Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-8285-046-6
Tradução: Paulo Geiger
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 162
Sinopse: O
indivíduo deve ser livre para direcionar sua vida como preferir em tudo aquilo
que não cause dano a terceiros. Homens e mulheres devem viver em igualdade.
Essas proposições estão no cerne de Sobre
a liberdade e A
sujeição das mulheres. Mill enxergava três fontes de despotismo à sua
volta: o Estado, o costume e a opinião pública. Graças a elas, os indivíduos
passavam a vida numa existência atrofiada, sem experimentar seu verdadeiro
potencial. Contra essa diluição dos indivíduos, Mill elaborou sua defesa da
liberdade. Quanto às mulheres, Mill exige a plena igualdade legal – numa época
em que elas sequer podiam votar – e defende que os homens se desvencilhem de
antigos preconceitos. Essas obras poderosas convidam ao exercício de uma ética
da liberdade e buscam a compreensão de hábitos e opiniões diferentes dos
nossos. Trata-se de pilar fundamental em tempos de intolerância e fanatismo
como os de hoje.
“Enquanto uma opinião se enraizar fortemente
nos sentimentos, ela ganha mais do que perde em estabilidade, e ao ter contra
si argumentos de um peso considerável. Porque, se fosse aceita como resultado
de argumentação, a refutação do argumento poderia abalar a solidez da
convicção; mas, quando só se apoia no sentimento, quanto pior seu desempenho numa
disputa de argumentos, mais persuadidos ficam seus adeptos de que seu
sentimento deve ter um fundamento mais profundo, que os argumentos não
alcançam; e, enquanto o sentimento permanecer, estará sempre abrindo uma nova
trincheira argumentativa para reparar toda brecha que se tenha aberto na
antiga. E há tantas causas que tendem a fazer os sentimentos relacionados com
este tema os mais intensos e os mais profundamente enraizados de todos os que
cercam e protegem velhas instituições e costumes, que não devemos nos admirar
de ainda os encontrar menos do que quaisquer outros solapados e afrouxados pelo
progresso da grande e moderna transição espiritual e social; nem supor que as
barbaridades às quais os homens se atêm mais longamente sejam menos bárbaras do
que aquelas das quais se livraram antes.”
“Apesar de os escravos não serem parte da
comunidade, foi nos Estados livres que primeiro se chegou ao sentimento de que
os escravos tinham direitos como seres humanos. Os estoicos foram, creio eu, os
primeiros (exceto na medida em que a lei judaica constitui uma exceção) a
pensar, como parte da moralidade, que os homens eram sujeitos a obrigações
morais para com seus escravos. Ninguém, depois da ascensão do cristianismo,
poderia jamais ser alheio, em teoria, a essa crença; nem, depois do surgimento
da Igreja católica, lhe faltaram pessoas que defendessem isso. Mas impô-la foi
a tarefa mais árdua que o cristianismo teve de realizar. Por mais de mil anos a
Igreja manteve em destaque essa luta, com quase nenhum sucesso perceptível. Não
foi por falta de poder sobre as mentes humanas. Seu poder era prodigioso. Podia
fazer com que reis e nobres abrissem mão de suas posses mais valiosas para
enriquecer a Igreja. Podia fazer com que milhares, no melhor da vida e no ponto
mais elevado de suas vantagens terrenas, se encerrassem em conventos para
buscar a salvação através da pobreza, do jejum e da oração. Podia enviar
centenas de milhares através da terra e do mar, na Europa e na Ásia, para dar
suas vidas pela libertação do Santo Sepulcro. Podia fazer com que reis renunciassem
a esposas que eram objeto de uma relação apaixonada, porque a Igreja declarara
que estavam dentro do sétimo (por nosso cálculo, o décimo quarto) grau de
parentesco. Tudo isso ela fez; mas não pôde fazer os homens lutarem menos uns
com os outros, nem exercerem menos cruelmente a tirania sobre seus servos e,
quando podiam, sobre os burgueses. Não pôde fazê-los renunciar às aplicações da
força — força militante, ou força triunfante. Isso nunca puderam ser induzidos
a fazer até serem eles mesmos, por sua vez, submetidos a uma força superior.
