Editora: Zahar
ISBN: 978-85-378-0205-2
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 96
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Sinopse: O
aclamado sociólogo Zygmunt Bauman lança o seu olhar crítico sobre temas
variados do mundo contemporâneo: cartões de crédito, anorexia, bulimia, a crise
financeira de 2009 e suas possíveis soluções, a inutilidade da educação nos
moldes atuais, a cultura como balcão de mercadorias... Todos são fenômenos que
colaboram para o mal-estar dominante em nossas sociedades, e estão
brilhantemente relacionados ao conceito de liquidez desenvolvido pelo
sociólogo. Aspectos tão diferentes são articulados de maneira densa, produzindo
uma compreensão singular das raízes desse mal-estar. Mais uma vez, as ideias de
Bauman orientam e iluminam nossa compreensão da atualidade, tocando na raiz dos
problemas da vida cotidiana.
“Para além de qualquer dúvida razoável, o recente “tsunami financeiro”
demonstrou a milhões de indivíduos – convencidos, pela miragem da “prosperidade
agora e sempre”, de que os mercados e bancos capitalistas eram os métodos
incontestáveis para a solução dos problemas – que o capitalismo se destaca por
criar problemas, e não por solucioná-los.”
“Sem meias palavras, o capitalismo é um sistema parasitário. Como
todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um
organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento. Mas não pode fazer isso
sem prejudicar o hospedeiro, destruindo assim, cedo ou tarde, as condições de
sua prosperidade ou mesmo de sua sobrevivência. (...)
Hoje,
quase um século depois de Rosa Luxemburgo ter divulgado sua intuição, sabemos
que a força do capitalismo está na extraordinária engenhosidade com que busca e
descobre novas espécies hospedeiras sempre que as espécies anteriormente
exploradas se tornam escassas ou se extinguem. E também no oportunismo e na
rapidez, dignos de um vírus, com que se adapta às idiossincrasias de seus novos
pastos.”
“A introdução dos cartões de crédito foi um sinal do que viria a seguir.
Foram lançados “no mercado” cerca de 30 anos atrás, com o slogan exaustivo e
extremamente sedutor de “Não adie a realização do seu desejo”. Você deseja
alguma coisa, mas não ganha o suficiente para adquiri-la? Nos velhos tempos,
felizmente passados e esquecidos, era preciso adiar a satisfação (e esse
adiamento, segundo um dos pais da sociologia moderna, Max Weber,
foi o princípio que tornou possível o advento do capitalismo moderno): apertar
o cinto, privar-se de certas alegrias, gastar com prudência e frugalidade,
colocar o dinheiro economizado na caderneta de poupança e ter esperança, com
cuidado e paciência, de conseguir juntar o suficiente para transformar os
sonhos em realidade.
Graças
a Deus e à benevolência dos bancos, isso já acabou! Com um cartão de crédito, é
possível inverter a ordem dos fatores: desfrute agora e pague depois! Com o
cartão de crédito você está livre para administrar sua satisfação, para obter
as coisas quando desejar, não quando ganhar o suficiente para
obtê-las.
Esta
era a promessa, só que ela incluía uma cláusula difícil de decifrar, mas fácil
de adivinhar, depois de um momento de reflexão: dizia que todo “depois”, cedo
ou tarde, se transformará em “agora” – os empréstimos terão que ser pagos; e o
pagamento dos empréstimos, contraídos para afastar a espera do desejo e atender
prontamente as velhas aspirações, tornará ainda mais difícil satisfazer os
novos anseios. Não pensar no “depois” significa, como sempre, acumular
problemas.
Quem
não se preocupa com o futuro, faz isso por sua própria conta e risco. E
certamente pagará um preço pesado. Mais cedo do que tarde, descobre-se que o
desagradável “adiamento da satisfação” foi substituído por um curto adiamento
da punição – que será realmente terrível – por tanta pressa. Qualquer um pode
ter o prazer quando quiser, mas acelerar sua chegada não torna o gozo desse
prazer mais acessível economicamente. Ao fim e ao cabo, a única coisa que
podemos adiar é o momento em que nos daremos conta dessa triste verdade.
