retorno de seus
investimentos indiretamente, através do sistema tributário. Mas tais
argumentos supõem que o sistema tributário já arrecade uma receita “justa e
honesta” de várias fontes e, por extensão, que as despesas fiscais refletem a
melhor configuração possível de apoio ao crescimento econômico. A realidade,
entretanto, é que o sistema tributário não foi concebido para apoiar sistemas
de inovação, que são desproporcionalmente conduzidos por atores que estão
dispostos a investir décadas antes de o retorno surgir no horizonte. E não é só
isso: o argumento ignora o fato de que a evasão fiscal e a sonegação de
impostos são comuns e não irão desaparecer (no Reino Unido, pesquisas recentes
sugerem que o “rombo fiscal”, isto é, os impostos não recolhidos, o que inclui
a evasão fiscal, sonegação e pagamentos atrasados, é de 120 bilhões de libras,
quase o mesmo valor do déficit nacional, que é de 126 bilhões de libras).1
Dado que as empresas modernas muitas vezes integram
organizações globais que fazem negócios com inúmeros governos atendendo às
necessidades de vários bancos de desenvolvimento estatal, é impossível julgar
se o apoio do Estado em uma região está recebendo o retorno adequado pelas
atividades comerciais realizadas ali. O movimento do capital (negócios)
significa que a região que mais faz para financiar a inovação pode não
colher os benefícios econômicos posteriores em termos de impostos e criação de
empregos, por exemplo. Supor que o sistema tributário capta com precisão a
proporção adequada de receita oriunda dos investimentos do Estado é tanto ingênuo
quanto problemático.
A Apple é um exemplo paradigmático dessa situação.
Como mostramos no capítulo 5, em seu estágio inicial a empresa recebeu
financiamento do programa SBIR do governo americano, e todas as tecnologias que
fazem o iPhone ser “smart” também foram financiadas pelo Estado (ligadas
a programas dos Estados Unidos): a internet, redes sem fio, GPS,
microeletrônica, tela touch-screen e o assistente pessoal ativado por
voz SIRI. Ainda assim, como vimos no capítulo 8, a Apple utilizou práticas que
resultaram em fatura fiscal muito mais baixa para os Estados Unidos. Também
decidiu espalhar suas atividades de P&D e fabricação pelo mundo, deixando
muito pouco para seu país de origem além de empregos mal remunerados no varejo
em sua rede de lojas. Dado o alcance global da empresa, o sistema tributário
americano não pode recuperar com precisão ou de forma confiável os
investimentos que ajudaram a forjar “vencedores” como a Apple através do apoio
a uma série de inovações arriscadas.
Mas o problema é ainda mais evidente na indústria
farmacêutica. Como vimos anteriormente, 3/4 das novas entidades moleculares
biofarmacêuticas devem sua criação a laboratórios financiados com dinheiro
público. Ainda assim, nos últimos dez anos as dez principais empresas dessa indústria
tiveram mais lucro do que todas as outras da Fortune 500 somadas*. Além disso,
a indústria também desfruta de grandes benefícios fiscais: os gastos com
P&D são dedutíveis, assim como grande parte de suas volumosas despesas de
comercialização, algumas das quais são contadas como P&D (ANGELL, The Truth About the Drug Companies,
2004). Depois de assumir a maior parte da conta de P&D, o Estado muitas
vezes entrega a produção por taxas baixíssimas. O Taxol, por exemplo,
medicamento para o câncer descoberto pelo National Institute of Health (NIH), é
vendido pela Bristol-Myers Squibb por 20 mil dólares a dose anual, vinte vezes
o custo de produção. Mas a empresa paga ao NIH apenas 0,5% de royalties. Na
maioria dos casos, não se paga nada em royalties. Apenas se supõe que o
investimento público deve ajudar a criar lucros para as empresas em questão,
sem que ninguém dê atenção para a evidente distorção na distribuição dos riscos
e benefícios.”
1.
Disponível em: <http://www.taxresearch.org.uk/Documents/FAQ1TaxGap.pdf>.
Acesso em: 1o mar. 2013.
*:
O livro é de 2014, ou seja, estes dados referem-se de 2004 até 2013 – fora do
período da Covid-19, portanto.
“Ao buscar promover o
crescimento puxado pela inovação, é fundamental entender a importância dos
papéis do setor público e do setor privado. Isso requer não apenas o
entendimento do valor do “ecossistema” de inovação, mas principalmente qual
é a contribuição de cada ator para esse sistema. A suposição de que o setor
público pode no máximo incentivar inovações puxadas pelo setor privado (através
de subsídios, reduções fiscais, precificação do carbono, padrões técnicos
etc.), principalmente mas não apenas diante da crise recente, não leva em
consideração os muitos exemplos em que a principal força empreendedora veio do
Estado e não do setor privado. A não consideração desse papel tem causado
grande impacto sobre os tipos de parcerias público-privadas que são criadas
(potencialmente parasitárias em vez de simbióticas) e tem desperdiçado dinheiro
ou incentivos ineficazes (incluindo diferentes tipos de isenções fiscais) que
poderiam ter sido usados de forma mais eficiente.
Para entender o papel fundamental do Estado ao assumir
os riscos do capitalismo moderno, é importante reconhecer o caráter “coletivo”
da inovação. Diferentes tipos de empresas (grandes e pequenas), diferentes
tipos de financiamento e diferentes tipo de políticas estatais, instituições e
departamentos interagem às vezes de formas imprevisíveis — mas certamente de
maneiras que podemos ajudar a moldar para alcançar os fins desejados. (...)