Foi somente com o crescimento do poder dos reis que se pôs um fim às lutas,
exceto as que se travavam entre reis, ou entre os que competiam pelo reinado;
foi somente com o crescimento de uma rica e combativa burguesia nas cidades
fortificadas, e de uma infantaria plebeia que se provou no campo de batalha
mais poderosa do que uma cavalaria indisciplinada, que a insolente tirania dos
nobres sobre a burguesia e o campesinato foi trazida para certos limites. Ela
persistiu não somente até que, mas muito depois que, os oprimidos obtiveram um
poder que frequentemente lhes possibilitou obterem conspícua vingança; e no
continente muito dela continuou até a época da Revolução Francesa, embora na
Inglaterra uma anterior e melhor organização das classes democráticas lhe tenha
posto um fim mais cedo, estabelecendo leis igualitárias e instituições
nacionais livres.”
“Houve alguma vez qualquer dominação que não
parecesse natural a quem a exercia?”
“Com todo o fanatismo os homens se agarram a
teorias que justificam suas paixões e legitimam seus interesses pessoais.”
“Deve-se lembrar também que nenhuma classe
escravizada reivindicou liberdade imediatamente. É lei política natural que
aqueles que estão sob qualquer poder de origem antiga nunca começam por
reclamar do poder em si, mas de seu exercício opressivo.”
“Todas as causas, sociais e naturais,
concorrem para fazer com que seja improvável que as mulheres se rebelem
coletivamente contra o poder dos homens. Elas estão numa posição muito distante
daquela das outras classes subjugadas, seus senhores requerem delas algo mais
do que seu serviço. Os homens não querem somente a obediência das mulheres,
querem seus sentimentos. Todo homem, exceto os mais brutais, quer ter na mulher
mais proximamente ligada a ele não uma escrava pela força, mas uma escrava
voluntária, não meramente uma escrava, mas uma favorita. Eles, portanto,
puseram em prática tudo que escravizasse suas mentes. Para manter a obediência,
os senhores de todos os outros escravos se baseiam no medo; ou medo deles
mesmos ou medos de natureza religiosa. Os senhores das mulheres queriam mais
que simples obediência, e dirigiram toda a força da educação para alcançar seu
propósito. Todas as mulheres são levadas, desde seus primeiros anos de vida, à
crença de que o ideal de seu caráter é exatamente o oposto do ideal do homem;
nem vontade própria, nem governo por autocontrole, mas submissão e rendição ao
controle de outros. Todos os conceitos morais lhes informam que é dever das
mulheres, com todo o sentimentalismo corrente que é de sua natureza, viver para
os outros; abdicar completamente de si mesmas, e não ter uma vida a não ser em
suas afeições. E são entendidas como suas afeições somente aquelas que lhes são
permitidas — pelos homens aos quais são ligadas, ou pelos filhos, que
constituem um laço adicional e irrevogável entre uma mulher e um homem. Quando
juntamos três coisas — primeiro, a atração natural entre sexos opostos;
segundo, a total dependência de uma mulher a seu marido, sendo que todo
privilégio ou prazer desfrutados por ela sejam considerados presentes dele, ou
atos dependentes inteiramente de sua vontade; e por fim, que o principal
objetivo do empenho humano, a consideração, e todos os objetos de ambição
social geralmente só possam ser buscados ou obtidos por ela por intermédio dele
—, seria um milagre que o objetivo principal de ser atraente para um homem não
se tornasse o norte da educação feminina e da formação de seu caráter. E, uma
vez assimilado esse grande agente de influência na mentalidade das mulheres, um
instinto egoísta fez os homens se valerem disso a um limite extremo, como meio
de manter as mulheres sob sujeição, ao lhes venderem a ideia de que a
docilidade, a submissão e a resignação de toda a vontade individual da mulher
aos desígnios do homem é parte essencial da atratividade sexual. Pode haver
dúvida de que qualquer dos outros jugos que a humanidade conseguiu quebrar
teriam subsistido até hoje se os mesmos meios tivessem existido e sido
diligentemente usados para submeter a eles as mentalidades? Se tivesse sido
colocado como objetivo de vida de cada jovem plebeu agradar pessoalmente algum
patrício — e de cada jovem servo em relação a seu senhor dele obter favores —;
se familiarizar-se com ele e compartilhar suas afeições particulares fossem um
prêmio que todos procurassem obter, os mais talentosos e ambiciosos podendo
contar com os prêmios mais valiosos; e se, uma vez obtido esse prêmio, eles
ficassem isolados por uma parede de bronze de todos os interesses não centrados
nele, de todos os sentimentos e desejos a não ser aqueles que partilhou ou lhes
foram inculcados; não seriam então servos e senhores, plebeus e patrícios, tão
amplamente diferenciados entre si em nossos dias quanto são homens e mulheres?