Por
mais amarga e deletéria que seja, esta não é a única pequena cláusula anexada à
promessa, grafada em letras maiúsculas, do “desfrute agora, pague depois”. Para
impedir que o efeito dos cartões de crédito e do crédito fácil se reduza a um
lucro que o emprestador só realiza uma vez com cada cliente, a dívida contraída
tinha de ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro.
Não
pode pagar sua dívida? Em primeiro lugar, nem precisa tentar: a ausência de
débitos não é o estado ideal. Em segundo lugar, não se preocupe: ao contrário
dos emprestadores insensíveis de antigamente, ansiosos para reaver seu dinheiro
em prazos pré-fixados e não renováveis, nós, modernos e benevolentes credores,
não queremos nosso dinheiro de volta. Longe disso, oferecemos mais créditos
para pagar a velha dívida e ainda ficar com algum dinheiro extra (ou seja,
alguma dívida extra) a fim de pagar novas alegrias. Somos os bancos que gostam
de dizer “sim”. Seus bancos amigos. Bancos “que sorriem”, como dizia uma de
suas mais criativas campanhas publicitárias.
O
que nenhuma publicidade declarava abertamente, deixando a verdade a cargo das
mais sinistras premonições dos devedores, era que os bancos credores realmente
não queriam que seus devedores pagassem suas dívidas. Se eles pagassem com
diligência os seus débitos, não seriam mais devedores. E são justamente os
débitos (os juros cobrados mensalmente) que os credores modernos e benevolentes
(além de muito engenhosos) resolveram e conseguiram transformar na principal
fonte de lucros constantes. O cliente que paga prontamente o dinheiro que
pediu emprestado é o pesadelo dos credores. (...)
Para
eles, o “devedor ideal” é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas.”
“O Estado assistencial para os ricos (que, ao contrário de seu homônimo
para os pobres, jamais teve sua racionalidade questionada e, ainda mais, nunca
sofreu tentativas de desmantelamento) voltou aos salões, deixando as
dependências de serviço a que seus escritórios estiveram temporariamente
relegados, para evitar comparações desagradáveis. O Estado voltou a exibir e
flexionar sua musculatura como não fazia há muito tempo, com esses propósitos:
agora, porém, pelo bem da continuidade do próprio jogo que tornou sua
flexibilização difícil e até – horror! – insuportável; um jogo que,
curiosamente, não tolera Estados musculosos, mas ao mesmo tempo não pode
sobreviver sem eles.”
“Chegar às raízes do problema que agora saiu do compartimento top
secret para o centro da atenção pública não é uma solução instantânea,
mas a única que tem alguma possibilidade de se mostrar adequada à
enormidade do problema e de sobreviver aos intensos – mas comparativamente
breves – tormentos da desintoxicação.
Até
agora nada leva a pensar que estamos nos aproximando das raízes do problema. A
onda foi barrada a um passo do abismo por generosas injeções de “dinheiro do
contribuinte”. O banco Lloyds TSB começou a pressionar o Tesouro britânico para
que destinasse parte do pacote de salvação aos dividendos dos acionistas. E, a
despeito da indignação oficial dos porta-vozes do Estado, a instituição de
crédito seguiu firme na distribuição de bonificações para aqueles cuja avidez
desenfreada havia levado os bancos e seus clientes ao desastre. Dos Estados
Unidos, chegou a notícia de que 70 bilhões de dólares, cerca de 10% dos
subsídios que as autoridades federais pretendiam injetar no sistema bancário
americano, já haviam sido usados em bônus pagos exatamente aos que levaram o
sistema à beira da ruína.
