segunda-feira, 25 de maio de 2009

Plantados no Chão: assassinatos políticos no Brasil hoje - Natalia Viana

Editora: Conrad
ISBN: 978-85-7616-231-5
Opinião★★★☆☆
Páginas: 182


“Um país que deixa matar seus líderes populares está se ferin­do, se mutilando. Cada assassinato representa uma vitória para o atraso, a barbaridade, a raiva, a estupidez. Essa sangria perma­nente das mulheres e dos homens mais corajosos e dinâmicos, mais idealistas e generosos, tem um custo alto. A morte de um líder não é simplesmente a eliminação de uma pessoa inconve­niente, mas um golpe contra a esperança. Contra o futuro.”


      “O crime chocou o país e teve um efeito devastador sobre os xukuru. Mesmo assim, os indígenas decidiram prosseguir com sua reivindicação e adotaram, como símbolo de sua luta, a frase proferida pela esposa de Chicão, Zenilda Maria Araújo, durante os ritos funerários do marido. “Recebe teu filho, minha Mãe Na­tureza. Ele não vai ser sepultado, vai ser plantado na tua sombra, como ele queria. Para que dele nasçam novos guerreiros.” Basta perguntar a qualquer xukuru se seu cacique foi enterrado e ele responderá: “Não foi; foi plantado no chão”. Daí o nome deste li­vro, que é em primeiro lugar um tributo a todos aqueles que mor­reram simplesmente porque defendiam um ideal: que os direitos expressos na Constituição fossem cumpridos. Que cada um deles seja uma nova semente para que outros continuem sua luta.”


      “A grande maioria dos assassinados por defesa de direitos no Brasil é composta de pessoas ligadas a algum movimento social, cuja atuação é diferente da dos profissionais geralmente consi­derados “defensores” pela ONU. São vítimas de violações que se organizam para pleitear o que lhes cabe por lei. Quando os sem-terra ocupam uma fazenda improdutiva, estão exigindo o cum­primento do artigo 184 da Constituição, que estabelece a função social da propriedade. Quando um grupo de estudantes bloqueia um terminal de ônibus, está realizando um ato político para rei­vindicar o que está expresso nas leis municipais – que a tarifa deve ser condizente com o poder aquisitivo da população.”


      “Com todas as suas limitações, nossa proposta é levantar a discussão: como é possível, em plena democracia, a ocorrência de assassinatos políticos?
     A pergunta ganha força ao se analisar os dados publicados pela CPT. Segundo os cadernos “Conflitos no Campo”, nos três primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2005), foram assassinadas 146 pessoas no campo, enquanto no mesmo período no governo anterior houve 76 mortes. Ou seja, um aumento de quase 100% – e isso se deu durante o governo do primeiro operário a chegar à presidência deste país, alguém que já foi um representante do movimento social, um sindicalista perseguido por sua militância.”


      “O assassinato de um militante não representa apenas a mor­te daquela pessoa. É um pouco o assassinato de sua causa, da luta que abraçou em vida. ‘Cada um desses assassinatos está im­pedindo que a comunidade, através da palavra daquela pessoa, possa ter um maior acolhimento das suas pretensões pelo poder público’, comenta o jurista Hélio Bicudo (...) ‘O crime político não é apenas o fato de que a pessoa assassinada esteja fazendo parte do organismo do Estado ou se opondo a ele, é a política num sentido maior, num sentido de que o Estado deve contemplar todos os direitos. Na medida em que não contempla e as pessoas se rebelam contra esse Estado, a eliminação dessas pessoas tem um conteúdo político evidente’. Ou seja: na origem de cada crime político está a responsabilidade do próprio Estado.”
  