E não acreditariam todos, com a exceção de um pensador aqui e outro ali, que
essa diferenciação é um fato fundamental e inalterável da natureza humana?”
“Na tirania doméstica, assim como na
política, o caso de monstros absolutos é o que ilustra, principalmente, esse
aspecto da instituição, mostrando que quase não há horror que não possa ocorrer
se assim aprouver ao déspota, o que põe sob uma luz forte aquilo que deve ser a
terrível frequência de fatos que são só um pouco menos atrozes. Demônios
absolutos são tão raros quanto anjos, talvez mais; contudo, selvagens ferozes
com ocasionais toques de humanidade são muito frequentes; e, na ampla distância
que separa estes de algum representante meritório da espécie humana, quão
numerosas são as formas e gradações de animalismo e egoísmo, muitas vezes sob
um verniz exterior de civilização, até mesmo refinamento, que convive em paz
com a lei, que mantém uma aparência respeitável ao olhar de todos que não estão
sob seu domínio, mas com frequência são suficientes para fazer com que a vida
daqueles que estão seja um tormento e um fardo! Seria cansativo repetir os
lugares-comuns sobre a inaptidão dos homens em geral para o exercício do poder,
o que, depois de um debate político que dura séculos, todo mundo sabe de cor,
se não fosse o fato de que quase ninguém pensa em aplicar essas máximas ao caso
em que, mais do que em todos os outros, elas seriam aplicáveis, o do poder
posto não nas mãos de um homem aqui outro acolá, mas oferecido a cada adulto do
sexo masculino, baixando o nível até o mais torpe e o mais feroz deles. Não
será por não se saber que ele tenha transgredido algum dos Dez Mandamentos, ou
por ter preservado um caráter respeitável em seus tratos com aqueles a quem não
pode forçar a ter relações com ele, ou porque não se precipita em rompantes
violentos de mau gênio contra todos que não são obrigados a suportá-lo, não
será por isso que se poderá conjecturar que tipo de comportamento terá no
espaço irrestrito do lar. Mesmo o mais comum dos homens reserva as
manifestações do lado violento, rabugento, indisfarçadamente egoísta de seu
caráter para aqueles que não têm o poder de lhes resistir. A relação de um
superior para com seus dependentes é que alimenta esses vícios de caráter, os
quais, onde quer que existam, são um transbordamento daquela fonte. Um homem
que é irascível ou violento com seus iguais certamente viveu entre inferiores
que ele submeteu ameaçando ou atemorizando. Se a família em sua melhor forma é,
como muitas vezes se diz, uma escola de empatia, ternura e amorosa acedência de
si mesma, é ainda com maior frequência, no que tange a seu chefe, uma escola de
voluntariedade, autoritarismo, ilimitada autoindulgência e um pertinaz e
idealizado egoísmo, na qual sacrificar a si mesmo só tem uma forma particular:
o cuidado com esposa e filhos sendo apenas o cuidado que se tem com partes dos próprios
interesses e pertences do homem, a felicidade individual deles sendo imolada de
todas as maneiras em função de suas menores preferências. O que de melhor se
pode buscar na forma existente dessa instituição? Sabemos que as más propensões
da natureza humana só se mantêm nos limites quando não se permite margem de
indulgência para com elas. Sabemos que, por impulso e por hábito, quando não
por deliberada intenção, quase toda pessoa a quem outros se submetem acaba
abusando deles, até chegar a um ponto em que são obrigados a resistir. E que
essa é a tendência comum da natureza humana; o poder quase ilimitado que as
atuais instituições sociais concedem ao homem sobre pelo menos um ser humano —
aquele com quem mora, e que tem sempre presente —, esse poder vai buscar e
evocar o germe latente do egoísmo nos cantos mais remotos de sua natureza —
reavivando num sopro suas mais tênues fagulhas e brasas quase apagadas — e lhe
dá licença para ser indulgente com aqueles aspectos de seu caráter original que
em todas as outras relações acharia necessário reprimir e encobrir, e cuja
repressão se tornaria com o tempo uma segunda natureza.”
“Leis nunca seriam aprimoradas se não
houvesse pessoas cujos sentimentos morais são melhores do que as leis
existentes.”
