Editora: Conrad
ISBN: 978-85-7616-231-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 182
“Um país que deixa
matar seus líderes populares está se ferindo, se mutilando. Cada assassinato
representa uma vitória para o atraso, a barbaridade, a raiva, a estupidez. Essa
sangria permanente das mulheres e dos homens mais corajosos e dinâmicos, mais
idealistas e generosos, tem um custo alto. A morte de um líder não é
simplesmente a eliminação de uma pessoa inconveniente, mas um golpe contra a
esperança. Contra o futuro.”
“O
crime chocou o país e teve um efeito devastador sobre os xukuru. Mesmo assim,
os indígenas decidiram prosseguir com sua reivindicação e adotaram, como
símbolo de sua luta, a frase proferida pela esposa de Chicão, Zenilda Maria
Araújo, durante os ritos funerários do marido. “Recebe teu filho, minha Mãe Natureza.
Ele não vai ser sepultado, vai ser plantado na tua sombra, como ele queria.
Para que dele nasçam novos guerreiros.” Basta perguntar a qualquer xukuru se
seu cacique foi enterrado e ele responderá: “Não foi; foi plantado no chão”.
Daí o nome deste livro, que é em primeiro lugar um tributo a todos aqueles que
morreram simplesmente porque defendiam um ideal: que os direitos expressos na
Constituição fossem cumpridos. Que cada um deles seja uma nova semente para que
outros continuem sua luta.”
“A
grande maioria dos assassinados por defesa de direitos no Brasil é composta de
pessoas ligadas a algum movimento social, cuja atuação é diferente da dos
profissionais geralmente considerados “defensores” pela ONU. São vítimas de
violações que se organizam para pleitear o que lhes cabe por lei. Quando os
sem-terra ocupam uma fazenda improdutiva, estão exigindo o cumprimento do
artigo 184 da Constituição, que estabelece a função social da propriedade.
Quando um grupo de estudantes bloqueia um terminal de ônibus, está realizando
um ato político para reivindicar o que está expresso nas leis municipais – que
a tarifa deve ser condizente com o poder aquisitivo da população.”
“Com
todas as suas limitações, nossa proposta é levantar a discussão: como é possível,
em plena democracia, a ocorrência de assassinatos políticos?
A pergunta
ganha força ao se analisar os dados publicados pela CPT. Segundo os cadernos
“Conflitos no Campo”, nos três primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (2003 a 2005),
foram assassinadas 146 pessoas no campo, enquanto no mesmo período no governo
anterior houve 76 mortes. Ou seja, um aumento de quase 100% – e isso se deu
durante o governo do primeiro operário a chegar à presidência deste país,
alguém que já foi um representante do movimento social, um sindicalista
perseguido por sua militância.”
“O
assassinato de um militante não representa apenas a morte daquela pessoa. É um
pouco o assassinato de sua causa, da luta que abraçou em vida. ‘Cada um desses
assassinatos está impedindo que a comunidade, através da palavra daquela
pessoa, possa ter um maior acolhimento das suas pretensões pelo poder público’,
comenta o jurista Hélio Bicudo (...) ‘O crime político não é apenas o fato de
que a pessoa assassinada esteja fazendo parte do organismo do Estado ou se
opondo a ele, é a política num sentido maior, num sentido de que o Estado deve
contemplar todos os direitos. Na medida em que não contempla e as pessoas se
rebelam contra esse Estado, a eliminação dessas pessoas tem um conteúdo
político evidente’. Ou seja: na origem de cada crime político está a
responsabilidade do próprio Estado.”
“De certa forma,
existe um elemento ideológico que entremeia todo esse processo. Para o
advogado Darci Frigo (e para todos os outros entrevistados), o pano de fundo
para o verdadeiro ciclo vicioso do crime político no Brasil é a criminalização
dos movimentos sociais – ou seja, a associação entre militantes e criminosos
perante a opinião pública.
“A criminalização
tem vários estágios”, explica Frigo. Negar que os militantes lutam pelo que
lhes é devido seria o primeiro passo para deslegitimar o movimento – algo que
ocorreu inúmeras vezes na história recente do país. No entanto, o processo evolui
de maneiras variadas. É comum, por exemplo, que autoridades procurem
deslegitimar as lideranças como representantes de um anseio coletivo. A
socióloga Silvia Viana Rodrigues aponta para o fato de que é cada vez mais
comum ouvir governantes afirmarem que tal ou tal movimento “tem fins
políticos”. “Qualquer liderança é acusada de ter aspirações
político-partidárias. E o termo ‘político’ acaba ganhando uma conotação
pejorativa”, explica.
