Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-7753-100-4
Tradução: Luciano Costa Neto
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 540
Sinopse: Neste
livro, Hobsbawm identifica as instituições, as ideologias, a ciência, a
religião, os vencedores e os vencidos do curto período que vai de 1848 a 1875.
No apagar das chamas revolucionárias (1848), surgiu uma
época de relativa paz, um período em que se desenvolveram um novo estilo e uma
nova escala de valores que, juntos, formaram A era do capital. Análise
detalhada da ascensão do capitalismo industrial e da consolidação da cultura
burguesa.
Análise detalhada da ascensão do capitalismo industrial e
da consolidação da cultura burguesa.
“O triunfo global do capitalismo é o tema
mais importante da história nas décadas que sucederam 1848. Foi o triunfo de
uma sociedade que acreditou que o crescimento econômico repousava na competição
da livre iniciativa privada, no sucesso de comprar tudo no mercado mais barato
(inclusive trabalho) e vender no mais caro. Uma economia assim baseada, e,
portanto, repousando naturalmente nas sólidas fundações de uma burguesia
composta daqueles cuja energia, mérito e inteligência elevou-os a tal posição,
deveria – assim se acreditava – não somente criar um mundo de plena
distribuição material, mas também de crescente felicidade, oportunidade humana
e razão, de avanço das ciências e das artes, numa palavra, um mundo de contínuo
e acelerado progresso material e moral. Os poucos obstáculos ainda
remanescentes no caminho do livre desenvolvimento da economia privada seriam
levados de roldão. As instituições do mundo, ou mais precisamente daquelas
partes do mundo ainda não desembaraçadas da tirania das tradições e
superstições, ou do fato infeliz de não possuírem pele branca (preferivelmente
originária da Europa Central ou do Norte), gradualmente se aproximariam do
modelo internacional de uma “nação-estado” definida territorialmente, com uma
constituição garantindo a propriedade e os direitos civis, assembleias
representativas e governos eleitos responsáveis por elas e, onde possível, uma
participação do povo comum na política dentro de limites tais que garantissem a
ordem social burguesa e evitassem o risco de ser derrubada.”
“As classes médias da Europa ficaram
assustadas e permaneceram assustadas com o povo: “democracia” ainda era vista
como sendo o prelúdio rápido e certeiro para o “socialismo”. Os homens que
oficialmente presidiam os interesses da vitoriosa ordem burguesa no seu momento
de triunfo eram nobres do campo prussianos, profundamente reacionários, uma
imitação de imperador na França e uma sucessão de proprietários aristocráticos
na Inglaterra. O medo da revolução era real, a insegurança básica estava
entranhada. Bem para o fim de nosso período, o único exemplo de revolução num
país avançado, uma insurreição em Paris quase que localizada e de vida curta,
produziu um grande banho de sangue incomparavelmente superior a 1848 e uma
enxurrada de nervosas trocas de informações diplomáticas. Já nesse tempo, os
dirigentes dos estados avançados da Europa, com maior ou menor relutância,
começaram a reconhecer não apenas que “democracia”, isto é, uma constituição
parlamentar baseada em sufrágio universal, era inevitável, como também viria a
ser provavelmente um aborrecimento inofensivo politicamente. Esta descoberta já
havia sido feita de há muito pelos dirigentes dos Estados Unidos.”
“Aqueles que fizeram a revolução eram
inquestionavelmente os trabalhadores pobres. Foram eles que morreram nas
barricadas urbanas: em Berlim, havia apenas 15 representantes das classes
educadas e 30 mestres-artesãos entre os 300 mortos das lutas de março; em
Milão, apenas 12 estudantes, trabalhadores de colarinho branco ou proprietários
entre os 350 mortos na insurreição. Foi sua fome que alimentou as demonstrações
que se transformaram em revoluções.”
“Para os indivíduos do mundo fora do
capitalismo, que eram agora atingidos e sacudidos por ele, significou a escolha
entre uma resistência passiva em termos de suas antigas tradições e formas de
ser ou então um traumático processo de tomada das armas do Ocidente para
voltá-las contra os conquistadores: a compreensão e a manipulação do progresso
por eles mesmos. O mundo deste período da história foi um mundo de vitoriosos e
vítimas. Seu drama consistiu nas dificuldades não dos primeiros, mas
primariamente dos últimos.”