“Na porção mais naturalmente brutal e sem
educação moral das classes mais baixas, a escravidão legal da mulher, e de
certo modo a sujeição meramente física dela à vontade do homem, como se fosse
um instrumento, fazem com que ele sinta uma espécie de desrespeito e desprezo
em relação à própria esposa que não sente em relação a nenhuma outra mulher, ou
nenhum outro ser humano com quem entra em contato; e que faz com que ela lhe
pareça ser um objeto apropriado para todo tipo de indignidade. Que um arguto
observador dos sinais que denotam sentimento, tendo as devidas oportunidades,
julgue por si mesmo se não é o caso: e, se achar que é, que não se espante com
a magnitude de desgosto e indignação que se faz sentir contra instituições que
levam naturalmente a esse estado depravado da mente humana.”
“Nos dias de hoje, o poder usa de uma
linguagem mais suave e, seja quem for que quer oprimir, sempre finge fazê-lo para
o próprio bem dos oprimidos.”
“Pode-se imaginar que tudo isso não perverta
todo o modo de existência do homem, tanto como indivíduo quanto como ser
social? É o paralelo exato do sentimento de um rei que herdou o trono, de sua
superioridade e excelência em relação aos outros por ter nascido rei, ou o de
um nobre por ter nascido nobre. A relação entre marido e mulher é muito
semelhante à do senhor com o vassalo, exceto que a mulher é obrigada a uma
obediência mais ilimitada do que a imposta ao vassalo. Conquanto o caráter do
vassalo pode ter sido afetado, para melhor ou pior, por sua subordinação, quem
será capaz de ver que o do senhor foi grandemente afetado para pior? Se ele foi
levado a crer que seus vassalos eram na verdade superiores, ou a sentir que
tinha o comando sobre pessoas tão boas quanto ele mesmo, não por méritos ou
esforços seus, mas meramente por ter tido, como dizia Fígaro,26 o trabalho de
nascer. A egolatria do monarca, ou do senhor feudal, é análoga à egolatria do
homem. Seres humanos não saem da infância na posse de distinções que não
conquistou sem se vangloriar delas. Aqueles cujos privilégios não adquiridos
por seu próprio mérito, e dos quais não se sentem merecedores, lhes inspiram
ainda maior humildade, são sempre a minoria, e a melhor minoria. Os demais só
se inspiram no orgulho, e no pior tipo de orgulho, aquele que sentem por
usufruir de vantagens acidentais, não conquistadas por eles. Mais do que tudo,
quando o sentimento de estar acima de todo o outro sexo se combina com o
exercício de autoridade pessoal sobre um indivíduo desse sexo, a situação, se é
uma escola de consciência e afetuosa indulgência para aqueles cujos pontos
fortes do caráter são consciência e afeto, para homens de outra qualidade é uma
estável e constituída Academia ou Ginásio, que os treina na arrogância e no
despotismo; e cujos vícios, se coibidos pela certeza de encontrar resistência
em sua interação com outros homens, seus iguais, se manifestam para todos que
estão em posição de serem obrigados a suportá-los, e com frequência se vingam
na pobre mulher pela restrição involuntária a que são obrigados a se submeter
alhures.”
“Depois das necessidades primárias de
alimentação e vestimenta, a liberdade é a primeira e mais forte carência da
natureza humana.”
“Uma mente ativa e enérgica, se a liberdade
lhe é negada, irá em busca do poder; se lhe é recusado o comando de si mesma,
irá afirmar sua personalidade tentando controlar os outros. Não permitir a um
ser humano uma existência própria a não ser no que depende de outros é dar um
prêmio demasiadamente alto à submissão dos outros aos próprios propósitos. Onde
não se têm perspectivas de liberdade, mas se têm do poder, o poder torna-se o
grande objeto do desejo humano; aqueles aos quais outros não permitirão uma
condução sem interferências de seus próprios assuntos irão se compensar, se
puderem, intrometendo-se, com seus próprios propósitos, nos assuntos dos
outros. Daí, também, a paixão das mulheres pela beleza pessoal, a roupa e a
apresentação; e todos os males daí emanados, na forma de luxo pernicioso e
imoralidade social. O amor ao poder e o amor à liberdade estão em eterno
conflito. Onde há menos liberdade, a paixão pelo poder é mais ardente e
inescrupulosa. O desejo de exercer poder sobre os outros só deixará de ser um
agente de depravação entre os homens quando cada um deles, individualmente, for
capaz de abdicar dele; o que só poderá acontecer onde o respeito pela liberdade
de cada um e por tudo que lhe diz respeito seja um princípio estabelecido.”
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