Por
mais imponentes que sejam as medidas que os governos já tomaram, pretendem
tomar ou dizem que querem tomar, todas elas buscam “recapitalizar” os bancos e
deixá-los novamente em condições de desenvolver suas “atividades normais”: em outras
palavras, a atividade que é a principal responsável pela crise atual. Se os
devedores não tiveram condições pessoais de pagar os juros sobre a orgia
consumista inspirada e amplificada pelos bancos, talvez possam ser
induzidos/obrigados a fazê-lo por meio dos impostos que pagam ao Estado.”
“Essa espécie de Estado assistencial para os ricos (ou, mais exatamente,
a política de mobilizar, por intermédio do Estado, os recursos públicos que as
empresas capitalistas não conseguem convencer o público a lhes entregar
diretamente) não é novidade: apenas o alcance e a publicidade que o acompanham
assumiram proporções capazes de causar escândalo. Segundo Stephen Sliwinski,
ex-colaborador do Cato Institute, já em 2006 o governo federal dos Estados
Unidos havia gastado 92 bilhões de dólares para subvencionar os colossos da
indústria do país, como a Boeing, a IBM ou a General Motors.”
“A cooperação entre Estado e mercado no capitalismo é a regra; o conflito
entre eles, quando acontece, é a exceção. Em geral, as políticas do Estado
capitalista, “ditatorial” ou “democrático”, são construídas e conduzidas no
interesse e não contra o interesse dos mercados; seu efeito
principal (e intencional, embora não abertamente declarado) é
avalizar/permitir/garantir a segurança e a longevidade do domínio do mercado.”
“A
política sólido-moderna que consistia em negociar com o diferente, em
assimilá-lo à cultura dominante, em privar os estrangeiros de sua estranheza,
embora desejada por alguns, não é mais viável. Mas as velhas estratégias de
resistência à interação e fusão entre culturas também não são mais efetivas,
apesar de consideradas preferíveis pelos aficionados da separação rígida e do
isolamento das “comunidades de pertença” (mais precisamente, as comunidades de
pertença por nascimento).
“A
pertença”, afirma Jean-Claude Kaufmann,* é
“utilizada hoje sobretudo como recurso do ego”. Ele nos adverte contra a ideia
de que as “comunidades de pertença” são necessariamente “comunidades
integradoras”. Recomenda antes que sejam vistas como fenômenos que acompanham o
processo de individualização, como uma série de estações de serviço ou de
motéis marcando a trajetória do Eu que se forma e reforma continuamente.”
* Jean-Claude Kaufmann, L’invention de soi. Une théorie d’identité,
Paris, Armand Colin, 2004, p.214.
“No
mundo líquido-moderno, a solidez das coisas, assim como a solidez dos vínculos
humanos, é vista como uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, qualquer
compromisso a longo prazo (e mais ainda por prazo indeterminado) prenuncia um
futuro prenhe de obrigações que limitam a liberdade de movimento e a capacidade
de perceber novas oportunidades (ainda desconhecidas) assim que
(inevitavelmente) elas se apresentarem.
A
perspectiva de se ver restrito a uma única coisa a vida inteira é repulsiva e
apavorante. O que não surpreende, pois todos sabem que até os objetos de desejo
logo envelhecem, perdem o brilho num segundo e, de símbolos de honra,
transformam-se em estigmas de infâmia. (...)
A
capacidade de durar não joga mais a favor das coisas. Dos objetos e dos laços,
exige-se apenas que sirvam durante algum tempo e que possam ser destruídos ou
descartados de alguma forma quando se tornarem obsoletos – o que acontecerá
forçosamente. Assim, é preciso evitar a posse de bens, em particular daqueles
que duram muito e que não são descartáveis com facilidade.
O
consumismo de hoje não consiste em acumular objetos, mas em seu gozo
descartável. Sendo assim, por que o “pacote de conhecimentos” adquiridos na
universidade deveria escapar dessa regra universal? No turbilhão de mudanças, é
muito mais atraente o conhecimento criado para usar e jogar fora, o
conhecimento pronto para utilização e eliminação instantâneas, o tipo de
conhecimento prometido pelos programas de computador que entram e saem das
prateleiras das lojas num ritmo cada vez mais acelerado. (...)