“A monarquia francesa tinha sido derrubada
por uma insurreição, a república proclamada e a revolução europeia tinha
iniciado.
Tem havido um bom número de grandes
revoluções na história do mundo moderno, e certamente a maioria bem-sucedidas.
Mas nunca houve uma que tivesse se espalhado tão rápida e amplamente, se
alastrando como fogo na palha por sobre fronteiras, países e mesmo oceanos. Na
França, o centro natural e detonador das revoluções europeias, a república foi
proclamada em 24 de fevereiro. Por volta de 2 de março, a revolução havia ganho
o sudoeste alemão; em 6 de março a Bavária, 11 de março Berlim, 13 de março
Viena, e quase imediatamente a Hungria; em 18 de março Milão e, em seguida, a
Itália (onde uma revolta independente havia tomado a Sicília). Nesta época, o
mais rápido serviço de informação acessível a qualquer pessoa (os serviços do
banco Rothschild) não podia trazer notícias de Paris a Viena em menos de cinco
dias. Em poucas semanas nenhum governo ficou de pé numa área da Europa que hoje
é ocupada completa ou parcialmente por dez estados, sem contar as repercussões
em um bom número de outros. Além disso, 1848 foi a primeira revolução
potencialmente global, cuja influência direta pode ser detectada na insurreição
de 1848 em Pernambuco (Brasil) e poucos anos depois na remota Colômbia. Num
certo sentido, foi o paradigma de um tipo de “revolução mundial” com o qual,
dali em diante, rebeldes poderiam sonhar e que, em raros momentos como no
após-guerra das duas conflagrações mundiais, eles pensaram poder reconhecer. De
fato, explosões simultâneas continentais ou mundiais são extremamente raras.
1848 na Europa foi a única a afetar tanto as partes “desenvolvidas” quando as
atrasadas do continente. Foi ao mesmo tempo a mais ampla e a menos bem-sucedida
deste tipo de revoluções. No breve período de seis meses de sua explosão, sua
derrota universal era seguramente previsível; dezoito meses depois, todos os
regimes que derrubara foram restaurados, com a exceção da República Francesa
que, por seu lado, estava mantendo todas as distâncias possíveis em relação à
revolução à qual devia sua própria existência. (...)
Ocorrera uma, e apenas uma modificação
irreversível importante: a abolição da escravatura no Império dos Habsburgos.
Excetuando-se esta última, apesar de ser visivelmente uma importante
realização, 1848 aparece como a revolução da moderna história da Europa que
combinou a maior promessa, a maior extensão, o maior sucesso inicial imediato e
o mais rápido e retumbante fracasso. Num certo sentido, lembra outro fenômeno
de massa da década de 1840, o movimento cartista na Inglaterra. (...)
As revoluções de 1848, portanto, requerem um
detalhado estudo por estado, povo, região, para o que este livro não é o lugar.
No entanto, elas tiveram muito em comum, não apenas pelo fato de terem ocorrido
quase simultaneamente, mas também por que seus destinos estavam cruzados, todas
possuíam um estilo e sentimento comuns, uma atmosfera curiosamente
romântico-utópica e uma retórica similar, para o que os franceses inventaram a
palavra quarente-huitard. Qualquer historiador reconhece-a
imediatamente: as barbas, as gravatas esvoaçantes, os chapéus dos militantes,
as bandeiras tricolores, as barricadas, o sentido inicial de libertação, de
imensa esperança e confusão otimista. Era a “primavera dos povos” – e, como a
primavera, não durou.”
“Todas estas revoluções têm algo mais em
comum, que contribuiu largamente para o seu fracasso. Elas foram, de fato ou
enquanto antecipação imediata, revoluções sociais dos trabalhadores pobres.
Portanto, elas assustaram os moderados liberais a quem elas mesmas deram poder
e proeminência – e mesmo alguns dos políticos mais radicais –, pelo menos tanto
quanto os conservadores que apoiavam os antigos regimes.”
