Editora: Benvirá
ISBN: 978-85-64065-41-3
Tradução: Marcos Santarrita
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 512
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Sinopse: “Paralelo
42” é uma das obras mais importantes de um dos maiores escritores da moderna
literatura americana. Primeiro livro da trilogia USA, também composta por “1919”
e “O Grande Capital”, alinha a vida de cinco personagens que buscam seu lugar
ao sol para compor um painel social e político dos Estados Unidos no início do
século XX. Usando colagem de manchetes e notícias de jornais, letras de
músicas, biografias de personagens conhecidos (como o inventor Thomas Edison e
o empresário Andrew Carnegie) e pura ficção, John dos Passos integra com
mestria técnicas narrativas diversas para retratar o nascimento de uma potência
mundial, num parto difícil, com lutas de classe e batalhas econômicas.
“Mac
Morros avermelhados, trechos de bosques,
fazendas, vacas, um potro vermelho escoiceando num pasto, cercas de trilhos, pedaços
de pântanos.
— Bem, Tim, eu me sinto como um vira-lata
surrado... Durante toda a minha vida, Tim, eu tentei fazer a coisa certa — o Pai
continuava repetindo numa voz chacoalhada. — E agora, que estarão dizendo de
mim?
— Deus do céu, homem, você não podia ter
feito outra coisa, podia? Que diabos se pode fazer quando não se tem dinheiro nenhum,
emprego nenhum, e um bando de médicos e papa-defuntos e senhorios aparece com
suas contas e a gente com dois filhos pra criar?
— Mas eu tenho sido um homem quieto e
respeitável, estável e desgraçado desde que me casei e assentei. E agora, que estarão
pensando de mim, escapulindo como um cão surrado?
— John, acredite em mim, eu seria o último a
querer levar a desonra a uma morta que era minha irmã de nascimento e sangue...
Mas não é culpa sua nem minha... é culpa da pobreza, e a pobreza é culpa do
sistema... Fenian, escute o Tio O’Hara por um minuto, e você também, Milly,
porque uma moça tem de saber essas coisas tanto quanto um homem, e uma vez
nesta vida Tim O’Hara está dizendo a verdade... É culpa do sistema, que não dá
a um homem o fruto de seu trabalho... O único homem que recebe alguma coisa do
capitalismo é o escroque, e este chega a milionário em pouco tempo... Mas um
trabalhador honesto como John ou eu pode trabalhar cem anos que não deixa o bastante
pra enterrar a gente decentemente.”
“Amante
da Humanidade
Debs era ferroviário, nascera num barraco de
tábuas em Terre Haute.
Era um de dez filhos.
O pai viera para a América num veleiro em ’49,
Um alsaciano de Colmar; não era muito de
ganhar dinheiro, gostava de música e de ler,
deu aos filhos a oportunidade de concluir a
escola pública e isso foi quase tudo que pôde fazer.
Aos quinze anos, Gene Debs já trabalhava como
maquinista na Estrada de ferro de Indianápolis e Terre Haute.
Trabalhou como foguista de locomotiva,
escriturário numa loja
associou-se à seção local da Irmandade de
Foguistas de Locomotiva, foi eleito secretário, viajou por todo o país como
organizador.
Era um homem alto de andar bamboleante, tinha
uma espécie de retórica tempestuosa que punha em fogo os trabalhadores da
estrada de ferro em seus salões de pinho
fazia-os querer o mundo que ele queria,
um mundo partilhado por irmãos
onde todo mundo tivesse o mesmo quinhão:
Não sou um líder trabalhista. Não quero que vocês me sigam, a mim ou a
qualquer outro. Se estão em busca de um Moisés que os conduza para fora do
deserto capitalista, fiquem exatamente onde estão. Eu não os conduziria a essa
terra prometida mesmo que pudesse porque, se eu pudesse conduzi-los para
dentro, outra pessoa os conduziria para fora. (...)
e a gente de Terre Haute e de Indiana e do
Meio Oeste gostava dele e o temia e pensava nele como um velho tio bondoso que
a amava, e queria estar com ele e que ele lhe desse balas,
mas tinha medo dele como se ele houvesse
contraído uma doença social, sífilis ou lepra, e achava isso muito ruim,
mas pela bandeira
e pela prosperidade
e para tornar o mundo seguro para a
democracia,
tinha medo de estar com ele,
ou de pensar muito sobre ele por temer vir a
acreditar no que ele dizia;
porque ele dizia:
Enquanto houver uma classe baixa eu pertenço a ela, enquanto houver zona
classe criminosa eu pertenço a ela, enquanto houver uma alma na prisão eu não
sou livre.”
“— Já leu Marx?
— Não... puxa, mas gostaria.
— Eu também não. Mas li Um olhar para trás, de Bellamy; foi isso que me fez virar socialista.
— Me fale dele; eu tinha acabado de começar a
ler ele quando saí de casa.
— É sobre um sujeito inútil que dorme e
acorda no ano dois mil, quando a revolução social já aconteceu, todo mundo é
socialista e não tem mais cadeia nem pobreza, ninguém trabalha para si mesmo e
não tem jeito de alguém ser um rico acionista ou capitalista e a vida é uma
maravilha para a classe operária.
— Isso é o que eu sempre pensei... São os
operários que criam a riqueza e eles é que devem ficar com ela, e não um bando de
tubarões.
— Se a gente pudesse acabar com o sistema
capitalista, os grandes trustes e Wall Street, as coisas iam ser assim.
— Puxa.
— Só era preciso uma greve geral e fazer os
trabalhadores se recusarem a trabalhar para um patrão... Diabos, se as pessoas ao
menos compreendessem como é fácil. Os patrões têm toda a imprensa e negam o
conhecimento e a educação aos operários.”
“A comida é o último prazer do velho.”
“O
Imperador do Caribe
Quando Minor C. Keith morreu, todos os
jornais trouxeram seu retrato, um homem de olhos brilhantes, com um nariz
aquilino e uma bela pança, e uma expressão nervosa sob os olhos.
Minor C. Keith era filho de um homem rico,
nascido numa família que gostava do cheiro do dinheiro, podiam farejar dinheiro
a uma distância de metade do globo naquela família.
O tio dele era Henry Meiggs, o Don Enrique da
Costa Oeste. O pai tinha uma grande empresa madeireira e lidava com imóveis em
Brooklyn;
o jovem Keith era uma lasca da velha cepa
(Nos idos de quarenta e nove, Don Enrique fora
atraído a San Francisco pela corrida do ouro. Não foi garimpar nas montanhas,
não morreu de sede peneirando pós de álcalis no vale da Morte. Vendia
equipamentos aos outros. Ficou em San Francisco fazendo política e alta finança
até que se comprometeu demais e teve de tomar um navio às pressas.
O navio levou-o ao Chile. Ele farejava
dinheiro no Chile.
Era o capitalista ianque. Construiria ferrovias
de Santiago a Valparaíso. Havia depósitos de guano nas ilhas Chincha. Meiggs farejava
dinheiro no guano. Cavou uma fortuna do guano, tornou-se uma potência na Costa
Oeste, manipulou cifras, exércitos, as políticas dos caciques e políticos
locais: eram todos fichas num imenso jogo de pôquer. Por trás de uma mão boa
ele amontoava os dólares.
Financiou as incríveis ferrovias dos Andes.)
Quando Tomás Guardia se tornou ditador da
Costa Rica, escreveu a Don Enrique para que lhe construísse uma ferrovia;
Meiggs estava ocupado nos Andes, um contrato de
75 mil dólares dificilmente valeria a pena;
por isso enviou seu sobrinho Minor Keith.
As pessoas daquela família não deixavam a
grama nascer debaixo de seus pés:
aos dezesseis anos, Minor Keith já vivia por
conta própria, vendendo colarinhos e gravatas numa loja de roupas.
Depois disso, foi inspetor de madeira e teve
uma empresa madeireira.
Quando seu pai comprou a ilha Padre, ao largo
de Corpus Christi, Texas, enviou Minor para fazer dinheiro lá.
Minor Keith começou criando gado na ilha Padre
e pescando com rede de arrasto,
mas o gado e o peixe não davam dinheiro
bastante
por isso ele comprou porcos e matou os bois e
cozinhou a carne e deu-a aos porcos para comer e matou os peixes e deu-os aos
porcos para comer,
mas os porcos não davam dinheiro com rapidez
suficiente,
e por isso ele se sentiu feliz por ir para
Limon.
Limon era um dos piores e mais pestilentos
buracos das Caraíbas, até os índios morriam lá de malária, febre amarela, disenteria.
Keith retornou a Nova Orleans no vapor John G. Meiggs, a fim de contratar
operários para construir a ferrovia. Oferecia um dólar por dia com comida e
contratou setecentos homens. Alguns deles tinham estado por lá antes nos dias
de pirataria de William Walker.
Desse bando, cerca de vinte e cinco voltaram
vivos.
O resto deixou as carcaças escaldadas de
uísque apodrecendo nos pântanos.
Em outra carga, ele embarcou para lá mil e
quinhentos; todos morreram, provando que só os negros da Jamaica podiam viver
em Limon.
Minor Keith não morreu.
Em 1882, havia trinta quilômetros de ferrovia
construídos e Keith estava um milhão de dólares no vermelho;
a ferrovia nada tinha para transportar.
Keith fez com que plantassem bananas, para
que a ferrovia tivesse alguma coisa para transportar, e para vender as bananas teve
de entrar no negócio de fretes marítimos;
esse foi o começo do negócio de frutas das
Caraíbas.
Durante todo esse tempo, os trabalhadores
morriam de uísque, malária, febre amarela, disenteria.
Os três irmãos de Minor Keith morreram.
Minor Keith não morreu.
Construiu ferrovias, abriu lojas de varejo
acima e abaixo da costa, em Bluefields, Belize, Limon, comprou e vendeu
borracha, baunilha, conchas de tartaruga, salsaparrilha, qualquer coisa que pudesse
comprar barato comprava, qualquer coisa que pudesse vender caro vendia.
Em 1898, em cooperação com a Boston Fruit
Company, formou a United Fruit Company, que desde então se tornou uma das
unidades industriais mais poderosas do mundo.
Em 1912, ele incorporou a International
Railroads of Central America;
tudo isso construído a partir das bananas;
na Europa e nos Estados Unidos as pessoas
haviam começado a comer bananas,
de modo que derrubaram as florestas por toda
a América Central para plantar bananas,
c construíram ferrovias para transportar as
bananas,
e todo ano mais vapores da Grande Frota Branca
navegavam para o norte carregados de bananas,
e esta é a história do império americano nas
Caraíbas,
de modo que derrubaram as florestas por toda
a América Central para plantar bananas,
e construíram ferrovias para transportar as
bananas,
e todo ano mais vapores da Grande Frota
Branca
navegavam para o norte carregados de bananas,
e esta é a história do império americano nas
Caraíbas,
e do Canal do Panamá e do futuro Canal da
Nicarágua e dos fuzileiros navais e dos vasos de guerra e das baionetas.
Por que aquela aparência nervosa sob os olhos
no retrato de Minor C. Keith, o pioneiro do comércio de frutas, o construtor de
ferrovias, em todas as fotos que os jornais estamparam dele quando ele morreu?”
“O Olho
da Câmera (23)
a amiga de mamãe era uma mulher muito linda
com lindos cabelos louros e tinha duas lindas filhas a loura casou-se com um
homem do petróleo que era calvo como a palma da mão e foi morar em Sumatra a morena casou-se com o homem de Bogotá
e os nativos eram índios e dormiam em redes e tinham doenças horríveis e quando
a mulher tinha filho era o marido quem ia para a cama e usavam setas
envenenadas e caso se fosse ferido naquela região a ferida nunca sarava mas se
alastrava branca e madura e a canoa de tronco virava tão facilmente na água
quente e fumegante cheia de peixes vorazes que se a gente tivesse um arranhão ou
um ferimento não curado o cheiro de sangue atraía-os às vezes faziam as pessoas
em pedaços
eram oito semanas subindo o rio Magdalena em
canoa e depois se chegava a Bogotá
o coitado do Jonas Fenimore voltou de Bogotá
muito doente e diziam que era elefantíase ele era um bom sujeito e contava histórias
sobre a selva fumegante e as tempestades e os crocodilos e as horríveis doenças
e os peixes vorazes e bebia todo o uísque na cômoda e quando ia nadar a gente
via grossas manchas em suas pernas como cascas de maçã e ele gostava de tomar
uísque e falava que a Colômbia ia tornar-se um dos países mais ricos do mundo em
petróleo e madeiras raras para vernizes e borboletas tropicais
mas a viagem rio Magdalena acima era longa
demais e quente demais e perigosa demais e ele morreu
disseram ter sido o uísque e a elefantíase
e o rio Magdalena”
“— Evidentemente, não podemos ter certeza,
mas todas as minhas melhores decisões são tomadas de estalo.”
“- Todo o meu futuro eu já deixei para trás.”
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