Num
mundo como este, o conhecimento é destinado a perseguir eternamente objetos
sempre fugidios que, como se não bastasse, começam a se dissolver no momento em
que são apreendidos. E como os prêmios para quem faz a coisa certa tendem a ser
colocados cada dia num lugar diferente, os estímulos de reforço podem ser tão
enganosos quanto tranquilizadores: transformam-se em armadilhas a serem
evitadas, pois podem instilar hábitos ou impulsos que, um segundo depois, se
revelarão inúteis ou até daninhos.
Como
observou Ralph Waldo Emerson, quando se patina sobre gelo fino, a salvação está
na rapidez. Quem quiser se salvar deve se locomover com a velocidade necessária
para não correr o risco de forçar demais a resistência de um ponto qualquer. No
mundo volátil da modernidade líquida, no qual é difícil uma forma manter sua
estrutura pelo tempo necessário para garantir a confiança e se coagular numa
credibilidade de longo prazo (não há como saber se e quando o fará, e, de todo
modo, é pouco provável que o faça), andar é melhor que ficar sentado, correr é
melhor que andar, e surfar é ainda melhor que correr. Melhor surfista é o que
desliza com leveza e agilidade, que não é muito exigente quanto às ondas que
virão e que está sempre pronto a abandonar as antigas preferências.
Isso
é contrário a tudo que a aprendizagem e a educação representaram na maior parte
de sua história. Afinal, elas foram criadas na medida de um mundo durável, que
esperava permanecer assim e pretendia ser ainda mais durável do que havia sido
até então. Num mundo desses, a memória era uma riqueza; quanto mais para trás
ela conseguisse ir e quanto mais durasse, maior era o seu valor. Hoje, uma
memória tão solidamente ancorada parece ser potencialmente incapacitante, em
muitos casos, desorientadora, outros tantos, quase sempre inútil.”
““Você vale tanto quanto seu último sucesso”: esta é a máxima do bem
viver num mundo em que as regras mudam durante a partida e não duram mais do
que o tempo necessário para aprendê-las e memorizá-las. Os percentuais de
sucesso obtidos com as respostas aprendidas e exercitadas em condições de
rotina caem rapidamente: “flexibilidade” é a palavra de ordem do momento. A
capacidade de abandonar depressa os hábitos presentes torna-se mais importante
do que o aprendizado dos novos. Somos todos obrigados a adotar como norma o
estilo de vida que, há dois séculos, Soren Kierkegaard considerou patológico em
Don Juan, ou seja: “Terminar rapidamente e desde logo recomeçar do princípio.”*”
* Soren Kierkegaard, Enten-Eller [1843] [trad. it., Enten-Eller,
Un frammento di vita, t.I. A. Cortese (org.), Milão, Adelphi, 1987, p.165].
“A galáxia é pura e simplesmente
inassimilável. A sede principal do “desconhecido”, mais do que o mundo relatado
pela informação, é hoje a própria informação. É ela que dá a impressão de ser
“decididamente vasta demais, misteriosa e selvagem”.
As enormes quantidades de informação
competindo por atenção parecem muito mais ameaçadoras para os homens e mulheres
comuns do que os poucos “mistérios do Universo” que ainda restam e que
interessam exclusivamente a um pequeno grupo de maníacos da ciência e ao número
ainda mais restrito dos que disputam o Prêmio Nobel. Todas as coisas
desconhecidas parecem ameaçadoras, mas suscitam diferentes reações.
Os espaços vazios no mapa do Universo
estimulam a curiosidade, incitam à ação e infundem determinação, coragem e
confiança nos amantes da aventura; prometem uma vida interessante de
descobertas e anunciam um futuro melhor, gradualmente liberado dos
aborrecimentos que envenenam a vida. Mas não é assim com a massa impenetrável
da informação: ela está toda ali, ao alcance da mão, disponível de imediato,
mas zombeteira e exasperadora em sua distância, obstinadamente alheia e
indiferente a qualquer esperança de que, algum dia, se possa apreendê-la.