“Convicção intelectual é raramente mais forte
que o interesse próprio.”
“Mas o conservantismo essencialmente estava
com aqueles que ficavam com a tradição, a velha e ordeira sociedade, costumes e
nenhuma modificação, em oposição a tudo que fosse novo. Daí a importância
crucial da posição das igrejas oficiais, organizações ameaçadas por tudo aquilo
que o liberalismo defendia e ainda capazes de mobilizar forças imensas contra
ele, como por exemplo a inserção de uma quinta coluna no centro do poder
burguês através da piedade e tradicionalismo das viúvas e filhas, a permanência
de um controle clerical sobre as cerimônias de nascimento, casamento e morte, e
um controle sobre um grande setor da educação. Estes controles eram vigorosamente
contestados, e forneceram um bom número de razões para a disputa política entre
conservadores e liberais em vários países.
Todas as igrejas oficiais eram ipso
facto conservadoras, embora apenas a maior delas, a Católica Romana,
tenha formulado sua posição de aberta hostilidade à crescente tendência
liberal. Em 1864, o Papa Pio IX definiu suas posições no Syllabus of
Errors. Esta encíclica condenou de forma igualmente implacável, 80 erros,
incluindo “naturalismo” (que negava a ação de Deus sobre os homens e o mundo),
“racionalismo” (o uso da razão sem referência a Deus), “racionalismo moderado”
(uma recusa de supervisão eclesiástica por parte da ciência e da filosofia),
“indiferentismo” (escolha livre de religião ou mesmo ausência dela), educação
laica, a separação da Igreja e do Estado e, em geral (erro nº 80), a ideia de
que o “Pontífice Romano pode e deve reconciliar-se e chegar a bom termo com o
progresso, o liberalismo e a civilização moderna”. Inevitavelmente, a linha
entre direita e esquerda tornou-se em grande parte a divisão entre
clericalistas e anticlericalistas.”
“‘Pobre México’, iria observar o presidente
Porfirio Diaz (1828-1915), ‘tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos’,
e mesmo os estados latino-americanos que se achavam mais perto do Todo-Poderoso
verificaram de forma cada vez mais consciente que, neste mundo, era sobre
Washington que eles deveriam manter o olho alerta.”
“Todos estes homens eram especuladores e
estavam prontos para seguir em direção do dinheiro grosso, onde quer que ele se
encontrasse. Nenhum deles tinha ou poderia ter escrúpulos de forma excessiva,
numa era e numa economia onde fraude, suborno, calúnia e, se necessário,
revólveres eram aspectos normais da competição. Todos eram homens duros e todos
olhariam as questões concernentes à honestidade de suas atividades como sendo
consideravelmente menos relevantes para seus negócios do que sua esperteza. Não
era por acaso que o “darwinismo social” explicava, de forma dogmática, que
aqueles que subiam ao topo de tudo eram os melhores, porque eram os mais
capazes de sobreviver na selva humana, teoria que se transformou na teologia
nacional do final do século XIX nos Estados Unidos. (...)
Mas o que atraía a atenção eram, fato aliás
bem compreensível, as carreiras dos jovens que simplesmente viam a
oportunidade, apanhavam-na e enfrentavam todos os desafios: homens que estavam
imbuídos acima de tudo pelo imperativo capitalista da acumulação. As
oportunidades eram realmente colossais para homens preparados para seguir a lógica
da obtenção do lucro em lugar da lógica de viver, e que possuíam competência
suficiente, energia, rudeza e ambição. As distrações eram mínimas. Não havia
uma velha nobreza para seduzir os homens com títulos, e nem o exemplo tentador
da vida descontraída de uma aristocracia agrária. A política era antes algo
para se comprar do que para se praticar, exceto, evidentemente, como outro meio
de fazer dinheiro.