Outras
estratégias, adotadas por diferentes atores em diferentes âmbitos do Estado,
colaboram para a criminalização. Por exemplo, a negação da legitimidade dos
meios de pressão utilizados pelos movimentos – como a ocupação de um terreno ou
o bloqueio do trânsito – sob o argumento de que tal atitude é “ilegal”.
“Pode-se desmoralizar as pessoas publicamente, acusar de crimes que não
cometeram, transformar uma situação de ato político em um ato criminoso,
prender sem provas formais”, relata Darci Frigo.
Afinal de
contas, se entrar sem permissão em uma propriedade privada é contra a lei, não
seria correto chamar aqueles que o fazem de criminosos? Segundo Hélio Bicudo,
não. “Esse embate é também político, mas é fundamentalmente jurídico. É uma
questão interpretativa. Tomar posse de uma terra é uma ação formalmente ilegal,
mas que defende o direito das pessoas sobre o direito da propriedade. Como o
direito à terra é um direito social, nos usos e costumes a interpretação é
absolutamente favorável a que o movimento tome terras que estão inaproveitadas
para que elas sejam realmente utilizadas em benefício das pessoas. O que o MST
está fazendo é, através de ocupações de terras que aparentemente são
inaproveitadas, forçar uma definição do Estado sobre essas terras porque, se
não estão sendo aproveitadas, o Estado tem que usar o dispositivo
constitucional e desapropriá-las.” Ou seja: em vez de violar a lei, o movimento
está forçando o cumprimento dela. A mesma regra pode ser aplicada aos demais
casos: os estudantes que paralisam o trânsito da cidade, os sindicalistas que
realizam protestos diante das fábricas, os indígenas que expulsam invasores de
suas terras.
No entanto,
esse debate geralmente não faz parte do cotidiano daqueles que lidam
diretamente com os movimentos – os defensores da “lei e da ordem”. Artur
Henrique da Silva Santos, presidente da CUT, é testemunha da violência com que
as polícias militares e civis tratam trabalhadores durante as manifestações
sindicais, tradição que parece não perder terreno com o passar do tempo. Há
ainda outras formas de coerção adotadas por policiais e investigadores,
segundo Sandra Carvalho, da ONG Justiça Global: violação de domicílio ou
instalações de organizações de direitos humanos, ingerências arbitrárias ou
abusivas em correspondência ou comunicações telefônicas ou eletrônicas, atividades
de inteligência e espionagem dirigidas contra defensores, e restrições de
acesso a informações em poder do Estado.”
(Trechos de declaração da ONU)
“Reconhecendo o importante papel da cooperação
internacional e a importante contribuição do trabalho dos indivíduos, grupos e
associações para a efetiva eliminação de todas as violações de direitos
humanos e liberdades fundamentais dos povos e dos indivíduos, nomeadamente no
que diz respeito a violações em massa, flagrantes e sistemáticas como as que
resultam do apartheid, de todas as formas de discriminação racial, do colonialismo,
do domínio ou ocupação estrangeira, da agressão ou ameaças à soberania
nacional, unidade nacional ou integridade territorial e da recusa em reconhecer
o direito dos povos à autodeterminação e o direito de todos os povos a
exercerem plena soberania sobre suas riquezas e recursos naturais(...)”.
“Artigo 1º
Todas as pessoas têm o direito,
individualmente e em associação com outras, de promover e lutar pela proteção e
realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em nível nacional
e internacional.
Artigo 2º
1. Cada Estado tem a responsabilidade
e o dever primordiais de proteger, promover e tornar efetivos todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente através da adoção das medidas
necessárias à criação das devidas condições nas áreas social, econômica,
política e outras, bem como das garantias jurídicas que se impõem para
assegurar que todas as pessoas sob a sua jurisdição, individualmente e em
associação com outras, possam gozar na prática esses direitos e liberdades;
2. Cada Estado deverá adotar as
medidas legislativas, administrativas e outras que se revelem necessárias para
assegurar que os direitos e liberdades referidos na presente Declaração sejam
efetivamente garantidos.” (...)