O futuro não é mais um tempo a ser esperado
com impaciência: ele só vai aumentar as dificuldades atuais, incrementando de
modo exponencial a quantidade de conhecimento que já nos atordoa, nos sufoca e
que bloqueia a salvação que ele próprio oferece de forma sedutora. A massa de
conhecimento à disposição é o principal obstáculo para sua aceitação. É também
a principal ameaça à nossa autoconfiança: certamente a resposta para os
problemas que nos afligem deve estar em algum lugar daquela massa
impressionante de informação. Portanto, ser incapaz de encontrá-la trará como
consequência imediata e concreta a autodepreciação e o autoescárnio.
Essa massa de conhecimento acumulado
transformou-se no epítome contemporâneo da desordem e do caos. Nela mergulharam
e dissolveram-se pouco a pouco todos os critérios ortodoxos de ordenamento:
tópicos de pertinência, atribuição de importância, necessidades determinantes
de utilidade e autoridades determinantes de valor. A massa faz esses conteúdos
parecerem uniformemente descoloridos. Pode-se dizer que, nela, todas as
informações fluem com o mesmo peso específico; portanto, para aqueles a quem se
nega o direito de reivindicar a competência de seu próprio julgamento, embora
sejam expostos às correntes de teses contraditórias dos especialistas, não há
como separar o joio do trigo.
Na massa, a parcela de conhecimento retirada
para uso e consumo pessoal só pode ser avaliada com base na quantidade, não é
possível comparar sua qualidade com o restante. Todas as informações se
equivalem. Os quiz televisivos refletem fielmente esse novo rosto do
conhecimento humano: para cada resposta certa, independentemente do assunto, o
concorrente obtém o mesmo número de pontos.
Atribuir importância às diversas informações
e, sobretudo, atribuir maior importância a umas que a outras talvez seja a
tarefa mais desconcertante e a decisão mais difícil. O único critério prático
que se pode adotar é a pertinência momentânea, mas ela também muda de um
momento para outro, e as informações assimiladas perdem significado assim que
são utilizadas. Como outros produtos no mercado, elas são destinadas ao
instantâneo, imediato e único.
No passado, a educação assumia muitas formas e
era capaz de adaptar-se às circunstâncias mutáveis, de definir novos objetivos
e projetar novas estratégias. Mas, se me permitem a insistência, as mudanças
presentes são diferentes das que se verificaram no passado. Em nenhum dos
momentos decisivos da história humana os educadores enfrentaram um desafio
comparável ao que representa este ponto limite. Nunca antes nos deparamos com
situação semelhante. A arte de viver num mundo hipersaturado de informação
ainda não foi aprendida. E o mesmo vale também para a arte ainda mais difícil
de preparar os homens para esse tipo de vida.”
“A incompreensão recíproca entre gerações, entre os “velhos” e os
“jovens”, e a desconfiança que isso gera têm uma longa história. Seus sintomas
podem ser encontrados facilmente em tempos bem antigos. Mas a desconfiança
intergeracional assumiu importância muito maior na era moderna, marcada
por mudanças permanentes, rápidas e profundas das condições de vida. A
aceleração radical do ritmo das mudanças, característica dos tempos modernos,
permitiu que se percebesse no curso de uma única vida humana que “as coisas
mudam” e “não são mais como antes”: trata-se de uma constatação que sugere uma
associação (ou um nexo causal) entre as mudanças da condição humana e a
sucessão das gerações.
A
partir do advento da modernidade e em todo o seu percurso, as gerações que vêm
ao mundo em fases diferentes da sua contínua transformação tendem a divergir
nitidamente na avaliação das condições de vida que partilham. Os filhos
em geral enfrentam um mundo drasticamente diferente daquele que seus pais,
guiados pelos educadores, aprenderam a considerar um padrão de “normalidade”.
Além disso, nunca poderão conhecer esse mundo já desaparecido em que os pais viveram
quando eram jovens.