      
     “De certa forma, existe um elemento ideológico que entre­meia todo esse processo. Para o advogado Darci Frigo (e para todos os outros entrevistados), o pano de fundo para o verda­deiro ciclo vicioso do crime político no Brasil é a criminalização dos movimentos sociais – ou seja, a associação entre militantes e criminosos perante a opinião pública.      
     “A criminalização tem vários estágios”, explica Frigo. Negar que os militantes lutam pelo que lhes é devido seria o primeiro passo para deslegitimar o movimento – algo que ocorreu inúme­ras vezes na história recente do país. No entanto, o processo evo­lui de maneiras variadas. É comum, por exemplo, que autoridades procurem deslegitimar as lideranças como representantes de um anseio coletivo. A socióloga Silvia Viana Rodrigues aponta para o fato de que é cada vez mais comum ouvir governantes afirmarem que tal ou tal movimento “tem fins políticos”. “Qualquer lideran­ça é acusada de ter aspirações político-partidárias. E o termo ‘po­lítico’ acaba ganhando uma conotação pejorativa”, explica.
     Outras estratégias, adotadas por diferentes atores em dife­rentes âmbitos do Estado, colaboram para a criminalização. Por exemplo, a negação da legitimidade dos meios de pressão utilizados pelos movimentos – como a ocupação de um terreno ou o bloqueio do trânsito – sob o argumento de que tal atitude é “ilegal”. “Pode-se desmoralizar as pessoas publicamente, acusar de crimes que não cometeram, transformar uma situação de ato político em um ato criminoso, prender sem provas formais”, re­lata Darci Frigo.
     Afinal de contas, se entrar sem permissão em uma proprie­dade privada é contra a lei, não seria correto chamar aqueles que o fazem de criminosos? Segundo Hélio Bicudo, não. “Esse embate é também político, mas é fundamentalmente jurídico. É uma questão interpretativa. Tomar posse de uma terra é uma ação formalmente ilegal, mas que defende o direito das pessoas sobre o direito da propriedade. Como o direito à terra é um di­reito social, nos usos e costumes a interpretação é absolutamen­te favorável a que o movimento tome terras que estão inaproveitadas para que elas sejam realmente utilizadas em benefício das pessoas. O que o MST está fazendo é, através de ocupações de terras que aparentemente são inaproveitadas, forçar uma de­finição do Estado sobre essas terras porque, se não estão sendo aproveitadas, o Estado tem que usar o dispositivo constitucional e desapropriá-las.” Ou seja: em vez de violar a lei, o movimen­to está forçando o cumprimento dela. A mesma regra pode ser aplicada aos demais casos: os estudantes que paralisam o trân­sito da cidade, os sindicalistas que realizam protestos diante das fábricas, os indígenas que expulsam invasores de suas terras.
     No entanto, esse debate geralmente não faz parte do coti­diano daqueles que lidam diretamente com os movimentos – os defensores da “lei e da ordem”. Artur Henrique da Silva Santos, presidente da CUT, é testemunha da violência com que as po­lícias militares e civis tratam trabalhadores durante as mani­festações sindicais, tradição que parece não perder terreno com o passar do tempo. Há ainda outras formas de coerção adota­das por policiais e investigadores, segundo Sandra Carvalho, da ONG Justiça Global: violação de domicílio ou instalações de organizações de direitos humanos, ingerências arbitrárias ou abusivas em correspondência ou comunicações telefônicas ou ele­trônicas, atividades de inteligência e espionagem dirigidas con­tra defensores, e restrições de acesso a informações em poder do Estado.”



(Trechos de declaração da ONU)
“Reconhecendo o importante papel da cooperação internacional e a importante contribuição do trabalho dos indivíduos, gru­pos e associações para a efetiva eliminação de todas as viola­ções de direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos e dos indivíduos, nomeadamente no que diz respeito a violações em massa, flagrantes e sistemáticas como as que resultam do apartheid, de todas as formas de discriminação racial, do colo­nialismo, do domínio ou ocupação estrangeira, da agressão ou ameaças à soberania nacional, unidade nacional ou integridade territorial e da recusa em reconhecer o direito dos povos à au­todeterminação e o direito de todos os povos a exercerem plena soberania sobre suas riquezas e recursos naturais(...)”.


Artigo 1º
Todas as pessoas têm o direito, individualmente e em associação com outras, de promover e lutar pela proteção e realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em nível nacio­nal e internacional.
Artigo 2º
1. Cada Estado tem a responsabilidade e o dever primordiais de proteger, promover e tornar efetivos todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, nomeadamente através da adoção das medidas necessárias à criação das devidas condições nas áreas social, econômica, política e outras, bem como das garantias ju­rídicas que se impõem para assegurar que todas as pessoas sob a sua jurisdição, individualmente e em associação com outras, possam gozar na prática esses direitos e liberdades;
  

2. Cada Estado deverá adotar as medidas legislativas, adminis­trativas e outras que se revelem necessárias para assegurar que os direitos e liberdades referidos na presente Declaração sejam efetivamente garantidos.” (...)

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