Em certo sentido, portanto, os robber
barons sentiam-se representantes da América como nenhum outro grupo ou
pessoa. E não estavam enganados. Os nomes dos maiores milionários – Morgan,
Rockefeller – entraram no domínio do mito, e esta era a razão por que, ao lado
de mitos de origem bem diferente – pistoleiros e xerifes do Oeste – eles eram
provavelmente os únicos nomes de indivíduos americanos deste período (com a
exceção de Abraham Lincoln) bem conhecidos no exterior, exceto entre aqueles
que diziam ter um especial interesse na história dos Estados Unidos. E os
grandes capitalistas impuseram seu selo ao país. “Antigamente”, escreveu
o National Labor Tribune em 1874, “os homens na América podiam
ser seus próprios dirigentes. Ninguém podia ou devia tornar-se dominador”. Mas
agora, “estes sonhos não se realizam... A classe operária deste país...
repentinamente descobriu que o capital é tão rígido como uma monarquia
absoluta”.”
“A Comuna de Paris era, como a maior parte da
história revolucionária de nosso período, importante não apenas por aquilo que
realizou como por aquilo que anunciou; era mais formidável como um símbolo de
que como um fato. Sua história verdadeira é obscurecida pelo mito enormemente
poderoso que gerou, tanto na França como (através de Karl Marx) no movimento
socialista internacional; um mito que reverbera até hoje, principalmente na República
Popular da China. Ela foi extraordinária, heroica, dramática e trágica, mas em
termos concretos foi breve, e na opinião da maioria dos observadores condenada,
um governo insurrecional de trabalhadores em uma única cidade, cuja realização
maior foi o fato de ser realmente um governo, mesmo que durasse
menos de dois meses. Lênin, depois de outubro de 1917, iria contar os dias até
a data em que pôde triunfantemente dizer: já duramos mais do que a Comuna.
Porém, os historiadores deveriam resistir à tentação de reduzi-la
retrospectivamente. Se não chegou a ameaçar seriamente a ordem burguesa, pelo
menos aterrorizou a todos pela sua mera existência. Se na sua vida e morte foi
cercada por pânico e histeria, especialmente na imprensa internacional, que
acusava-a de instituir o comunismo, expropriar os ricos e partilhar suas
mulheres, de terror, massacre generalizado, caos, anarquia ou o que mais
provocasse pesadelos nas classes respeitáveis – tudo, não é necessário dizer,
arquitetado pela Internacional. Mais importante, os próprios governos sentiram
a necessidade de entrar em ação contra a ameaça internacional à ordem e à
civilização. Excetuando-se a colaboração internacional entre polícias e uma
tendência (vista como mais escandalosa ontem do que seria hoje) em negar
a comunardos fugitivos o status protetor de
refugiados políticos, o chanceler austríaco – apoiado por Bismarck, homem não
dado a reações de pânico – sugeriu a formação da Contra-Internacional
Capitalista. O medo da revolução era um fato maior na constituição da Liga dos
Três Imperadores de 1873 (Alemanha, Áustria, Rússia), vista como uma nova Santa
Aliança “contra o radicalismo europeu que tem ameaçado todos os tronos e
instituições”, embora o rápido declínio da Internacional tivesse feito este objetivo
menos urgente na época em que foi finalmente instituída. O fato significativo
sobre este nervosismo era que os governos agora temiam não a revolução social
em geral, mas a revolução proletária. Os marxistas, que viam a
Comuna essencialmente como um movimento proletário, estavam na berlinda dos
governos e da opinião pública “respeitável” da época.
E de fato, a Comuna era uma insurreição operária –
e se uma palavra descreve homens e mulheres “a meio caminho entre ‘povo’ e
‘proletariado’”, ao invés de trabalhadores de fábricas, esta palavra também
serviria para os ativistas dos movimentos trabalhistas em outros lugares neste
período. Os 36 mil comunardos aprisionados eram um corte
transversal na população trabalhadora de Paris: 8% de trabalhadores de
colarinho branco, 7% de funcionários, 10% de pequenos lojistas e similares, mas
o resto era esmagadoramente composto de operários – da construção civil,
metalurgia, trabalho em geral, seguidos pelos mais tradicionalmente
especializados (carpintaria, artigos de luxo, impressão, tecidos), que também
forneciam um número desproporcional ao pessoal dirigente, e evidentemente os
eternos radicais sapateiros. Mas podia-se dizer que a Comuna fosse uma
revolução socialista? Quase que certamente sim, embora seu
socialismo fosse essencialmente o sonho pré-1848 de cooperativas autônomas ou
unidades corporativas de produtores, agora reclamando intervenção governamental
radical e sistemática. Seus resultados práticos foram mais modestos, mas isso
não foi culpa sua.
Pois a Comuna foi um regime sitiado, o filho
da guerra e do cerco de Paris, a resposta à capitulação. O avanço dos
prussianos em 1870 quebrou o pescoço do império de Napoleão III. Os moderados
republicanos que o derrubaram continuaram a guerra sem vontade, e desistiram ao
perceber que a única resistência possível implicava a mobilização
revolucionária das massas, um novo jacobismo e outra república social. Em
Paris, sitiada e abandonada pelo governo e pela burguesia, o poder de fato
havia caído nas mãos dos prefeitos dos arrondissements (distritos)
e da Guarda Nacional, isto é, na prática os setores populares e operários. A
tentativa de desarmar a Guarda Nacional (depois da capitulação), que provocou a
revolução, tomou a forma de uma organização municipal independente de Paris (a
“Comuna”). Mas a Comuna foi quase que imediatamente sitiada pelo governo
nacional (então localizado em Versalhes) – o exército vitorioso alemão que
cercava Paris contendo-se para não intervir. Os dois meses da Comuna foram um
período praticamente de guerra contínua contra as esmagadoras forças de
Versalhes: quase duas semanas depois de sua proclamação em 18 de março havia
perdido a iniciativa. Por volta de 21 de maio, o inimigo havia entrado em Paris
e a semana final meramente demonstrou que o povo trabalhador de Paris podia
morrer tão arduamente como havia vivido. Os de Versalhes talvez tenham perdido
1.100 em mortos e desaparecidos, e a Comuna talvez tenha executado uma centena
de reféns.
Quem saberá dizer quantos comunardos foram
mortos durante a luta? Milhares foram massacrados posteriormente: os de
Versalhes admitiram 17 mil, mas este número não pode ser mais do que a metade
da verdade. Mais de 43 mil foram feitos prisioneiros, 10 mil foram
sentenciados, dos quais pelo menos metade foi enviada para o exílio penal na
Nova Caledônia, o resto para a prisão. Esta era a vingança do “povo
respeitável”. Daquele momento em diante, um rio de sangue correu entre os
trabalhadores de Paris e as “classes melhores”. E daí em diante também os
revolucionários sociais aprenderam o que os esperava se não conseguissem manter
o poder.”
“Para o capitalismo, a terra era um fator de
produção e uma mercadoria peculiar apenas pela sua imobilidade e quantidade
limitada, embora, como tenha ocorrido, as grandes aberturas de novas terras
deste período fizeram com que estas limitações parecessem aparentemente
insignificantes para a época. O problema do que fazer com aqueles que detinham
este “monopólio natural”, portanto mantendo uma espécie de pedágio sobre o
resto da economia, parecia relativamente superável. A agricultura era uma
“indústria” como qualquer outra, para ser conduzida por princípios de obtenção
de lucro, o fazendeiro um empresário. O mundo rural como um todo era um
mercado, uma fonte de trabalho, uma fonte de capital.
Não havia meio de reconciliar esta
perspectiva com a dos camponeses ou senhores da terra, para os quais a terra
não era apenas uma fonte de grande lucro mas a própria estrutura de vida; onde
as relações entre os homens e a terra e entre si em termos da terra não eram
opcionais, mas obrigatórias. Mesmo a nível de governo e pensamento político,
onde as “leis da economia” poderiam ser mais aceitas, o conflito era grande. A
propriedade tradicional da terra podia ser economicamente indesejável, mas não
era ela o cimento da estrutura social que desabaria em anarquia e revolução
caso desaparecesse? (A política inglesa da terra na Índia viu-se com graves
problemas diante deste dilema.) Economicamente, talvez fosse mais simples se não
houvesse campesinato, mas não era ele uma garantia da estabilidade social e a
espinha dorsal dos exércitos de muitos governos? Num tempo onde o capitalismo
estava arruinando suas classes trabalhadoras de forma tão evidente, podia um
estado prescindir de um reservatório de saudáveis homens do campo para recrutar
para as cidades?