Aquilo
que, para algumas gerações, pode parecer “natural” – da série “as coisas são
assim”, “normalmente, as coisas são feitas assim” ou “deveriam ser feitas
assim” –, para outras pode ser uma aberração: um afastamento da norma, um
estado de coisas extravagante e talvez até irracional, ilegítimo, injusto,
abominável. Aquilo que, para algumas gerações, pode parecer uma condição
confortável e familiar, pois permite o uso de habilidades e rotinas aprendidas
e dominadas, poderia parecer estranha e desagradável a outras. Nas situações em
que alguns se sentem desconfortáveis, confusos e perdidos, outros poderiam se
sentir como um peixe dentro d’água.
As
diferenças de percepção tornaram-se hoje tão multidimensionais que, ao
contrário dos tempos pré-modernos, as gerações mais velhas não atribuem mais
aos jovens o papel de “adultos em miniatura” ou de “aspirantes a adulto” – de
“seres ainda não completamente maduros, mas destinados a amadurecer” (“a
amadurecer até serem como nós”). Não se espera mais, nem se presume, que os
jovens “estão se preparando para ser adultos como nós”: eles são vistos
como uma espécie muito diferente de pessoa, destinada a permanecer
diferente “de nós” por toda a vida. As diferenças entre “nós” (os velhos) e
“eles” (os jovens) não são mais um problema temporário que vai se resolver e
evaporar quando os mais novos tiverem (inevitavelmente) que encarar as coisas
da vida.
O
resultado é que as velhas e as novas gerações tendem a se olhar reciprocamente
com um misto de incompreensão e desconfiança. Os mais velhos temem que esses
recém-chegados ao mundo estejam prontos a arruinar e destruir a acolhedora,
familiar e decorosa “normalidade” que eles, os pais, construíram com esforço e
conservam com amoroso cuidado; os jovens, ao contrário, sentem um forte impulso
de endireitar o que os antigos estragaram e desequilibraram. Nem uns nem outros
estão satisfeitos (pelo menos não completamente) com o modo como as coisas vão
e com a direção que seu mundo parece tomar, acusando-se mutuamente por essa
insatisfação.”
“Os medos agora são difusos, eles se espalharam. É difícil definir e
localizar as raízes desses medos, já que os sentimos, mas não os vemos. É isso
que faz com que os medos contemporâneos sejam tão terrivelmente fortes, e os
seus efeitos sejam tão difíceis de amenizar. Eles emanam virtualmente em todos
os lugares. Há os trabalhos instáveis; as constantes mudanças nos estágios da
vida; a fragilidade das parcerias; o reconhecimento social dado só “até segunda
ordem” e sujeito a ser retirado sem aviso prévio; as ameaças tóxicas, a comida
venenosa ou com possíveis elementos cancerígenos; a possibilidade de falhar num
mercado competitivo por causa de um momento de fraqueza ou de uma temporária
falta de atenção; o risco que as pessoas correm nas ruas; a constante
possibilidade de perda dos bens materiais etc.
Os
medos são muitos e diferentes, mas eles alimentam uns aos outros. A combinação
desses medos cria um estado na mente e nos sentimentos que só pode ser descrito
como ambiente de insegurança. Nós nos sentimos inseguros, ameaçados, e não
sabemos exatamente de onde vem esta ansiedade nem como proceder.
Os
medos não têm raiz. Essa característica líquida do medo faz com que ele seja
explorado política e comercialmente. Os políticos e os vendedores de bens de
consumo acabam transformando esse aspecto em um mercado lucrativo. O comum é
tentar reagir, fazer alguma coisa, buscar desvendar as causas da ansiedade e
lutar contra as ameaças invisíveis. Isso é conveniente do ponto de vista político
ou comercial. Tal atitude não vai curar a ansiedade, mas alimentar essa
indústria do medo. Adquirir bens para obter segurança só alivia uma parte da
tensão e mesmo assim, por um breve tempo.