Existe uma dependência cada vez maior desses sistemas
de difusão horizontais à medida que avançamos para sistemas de inovação
abertos, em que as barreiras entre colaboração pública e privada são reduzidas.
Há anos sabemos que inovação não é apenas resultado
dos gastos com P&D, mas está relacionada a um conjunto de instituições que
possibilitam que o novo conhecimento se espalhe por toda a economia. Ligações
dinâmicas entre ciência e indústria são uma forma de dar sustentação à
inovação, mas os exemplos apresentados neste livro mostraram que as “ligações”
podem ser mais profundas e remontar a décadas. Fica muito mais difícil
continuar a visualizar o processo de inovação como algo que ocorre através de
atividades separadas e isoladas do Estado e das empresas.
Mas em vez de introduzir termos novos, como ecossistemas
de inovação, para descrever o processo de inovação, é mais importante entender
a divisão do trabalho “inovador” entre os diferentes atores desses sistemas e,
em especial, o papel e o comprometimento de cada ator no contexto da paisagem
arriscada e acidentada em que estão trabalhando. Embora o Estado precise
assumir riscos, não deve limitar-se a absorver (ou mesmo “abrandar”) riscos do
setor privado, mas assumir aqueles que o setor privado não está disposto a
assumir, e também colher os rendimentos. Isso é fundamental para que o ciclo de
inovação possa continuar a ser sustentado (com os rendimentos da rodada atual
financiando a seguinte — assim como as inevitáveis perdas) e seja menos
suscetível aos ciclos políticos e comerciais. As políticas públicas devem focar
no papel específico do setor público, no interior e entre setores e
instituições, para permitir que aconteçam coisas que de outra forma não
aconteceriam — exatamente como argumentou Keynes em O fim do
laissez-faire (1926). Não se trata apenas do importante papel contracíclico que
os gastos do setor público devem ter (e infelizmente não têm tido devido à
ideologia da austeridade), mas também dos tipos de questão que devem ser feitas
a cada instrumento de política individual. (...)
É precisamente por suas características diferentes
(das comerciais) que o Estado não pode ter um papel “exato” e “limitado” em
termos de inovação (uma espécie de ponto de equilíbrio). Aceitar essa diferença
significa que precisamos encontrar uma forma de entender a área de influência
específica do Estado e os indicadores de desempenho específicos para julgar
suas atividades. Por exemplo, embora o financiamento do projeto do Concorde
(exemplo constantemente usado para acusar o governo de “escolher vencedores”)
possa ser visto como fracasso, o verdadeiro entendimento do desempenho do Estado
nesse empreendimento deve ir além de uma análise de custo-benefício simplista e
levar em consideração as repercussões — tangíveis e intangíveis — resultantes
do investimento no Concorde. Isso já foi feito? Não, e ainda assim parece que
todos concordam que foi um grande fracasso. (...)
Se o Estado está investindo na internet ou em energia
limpa em nome da segurança nacional (tendo imaginado uma nova “ameaça”) ou em
nome da mudança do clima (ou para a “independência energética”), pode fazer
isso em escala e com instrumentos não disponíveis para o setor privado
(impostos, por exemplo). Se um obstáculo fundamental para o investimento dos
negócios em novas tecnologias é que ele não fará investimentos que possam criar
benefícios para o “bem público” (pois não poderá capturar a maior parte do
valor criado), então é essencial que o Estado o faça — e se preocupe em como
transformar esses investimentos em novo crescimento econômico depois. Os
negócios “loucos” não sobreviverão, pois precisam calcular os riscos relacionados
ao desenvolvimento de produto e entrada em novos mercados. O sucesso da Apple
não dependeu de sua capacidade para criar novas tecnologias, mas de sua
capacidade organizacional para integrar, comercializar e vender as que estavam
facilmente acessíveis. Em contrapartida, a flexibilidade do Estado é um trunfo
importante, que deveria ser autorizado a fazer seus “loucos” investimentos em
tecnologia de maneira direta e objetiva. Quem poderia imaginar que a tecnologia
criada para preservar a capacidade de comunicação durante uma guerra nuclear se
transformaria em uma plataforma de conhecimento, comunicação e comércio que o
mundo todo utiliza? Quantos imaginariam então que a internet fosse uma forma
“louca” de investir milhões de dólares dos contribuintes?”
“Vivemos em uma era em
que o Estado está sendo podado. Os serviços públicos estão sendo terceirizados,
os orçamentos estatais cortados e o medo, em vez da coragem, está determinando
muitas estratégias nacionais. Boa parte dessa mudança está sendo feita em nome
de mercados mais competitivos, mais dinâmicos. Este livro é um convite aberto
para mudarmos a forma como falamos do Estado, de seu papel na economia, e as
imagens e ideias que usamos para descrever esse papel. Só então poderemos
começar a construir o tipo de sociedade em que queremos viver e queremos que
nosso filhos vivam — de uma forma que afaste os falsos mitos a respeito do
Estado e reconheça como ele pode, quando imbuído de uma missão e organizado de
forma dinâmica, resolver problemas tão complexos quanto o de colocar o homem na
Lua e da mudança do clima. E precisamos de coragem para insistir — através de
uma visão mas também de instrumentos políticos específicos — para que o
crescimento resultante dos investimentos subjacentes seja não apenas
“inteligente”, mas também “inclusivo”.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário