Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-040-2
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 280
Sinopse: Questões acerca da mente ocupam o centro de
debates filosóficos, religiosos e científicos. Afinal, o que é a mente? Do que
ela é constituída? Como podemos entendê-la em relação ao cérebro? Esses são
apenas alguns dos questionamentos que surgem ao tratarmos desse tema.
Indagações que existem desde Platão e para os quais, até hoje, não encontramos
respostas conclusivas – e talvez nunca possamos encontrar. No entanto, a
filosofia continua se dedicando a investigar esses problemas, promovendo
reflexões que levam à exploração de ideias, teorias e conceitos que são
fortemente instigantes.
“Mentes têm,
necessariamente, corpos. Sem os entes ou substâncias materiais complexas que
são nossos corpos, não haveria nossas mentes. Porém, ao nos referirmos a nós
mesmos em uma conversação, não apontamos para nosso corpo ou para parte de
nosso corpo. Ainda que a mente dependa do corpo, não é parte do corpo nem
constituída pelo corpo, que de fato é um ente composto de partes que não se
identificam com o corpo e tampouco com a mente. O cérebro de Pedro não é Pedro
e, embora Pedro compartilhe algumas propriedades com seu corpo, como altura e peso,
essas propriedades não definem Pedro. Quando Pedro se utiliza do pronome eu
em uma conversação para se referir a ele próprio, ao que, exatamente, ele está
fazendo referência? O que é esse “eu” que Pedro é? Seria uma substância
indivisível, sem extensão, como queria Descartes? Isso é uma substância
simples? Se esse não é o caso, do que seria composta a mente?
Tendo em vista que
a mente de alguém não é seu corpo nem mesmo uma parte do corpo, podemos afirmar
que algumas partes do corpo, evidentemente, não pertencem à mente daquela
pessoa, ou seja, não compõem sua mente. No entanto, isso não elimina a hipótese
de que a mente seja uma substância composta. Pode não ser composta de
substâncias simples materiais, entretanto, nada impede de entendermos a mente como
um composto de estados e estruturas psicológicas.
Temos faculdades
cognitivas, de percepção, de imaginação; temos conceitos de todo tipo e nossa
mente realiza funções como calcular, elaborar pensamentos, memorizar
acontecimentos. Todavia, do fato de que podemos falar de faculdades, conceitos
etc. como propriedades da mente, não se deduz que essas propriedades sejam
partes da mente, componentes que, somados, constituem a mente. Pensar uma mente
em particular sem qualquer uma dessas faculdades é muito parecido com pensarmos
na casa de blocos de montar sem algumas peças. Conforme subtraímos as peças, a
casa paulatinamente perde sua funcionalidade até desaparecer, o mesmo ocorrendo
com a mente quando perde suas faculdades. A ênfase aqui, portanto, é sobre a
relação entre propriedades e função. Talvez falar em faculdades da mente seja
apenas outra forma de nos referirmos à sua organização funcional, e não
exatamente a propriedades ou partes constitutivas da mente entendida como um
ente ou substância.
Afirmamos
anteriormente que, ao associarmos a noção de mente à noção de “eu”, torna-se
claro que este compartilha de certas partes do corpo. Quando digo que tenho
1,75m de altura, refiro-me a uma característica minha, ou seja, a mim, ou a meu
“eu”, por meio de uma medida do meu corpo. Mas esse tipo de propriedade que o
“eu” compartilha com o corpo não contradiz o fato de que a mente é uma
substância simples, isto é, indivisível quanto à sua natureza. Altura ou volume
não são componentes da mente ou de um ente complexo, que é o corpo, no mesmo
sentido que um olho é um componente. Os pensamentos e sentimentos de uma pessoa
qualquer não são pensamentos do seu corpo nem mesmo de seu cérebro, isto é, não
compõem seu cérebro.
Por fim, mentes,
segundo essa concepção, além de possuírem, é claro, propriedades mentais,
também possuem propriedades materiais, mas não se reduzem aos corpos nos quais
residem tais propriedades materiais.
Se, por um lado, a
ideia de interação entre mente e corpo encontra-se no centro dessa proposta
teórica, por outro, entender o modo como ocorre essa interação continua
problemático. De que maneira a mente, que não é idêntica ao corpo e tampouco a
uma qualquer parte sua, age sobre ele? Desejo pegar um objeto, decido, então,
estender o braço para pegá-lo e, efetivamente, meu braço se movimenta em
direção ao objeto. Saber como isso é possível permanece em aberto, basta
lembrarmos que, para o sistema da física contemporânea, eventos físicos têm
necessariamente causas físicas e, portanto, a mente não é contemplada como
capaz de causar algo no mundo físico. Outra dificuldade que se apresenta é
quanto à relação linear e direta de causalidade que o dualismo defende. Pensar
que um estado mental causa uma ação corporal, por exemplo, incorre em certos
absurdos quando pensamos na cadeia causal de maneira retrospectiva, ou seja, ao
inverso.”
“O behaviorismo é
a tese segundo a qual atribuímos um estado mental correspondente a um
comportamento observado. Cada estado mental é, consequentemente, relacionado e
reduzido a uma disposição comportamental. Vale ressaltar que o estado mental
não causa um comportamento, ele é esse comportamento. Assim como no empirismo,
para o behaviorismo não há conhecimento produzido pela mente, apenas aqueles
comportamentos observados, que são chamados de estados mentais. Todo objeto
existente é material.
Uma objeção à tese
behaviorista é a de que um comportamento nem sempre é suficiente para descrever
um estado mental, pois um comportamento pode ser fingido, imitado, dissimulado
ou até mesmo mascarado, suprimido. A teoria limita-se a tratar como estado
mental aquilo que é rigorosamente observado, sem ter o poder de saber com
absoluta certeza qual é o estado mental que outra mente, que não a do
observador, experimenta. As disposições comportamentais não são também
necessárias para que exista um estado mental qualquer, como mostrado no
argumento de Putnam (Philosophical Papers, 1979). Posso sentir algo sem
demonstrar em comportamento físico que sinto esse algo; dessa maneira, nem todo
enunciado formulado mentalmente pode ter sua comprovação verificada
experimentalmente.”
“Para Ryle, falar
em estados mentais é falar de uma entidade que não possui significado, é falar
de algo que não possui referência. Portanto, poderíamos falar apenas em comportamentos.
O que ele procura mostrar é a recorrente confusão linguística que fazemos
quando, ao falarmos de estados mentais, atribuímos a esse estado um
comportamento no mundo, como se estivéssemos nos referindo a um ente no mundo,
o que não é o caso. Incorre-se no mesmo erro se pensarmos poder haver mentes
independentes dos comportamentos observados das pessoas. Mentes e corpos não
existem da mesma maneira, não são da mesma categoria de entes, como é afirmado
pelo dualismo cartesiano, por exemplo.”
“Primeiramente,
discordando do dualismo apresentado por Descartes, nas tendências
contemporâneas, a mente não existe sem um corpo, sem estar associada a uma
materialidade. Não quer dizer, com isso, que a mente seja necessariamente
material, mas que, sem esse suporte, ela não existe. Também não quer dizer que
ela seja o próprio corpo, embora dependa dele para existir, nem constituída
pelo corpo, como se este fosse uma parte dela. Embora a mente seja constituída
de propriedades essenciais que não são propriedades do corpo, tais como os
conceitos, as ideias etc., não pode ser inferido que a mente seja uma
composição dessas propriedades. De todo modo, nas teses dualistas, a mente
resguarda sempre uma unidade que não se resume à matéria. Disso decorre o
problema da interação, da causalidade entre as duas substâncias: mente e corpo. O dualismo não procura reduzir tudo a uma explicação causal
física, como se os eventos mentais fossem resultados diretos dos efeitos
físico-químicos produzidos pelo cérebro.”
“O funcionalismo
considera os estados mentais não mais como substâncias, pelo que são, pelo
caráter ontológico, mas pela função que desempenham, por aquilo que realizam,
pelo caráter funcional. A mente humana, por exemplo, é considerada como o
conjunto de funções exercidas pelo cérebro, embora nada impeça, ao menos
teoricamente, que tais funções sejam realizadas por algo que não seja o cérebro
humano. Como leva em consideração as funções exercidas por qualquer sistema
material, o funcionalismo é, nesse sentido, um tipo de materialismo. O que
importa é somente o nexo relacional entre os inputs e os outputs,
a função exercida por eles, e não do que eles são constituídos.”
“Então, o que faz
que um ser seja inteligente? Basicamente o fato de que ele divide o ambiente em
que vive em várias partes, vários subconjuntos, mais simples de serem
conhecidos e controlados, e utiliza esse conhecimento para planejar e decidir
suas ações. As sensações captadas e processadas em informações acerca do mundo
exterior constituem a primeira etapa do conhecimento estruturado. A capacidade
de representar de maneira adaptativa o ambiente decorre de um segundo momento
no processo cognitivo, no qual a combinação de conhecimentos produz uma ação
com vistas a agir sobre o ambiente. Essa capacidade pressupõe a aprendizagem de
novas informações que são arquivadas com o objetivo de modificar conhecimentos
adquiridos, percepções e ações; a eficiência no processo de aprender as
informações depende da circulação destas entre os indivíduos, ou seja, depende
da comunicação.
No ser humano,
essa comunicação se processa por meio da linguagem verbal, sobretudo. Isso
confere à nossa espécie uma condição ímpar em relação à capacidade de estocar,
representar e enviar informações. Nesse sentido, cognição é um processo que
envolve desde a percepção, passando pela organização conceitual, raciocínio,
aprendizagem e ação. Em todas essas etapas, encontra-se a troca de informação.
Naturalmente, o sistema nervoso central é o ator principal desse processo e
nisso reside um dos principais temas de pesquisa e debate no âmbito das
ciências cognitivas, tendo em vista que a aposta na IA depende fundamentalmente
de que a definição de mente esteja subsumida em grande medida à
capacidade de se entender os processos cognitivos e, ainda, de entendê-los como
desvinculados da parte material de seus mecanismos cerebrais.”
“Em suma, a
filosofia da mente, embora tenha por horizonte fornecer respostas aos problemas
que envolvem a relação entre mente e corpo, não tem em seu escopo respostas conclusivas.
Ela permanece um campo de exploração em constante dependência dos progressos da
neurociência e das ciências cognitivas, assim como das teorias evolucionistas e
de outras áreas das ciências exatas. O papel da filosofia da mente é o de
problematizar soluções que parecem definitivas e ajustar os dados científicos
aos pressupostos conceituais filosóficos, e estes a argumentos lógicos. A
ficção científica pode sonhar com robôs humanoides, mas a filosofia não pode se
dar ao luxo de subestimar os problemas lógico-conceituais envolvidos nesse
projeto.”
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