Para
os governos e o mercado, é interessante manter acesos esses medos e, se
possível, até estimular o aumento da insegurança. Como a fonte das ansiedades
parece distante e indefinida, é como se dependêssemos dos especialistas, das
pessoas que entendem do assunto, para mostrar onde estão as causas do
sofrimento e como lutar contra ele. Não temos como testar a verdade que nos
contam. Só nos resta então acreditar no que dizem.”
“A competição está cada vez mais individualizada. Essa competição é guiada
por uma preocupação crescente com a sobrevivência física – ou a satisfação das
necessidades biológicas primárias que os instintos de sobrevivência impõem. E
também pelo poder de escolha individual: decidir quais são os seus objetivos e
que tipo de vida cada qual quer viver. Exercer esses direitos parece ser o
“dever” de todos. Assim, tudo o que acontece ao indivíduo parece ser
consequência desse direito. E tudo o que falha, uma recusa em botá-lo em
prática. O que acontece ao indivíduo tende a ser visto como uma confirmação do
poder de cada um.
Uma
vez agindo como indivíduos, nos encorajam a buscar reconhecimento social para
nossas escolhas. Reconhecimento social significa a aceitação dos outros, a
confirmação de que o indivíduo optou por uma vida decente, que vale a pena e
que merece todo o respeito das outras pessoas. O oposto do reconhecimento
social significa a negação da dignidade, a humilhação.
Uma
pessoa se sente humilhada quando recebe a mensagem, por palavras ou ações, de
que não pode ser quem pensa que é. Essa humilhação gera preconceito e
ressentimento. Numa sociedade individualista como a nossa, este é um tipo
venenoso e implacável de ressentimento e uma das mais comuns causas de
conflito, rebelião e revolta. Ela destrói a autoestima – nega o reconhecimento,
recusa o respeito e aplica a exclusão –, substitui a exploração e assume a
discriminação como explicação mais comumente usada para justificar o rancor do
indivíduo em relação à sociedade.
Isso
não significa que a humilhação seja um fenômeno novo e característico do atual
estágio da história da sociedade moderna. Ao contrário, é tão antigo quanto a
convivência entre os homens. Na sociedade individualizada, porém, as queixas e
as explicações para a dor perdem o foco no grupo e se deslocam para o
indivíduo. Mas, em vez de apontar para a injustiça e o malfuncionamento do todo
social, e de buscar um remédio na reforma da sociedade, os sofrimentos
individuais tendem a ser percebidos como ofensa pessoal, uma agressão à
dignidade pessoal e à autoestima. Sendo assim, eles demandariam uma resposta e
uma vingança pessoais.
Parece
haver uma tremenda desigualdade. É contra ela que a sociologia precisa apontar
sua mensagem, e o mais importante passa a ser enviar e receber essa mensagem.”
“Não
me considero um pessimista. Se eu fosse, por que escreveria? Mas também não sou
um otimista. Quem são os otimistas? As pessoas que acham que o nosso é o melhor
dos mundos. E os pessimistas? Pessoas que suspeitam que os otimistas talvez
estejam certos.”
“A questão do engajamento é realmente o lugar da mais profunda e
vexatória ambivalência nesse tempo de modernidade líquida. Nós precisamos do
que você chamou de “laços densos” como bote salva-vidas para velejar seguros
nas águas turbulentas de cenários dados a mudanças rápidas e sem aviso prévio.
Por outro lado, estar confinado apenas a um bote salva-vidas limita os
movimentos e reduz a gama de opções. A ausência de “laços densos” é cheia de
riscos, mas a densidade também o é.
A
ambivalência está aqui para ficar, embora, na maior parte do tempo, possamos
reconhecer “tendências” – a maioria das pessoas inclina-se para um lado da
oposição e descrê do outro, ou evita-o. Podemos dizer que, em geral, o aumento
da incerteza e a crescente evidência da total inadequação do modelo “faça isso
sozinho” tornam as pessoas mais ansiosas para construir laços e buscar refúgios
em coletividades firmemente cerradas (tendência que pode ser revertida uma vez
que as coisas se tornem menos cinzentas ou mais promissoras).”