Consequentemente, o capitalismo poderia
somente vir a minar as bases agrárias da estabilidade política, especialmente
às margens ou dentro da periferia dependente do Ocidente desenvolvido.
Economicamente, como vimos, a transição para a produção de mercado, e
especialmente a exportação de monocultura, rompia as relações sociais
tradicionais e desestabilizava a economia. Politicamente, a “modernização”
implicava, para aqueles que desejavam sofrer o processo, uma colisão frontal
com o principal apoio do tradicionalismo, a sociedade agrária. As classes
dirigentes da Inglaterra, onde senhores da terra e camponeses pré-capitalistas
haviam desaparecido, e as da Alemanha e França, onde um modus vivendi com
o campesinato fora estabelecido na base de um florescente (e onde necessário
protegido) mercado interno, podiam, portanto, confiar na lealdade do campo. Mas
em outros lugares não o podiam. Na Itália e na Espanha, na Rússia e nos Estados
Unidos, na China e na América Latina, era mais provável que se transformassem
em regiões de fermento social e explosão ocasional.
Por uma razão ou por outra, três tipos de
empreendimento agrário estavam sob particular pressão: a plantação escrava, o
estado servil e a economia camponesa tradicional não-capitalista.”
“Se esnobismo dividia milionários dos ricos e
estes por seu turno dos meramente confortáveis, o que era natural numa classe
cuja verdadeira essência era elevar-se mais alto na escala do conforto
individual, esta divisão não chegava a destruir a consciência de grupo que
transformou o “meio” da sociedade na “classe média” ou “burguesia”.
Apoiava-se em pressupostos comuns, credos
comuns, formas de ação comuns. A burguesia de nosso período era esmagadoramente
“liberal”, não necessariamente num sentido partidário (embora como já vimos, os
partidos liberais prevalecessem), mas num sentido ideológico. Acreditava no
capitalismo, empresa privada competitiva, tecnologia, ciência e razão. Acreditava
no progresso, numa certa forma de governo representativo, numa certa quantidade
de liberdades e direitos civis, desde que estes fossem compatíveis com a regra
da lei e com o tipo de ordem que mantivesse os pobres no seu lugar. Acreditava
mais na cultura que na religião, em casos extremos substituindo a frequência
ritual à igreja pela ida à ópera, teatro e concertos. Acreditava na carreira
aberta ao empreendimento e talento, e as próprias vidas de seus membros
provavam estes méritos. Como já vimos, neste tempo a fé tradicional e puritana
nas virtudes da moderação e abstenção encontrava dificuldades no caminho de sua
realização, mas este fracasso não era muito lamentado. Se a sociedade alemã
viesse a entrar em colapso algum dia, escreveu um cronista em 1855, seria
porque as classes médias tinham começado a procurar aparência e luxo “sem
buscar contrabalançar isso com o sentido burguês para o trabalho, com o
respeito pelas forças espirituais da vida, com o esforço de identificar
ciência, ideia e talento com o desenvolvimento progressivo do Terceiro Estado”.
Talvez o sentido da luta pela existência – uma seleção natural na qual vitória
ou mesmo sobrevivência provavam tanto a capacitação quanto as qualidades
essencialmente morais que sozinhas poderiam proporcionar esta capacitação –
reflita a adaptação da antiga ética burguesa a uma nova situação. Darwinismo,
social ou de outra forma, não era apenas uma ciência, mas também uma ideologia,
mesmo antes de ser formulada. Ser burguês não era apenas ser superior, mas implicava
também ter demonstrado as qualidades morais equivalentes às antigas qualidades
puritanas.
