Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-3590-955-5
Tradução: Heitor Aquino Ferreira
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 152
Sinopse: Verdadeiro
clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século XX, A
revolução dos bichos é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição
dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a
revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos.
Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em
1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa
causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em
que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo
nazifascista.
De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão
seria Stálin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos –
expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História
– mimetizam os que estavam em curso na União Soviética.
Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que
causaram constrangimento na época de sua publicação levaram A revolução
dos bichos a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes
como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo
e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a
utilização de sua fábula como panfleto.
Depois das profundas transformações políticas que mudaram
a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra-prima de Orwell
pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois
de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as
fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução
política. É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da
humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a
inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os
homens.
Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às
minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e
situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz
duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e
a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante
máximo.
“Então, camaradas, qual é a natureza da nossa
vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta.
Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando e
os que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas
forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda
crueldade. Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou lazer, após
completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida de um
animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua.”
“Por que, então, permanecemos nesta miséria?
Porque quase todo o produto do nosso esforço nos é roubado pelos seres humanos.
Eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. Resume-se em uma só
palavra – Homem. O homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da
cena o Homem, e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho
desaparecerá para sempre.”
“Mas no fim, nenhum animal escapa ao cutelo.”
“E, principalmente, jamais um animal deverá
tiranizar outros animais. Todos os animais são iguais.”
“Os porcos não trabalhavam, propriamente, mas
dirigiam e supervisionavam o trabalho dos outros. Donos de conhecimentos
maiores, era natural que assumissem a liderança.”
“Benjamim sabia ler tão bem quanto os porcos,
mas não exercia sua faculdade. Ao que sabia – costumava dizer – nada havia que
valesse a pena ler.”
“Além da disputa sobre o moinho de vento,
havia o problema da defesa da granja. Eles bem sabiam que, embora os humanos
tivessem sido derrotados na Batalha do Estábulo, poderiam fazer outra
tentativa, mais reforçada, para retomar a granja e restaurar Jones. Tinham as
melhores razões para tentar, pois a notícia, da derrota, se espalhara pela
região e tornara os animais das granjas vizinhas mais rebeldes do que nunca.
Como sempre, Bola-de-Neve e Napoleão não estavam de acordo. Segundo Napoleão o
que os animais deveriam fazer era conseguir armas de fogo e instruir-se no seu
emprego. Bola-de-Neve achava que deveriam enviar mais e mais pombos e provocar
a rebelião entre os bichos das outras granjas. O primeiro argumentava que, se
não fossem capazes de defender-se, estavam destinados à submissão; o outro
alegava que, fomentando revoluções em toda parte, não teriam necessidade de
defender-se.”
“– Camaradas – disse –, tenho certeza de
que cada animal compreende o sacrifício que o Camarada Napoleão faz ao tomar
sobre seus ombros mais esse trabalho. Não penseis, camaradas, que a liderança
seja um prazer. Pelo contrário, é uma enorme e pesada responsabilidade. Ninguém
mais que o Camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais.
Feliz seria ele se pudesse deixar-vos tomar decisões por vossa própria vontade;
mas, às vezes, poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; então, onde iríamos
parar? Suponhamos que tivésseis decidido seguir Bola-de-Neve com suas miragens
de moinho de vento – logo Bola-de-Neve que, como sabemos, não passava de um
criminoso?”
“Naquela tarde, Garganta explicou aos outros
bichos, em particular, que Napoleão nunca fora contra a construção do moinho de
vento. Pelo contrário, ele é que advogara a ideia desde o início, e o plano que
Bola-de-Neve havia desenhado no assoalho do galpão das incubadoras fora, na
realidade, roubado de entre os papéis de Napoleão. O moinho de vento, era, em
verdade, criação do próprio Napoleão.
– Por que, então - perguntou
alguém –, ele tanto falou contra o moinho?
Garganta olhou, manhoso.
– Aí é que estava a esperteza do
Camarada Napoleão – disse. – Ele fingira ser
contra o moinho de vento, apenas como manobra para livrar-se de Bola-de-Neve,
que era um péssimo caráter e uma influência perniciosa. Agora que Bola-de-Neve
saíra do caminho, o plano podia prosseguir sem sua interferência. Isso, disse
garganta, era uma coisa chamada tática. Repetiu inúmeras vezes: “Tática,
camaradas, tática!”, saltando à roda e sacudindo o rabicho com um riso jovial.
Os bichos não estavam muito certos do significado da palavra, mas Garganta
falava tão persuasivamente e os três cachorros – que por coincidência estavam
com ele – rosnavam tão ameaçadoramente, que aceitaram a explicação sem mais
perguntas.”
“De certa maneira, parecia como se a granja
se houvesse tornado rica sem que nenhum animal tivesse enriquecido – exceto, é
claro, os porcos e os cachorros. Talvez isso acontecesse por haver tantos
porcos e tantos cachorros. Não que esses animais não trabalhassem, à sua moda.
Garganta nunca se cansava de explicar que havia um trabalho insano na ação de
supervisionar e organizar a granja. Grande parte desse trabalho era de natureza
tal que estava além da ignorância dos bichos. Tentando explicar, Garganta
dizia-lhes que os porcos despendiam diariamente enormes esforços com coisas
misteriosas chamadas “arquivos”, “relatórios”, “minutas” e “memorandos”. Eram
grandes folhas de papel que precisavam ser miudamente cobertas com escritas e,
logo depois, queimadas no forno. Era tudo da mais alta importância para o
bem-estar da granja, dizia Garganta.”
“Todos os animais são iguais. Mas alguns
animais são mais iguais que os outros.”
Um comentário:
"eram os ratos camaradas?"
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