Mas antes de qualquer outra coisa,
significava superioridade. O burguês não era apenas independente, um homem a
quem ninguém (exceto o Estado ou Deus) dava ordens, mas que as determinava a si
mesmo. Não era apenas um empregador, empresário ou capitalista, mas socialmente
um “senhor”, um lord (Fabrikherr), um patron, ou chef. O
monopólio do comando – na casa, no negócio, na fábrica – era fundamental para
sua própria definição, e seu reconhecimento formal, fosse nominal ou real, é um
elemento essencial em todas as disputas industriais deste período. (...)
Daí a crescente importância das teorias
alternativas da superioridade biológica de classe, que tanto atravessa o Weltanschauung burguês
do século XIX. Superioridade era o resultado da seleção natural, transmitida
geneticamente. O burguês era, senão de uma espécie diferente, pelo menos de uma
raça superior, um nível mais alto na evolução humana, diferente dos níveis mais
baixos que permaneciam no equivalente cultural ou histórico da infância ou, no
máximo, adolescência.
De senhor à raça superior era apenas um
passo; portanto, o direito de dominar, a inquestionável superioridade do
burguês como espécie, implicava não apenas inferioridade, mas idealmente uma
inferioridade aceita nas relações entre homens e mulheres (que mais uma vez
simbolizavam muito sobre a visão burguesa do mundo). Os trabalhadores, como as
mulheres, deveriam ser leais e satisfeitos. Se não o fossem, era devido àquela
figura crucial do universo social da burguesia, “o agitador de fora”. Embora
nada fosse mais óbvio a olho nu que o fato de que os membros dos sindicatos
eram sempre os melhores trabalhadores, os mais inteligentes, os mais preparados,
o mito do “agitador de fora” explorando as mentes simples, mas basicamente
operativas dos trabalhadores era indestrutível. “A conduta dos trabalhadores é
deplorável”, escreveu um gerente de minas francês em 1869, no processo de
violenta repressão a uma espécie de greve que o livro Germinal de
Zola nos deu um retrato tão vivo, “mas é preciso ter-se em conta que eles foram
apenas vítimas de agitadores.” Para ser mais preciso: o militante operário
ativo ou o líder potencial precisava, por definição, ser um
“agitador”, já que não podia ser classificado dentro do estereótipo de
obediência, boçalidade e estupidez. Quando em 1859 nove dos melhores operários
mineiros de Seaton Delaval – “seis deles metodistas primitivos, e dois deles
dados à prédica” – foram enviados à prisão por dois meses depois de uma
greve à qual eles tinham se oposto, o gerente da mina deixou este
ponto bem claro: – “Sei que eles são homens respeitáveis, e é por isso que eu
os ponho na prisão. Não adianta nada prender aqueles que não sentem”. Tal
atitude refletia a determinação em decapitar as classes menos favorecidas,
quando elas não perdiam seus líderes potenciais espontaneamente através da
absorção por parte da classe média. Mas também refletia um grau considerável de
confiança. Estávamos longe daqueles proprietários de fábricas da década de
1830, vivendo em terror constante de algo como uma insurreição escrava. Quando,
agora, os donos de fábricas falavam do perigo do comunismo espreitando atrás de
qualquer limitação do direito absoluto de admitir e despedir, eles não se
referiam à revolução social, mas meramente ao fato de que o direito de
propriedade e o direito de dominação eram indissociáveis, e uma sociedade
burguesa iria perder-se completamente a partir do momento em que qualquer interferência
em relação à propriedade fosse permitida. Portanto, a reação de medo e ódio foi
bem mais histérica quando o espectro da revolução social irrompeu mais uma vez
dentro do confiante mundo capitalista. Os massacres dos Communards de
Paris o testemunham de forma contundente.”
“Como Baudelaire observou com acuidade, o
prazer de representar o presente vem não apenas de sua possível beleza, mas
também de “seu caráter essencial de ser o presente”, portanto cada “presente”
precisa encontrar sua forma própria de expressão, já que nenhum outro poderia
expressá-lo adequadamente.”
“Faça-se o que quiser, o destino tem
sempre a última palavra nas questões humanas. Há uma tirania real para todos.
Segundo os princípios do Progresso, o destino já devia ter sido abolido há
muito tempo atrás.”
Johann Nestroy, autor teatral cômico
vienense, 1850